terça-feira, 25 de março de 2014
sexta-feira, 14 de março de 2014
MANIFESTO DE PROFESSORES E CIENTISTAS NO DIA INTERNACIONAL DE AÇÃO PELOS RIOS
No dia 14 de Março, Dia
Internacional de Ação Pelos Rios, um conjunto de 100 pesquisadores brasileiros
da área de meio ambiente, de universidades e instituições de vários Estados do
Brasil, encaminhou a Presidência da República e aos ministros do Meio Ambiente
(MMA) e de Minas e Energia (MME), por meio de ofício eletrônico, o "Manifesto de Cientistas pela Defesa de
Nossos Rios". Tal manifesto resgata a Moção sobre Barramentos, aprovada
no X Congresso de Ecologia do Brasil (http://www.cpap.embrapa.br/pesca/online/PESCA2011_10CEB1.pdf),
em setembro de 2011.
O Motivo de tal
iniciativa é chamar a atenção para a necessidade de políticas públicas
eficientes que garantam a continuidade de manutenção da vida diversa, incluindo
aqui as culturas humanas tradicionais dos ribeirinhos, e os remanescentes de
ecossistemas fluviais e de sistemas associados, como as matas ciliares, por
exemplo, diante do crescimento praticamente indiscriminado de empreendimentos
hidrelétricos no Brasil. Informações, ainda não confirmadas, dão conta de que mais
de cem mil pessoas podem ser atingidas no País, nos próximos anos, por
hidrelétricas, sendo pelo menos 15 % dos atingidos corresponderiam a povos
indígenas.
A Amazônia é a grande fronteira
prevista para esta expansão. Há cerca de dois anos, o governo federal lançou
decretos diminuindo em mais de 90 mil hectares algumas grandes Unidades de
Conservação da Amazônia, a fim de contemplar estes megaprojetos. Um dos casos
mais polêmicos, nos últimos anos, foi o da megahidrelétrica de Belo Monte (PA),
em plena região já conflagrada por enclaves de desmatamento e conversão de
florestas em pastagens. O Prof. Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (http://philip.inpa.gov.br)
vem há anos produzindo trabalhos científicos importantes alertando para o
efeito cascata de degradação ambiental, inclusive emanação de gases de efeito
estufa nos reservatórios, provocada por empreendimentos em sistemas hídricos
altamente complexos, cujos processos ecológicos ainda não são minimamente conhecidos.
Na Amazônia, enormes impactos
estão sendo derivados de duas grandes hidrelétricas do rio Madeira (Santo
Antônio e Jirau) (RO), que poderiam ter relação com as inéditas inundações deste
rio, que afeta parte da capital de Rondônia, Porto Velho. Entretanto, o ritmo
atual, nem mesmo o Pantanal escaparia de suas mais de 130 pequenas e médias
hidrelétricas previstas ou em construção em série nas cabeceiras dos rios dos
estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, segundo relatos de pesquisadores
da biodiversidade da região.
Fica evidente, entre
vários pesquisadores que debatem estes temas em eventos científicos, como os
Congressos de Ecologia do Brasil, que praticamente não há estudos de capacidade
de suporte para a construção de tantos empreendimentos, em um mesmo rio. Ou
seja, o processo de expansão de hidrelétricas está sem controle no Brasil. No
caso do rio Uruguai, no sul do Brasil, os projetos de hidrelétricas são da
década de 1970. Os planos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, do MME)
preveem pelo menos 11 barramentos em série, no mesmo rio, o que inevitavelmente
causaria perdas regionais de organismos aquáticos, como o peixe dourado, que
vem desaparecendo na região. O tema da extinção de espécies na natureza é mais
do que premente, e os estudos que destacam a presença de espécies exclusivas e
endêmicas são muito recentes. Uma grande polêmica surgiu com as reófitas
(plantas de curso de água corrente), destacando-se a bromélia dos lajeados (Dyckia distachya) que praticamente não é
mais encontrada em estado silvestre no rio Pelotas (RS/SC), após a construção
da UHE Barra Grande, em 2005.
