segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Que Rio Grande do Sul não queremos na área ambiental? Vamos avançar?



Em agosto de 2014 realizamos um artigo de opinião, para contribuição a um processo previamente às eleições de outubro, chamado pela Agapan, intitulado “Que Rio Grande do Sul queremos na área ambiental?”[1]. Entretanto, no final do ano de 2014, duas grandes infelizes surpresas deram a sensação de retrocessos na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Primeiro, pela nomeação de mais uma pessoa sem formação na área: a contadora Ana Maria Pellini, amiga de confiança de Yeda Crusius, contestada na justiça por parte de ONGs por improbidade administrativa, quando, entre 2007-2009, esteve à frente da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler). Segundo, pela criação - no apagar das luzes de 2014 - da tal Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Seades?), extinguindo, portanto, a SEMA, criada em 1999, como uma conquista tanto do movimento ecologista como também dos funcionários da área que atuavam na, então, Secretaria Estadual de Saúde e Meio Ambiente e em outras secretarias. É importante lembrar que a Agapan, o Mogdema e outras entidades entregaram a candidatura de José Ivo Sartori e aos demais candidatos ao governo do Estado, há um mês antes das eleições de 2014, um documento com o tema Que Rio Grande Queremos[2], com a pauta ambientalista, e não tiveram nenhuma resposta do mesmo, até hoje.
Voltando ao primeiro caso, quanto da nomeação da atual secretária da meio ambiente, as entidades ambientalistas entregaram dia 15 de dezembro, ao candidato eleito a governador, Ivo Sartori, uma carta[3] [4]contestando a possível posse e questionando a legalidade de Ana Pellini para assumir a SEMA. Os motivos para isso eram os processos que correm na justiça, onde ela é ré, além de denúncias de casos de licenças irregulares, forma autoritária de administrar, favorecimento a empresas e assédio moral contra funcionários na liberação de licenças, quando de sua gestão na FEPAM, conforme os documentos colhidos pelas ONGs[5]. No final de 2014, as ONGs Agapan e Ingá questionaram também na Justiça a sua posse[6]. Entretanto, a Justiça somente retornou de seu recesso no dia 7 de janeiro de 2015.
Para colocarmos na atualidade as questões levantadas sobre o assunto, e que têm relação aos documentos entregues pelas ONGs ao governo, à imprensa e à justiça, cabe lembrarmos alguns fatos históricos da pasta de meio ambiente e em que situação a atual secretária tomou posse da FEPAM, em maio de 2007. Naquele ano, quando do início do governo Yeda Crusius, a primeira secretária a tomar posse na SEMA era a bióloga, com doutorado, Vera Callegaro, funcionária da SEMA, lotada na Fundação Zoobotânica (FZB). O fato gerou expectativas positivas por parte de técnicos da SEMA, ambientalistas e também acadêmicos. Seria a grande chance de a Secretaria dar um salto de qualidade e romper com o círculo vicioso de nomeações meramente político-partidárias para a pasta, e que vinham enfraquecendo o órgão estadual de meio ambiente.
Porém, quando começou a tomar forma o necessário e esperado Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS), construído pelos técnicos da FEPAM, FZB e DEFAP, com apoio de professores e pesquisadores de ecologia, que iria disciplinar a implantação de megaplantios de eucalipto, pinus e acácia negra, o setor da celulose e madeira (equivocadamente chamado setor florestal), aliado a parlamentares da chamada “Bancada da Celulose”, praticamente criou um clima de guerra contra o ZAS e o órgão de meio ambiente. Assim, com ajuda da grande imprensa financiada pelas empresas, entre elas Aracruz, Stora Enzo e Votorantim, foi forçada a sua demissão logo pouco mais de quatro meses de sua posse como secretária. O governo tentou abafar o caso, afirmando que sua saída teria sido provocada por problemas de saúde. Mas, em seguida, a versão foi desmentida pela própria Vera Callegaro.[7]
Em maio de 2007, foram chamados para atuar na Secretaria o staff que provinha da Secretaria de Justiça e Segurança (SJS), entre estes a própria Ana Pellini e o procurador (que assumiu como secretário da SEMA) Carlos O. Brenner de Moraes, pessoas de confiança do então secretário da SJS, José Otávio Germano, além de Francisco Simões Pires, procurador da Justiça. Ou seja, gerou-se uma equipe para atuar dentro da lógica de flexibilização, e blindada pela garantia de “legalidade” por parte dos procuradores da justiça, para operar na SEMA, alinhados ao governo que optou por dar um “choque de gestão”[8] na área, bem do feitio neoliberal da composição política daquele governo e também dos tempos atuais. Logo, foi formada uma “força-tarefa” para a liberação de “licenças-relâmpago”, principalmente para o setor da silvicultura. Algumas ações promovidas pelo Ministério Público tentaram frear a sanha pelas licenças que desconsideravam critérios importantes de EIA-RIMA para grandes plantios.
