domingo, 23 de agosto de 2015

Por uma abordagem ecossistêmica da crise hídrica

Frequentemente a grande mídia e os governos encaram os problemas ambientais de forma fragmentada, com simplificações inadequadas, desconsiderando os dados mais relevantes quanto às causas destes problemas, muitos deles históricos e em processo de agravamento na atualidade. A crise hídrica (quantidade, qualidade e condições bióticas dos ecossistemas hídricos) é talvez o problema ambiental mais importante da atualidade. Antônio Nobre, cientista do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), alertou há mais de seis anos para o que poderia acontecer, ou seja, um possível colapso de abastecimento de água, na região da grande São Paulo, se nada fosse feito para conter os desmatamentos tanto na Amazônia como no próprio Estado de São Paulo. O cientista divulgou a importância do tema dos chamados Rios Voadores (grandes massas de nuvens com conteúdo de água superior a dos rios da bacia amazônica, associadas ao ciclo da água desde as chuvas nas florestas do norte até os corredores de umidades que alimentam chuvas nas regiões sul e sudeste do Brasil), mas não foi escutado pelos governantes. 

Também nada foi feito também desde o relatório do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à ONU, lançado em 2007, que já apontava a possibilidade de consequências sobre biomas brasileiros, como a transformação da floresta amazônica em vegetação mais seca e rarefeita, com perdas progressivas semelhantes também na Mata Atlântica e transformação de grandes áreas da Caatinga em desertos. Simultaneamente, em 2007, o Brasil comemorava o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e dava tom de otimismo coma redução do tal "Risco País" (ver Capítulo: Os Comandante da Nau Terra enlouqueceram? E nós, para onde vamos?), mas negavam a crise climática e o futuro incerto no Brasil. Em 2012, o negacionismo da crise ambiental no Brasil, ligado a um movimento parlamentar inédito de setor do agronegócio, provocou um dos maiores retrocessos na legislação ambiental, a substituição da Lei 4.771/1965, o então Código Florestal, pela Lei 12.651, que anistiou desmatadores e flexibilizou a proteção da vegetação nativa.
Estamos, na realidade, entrando em uma fase de crise sistêmica, em progressivo agravamento. No Brasil, a falta de água inédita na região Sudeste e Nordeste, integrada a outras situações de eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade, representam indícios cada vez mais consolidados de que as mudanças climáticas, refletidas em maior frequência de eventos extremos, vieram para ficar. Um dos mais renomados cientistas do clima, Carlos Nobre, que hoje preside atualmente a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior), alertava em uma aula magna na UFRGS há poucos anos, que estes fenômenos (secas devastadoras, chuvas torrenciais, tornados e furacões) serão cada vez mais intensos e comuns, e o ciclo das mudanças climáticas durará décadas ou até séculos, mesmo que se cessem as causas atuais de origem antrópica (elevação dos gases de efeito estufa).
Outro fato que envolve umidade e vegetação (ou a falta das duas) que ainda não foi suficientemente tratado é aquele relacionado com a paulatina destruição de vegetação de Cerrado e Floresta Amazônica na região central do País, com queimadas crescentes, verificando-se um clima cada vez mais seco (índices muito baixos em umidade relativa do ar), em sinais de atenção e alerta, respectivamente abaixo de 30% e entre 20% e 12% de UR do ar. A baixa UR do ar pode causar problemas cardíacos, pulmonares, trazendo incômodos com narinas e gargantas secas. A mudança faz com a população precise tomar cuidados especiais com a proteção da pele, por meio da ingestão maior de água, uso de vaporizador, evitando a desidratação. A cidade de Porto Velho (RO), em pleno bioma Amazônia, que sofre desmatamentos (para pastagem) em sua região norte do Estado é afetada por secas e queimadas entre maio e agosto, chegando a apresentar, em 2010, umidade relativa do ar em índices de 10%, considerados valores de estado de emergência, semelhantes aos do deserto do Saara.