É um tema até agora não
tratado, inclusive do ponto de vista ético, com o agravante da questão ligada
ao desconhecimento quanto a centenas ou milhares de espécies ainda não
descritas para a Ciência, que podem se afetadas ou até desaparecer nos próximos
anos nos sistemas fluviais, principalmente no Norte do Brasil. Este tema ganha
destaque entre os taxonomistas e os cientistas da biologia da conservação.
Alguns cientistas apontam
a falta de pesquisas prévias, profundas de ecologia e de etnoecologia, a fim de
se romper a atual forma imediatista e superficial de geração de estudos
pontuais e parciais, por consultorias financiadas pelo setor elétrico, para contemplar
o interesse dos mesmos interessados na expansão das hidrelétricas no País. Um
dos aspectos que também chama a atenção é a conclusão de que cerca de 2/3 dos
projetos de grandes, médias e pequenas hidrelétricas está incidindo justamente
no Mapa Oficial das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade
(Port. MMA n. 9, 23/01/2007). Inclusive o mapa das áreas definidas como de “Extrema
Importância” possui cerca de ¼ dos projetos de hidrelétricas previstos para os
próximos anos. Enquanto isso, os ministérios (MMA e MME) evitam fazer uma
discussão transparente sobre esta grande contradição, ainda mais em um momento
de crise de energia elétrica, que também é reflexo do débil planejamento em
alternativas de menor impacto (energia eólica, biomassa e energia solar).
Para que os planos de
construções de hidrelétricas não atropelem as políticas de conservação da
biodiversidade o documento destaca a necessidade de compromissos governamentais
na realização de estudos mais abrangentes, denominados de Avaliação Ambiental
Estratégica (AAE) ou Integrada (AAI). Um exemplo importante, com resultados de
diretrizes que se mantêm até hoje, foi o estudo de AAI realizado em 2001, no
rio Taquari-Antas (Região Serrana do RS) realizado pela FEPAM/SEMA-RS Estas avaliações
mais abrangentes e prévias aos costumeiros estudos de impacto ambiental
(EIA-RIMA) têm metodologias próximas de um zoneamento ecológico-econômico e
resultados de grande importância para os tomadores de decisão. Este estudo da
FEPAM, de 2001, definiu Áreas Livres de Barramento, em pelo menos 1/3 dos
trechos previstos (eliminados antecipadamente 17 dos 54 empreendimentos planejados).
Estas metodologias, com
base no Princípio da Precaução, que o Brasil assumiu perante acordos
internacionais, fortalecem a visão inteligente de se avaliar, previamente, as
alternativas locacionais, energéticas e de dimensão de empreendimentos, itens que
constam na Resolução do Conama 01 de 1986. E estas alternativas já são cada vez
mais viáveis e baratas, com destaque a energia eólica que poderia, sozinha, segundo
dados da própria EPE, gerar muito mais do que toda a energia elétrica gasta no
Brasil (obviamente sem afetar UCs, APCBio ou rotas migratórias), ou a energia
solar que, somente na Alemanha - onde a incidência solar é bem menor do que a
do Brasil - é responsável por uma geração de 30 GW, descentralizada, sendo maior
do que a geração da usina de Itaipu.
Os temas são vários e estas questões deverão ser
tratadas em encontros científicos, em associações, fóruns de políticas públicas
nos vários âmbitos. Entre as iniciativas futuras, está a sugestão da criação de
uma petição on-line, com apoio da SBPC, ABC e outras associações, agregando mais
cientistas, de forma mais articulada, por estes mesmos pleitos, cada vez mais
urgentes.
Segue o Manifesto
Segue o Manifesto
terça-feira, 4 de março de 2014
Barragens e violação de direitos: a história se repete com Garabi e Panambi
Eduardo
L. Ruppenthal
A
construção de mega-barragens é geradora de muitos conflitos pelos seus enormes
impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos. Isso já foi constatado e
pesquisado por vários cientistas e grupos das universidades brasileiras, mas
também está presente no noticiário cotidiano, principalmente nos últimos
grandes empreendimentos hidroelétricos como Jirau e Santo Antônio, no rio
Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu.