Naquele momento, como agora, os novos integrantes da secretaria de meio ambiente mostraram-se, a princípio, muito “abertos” e “dispostos ao diálogo”. Porém, dentro de pouco mais de dois meses de uma primeira reunião na SEMA com as entidades ambientalistas, em meados de maio de 2007, as entidades tiveram duas tentativas frustradas de reunião com os dirigentes da Secretaria, por “falta de tempo do secretário”, e assim desistiram de pedir outras audiências. Segundo a professora aposentada da UFRGS, e ambientalista, Maria da Conceição Carrion, que fez um dossiê fartamente documentado com matérias sobre o avanço da megassilvicultura no RS, “a única marca que Otaviano de Moraes deixou foi o ‘aligeiramento’ das licenças ambientais. Nem sequer tivemos a oportunidade de discutir com ele a inserção de mais ONGs no Conselho Estadual do Meio Ambiente, onde, por mais paradoxal que pareça, temos apenas quatro ONGs num total de 29 representantes, aliás, já fomos mais, [entretanto] ocuparam um dos nossos lugares com os Amigos da Floresta” [9]. Esta entidade que, na prática, representa o setor da silvicultura no Consema, não foi reconhecida como ambientalista no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA).
A percepção da SEMA, naquela gestão, teve aqui também o relato crítico do ex-professor da UFRGS, Flávio Lewgoy, que foi na época conselheiro do Consema, pela Agapan: "O governo Rigotto não chegou nem perto de fazer o estrago que a governadora está fazendo agora, pois a Sema não era e não é mais a Secretaria do Meio Ambiente, é a secretaria de grandes interesses econômicos, onde o licenciamento chegou a uma velocidade recorde, foi flexibilizado a tal ponto que a secretaria se transformou em um cartório, onde só cumprem algumas exigências, pagam a taxa e o documento está pronto".  
Em outubro de 2008, Carlos Brenner de Moraes acabou saindo da SEMA em decorrência, entre outros motivos, do desgaste na pasta ambiental, confessando desgosto profundo por ser "atacado pelas ONGs”. Porém, mesmo assim, recebeu o apoio formal das poderosas forças ruralistas e empresariais, por meio das mesmas entidades conservadoras do Consema que aprovaram de atropelo, e sem a legalidade necessária, um ZAS mutilado, principalmente, por ação da então direção da FEPAM, na noite do dia 8 de abril de 2008.[10] [11]. A Justiça, posteriormente acionada pelo Ministério Público Estadual, acabou considerando aquela decisão sem efeito, para desgosto da direção da FEPAM, SEMA e de seus aliados.
Carlos Brenner foi ocupar a então Secretaria Estadual da Transparência, secretaria criada como resposta à CPI da Operação Rodin, desencadeada pela Policia Federal, onde estavam indiciados vários representantes do governo e parlamento por envolvimento em esquema de desvios de 44 milhões de reais do DETRAN. Inclusive o ex- secretário da SJS, José Otávio Germano (2003-2006) tinha sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos responsáveis maiores do esquema.
No lugar de Brenner, na SEMA, ficou o procurador Francisco Simões. Este, por sua vez, durou pouco e, em meados de 2009, foi substituído pelo engenheiro e ex-deputado Berfran Rosado, um dos presos e indiciados na Operação Concutare (29-04-2013), desencadeada pela Polícia Federal que desbaratou crimes na área ambiental do Estado[12].  
A Operação Concutare desbaratou esquemas de propinas e licenças irregulares da FEPAM no setor de mineração e no tocante a grandes empreendimentos no Litoral Norte, estes últimos funcionando há pelo menos meia década. As irregularidades eram facilitadas pela descentralização, nos chamados balcões de licenças ambientais implementados justamente durante o governo Yeda. O ônus da degradação ambiental no Litoral, pela fragilização das licenças da FEPAM, nunca foi dimensionado, mas tratavam-se de muitas centenas de hectares de áreas de dunas, banhados, matas de restinga, sangradouros, muitas espécies ameaçadas, tanto da flora como da fauna, inclusive vertebrados como peixes, anfíbios, repteis, mamíferos e aves migratórias de áreas úmidas, na destruição do pouco que sobrou da paisagem e da biodiversidade da região.
Também nunca se fez o balanço ambiental resultantes da destruição de 1,1 mil hectares de matas em galeria, em pleno Pampa, por meio das barragens de Jaguari e Taquarembó (obras do PAC) na bacia do rio Santa Maria (municípios de Dom Pedrito e Rosário do Sul) que tiveram licenças irregulares contestadas pelo MPE e investigadas na Operação Solidária[13] da Policia Federal[14]. Pouco se falou que representantes da Secretaria Estadual da Irrigação estiveram entre os responsáveis por contratar estudos ambientais de baixíssima qualidade realizados para os empreendedores. Quase nada se falou que o ex-secretário da pasta, parlamentares e empresas de engenharia e meio ambiente foram indiciadas pela Policia Federal em situação de fraude em licitações e indícios de corrupção em projetos de importância questionável, que atenderiam algumas dezenas de grandes propriedades que investem em monoculturas no Pampa.
Da mesma forma, quem sabe um dia se possa fazer um balanço da forma não republicana da direção da FEPAM de tratar de alternativas aos danos desnecessários provocados pela Barragem de Marrecas em Caxias do Sul[15], que causou supressão sobre remanescentes em estádio avançado da Mata Atlântica. Tal empreendimento, superdimensionado, foi contestado na Justiça, por falta de anuência do Ibama, tendo localização que desconsiderou pareceres de técnicos da FEPAM que indicavam um outro local onde o desmatamento seria mínimo. Infelizmente, tal alternativa locacional prevista em lei, mas rejeitada pela direção da FEPAM, resultou na morte de milhares de araucárias (ameaçada de extinção) e outras tantas milhares de árvores de muitas dezenas de espécies tampouco encontradas em qualquer viveiro do Estado. O local, reconhecido por moradores como de paisagem única, abrigava um dos últimos remanescentes florestais de Caxias do Sul. Desapareceu para sempre, sob uma escolha forçada por quem não entende de biodiversidade e de sustentabilidade ambiental.
