quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

MORTES ESTÃO ASSOCIADAS A REGIÕES COM DESMATAMENTO NO BRASIL

Para ilustrar a convergência entre a perda da biodiversidade e as questões sociais, no Brasil, é importante que sejam analisados os índices de homicídios relacionados à expansão da fronteira agrícola da Amazônia ou Região Centro Oeste brasileira. Segundo o relatório “Mapa da Violência no Brasil”, publicado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI)1, entre os 10 municípios brasileiros com as mais elevadas taxas relativas de homicídios (a cada 100.000 habitantes), sete destes fazem parte da região do Arco do Desmatamento da Amazônia, estabelecido oficialmente pelo IBGE.
 
No Estado do Mato Grosso, os municípios campeões em índices de assassinatos foram Colniza, Juruena, Ariapuanã e São José do Xingu. Colniza, que apresentou o maior índice, 165 homicídios/100.000 habitantes, teve valor seis vezes maior do que a taxa média nacional. Trata-se de um município novo, que surgiu a partir de um projeto de colonização da Amazônia, na década de 80, onde o plano do governo militar era tirar as famílias destituídas de terras, da região Sul, e assentá-las em terras da Amazônia. 
 
Um aspecto que chama a atenção é que na porção oeste do território brasileiro, o Estado do Mato Grosso continua sendo o campeão em desmatamento na Amazônia, e este fato é relacionado à expansão da fronteira agrícola e ao incremento das monoculturas de soja, principalmente para a exportação.2 O Mato Grosso foi o maior responsável pelo número recorde de 26.130 km2 de desmatamento da Amazônia, entre agosto de 2003 e agosto de 2004. No mesmo período, o Banco Mundial, por intermédio da Corporação Financeira Internacional (CFI-BIRD), realizou empréstimos para a expansão da atividade de sojicultura à empresa do maior produtor daquele Estado, Blairo Maggi, na época governador, e atual senador do MT, desconsiderando as consequências ambientais principalmente do desmatamento ligado à expansão da fronteira agrícola na região.3



Na porção leste da Amazônia o Estado do Pará é o mais desmatado, e a causa é a conversão de florestas para pastagens. Por outro lado, a grilagem de terras e a violência no campo, relacionadas à expansão da fronteira agrícola tornou a região sul do Pará, agora incrementada pela migração de dezenas de milhares de pessoas atraídas pela hidrelétrica de Belo Monte, agravou a situação.

 
Mais recentemente, constataram-se outras relações entre mortes de pessoas e degradação ambiental, ligados a eventos climáticos extremos, quando - em janeiro de 2011 - chuvas torrenciais causaram deslizamentos e enchentes na região serrana do Estado do Rio de Janeiro (municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, etc.). As encostas, os topos de morros e as margens de rios, com escassa vegetação original, foram ambientes propícios para cheias súbitas de rios e deslizamentos massivos de encostas. Como consequência ocorreram mais de 1000 mortes humanas ou desaparecimentos. Fatos semelhantes foram verificados em 2008, na região nordeste de Santa Catarina, quando as enchentes e deslizamentos, decorrentes das chuvas intensas, deixaram 151 mortos.

Infelizmente, tais situações não sensibilizaram os deputados federais brasileiros, que acabaram votando, em maio de 2012 o novo Código Florestal (Lei 12.651) que tratou, entre outros temas, da alteração para pior do Código anterior (Lei 4771/1965), com anistia aos desmatadores que suprimiram florestas até 22 de junho de 2008, flexibilizando a legislação, com a diminuição das áreas de preservação permanente na beira dos cursos d’água e dos topos e encostas de morro, além de jogar as Reservas Legais praticamente a ineficácia que contradiz sua função original.

O professor Carlos Porto Gonçalves4, da Universidade Federal Fluminense, analisa com maestria tais relações. É necessário que se realizem mais pesquisas para desnudar estas relações eclipsadas pelo anúncio dos recordes de safras para a exportação. Na escala gigantesca e ilimitada de crescimento atual da fronteira agrícola na economia hegemônica mundial, os biomas brasileiros e as populações tradicionais acabam sendo bucha de canhão para o modelo atual que causa aumento de homicídios e desmatamento.