Juntamente às crises hídrica e climática, estamos testemunhando também da Sexta Extinção em Massa da Biodiversidade, fenômeno já reportado em inúmeros trabalhos científicos. No Brasil, sofremos também com aumento de desmatamentos na Amazônia, e perda ou conversão crescente da cobertura natural de todos os biomas para monoculturas e outras atividades, como grandes hidrelétricas e outras obras, com crescimento de uso de recursos naturais e também expansão ilimitada de regiões urbanas, uso crescente de produtos químicos sintéticos, no bojo da ultra transformação da natureza, que gera lucros tanto na destruição dos processos sistêmicos da vida como no caso da tentativa de "remediar" suas consequências. Estaremos entrando em uma fase de colapsos e pré-colapsos, numa guerra incessante e silenciosa contra a natureza, ilustrada pela ecofeminista espanhola Yayo Herrero, e neste caso as consequências são trágicas para os seres humanos mais vulneráveis do mundo, representados aqui no Brasil pelos povos indígenas e comunidades tradicionais e camadas sociais despossuídas que vivem em áreas de risco, por exemplo.
Segue em voga, como "solução" para a crise econômico-financeira, que eclipsa as demais, o paradigma do crescimento econômico ilimitado, em molde dos BRICS ou no molde da economia hegemônica neoliberal que nega as causas da crise hídrica provocada pelo desmatamento e mudanças climáticas, e aproveita as crises para gerar mais negócios. Teremos outra Conferência do Clima em 2015, em Paris, mas tudo indica que será mais uma vitrine das boas intenções e poucas ações como foi a Rio + 20 (20 anos após a Conferência de Meio Ambiente que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992).
Em nosso País, a crise política com as mirabolantes propostas dos congressistas do atraso ameaça ainda mais o futuro incerto da água e da biodiversidade, como aponta a WWF (Fundo Mundial para a Vida Silvestre), em recente artigo de Jaime Gesinsky “Projetos de lei ameaçam futuro hídrico, climático e a biodiversidade do país”. O artigo aponta que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) está planejando a diminuição das zonas de amortecimento das Unidades de Conservação, com a facilitação de mineração em áreas indígenas. Ademais, para engrossar o clima de aniquilamento da legislação ambiental brasileira, o  presidente do Senado, Renan Calheiros, lançou o que chama de “Agenda Brasil” que reúne outras tantas propostas de retrocessos, como terminar com áreas de marinha, agilizar licenças ambientais e facilitar a mineração em áreas protegidas, desconsiderando que já vivemos quase um vale tudo no processo de  licenciamento.
A situação ambiental se agrava, e ninguém pode negar de sã consciência este fato. Porém o imediatismo de setores gananciosos que se apoderaram do legislativo e do poder executivo traz a sede voraz de seus pleitos que beiram a pilhagem e representam a apropriação de nossos recursos naturais, principalmente para favorecer as corporações econômicas que financiam suas campanhas eleitorais. Isso, mesmo que não seja consolo, não é exclusividade do Brasil.
Somente teremos saída a partir de avaliações profundas deste processo em nível mundial, das consequências decorrente deste modelo de esgotamento da economia hegemônica atual. E a saída também passa por uma reflexão sobre o esgotamento do modelo, que apontem para outros paradigmas, que não o do produtivismo, da acumulação e da competitividade, que destroem a água, o ar, o solo, a biodiversidade e a busca por relações ecológicas harmônicas dos seres humanos, entre si, e com a natureza.
O tempo é cada vez mais curto, mas ainda temos o compromisso ético pela busca de uma reconexão com nossos sistemas ecológicos, desapegados da lógica do crescimento e da escravidão financeira atual, como nos ensina o professor de Ciência Política da Universidad Autónoma de Madrid, Carlos Taibo. Este e outros tantos cientistas ou pensadores, entre os quais também citamos Michael Lowy, brasileiro radicado na França, trazem elementos simples para uma vida coletivamente autônoma, libertária, com características locais, na procura do bem viver, mas enfrentando e superando o sistema de acumulação sem limites e seu modelo de esgotamento que está na raiz dos problemas atuais e sistêmicos.