Em 2009, Ana Pellini foi assumir o cargo de secretária Geral do Governo Yeda, até o final do mandato da governadora. Cabe destacar que no final de 2010, houve uma articulação de bastidores, entre o governo e a Assembleia Legislativa, para alterar a composição do Consema, em um projeto de última hora, que incluiu a entrada de mais duas entidades aliadas aos projetos do governo e do grande setor econômico, diminuindo ainda mais o poder das ONGs naquele Conselho e tirando a possibilidade de que a presidência do Conselho fosse ocupada por membro que não fosso o próprio secretário. Ninguém do Consema foi consultado sobre isso, e os membros foram pegos de surpresa. 
Obviamente, não devemos desconsiderar que também durante o governo Tarso Genro a pasta ambiental nunca foi prioridade, o modelo econômico insustentável aprofundou-se, e as entidades nunca foram por ele recebidas, apesar de muitos pedidos feitos. Um dos maiores equívocos na área ambiental do governo (2011 e 2014) foi a entrega da pasta a um partido político, sem quadros na área. Entretanto, mesmo passando por quatro secretários em quatro anos, reconhecemos que a FEPAM depois da Operação Concutare teve ganhos expressivos em qualidade de gestão, com o retorno à direção da FEPAM do Engenheiro Químico Nilvo Silva, onde os planos de carreira e os mecanismo de gestão mais qualificados e permanentes foram estabelecidos, porém com  curta duração (segundo semestre de 2013- até o final de 2014). Talvez esta melhoria também foi um imperativo dos acordos com o Ministério Publico que condicionaram a resolução da crise de extração de areia, de 2013, ao preenchimento de mais de 100 vagas necessárias na FEPAM, com a obrigatoriedade de realização de concursos.
Retomando o período do final da gestão da então governadora Yeda, em 2010, para a recorrente falta de democracia, transparência e forma republicana de governar de seus pares, parece que o processo se repete na criação da Seades, agora em 22 de dezembro de 2014, no segundo tema que surpreendeu os gaúchos nas últimas semanas. Este projeto de nova secretaria, tirado da cartola de quem está acostumado(a) a governar de forma autoritária, contemplando os velhos interesses dos setores que mandam no Estado, fez parte do pacote de Sartori que nem ainda tinha assumido o governo, com proposta que entrou em tempo recorde na Assembleia Legislativa. O projeto de lei 282/2014 foi votado e aprovado rapidamente, juntamente com a extinção da Secretaria de Política para as Mulheres. Apesar dos funcionários da SEMA e dezenas de ambientalistas denunciarem a proposta de esvaziamento das funções da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, com a extinção na prática, de suas atribuições, entre elas de explicitar o papel do órgão central do SISEPRA (Sistema Integrado de Proteção Ambiental do Estado), retirando também funções recentes de controle de criatórios de fauna exótica e nativa, deixando o Cadastro Ambiental Rural sem definição de sua implementação no órgão ambiental, e gerando muita confusão em entrar na atribuição de educação ambiental  formal da SEC.
Mais uma vez, os grandes setores conservadores da economia gaúcha, que somente veem barreiras a seus pleitos imediatistas e insustentáveis, estão otimistas com a flexibilização previsível no que se pode chamar de licenciosidade ambiental. Mas, é bom que se diga: os movimentos ambientalistas, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal estão mais conhecedores do histórico de muitos agentes que atuam na área ambiental, e que acreditam que a Operação Concutare teve um papel pedagógico, a despeito de algumas impunidades ainda reinantes. E é bom lembrar que em nossa eterna SEMA temos excelentes quadros, tanto na FEPAM, como no DEBio (antigo DEFAP) e FZB. Gente que veste a camiseta do órgão e que não vai se deixar curvar por pressões meramente políticas em cima de seu trabalho de cunho técnico. Lembrando-se sempre que O ASSÉDIO MORAL, INCLUSIVE NA ÁREA AMBIENTAL, É CRIME! DENUNCIE!
E também temos a sensação de que a sociedade gaúcha estará mais atenta a acompanhar o que vai acontecer na área ambiental, para que possamos superar, sim, as situações tristes e vexatórias, já ocorridas, de descontrole ou negligência deliberada.
Assim, esperamos que, apesar dos apesares, se faça justiça e ainda venhamos a ter pessoas qualificadas para chefiar a pasta ambiental, e que retorne a existência da SEMA, já que as contradições e inconsistências são tantas na nova Seades. Neste item, no que toca ao termo “desenvolvimento sustentável”, dentro do paradigma vigente, do crescimento ilimitado em um planeta finito, é uma situação impossível. O termo já perdeu seu sentido e acaba sendo muito mais uma jogada de propaganda para dar uma falsa sensação de que a sustentabilidade é possível dentro deste modelo, que Boaventura de Sousa Santos[16] chama de “fascismo desenvolvimentista”. Um modelo de crescimento econômico que nos coloca em risco crescente perante as mudanças climáticas, decorrentes das atividades da economia humana hegemônica, que vem destruindo ainda mais globalmente a sustentabilidade planetária.