Referências


1.    WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência no Brasil. Brasília: OEI - Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2007. Disponível em: < http://www.oei.es/noticias_oei/mapa_da_violencia_baixa.pdf >. 
 2.    BERMANN, C. Crise ambiental e as energias renováveis.  Energia, Ambiente e Sociedade/Artigos. pg. 23. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60n3/a10v60n3.pdf.>   

3. Material disponibilizado pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (http://www.rbrasil.org.br), denominado “Informe RB nº 03/2004”, com o título “Novo empréstimo exibe múltiplos tentáculos do Banco Mundial” p. 147. Disponível em: <http://www.choike.org/documentos/rb/rede_brasil06_bm.pdf>.  
4. Gonçalves, Carlos Porto. 2011. Brasil 2011: mortes, desmatamento e cenas de política explícita.  Disponível em <http://www.mst.org.br/node/11875>



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O INGÁ QUESTIONA DECRETO ESTADUAL QUE PROMOVE COMPLEXO HIDRELÉTRICO DE GARABI, MESMO ESTE NÃO TENDO LICENÇAS AMBIENTAIS



Ofício/InGá/nº03/2014                                                        
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2014
           
Ao Dr. Alexandre Saltz
Coordenação de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual

Prezado Senhor:

O InGá vem encaminhar denúncia ao Ministério Público Estadual questionando a legalidade do Decreto Estadual nº 50.017, de 9 de janeiro de 2013, que criou um Grupo de Trabalho e um Fórum a fim de promover a realização de um megaempreendimento de alto impacto ambiental denominado Complexo Hidrelétrico Garabi-Panambi, na porção média do rio Uruguai, decreto que declara que “a construção das hidrelétricas Garabi e Panambi promoverá o desenvolvimento social e econômico da região”, a despeito deste(s) não possuir(em) nenhum estudo de viabilidade ambiental e, como agravante, nenhuma licença ambiental por parte do órgão de meio ambiente (IBAMA). Da mesma forma, do ponto de vista da administração pública, é questionável que se criem expectativas favoráveis na região e uma inevitável pressão sobre os órgãos ambientais, implicando também em gastos públicos na promoção de atividades que deveriam seguir todo o trâmite de viabilidade ambiental, somente após um possível deferimento de licenças ambientais, o que não é o caso, pelo menos no momento.

O Ingá também solicita ao Ministério Publico Estadual que atue em conjunto com o Ministério Público Federal para que todo o processo de promoção destes empreendimentos seja reavaliado, considerando os elevados riscos à flora e à fauna do Rio Grande do Sul, em especial ao Parque Estadual do Turvo, o Salto do Yucumã, levando-se em conta que não se tem um balanço mínimo das condições de conservação da biodiversidade na bacia, após dezenas de empreendimentos hidrelétricos já realizados nas últimas duas décadas, bem como a diversas situações de irregularidades já constatadas. Destacamos aqui o caso da UHE Barra Grande, onde a própria empresa Engevix, que seria a principal empresa brasileira que encabeçaria os estudos do Complexo Garabi, para a Eletrobrás, estava envolvida no caso e foi multada por isso pelo Ibama em 10 milhões de reais, em 2005.

Estamos profundamente preocupados com a ausência de iniciativas públicas no sentido de que se assegure a necessária garantia legal da conservação da sociobiodiversidade da região da Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai, tendo em vista os altíssimos riscos ambientais decorrentes da maior área prevista para alagamento na bacia do rio Uruguai (73 mil hectares) que seria provocada pelos projetos de Aproveitamentos Hidrelétricos de Garabi e Panambi, levados a cabo pela Eletrobrás e Ebisa (Argentina). Espécies como Dyckia brevifolia, abundantes no Salto do Yucumã, até as décadas de 1980 (Brack et al. 1985) e 1990, hoje estão desaparecendo, como vimos constatando nos últimos cinco anos e vamos pedir providências do MPE., bem como averigúe o desbarrancamento acentuado na mata ciliar após os empreendimentos, a montante do P.Est. Turvo, das UHEs Foz de Chapecó, Itá, Machadinho e Barra Grande.