Na
bacia do Rio Uruguai, além de conflitos emblemáticos nas hidrelétricas de Itá e
Machadinho, há um pouco mais de uma década, a construção de Barra Grande, em
2004, foi notória pelo reconhecimento da fraude do EIA-RIMA levado a cabo pela
empresa Engevix. Fatos semelhantes ocorreram nas barragens de Foz do Chapecó e
Campos Novos, que foram palcos de guerra do Setor Elétrico (empresas e
governos) contra as comunidades, principalmente via criminalização da
resistência através da perseguição e prisões arbitrárias de atingidos e suas
lideranças organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Em Campos Novos, hidrelétrica que quase se rompeu
por apresentar rachaduras, a situação atingiu notoriedade nacional e
internacional, com denúncias de violação dos direitos humanos dos atingidos
encaminhadas a órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas
(ONU). A repercussão internacional gerou resultado, fazendo com que ocorresse
uma visita de uma representante da ONU, Hina Jilan, que por dois dias, 16 e 17
de dezembro de 2005, acompanhou de perto a situação dos atingidos acampados
próximos do local da construção da barragem. Constatou a violação de direitos
por parte das empresas, o não reconhecimento dos atingidos, onde inúmeras
famílias haviam perdido suas terras, sua cultura e sua vida com a construção da
obra e ainda sofriam com a prática da violência e uso de força policial.
Em novembro de 2010, o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aprovou o relatório da Comissão Especial que
analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no
processo de implantação de barragens no Brasil. As denúncias dos casos
acolhidos pela Comissão foram das UHE Canabrava (GO), UHE Tucuruí (PA), UHE
Aimorés (MG e ES), UHE Foz do Chapecó (RS e SC), PCH Fumaça (ES e MG), PCH
Emboque (MG) e Barragem de Acauã (PB).
A
comissão identificou um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente
violados, dentre os quais merecem destaque o direito à informação e à
participação; o direito à liberdade de reunião, associação e expressão; o
direito de ir e vir; o direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito
à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito
à plena reparação das perdas[1].
Garabi e Panambi: a história se repete
As notícias relacionadas à construção de duas
novas megabarragens, Garabi e Panambi, previstas
para o já “fragilizado e castigado” rio Uruguai e a
falta de informação pública fez com que no final de janeiro e início de
fevereiro de 2014 um grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
visitasse a região Noroeste do estado, especificamente os municípios de Alecrim
e Porto Mauá, dois dos 19 municípios que poderiam ser atingidos. Durante quatro
dias, o grupo visitou comunidades e áreas próximas ao rio Uruguai, participou
de reuniões, de entrevistas a rádio local e, principalmente, recebeu muitos
pedidos de informações acerca dos impactos desses dois barramentos.
O que se percebeu foi uma enorme situação de
insegurança e incerteza das famílias e das comunidades devido à falta de
informações, situação que se repete de forma deliberada por parte dos
responsáveis pelos projetos já que quando há alguma informação esta é dada de
forma incompleta ou desvirtuada, pelos próprios interessados nas obras. Neste
aspecto, entenda-se, o Setor Elétrico, formado por Eletrobrás, Ministério de
Minas e Energia, governos federal e estadual e empresas contratadas para
efetivarem os estudos iniciais, entre as quais destaca-se a Engevix, a mesma
empresa que fraudou o EIA-RIMA de Barra Grande. Essa informação “oficial”
possui alguns elementos: incerta, quando se refere aos questionamentos sobre os
reais impactos, empregando-se os mais variados subterfúgios; e tendenciosa,
pró-empreendimento usando-se do “fato consumado”, sem sequer ponderar a sua
viabilidade, pois não possui nenhum estudo ambiental e por conseqüência nenhum
licenciamento, atropelando a situação por meio do repasse de dados não
condizentes com a realidade, principalmente ocultando a história de conflitos
socioambientais na construção de outras barragens na região. E para isso alguns
lobbies formados por políticos interessados nos dividendos econômico-eleitorais
auxiliam o círculo vicioso da desinformação.