E esperamos também que um dia possamos ter orgulho de não mais nos depararmos aqui no Estado, ou fora dele, com situações como: a não cobrança de mais de 30 milhões de reais em multas não efetivadas pela SEMA; a permissão de retirada irregular de areia por empresas de mineração no Delta do Jacuí; o sucateamento quase total da rede de monitoramento da qualidade do ar da RMPA; o estado crítico nas unidades de conservação do Estado; as irregularidades em licenças ambientais; a falta de programas para enfrentar a situação das espécies ameaçadas de extinção; o boicote de entidades ruralistas e a negligência governamental quanto à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que deixa o RS em último lugar no processo; a falta de atualização do ZAS, e as tentativas de enfraquecimento da FEPAM no seu acompanhamento; o esvaziamento das funções precípuas do órgão ambiental, distribuidas para outras pastas ou setores que têm conflito de interesses; a nomeação de cargos de confiança (CCs) despreparados e como prêmio político na área técnica ou de chefias; a municipalização do licenciamento de forma fragilizada e leniente, ao gosto dos interesses locais; a desconsideração com as áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade (MMA, 2007) e a desconsideração com a Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica; as ausência de critérios como capacidade de suporte ecológico para empreendimentos e as desconsideração com os zoneamentos ecológico-econômicos; a desconsideração ou a pressão política e assédio moral sobre técnicos que possam emitir pareceres técnicos indeferindo licenças a empreendimentos ou atividades de setores econômicos ligados ao governo; o investimento em magaobras, como atividades decorrentes de carvão mineral, megahidrelétricas, monoculturas, entre outras. Que redirecionemos a economia para sua diversificação, desconcentração, por meio de energias alternativas, indústrias de produtos duradouros e de baixo impacto ambiental, com apoio à agroecologia, uso sustentável da agrobiodiversidade, com respeito aos indígenas e povos tradicionais, fortalecendo a agricultura familiar e campesina, com mais gente no campo e na cidade vivendo com dignidade.
Para que possamos avançar na área ambiental, necessitamos também prepararmo-nos para uma boa provocação constante com respeito aos governantes no sentido de que cumpram as políticas ambientais necessárias. Mas, para isso, a Apedema e os demais movimentos da área ambiental ou socioambiental, sindical, campesina e inclusive da academia, devem estar articulados para manter esta vigilância e, obviamente, cobrando diálogos sinceros, formulações e avanços nas políticas públicas, para a superação, quiçá para sempre, dos retrocessos socioambientais dos quais somos testemunhas hoje.

Paulo Brack, 12 de janeiro de 2015

[8] Capítulo “Os grandes projetos de silvicultura e o choque de indigestão na área ambiental do estado do Rio Grande do Sul”, In Althen Teixeira Filho, 2008. – Eucalipitais – Que Rio Grande do Sul desejamos. Disponível em: http://www.inga.org.br/wordpress/wp- content/uploads/eucalipitais.pdf.
[16]  Santos, Boaventura de Sousa,  Dôssie ABRASCO  Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde – Parte 3: Agrotóxicos, conhecimento científico e popular: construindo a ecologia de saberes. 2012. http:// www.contraosagrotoxicos.org/

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

RELATO DO ”ENCONTRO SOBRE PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS E A AGROBIODIVERSIDADE: ONDE ESTAMOS E AONDE QUEREMOS CHEGAR?"


No dia 25 de novembro de 2014, entre as 8:30 h e as 17:00 h, ocorreu o encontro sobre “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC)  e a Agrobiodiversidade:  onde estamos e aonde queremos chegar?" O evento, iniciativa dos Projetos de Extensão do Grupos Viveiros Comunitários, da Biologia da UFRGS, aconteceu no anfiteatro do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Campus do Vale, em Porto Alegre. Contou-se com a presença de aproximadamente 40 participantes; sendo os mesmos alunos do curso de Biologia, Agronomia, Gestão Ambiental, entre outros, além de professores de escolas de ensino básico e médio, agricultores e feirantes, nutricionistas, biólogos, professores da UFRGS (dep. de Botânica e Enfermagem), e outros técnicos, representantes de grupos que trabalham com cultivo e comercialização de frutas nativas/PANCs e uma representante da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural e Pesca (SDR). 
O Objetivo do encontro foi discutir os avanços e desafios do tema, seu papel estratégico e transformador do ponto de vista de Ciência, Meio Ambiente, Saúde e Cultura, na construção de um paradigma compatível com a vida diversa e com justiça, para todos.
Entre os resultados do encontro destacou-se a proposta de realização de evento (Simpósio ou Seminário Regional Sul sobre Plantas Alimentícias Não Convencionais) para os dias 15, 16, 17 de outubro de 2015.


MANHÃ
As 8:30 h da manhã, foi passado um vídeo introdutório do professor Valdely Kinupp, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM). Entre as 9:30 h e 12:15 h, foram feitos relatos dos grupos que trabalham com o tema das PANC, entre estes a família Bellé, o grupo Pitanga, o Grupo Viveiros Comunitários, a representante da SDR, professores de ensino básico e médio. 
O Professor P. Brack trouxe a discussão construída junto ao GVC, do qual faz parte, sobre o papel sistêmico das PANC, em diferentes âmbitos, ou seja, ecossistema até o nossos corpos, levantou também o desafio de se aprofundar a terminologia das plantas alimentícias não convencionais, sistematizando-se pelo uso, centralizando-se nas hortaliças não convencionais, nativas e espontâneas, bem como nas frutas nativas. Os membros do GVC falaram um pouco sobre o histórico do grupo com as plantas nativas alimentícias, tanto no Viveiro Bruno Irgang, como nas trocas com agricultores como nas experiências de preparos de receitas.