Carlos Taibo, professor da UAM, Espanha

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O PAPEL PÚBLICO ESSENCIAL E INSUBSTITUÍVEL DA FUNDAÇÃO ZOOBOTÂNICA DO RIO GRANDE DO SUL

I.                   Introdução
O PL 300 de 2015, encaminhado no dia 7 de agosto de 2015 pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul à Assembleia Legislativa, que implica na extinção da Fundação Zoobotânica (FZB) e demissão de seus mais de 200 funcionários que trabalham no Jardim Botânico (JB), Museu de Ciências Naturais (MCN) e Parque Zoológico (PZ), denota claramente desinformação profunda e objetivos inconfessos de parte de seus promotores quanto ao tema da Biologia da Conservação e as funções e atividades essenciais desenvolvidas pela FZB, com seus três órgãos executivos.


Se aprovado, poderá resultar na perda, para sempre, de um acervo e expertise de cerca de meio século de trabalho em prol da Biodiversidade no RS e também em uma situação de incerteza quanto a centenas de exemplares vivos de espécies da flora e fauna ameaçada de Extinção. O Estado abriria mão de seu patrimônio natural, protegido por Lei. Muito provavelmente o PL 300 seria contestado na Justiça, como inconstitucional, pois se confronta, acima de tudo, com o Art. 225 que protege as espécies ameaçadas, os processos ecológicos e o meio ambiente.
É importante destacar que a FZB é a instituição de referência internacional em assuntos relacionados à biodiversidade do RS e uma das mais importantes do Brasil, com perfil particular, importância estratégica e serviço público essencial na pesquisa, monitoramento e planejamento da gestão ambiental e da conservação da natureza (ex situ e in situ). Existem convênios múltiplos de pesquisa, permuta de exemplares e colaboração entre a FZB e universidades, órgãos públicos e instituições de pesquisa do mundo inteiro.
As pesquisas, em sua maioria, são desenvolvidas de forma a subsidiar a gestão ambiental do Estado do Rio Grande do Sul, em um contexto de crescente perda de biodiversidade e degradação de meio ambiente, afetando inclusive o recurso natural mais essencial ao ser humano que é a água.
Cabe destacar que os servidores da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) e DEBio (Departamento Estadual de Biodiversidade), responsáveis pelo licenciamento ambiental, frequentemente recorrem ao corpo técnico da FZB na busca de informações que exigem um conhecimento mais específico ou para a construção de pareceres, termos de referência e instrumentos normativos.  O conhecimento e a experiência de parte dos técnicos da FZB, obrigatoriamente concursados para áreas específicas (Botânica, Zoologia, Paleontologia, Geologia, Geografia, Agronomia, entre outras), com destaque à biologia da conservação, são essenciais e únicos. Por outro lado, os técnicos da FEPAM de DEBio têm perfil, na maior parte das vezes, para tratar de temas ligados à legislação e à gestão ambiental, sem necessariamente possuir a especialização na área de seus colegas da FZB.
Outro aspecto que não pode ser esquecido é aquele relacionado a muitas ações civis públicas, provocadas no âmbito do Ministério Público Estadual e Federal, que dependem do conhecimento e participação destes técnicos especializados em grupos de plantas, animais e gestão de ecossistemas.
Recentemente, a Fundação Zoobotânica teve papel de destaque no do processo de licenciamento de 35 linhas de transmissão da Eletrosul, bem como do Zoneamento e das diretrizes de licenciamento para os parques eólicos no Rio Grande do Sul. Em 2007, também sua participação foi fundamental para a construção das diretrizes do Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS), instrumento inédito no País.