O conflito já está instalado na região. Em agosto
de 2013, após dois dias de mobilização, os atingidos conseguiram paralisar os
trabalhos e estudos sobre as obras realizados por empresas que invadiram os
terrenos de pequenos agricultores sem autorização e conhecimento dos
proprietários. Além da retirada das máquinas de sondagem, outro compromisso
cobrado dos responsáveis foi a necessidade de apresentar as informações, até
então sonegadas, e a garantia de audiências locais, a fim de que saibam da
opinião da população ameaçada pelos empreendimentos. Nas reuniões que
ocorreram, uma delas na distante cidade de Santa Rosa, e não em Porto Mauá que
seria atingida em 75% de seu perímetro urbano, prevaleceram as “informações” da
Eletrobrás, como de praxe tendenciosas, vazias e desencontradas, quanto aos
principais questionamentos socioambientais.
O MAB, por meio de uma reunião realizada com o
governo do estado, conseguiu o compromisso verbal de, junto com a Eletrobrás e
o próprio governo, planejar e organizar as reuniões nas comunidades e nos
municípios. Mas, como era de se esperar, infelizmente, esse acordo não foi
cumprido e o Setor Elétrico e governos estão realizando essas reuniões, que são
muito mais propagandas enganosas, nos municípios sem a participação do MAB.
Assim como na década de 1980, quando a resistência
da região não permitiu a realização do Complexo Garabi, várias pessoas e
setores da sociedade estão mobilizados e fazendo o contraponto, principalmente
informacional, entre os quais se destacam o MAB, a colônia de pescadores, a
rádio Navegantes AM, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a
pastoral social e a Igreja Católica da Diocese de Santo Ângelo, entre outros
grupos organizados.
Após quatro anos do lançamento do relatório e
com os novos conflitos gerados na construção de hidrelétricas no país, com
destaque negativo para as desastrosas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e
Santo Antônio, agora na região Noroeste do estado, verifica-se que a situação
não evoluiu, e até retrocedeu, pelo não cumprimento por parte do
Setor Elétrico das recomendações feitas nos relatórios oficiais nacionais e
internacionais. Um setor que, atrelado a gigantescas empreiteiras e a políticos
do grupo do Senador Sarney, resgata e recauchuta projetos da década de 1970,
gerando outras tantas violações dos direitos humanos sobre os atingidos, agora
ameaçando também o que resta do rio Uruguai, nos megaempreendimentos de Garabi
e Panambi (75 mil hectares de áreas alagadas), podendo afetar dezenas de
milhares de pessoas.
Por isso, quando dizemos “Não à Garabi e Panambi”,
além de estarmos defendendo o belo e majestoso Rio Uruguai, seus afluentes, com
suas corredeiras, florestas e áreas rurais de altíssima fertilidade, estamos
nesta luta juntos com os habitantes da região, que resistem a esta insanidade.
Para isso, nos aliamos aos agricultores, pescadores, comunidades ribeirinhas,
veranistas de seus balneários, moradores das cidades potencialmente atingidas.
Vamos cobrar a defesa da Constituição Federal que, em seu Art. 225, veda ações
que promovam a extinção de espécies da flora e da fauna, como o caso do
dourado, já ameaçado pelas barragens rio acima, assim como impedir que isso
tudo continue afetando o Salto do Yucumã e o Parque Estadual do Turvo.
Queremos dizer que é possível e necessário Um Outro
Modelo Energético, Público, com e para o povo, e assim estamos defendendo os
direitos humanos, o direito de resistência e o direito de viver! Garabi e
Panambi não passarão!
---
Eduardo
Luís Ruppenthal é professor de Biologia, biólogo e mestre em Desenvolvimento
Rural (PGDR/UFRGS). É também membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio
Ambiente (MoGdema), InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) e Movimento
Rio Uruguai Vivo