Houve também o relato de Francielle Mendoncin Bellé, da Agroindústria Bellé, de Antônio Prado, que falou um pouco da história do processo de incorporação das frutas nativas na vida da família e na economia, com base nos sucos que começaram a ser comercializados no Fórum Social Mundial de 2001. Comentou que um dos desafios da família era gerar o aproveitamento da agrobiodiversidade, evitando que se colocasse “fora” muitos dos produtos da floresta ou das colheitas de plantas convencionais. A história do uso das frutas nativas teria começado com a pitangueira, sendo que conseguiram obter, em uma safra, cerca de 80 kg de polpa de pitanga, em 2000. Tiveram dificuldades de adaptação de equipamentos, principalmente despolpadeiras específicas, e de retirada prévia da semente de frutos como pitangueira, antes do processamento. No ano de 2001, conseguiram obter 500 kg de polpa, fator que desencadeou o processo – engarrafamento de sucos de pitanga. Consideram que faltam estudos para otimizar o processo e que o produto pode ser ainda mais melhorado. Destacaram que a questão do enquadramento do produto e sua comercialização sempre foram, e ainda são, grandes dificuldades, pois não existe modelo e enquadramento para sucos das frutas nativas e a legislação é praticamente inviável para a maioria daqueles interessados no desenvolvimento destes produtos, principalmente no caso dos agricultores e da agricultura familiar. Durante a década passada, várias produtos de plantas frutíferas tiveram comercialização (butiá, guabiroba, cerejeira-do-mato, goiabeira-serrana, uvaia, pitangueira, ananá, etc.).
Foi destacado que o rol de dificuldades era tanta que em meados de 2010 a atividade quase foi abandonada depois de que fiscais do governo do Estado retiraram os produtos do Mercado Público de Porto Alegre. Naquela época, o rendimento das vendas era de cerca de 2 mil reais por semana e, com a ação de fiscalização, muito drástica e sem chance de resolução a curto prazo, a atividade de comercialização e o extrativismo das frutas ficaram quase que “proibidos”. No que toca a um dos problemas que era o enquadramento nas normas do Ministério da Agricultura, Pecuária, e Abastecimento (MAPA), foi realizada consulta para que fosse esclarecida a melhor forma de definição do produto, ou enquadramento, se seria “bebida”, “néctar” ou “suco”. Houve, portanto, contato com o setor de fiscalização do MAPA, e a partir daí, com diálogo com os técnicos do setor, em 2011, a empresa obteve o nome ”bebida da floresta”. Outra situação de dificuldades e insegurança jurídica na atividade de uso das frutas nativas era a questão da possibilidade de licenciamento ou autorização para o extrativismo das frutas nas matas e pomares. Os técnicos do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP-SEMA), com base na Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006 e Decreto Federal 6.660/ 2008), consideraram viável a atividade e esclareceram aos agricultores as formas de uso sustentável e de manejo dentro do rol das atividades das Agroflorestas. Houve avanço nestas autorizações para manejo agroflorestal. Várias propriedades que solicitaram licenças para o manejo tiveram a visita dos técnicos do DEFAP.
Também foi destacada a realização, em 6 de dezembro de 2010, do Seminário Técnico Frutas Nativas do Rio Grande do Sul: manejo, beneficiamento e comercialização e o ISeminário das Agroflorestas do Rio Grande do Sul e o II Seminário de FrutasNativas do Rio Grande do Sul.
 Francielle destacou também, frente à nova legislação dos orgânicos, que “é muito difícil enquadrar as frutas nativas na lei dos orgânicos”. Outro aspecto levantado pela agroindústria Bellé, é que “é necessário que se articule melhor a cadeia” [das frutas nativas e seus produtos]. E no que toca aos agricultores, reconhece que ainda “existem muitas dificuldades”, como a insegurança em deixar que sejam mapeadas matrizes ou árvores frutíferas para monitoramento, tendo em vista que as ações de fiscalização inibiram o uso das espécies nativas, assim, os agricultores muitas vezes têm medo de que pessoas estranhas (técnicos) venham a fazer mapeamento de árvores para a colheita dos frutos em suas propriedades. No que toca aos consumidores, considerou também que a maioria “desconhece nossa biodiversidade”, sendo preciso investir em propaganda, pesquisa, entre outros itens. Acrescentou que se deve conhecer melhor a biodiversidade alimentícia por região: “Falta saber onde tem produção”. Muitas vezes “não se sabe onde obter”. Um dos casos é do ananá (Ananas bracteatus), fruta bem cotada em sucos, sorvetes e outros derivados, que era comum nas propriedades e hoje quase não se encontra. Da mesma forma, outra dificuldade levantada é que em geral “os agricultores não sabem como preparar os diferentes tipos de produtos da agrobiodiversidade”. Levantou que é fundamental que se defina “o que é PANC, e o que não é PANC” e qual a melhor maneira de se aproveitar estes produtos. No tocante aos registros, “faltam condições para registro no MAPA, principalmente no que se refere ao PIQ” (Processos de Identidade e Qualidade) de forma mais conjunta e políticas públicas que viabilizem o registro dos produtos da sociobiodiversidade (ex. sucos). Na finalização de sua abordagem, Francielle afirmou que para que o processo de avanço da promoção do uso das frutas e outras PANC é muito importante que se dê maior visibilidade ao tema,  e também se estabelecendo e fortalecendo as parcerias, citando no caso as parcerias com a UFRGS, Embrapa, ONGs.