II. Informações quanto ao patrimônio da FZB, atendimento e atividades[1]
- Coleções científicas do MCN: 500 mil exemplares, entre plantas, animais e fósseis.
- Coleção de plantas vivas do Jardim Botânico: Mais de 1000 espécies e dezenas de milhares de exemplares.
- Banco de sementes do Jardim Botânico: Centenas de espécies de plantas nativas, a maioria não encontrada em outros locais, nem em outros viveiros.
- Dezenas de milhares de mudas de plantas nativas, ornamentais, frutíferas, medicinais, raras, endêmicas, ameaçadas, restauradores de meio ambiente, muitas delas disponíveis para venda. 

- Plantel de animais do Parque Zoológico: 1.065 animais nativos e exóticos.
- Visitantes do Parque Zoológico: 620 mil pessoas/ano
- Visitantes do Jardim Botânico: 70 mil pessoas/ ano
- Arrecadação anual do Parque Zoológico: R$ 3,1 milhões de reais
- Aporte de animais ao CETAS : 1.300/ano
- Plantel do serpentário do NOPA/MCN: 400 exemplares
- Número de Funcionários da FZB: 205; Pesquisadores:  33 biólogos, 3 engenheiros agrônomos, 3 engenheiros florestais, 2 veterinários, 1 químico, 1 paleontólogo.
Os funcionários com terceiro grau são especializados em suas áreas, sendo em sua quase totalidade doutores (40), concursados para áreas específicas para suprir lacunas de conhecimento na conservação da Biodiversidade. Outros funcionários também são destacados por conhecimentos únicos na coleta e manutenção especializada de plantas e animais.
III. Principais trabalhos realizados pela FZB:
- É responsável pela coordenação e elaboração das Listas Oficiais das Espécies Ameaçadas da flora e da fauna do Rio Grande do Sul (Decreto 52.109 de 1 de dezembro de 2014, Decreto N.º 51.797, de 8 de setembro de 2014 ).
- Atua no Projeto RS Biodiversidade, com pelo menos cinco subprojetos sendo desenvolvidos pela FZB. Aliam conservação e desenvolvimento sustentável. Implicam em contrapartidas do Estado para Global Environment Facility (GEF), com recursos do Banco Mundial.  
- Participa da iniciativa Alianza del Pastizal, envolvendo quatro países do Cone Sul (Uruguai, Argentina, Paraguai e Brasil), programa que alia produção pecuária e conservação dos campos do bioma Pampa com agregação de valor ao produto final (carne), com incremento ao turismo rural. Este programa permite a manutenção econômica de campos nativos, os quais vêm sofrendo ameaça crescente pela expansão das monoculturas de soja e de árvores como o eucalipto no Pampa.
- Realiza laudos paleontológicos - apenas a FZB faz isso – procedimento necessário para o licenciamento de empreendimentos. Sem isso, o processo de licenciamento ambiental poderá demorar e gerar insegurança jurídica a empreendimentos.  
- Participa da elaboração de Planos de Manejo de Unidades de Conservação (UCs) do Estado: Reserva Biológica da Serra Geral, Parque Estadual de Itapeva, APA do Banhado Grande, Parque Estadual de Tainhas, Parque Estadual Delta do Jacuí, Refúgio Banhado dos Pachecos e Reserva Biológica da Mata Paludosa.
- Participou do Zoneamento Ambiental da Silvicultura e auxilia em informações fundamentais para a sua atualização.
- Desenvolve o monitoramento de qualidade de água, mais especificamente na identificação da presença de superpopulações de algas tóxicas, situação que é crescente associada a maior parte dos rios comprometidos com poluição orgânica.  
- É a instituição responsável pela manutenção de serpentes visando à extração da peçonha para produção de soro antiofídico, - único fornecedor de peçonha do sul do país para produção de soro antiofídico (isso é importante, pois mais ao norte existem outras espécies de serpentes).