Ressaltamos, do ponto de vista da biodiversidade, que entre os principais impactos decorrentes destes novos empreendimentos destacam-se a perda de áreas florestais do Parque Estadual do Turvo (Decreto Estadual no 2.312, de 11 de março de 1947), o aumento do risco de extinção de dezenas de espécies de flora e fauna incluídas nos Decretos 42099 de 31 de dezembro de 2002 e 41.672, de 11 de junho de 2002, no caso da onça (Panthera onca), por exemplo, bem como as possíveis alterações sobre o Salto do Yucumã.

Causa estranheza à sociedade gaúcha que, apesar de não ser apresentada a sequência do processo de AAI (Avaliação Ambiental Integrada do rio Uruguai), o Governo do Estado tenha publicado o referido Decreto, contrariando a necessária forma republicana de gestão pública, pois o atropelo da medida, quando da criação do Grupo de Trabalho e Fórum, acabou por gerar muitas expectativas políticas, com setores econômicos, políticos e outros setores potenciais apoiadores do empreendimento, circunstância que fortalece a sensação geral de “fato consumado” em relação à realização destas obras.

Consideramos, ademais, que existe uma visível distorção do papel dos órgãos públicos, já que o GT inclui até mesmo a presença da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que teria como atribuição, justamente, participar junto com o Ibama dos licenciamentos dos empreendimentos. Qualquer processo de licenciamento deve prever também a possibilidade de indeferimento pelos órgãos ambientais, situação esta bem provável, pois do ponto de vista técnico, não se pode desconsiderar a situação já crítica do rio Uruguai.

Outrossim, cabe assinalar que o Governo do Estado além de desconsiderar a necessidade de término da Avaliação Ambiental Integrada, prevista no TC de Barra Grande, está passando por cima do Art. 9o da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981) que institui o Zoneamento Ecológico-Econômico, instrumento público fundamental no planejamento não só de empreendimentos e atividades, mas na gestão econômica e ambiental, garantindo diretrizes claras de proteção da biodiversidade e dos direitos da sociedade como um todo, visando as vocações econômicas locais e sustentáveis dos elementos de suporte à vida biodiversa.

Atenciosamente

Coordenação do InGá

CARTA DAS AGROFLORESTAS E FRUTAS NATIVAS DO RIO GRANDE DO SUL 2012

Frente ao atual debate sobre a produção agroflorestal no Rio Grande do Sul, nós, agricultores, representantes de comunidades indígenas e remanescentes de quilombos, técnicos, estudantes e acadêmicos, organizações governamentais, não-governamentais e movimentos sociais, reunidos nos dias 21 a 23 de novembro de 2012, no I Seminário das Agroflorestas do Rio Grande do Sul e o II Seminário de Frutas Nativas do Rio Grande do Sul, no Centro de Formação do Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, RS e no auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa do Estado do RS, buscamos a partir da compilação dos dados e das experiências sistematizadas ao longo do desenvolvimento do projeto Agroflorestas, aprofundar o debate sobre as Agroflorestas no RS e fortalecer as articulações resultantes desse processo. 

 O evento contou com a participação de cerca de 200 pessoas. Como um dos resultados relevantes, o Projeto Agroflorestas identificou 149 experiências agroflorestais manejadas por agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais nas diferentes regiões fitoecológicas, abarcando 75 municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Durante o processo de visitas às propriedades, trocas de experiências com os agricultores, discussões realizadas no I Seminário de Agroflorestas no Rio Grande do Sul e incorporando os documentos finais de outros eventos com temáticas relacionadas, como o Encontro dos Sistemas Agroflorestais em Terras Indígenas (2006), Seminário Técnico Frutas Nativas do RS: manejo, beneficiamento e comercialização (6 de dezembro de 2010), Seminário Regional de Agroindústrias Familiares do Litoral Norte (29 de março de 2011), II Seminário sobre Cadeias de Frutas Nativas do Litoral Norte do RS (10 outubro 2012), Encontro Regional de Estudantes de Biologia – EREB-Sul 2012 (15 e 18 de novembro 2012), identificou-se os diferentes contextos da produção agroflorestal por agricultores familiares no Estado, com destaque para os remanescentes de quilombos e Guarani, caracterizando-se os entraves relacionados ao manejo, beneficiamento e comercialização de produtos das agroflorestas, bem como sugestões para políticas de fomento a esta atividade produtiva e de conservação da biodiversidade e de processos ecossistêmicos, as quais são pontuadas a seguir: http://www.agroecologia.org.br