Por sua vez, Lucas, da Rede Juçara, de Maquiné, que atua em atividades conjuntas com a ONG Anama e também GVC, destacou que para o resgate do uso da juçara (Euterpe edulis), ainda existem problemas, deixando, muitas vezes, o uso dos produtos na informalidade, o que de certa forma representa um certo boicote do Estado, jogando então a comercialização para a informalidade. Salientou também que segue ainda dúvidas dos grupos com relação ao registro do nome, se açaí ou juçara. O nome mais usado, para a polpa da juçara, é açaí da mata atlântica. No caso o açaí (Euterpe oleracea), se conhece mais, porém provém de outra planta, da Amazônia. Destacou que as análises bromatológicas dão conta de que a polpa da juçara, em vários itens, apresenta componentes mais elevados em concentração, como flavonoides e antioxidantes, do que o açaí, e isso deve ser mais divulgado. Ademais se conta com um produto muitas vezes mais fresco ou de origem mais garantida, por se conhecer o melhor o produto, sua procedência e seus produtores.
 As representantes do Grupo Pitanga, um coletivo libertário constituído basicamente por mulheres, destacaram um pouco do que fazem, e a rápida expansão das demandas por seus produtos (PANCs), em geral com hortaliças não convencionais em bolos, pães, pizzas, etc. Usam e plantam as PANC, e se especializaram em comidas veganas. Reconheceram que, a partir de encontros de estudantes que trabalham com agroecologia, fora do Estado do RS o tema ainda está meio longe.
Um aluno do Curso de Gastronomia da UFCSPA comentou a questão de que para se trabalhar com algumas plantas, como no seu caso o uso do mamãozinho-do-mato ou jacaratiá (Vasconcellea quercifolia), era difícil de obter material, ou seja, encontrar as plantas para colher e processar em experimentos. Esta situação levanta a necessidade de se ter maiores registros de onde elas ocorrem, com grupos que tenham conhecimento ou possuam estas plantas, e que possuam endereços de propriedades e também incremento em seu cultivo.
Alguns professores de ensino básico e médio de Canoas (Verônica e Nani) e Esteio (Maila) admitem que existam preconceitos contra as PANC. Relataram que nas escolas, mesmo que se desenvolvam hortas escolares, os alunos são proibidos de consumir os produtos, por meio de regulamentos e leis inibitórias ao uso destes alimentos, pela alegação de que “não possuem segurança sanitária”. Isso estaria acontecendo em todo o Estado. O sistema, portanto, não ajuda as hortas escolares, e concluem “a criança não pode se alimentar do que plantou”. A produção da horta, onde o cultivo teve a participação dos alunos, só pode ser levada para a casa das pessoas, mas não pode ser utilizada ali na escola. Ou seja, por outro lado, as verduras e frutas que provêm da produção convencional, sujeita ao uso de agrotóxicos, e nem sempre tão frescas com aquelas da horta escolar, não passam por nenhum tipo de restrição e são as únicas permitidas na alimentação das escolas. Também foi levantada a questão que muitas vezes é difícil de identificar quais são as PANC, o que denota a necessidade de oficinas de identificação e materiais didáticos no tema, além da demanda de como prepará-las. 
Sabrina, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural e Pesca (SDR) levantou a questão da oportunidade da nova lei de agroecologia e produtos orgânicos, onde o tema poderá se inserir, além de destacar a criação do Comitê Gestor do Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica e do Programa de Agricultura de Base Ecológica e a participação das organizações da sociedade no Comitê.
O Biólogo Camilo levantou a questão do círculo vicioso em relação ao não crescimento do uso de PANC, afirmando que “não se vende por que não se conhece e não se conhece por não se vende”. Destacou que “falta empreendedorismo” nestes temas e que “as empresas são sempre mal vistas”, inclusive as grandes, que tem inovações importantes.
A nutricionista Camila, que trabalha com escolas de educação infantil, afirmou que existem resistência e pouca valorização da profissão. Também foi destacado que a alimentação em muitas situações, quando vista na saúde, por exemplo, em hospitais, tem relação muito mais à questão da doença do que necessariamente com os aspectos preventivos de uma vida mais saudável. A Universidade, muitas vezes, nos cursos ligados à área de nutrição, segue a visão de se tratar a questão da alimentação muito mais do ponto de vista convencional, situação que dificulta o tema das PANC.
O estudante de Biologia, Cássio, deu seu testemunho, como alguém que vem de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, Venâncio Aires, onde existe preconceito contra o colono, sendo uma situação que ele mesmo sofreu, inclusive na escola. Segundo ele, a modernização na agricultura (com o crescente uso de insumos) foi uma forma de o agricultor se autoafirmar, tornando-se incluído nesta “modernidade”. Para se afastar da noção pejorativa do “colono” (“atrasado”), inclusive que poderia comer estas plantas (PANC), para se buscar a condição de “modernizado” um dos aspectos centrais é também não deixar que as plantas espontâneas cresçam, nem que se tenha que se utilizar de herbicidas para seu controle.