- É a instituição responsável pela manutenção de coleções científicas de referência (cerca de 500 mil amostras de Botânica, Zoologia, Paleontologia).
- É a instituição responsável pela manutenção das coleções vivas de espécies raras e ameaçadas do RS, por meio de seu Jardim Botânico, que abriga 39 hectares de área, abrigando aproximadamente 3 mil exemplares separados em 18 coleções do arboreto e nove especiais (Orquidário, Cactário, Bromeliário, etc.), em estufas e vasos, além de viveiros e horto de plantas medicinais.  Em meados de 2015, preencheu requisitos para alcançar a categoria “A” pelo ministério do Meio Ambiente por cumprir todas as exigências de um Jardim Botânico para conservação. O Jardim Botânico passou em 2015 a figurar entre os quatro mais importantes do país.
- Produz, em seu viveiro, mudas de mais de uma centena de plantas nativas da Flora do Rio Grande do Sul. É a única instituição dedicada exclusivamente à produção de mudas de plantas nativas.
- Realiza divulgação de seu acervo científico, incluindo atividades de Educação Ambiental ligadas às Ciências Naturais e à biodiversidade nas três unidades (MCN, JB e PZ).  
IV.  Questões de grandes ameaças representadas pelo PL 300/2015:
  1. Como o Estado garantiria segurança de manutenção de atividades essenciais, sem os técnicos da FZB, nos grupos de trabalho criados pela Secretaria de Meio Ambiente para tratar de questões fundamentais para a gestão ambiental do Estado, como os GTs do CAR (Cadastro Ambiental Rural, ligado a Lei 12651/2012), da Reserva Biológica do Banhado do Maçarico, em Rio Grande, o GT de controle de javalis e dos impactos de pombas em lavouras, já que os técnicos envolvidos nisso são concursados em temas específicos, não existentes em outros órgãos? A FEPAM e a SEADS tampouco apresentam contingente de técnicos que possam dar conta do Licenciamento Ambiental, dado que a Secretária Ana Pellini solicitou recentemente deslocamento de técnicos da FZB para a FEPAM. 
  2. Como o Rio Grande do Sul teria condições de se envolver com os diferentes e vários Planos de Ação Nacionais para a conservação de espécies ameaçadas dos quais a FZB faz parte? Como dar sequência às tratativas do Comitê Nacional de Zonas Úmidas, responsável por definir as estratégias políticas de uso de áreas úmidas em atendimento a convenções internacionais das quais o Brasil é signatário? Que grupo assumiria os compromissos da FZB no tocante a projetos de cooperação internacional financiados pelo Banco Mundial, com recursos obtidos da ordem de milhões de dólares, com destaque ao RS Biodiversidade? Como se garantir a execução de atividades planejadas e acordadas, cumprindo os prazos e gerando os resultados estabelecidos nos contratos?
  3. Qual o montante e a viabilidade de pagamento de multas pela rescisão dos contratos de prestação de serviço assumidos pela FZB com a iniciativa privada e outros parceiros, neste caso empresas e ONGs?
  4. Que instituição teria condição de substituir a FZB na execução do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande, que  já está em andamento parte do processo realizado pela FZB, o qual tem prazo judicial estabelecido pelo Ministério Público Estadual para ser concluído?
  5. Que instituição assumiria a representação que a FZB desempenha hoje, com sua expertise, junto a diversos Comitês de Bacias Hidrográficas, Conselhos de Unidades de Conservação, Câmaras Temáticas, Conselho Estadual do Meio Ambiente, que atuam diretamente na gestão e na formulação de políticas públicas ambientais?
  6. Que instituição elaboraria os laudos paleontológicos obrigatórios em processos de licenciamento ambiental nas dezenas de municípios com potencial para abrigar sítios paleontológicos, hoje uma atribuição exclusiva da FZB, conforme legislação?
