(terça-feira, 10 de Junho de 2014)
Artigo de Juliana Santilli publicado
recentemente no sítio-e do ISA (Instituto Socioambiental) critica
anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério da Agricultura (MAPA) sem ter sido
realizada nenhuma consulta a organizações da sociedade civil e movimentos
sociais. Juliana Santilli é promotora de Justiça do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios, sócia fundadora do ISA e autora do livro
“Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores” (Ed. Peirópolis, 2009).
Trata-se de uma proposta elaborada exclusivamente pelo e para o agronegócio, e sem qualquer consulta aos demais atores sociais que compõem o rico e complexo universo agrário e agrícola brasileiro. A própria exposição de motivos do anteprojeto reconhece que o texto “foi amplamente discutido com instituições representativas do agronegócio” – como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e a Frente Parlamentar da Agropecuária – e que “obteve apoio” de todas essas organizações.
E as organizações representativas da agricultura familiar, tradicional e agroecologica? Foram simplesmente ignoradas em um anteprojeto que pretende nada menos do que regular “o acesso ao patrimônio genético destinado à alimentação e à agricultura, aos conhecimentos tradicionais associados, a repartição de benefícios para a sua conservação e uso sustentável”, bem como “implementar os direitos de agricultor previstos no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA)”.
A proposta nega direitos aos agricultores, ao afirmar expressamente que: “o acesso à variedade tradicional, local ou crioula ou à raça localmente adaptada ou crioula para as finalidades de alimentação e de agricultura compreende o acesso ao conhecimento tradicional associado e não depende da anuência do agricultor tradicional que cria, desenvolve, detém ou conserva a variedade ou raça” (art.5º, §1º, negritos nossos). A justificativa da exposição de motivos para isso é de que “não importa qual o povo ou comunidade que ‘inventou’ o recurso genético”.
A agrobiodiversidade passa a ser considerada pelo anteprojeto como “bem da União” (art.2º), gerido única e exclusivamente pelo Mapa (art.4º, caput) e sem qualquer participação dos agricultores e de suas organizações. Caberá também unicamente ao Mapa definir como aplicar os recursos destinados à implementação dos direitos de agricultor (art.4º, IX). Ou seja, os agricultores e suas organizações não terão qualquer direito de decidir sobre as formas de utilização de eventuais recursos que lhes sejam destinados por meio do Fundo Federal Agropecuário, administrado também exclusivamente pelo Mapa e sem qualquer participação social.