Este aspecto de tratar de se arrancar plantas espontâneas e nativas, que crescem sozinhas nas hortas, jardins, culturas, etc., independentemente de serem alimentícias, medicinais, ornamentais, ou não, é uma prática cultural comum que dificulta a oferta e o conhecimento de sua biologia, ecologia e manejo. Deixá-las crescer ainda é culturalmente associado com desleixo. Na própria UFRGS, os representantes do GVC vivenciam que o “corte zero” dos gramados é cada vez mais intenso, numa “estética de homogeneização” (antidiversificação) mais próxima do que se chama de Monoculturas da Mente (Vandana Shiva). Com esta prática impede-se que as plantas floresçam, frutifiquem, fechem seu ciclo biológico. Impede-se a presença de insetos polinizadores, da presença de pássaros que forrageiem seus frutos, e se mantém o solo mais pobre e sujeito à erosão e compactação.
Segundo Paulo Brack, eram comuns e já foram contabilizadas, há cerca de quatro anos, pelo menos quase trinta espécies[1] de ervas alimentícias nativas ou espontâneas ocorriam sozinhas nos gramados da UFRGS, situação que vem se tornando cada vez mais rara. Admite que o tema é difícil de ser tratado na universidade, inclusive pelo preconceito em se deixar a vegetação mais alta, considerada “feia”, crescer mesmo que em áreas isoladas e sob estudos. 
Rosane, Alba e Ernesto, professores da Rede Municipal de Educação (Montenegro tem horta com PANCs), falaram da situação de dificuldade de se desenvolver atividades de ensino nas escolas em geral, atualmente, afirmando que o ambiente da escola não estimula a dignidade dos alunos e oportunidades posteriormente para o empreendedorismo, sendo que muitas vezes, no ambiente escolar, “os alunos não têm sonhos, nem perspectivas”.
Gabriela, médica e professora de saúde coletiva, afirmou que na saúde o tema das PANC apresenta dificuldades, sendo que na medicina o tema saúde segue com viés muito mais de tratamento, daí entram os medicamentosos, do que de prevenção. Mas o tema tem perspectivas e pode ser mais bem tratado, com grupos interessados, também em hospitais.   
TARDE
Pela tarde Foram discutidos três tópicos, com as respectivas sugestões:  1.  Mercado – Produtor e Consumidor;  2.  Educação e divulgação; 3. Manejo e cultivo

I- MERCADO- PRODUTOR E CONSUMIDOR
No caso das hortaliças não convencionais, principalmente, a introdução nas feiras, para alguns agricultores, o uso de PANC pode ser visto como certo “retrocesso”, ou seja, denota ainda preconceito com seu uso. Francielle admite que existe preconceito, já que alguns dizem: “Por que em vez de colher frutinha [nativa] não vão plantas couve, hortaliças?”.
Entre as dificuldades admitidas pela maioria, no caso do trabalho do produtor de nativas (frutas, mudas, etc.), estão as burocracias em vários âmbitos. A legislação é impeditiva. Muitos acabam voltando ao cultivo convencional em função disso. Também se destacou a dificuldade de os produtores produzirem suas próprias sementes, diminuindo assim a dependência do monopólio das indústrias de sementes. Por outro lado, o consumidor muitas vezes conhece as PANC, mas não consegue os produtos nas redes e mercados. E a própria agricultura orgânica busca cada vez mais insumos, não ajudando a fortalecer as bases da agroecologia e também as PANC. Como propostas, levantou-se a necessidade de se fortalecer os agricultores e feirantes que já trabalham com as PANC, em sistemas agroecológicos. Também se deve identificar e localizar melhor os grupos de consumidores a fim de que estes sejam elos importantes para o núcleo do circulo virtuoso das PANC. Outro aspecto levantado é o de se incluir, cada vez mais, no rol das PANC, as populações tradicionais.
II- EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO
A alimentação escolar é um ponto chave para inserção da agricultura familiar, pois 30% da merenda devem vir deste setor. As PANC poderiam estar no rol destes produtos. Porém, existe resistência dos diretores e professores em acrescentar novos alimentos na dieta proposta. Hortas comunitárias seriam uma boa maneira de despertar a curiosidade das crianças pelo tema, porém deve-se quebrar a proibição de não uso de plantas dos produtos da horta escolar e na merenda escolar. Ressaltou-se também que o hábito alimentar é formado com a família, portanto, é importante que as famílias também tenham contato e conhecimento da diversidade alimentar. Deve-se tratar de se estudar, aprofundar e divulgar a questão da funcionalidade sistêmica da alimentação. Este tema remete à necessidade de educação ambiental com as famílias dos estudantes.
Grupo da Rede Juçara relata uso do açaí de juçara em merenda escolar já está acontecendo. Na cidade de Ubatuba (SP) a experiência tem 10 anos, com boa aceitação. No litoral norte do RS isso ocorreu em Três Cachoeiras, mas ainda existe dificuldades de aceitação. Para aumentar divulgação, sugeriu-se compartilhar conhecimento com nutricionistas e merendeiras, explorar alimento em oficinas culinárias. Deve-se realizar minicursos de identificação, componentes nutricionais, para consumidores e agricultores, merendeiras, etc.
Os agricultores, mesmo os agroecológicos, em sua maioria, também desconhecem ou não estão inclinados a investir nas PANC, sendo que alguns, como já salientado, demonstram preconceito. Como vencer esse preconceito? Deve-se trabalhar com produtores através de minicursos para reconhecimento, processamento e produção, alem de pequenas publicações. Um dos aspectos levantados é fortalecer os produtores que já são referenciais nisso, e a partir de seu trabalho, em oficinas de produtos com os demais agricultores, técnicos das ATERs (Assistência Técnica e Extensão Rural), pesquisadores, estudantes, público consumidor, demonstrar e divulgar o tema.
O processo faz parte de uma mudança cultural gradual.  Ensinar as crianças desde pequenas a se alimentar mais com verduras e frutas, evitando-se produtos industrializados. Foi dito “se a criança for introduzida desde criança ela come e pede”. Neste sentido, portanto, fica evidente que a formação do hábito é fundamental, mas não é simples e leva tempo. Foi trazida a necessidade de que hábitos de comidas industrializadas estão arraigados, inclusive nas crianças, reconhecendo-se a inadequação do costume de bares de escolas venderem salgadinhos. Atualmente, existem proibições a isso, mas não estão sendo cumpridas. Falta política nas escolas para este tema. Destacou-se a importância de se passar nas escolas e para o público em geral o documentário “Muitoalém do Peso, que denuncia a má alimentação influenciada pela propaganda direcionada ao público infantil, pelas grandes empresas que industrializam alimentos com alta carga de calorias, gorduras e produtos químicos, gerando doenças nas crianças.
Deve-se aumentar o contato consumidor - produtor em feiras, como já acontece em parte nas feiras de produtores agroecológicos em Porto Alegre, e que se deve promover eventos voltados para divulgação desses alimentos, como no caso das Mostras “Biodiversidade Pela Boca”[2] [3] confecção de cartilhas e  fortalecimento  dos grupos que já estão em processo de mudança para uma alimentação mais biodiversa.
O Grupo Saúde no Prato (Hospital Conceição) é citado como exemplo. Trabalham com reeducação alimentar. Tem várias unidades com hortas medicinais e equipes para essas discussões. Os alimentos, no que tange à saúde, não devem estar mais somente voltados para o tratamento de doenças.
Existem poucos estudos sobre composição nutricional das PANCs e frutas nativas.  Deve haver mais pesquisas. O Novo Guia alimentar da População Brasileira  incentiva orgânicos, naturais e regionais. Deve-se demonstrar que as PANCs são mais nutritivas que convencionais.
Foi também destacada a importância de se divulgar mais a obra recém lançada sobre as PANC, de Valdely Kinupp e H. Lorenzi (2014), da editora Plantarum.
Deve haver mais atividades de extensão da academia para troca de conhecimento com os agricultores e os demais setores.
III- MANEJO E CULTIVO
Muitos agricultores mostram-se reticentes à permissão de deixar que marquem matrizes de árvores nativas frutíferas para estudos e acompanhamento em suas propriedades, com receio de que eventualmente não possam mais cortá-las. O extrativismo de nativas ainda dá a noção de ser problemático do que é na realidade. A divulgação dos novos procedimentos de autorização por parte do DEFAP, agora DEBio/SEMA, fazem-se importantes.  No caso do interesse em colher frutos nativos para comercializar, existe o medo também de que possam ser punidos coletando ou deixando coletar frutos, por eventual fiscalização de meio ambiente. 
Destacou-se a necessidade de se categorizar/classificar as PANCs, nas partes potencialmente utilizadas ou manejadas, e aprofundar a biologia e ecologia de cada uma delas, buscando-se as vocações regionais, o que requer muita observação e mais pesquisas. É necessário que se tenha um calendário de ofertas das mesmas, já que as hortaliças tenras (por exemplo, serralha, almeirão-do-campo, crepis, dente-de-leão, mentruz, etc.) são mais de inverno, enquanto que no verão a oferta se limita às hortaliças carnosas (ex. beldroega, bertalha, maria-gorda, ora-pro-nóbis). As plantas com tubérculos ou raízes tuberosas também podem ser enquadradas em outro grupo (taioba, inhame, araruta, carás, etc.) que deve ser melhor conhecido. Pode-se também ver a oportunidade de maior aproveitamento de PANC em épocas impróprias para as verduras convencionais (por exemplo em épocas de muitas chuvas ou secas), podendo substituir parcialmente a comercialização das hortaliças convencionais. Também se levantaram as necessidades de cuidados com plantas em locais potencialmente poluídos e também o mal conhecimento ou uso indevido de plantas mal identificadas e eventualmente tóxicas.
Outro aspecto é incentivar os produtores a possuírem viveiros e bancos de PANC, com sementes, incluindo as sementes crioulas e as sementes de espécies nativas. Propõe-se retomar o projeto de apoio aos guardiões da agrobiodiversidade, com certificados, com incentivos para os agricultores, além de se prever recursos “a fundo perdido” para que possam manter, manejar, propagar e distribuir mudas, propágulos ou sementes de PANC. Estes recursos poderão provir dos recursos públicos estaduais (SDR) e federais (MDA, MMA, MAPA) em programas de proteção e promoção da agrobiodiversidade.
(Grupo Viveiros Comunitários – UFRGS, contatos gvc.botanica@ufrgs.br)
O Encontro de Plantas Alimentícias não convencionais contou com apoio do InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais para a sua realização.



[1] Ocorriam nos gramados do Bloco IV, do Campus do Vale da Agronomia, da UFRGS, Porto Alegre, RS, plantas alimentícias espontâneas como alface-silvestre, almeirão-do-campo (3 spp.), begônia, bela-emília, buva, caruru, centela, crepis, dente-de-leão, erva-gorda, gravatazinho, língua-de-vaca, maria-pretinha, mastruz-miúdo, mastruz-comprido, morrião-dos-passarinhos (2 spp.), parietária, pepininho-do-mato, roseta, serralha-comum, serralha-dura, tanchagem, trapoeiraba, urtiga-miúda.