  7. Que instituição manteria atualizadas as listas de fauna e flora ameaçadas de extinção no Estado, já que os Decretos definem em seu Artigo 4º o papel de coordenação obrigatoriamente a ser realizado pela FZB, nestes instrumentos fundamentais para o planejamento, a gestão e o licenciamento ambiental? Como garantir programas para fazer frente à conservação das 804 espécies da flora ameaçada e as 280 espécies da fauna ameaçada do Rio Grande do Sul, em crescente risco de extinção, se ao menos conhecemos 5% da biologia e ecologia das mesmas, em temas que prioritariamente envolvem os técnicos da FZB e sua capacidade única de desenvolver pesquisas na área?
  8. Como suprir as demandas de pesquisas, projetos e convênios de cooperação com universidades e agências de financiamento estadual (FAPERGS) e federais (CNPq, entre outras) por meio dos quais são mantidos atualmente dezenas de bolsistas de iniciação científica e de estagiários curriculares na FZB? Quem irá assumir a responsabilidade pela prestação de conta de projetos e de contratos vigentes?
  9. Como garantir a possibilidade de se obter outras pessoas com perfil técnico, experiência e mesmo gabarito no manejo e cuidados veterinários dos mais de mil animais do Zoológico de Sapucaia, já que este serviço é especializado e outros tratadores não teriam a mesma experiência diferenciada de tratar cada individuo, bem como não teriam desenvolvido a relação de carinho entre os atuais tratadores e os animais ali existentes? Como garantir o tratamento e destinação dos animais silvestres recebidos no Centro de Triagem (CETAS) do Zoo, considerando que o patrimônio da Fauna é público e está amparado por leis estaduais e federais?
  10. Como garantir que animais silvestres que não tem tanto apelo de atração ao público possam ter a mesma chance de permanecer nas coleções do Parque Zoológico?
  11. Como o Estado garantiria preços razoáveis de ingressos, tanto do Jardim Botânico como do Zoológico, após eventual  privatização/concessão destes espaços, já que tendem a ser elitizados?
  12.  Como garantir a existência do Jardim Botânico (fundado em 1958)  do status “A”, recém obtido, se forem demitidos os técnicos e demais funcionários? No caso do não cumprimento das exigências nacionais e internacionais, incluindo a necessária capacitação do quadro funcional especializado em gerir o acervo de coleções vivas.
  1. Como garantir que os serviços terceirizados/privatizados de cuidados das coleções vivas do JB, MCN e Zoológico não sejam interrompidos,  no caso de eventual dificuldade de renovação de contrato entre o Estado e as empresas contatadas (isso ocorre entre UCs e empresas de segurança), falta de pagamentos (isso já ocorre com hospitais reduzindo paulatinamente os serviços), já que isso frequentemente ocorre no Estado? Quais as consequências por eventual interrupção de serviços de manutenção das coleções de animais e plantas por quebras de contratos, falta de pagamento ou mesmo quebra de empresas?
  2. Quem supriria o fornecimento de informações da biodiversidade, hoje realizado pela FZB, para subsidiar as atividades de regularização ambiental no RS, incluindo o licenciamento de empreendimentos? O corpo técnico e as informações científicas da FZB está no rol integrante do SIRAM, que é o Sistema Integrado de Regularização Ambiental, ou seja, o sistema que irá integrar todas as informações ambientais para agilizar e qualificar o licenciamento ambiental no Estado.
  3. Como seria dada solução ao manejo das quase 400 serpentes mantidas pelo Núcleo de Ofiologia da FZB visando à produção de soro antiofídico, considerando o trabalho altamente especializado, há décadas, por parte dos atuais técnicos?
  4. Que instituição ou perfil de técnicos iria assumir o papel de intermediação junto ao setor produtivo, na busca da compatibilização da produção com a conservação da natureza e da agregação de valor a produtos gerados com a adoção de boas práticas (sustentáveis) de manejo? Exemplo da Alianza Del Pastizal, que integra uma parcela expressiva da comunidade de pecuaristas do RS e parcerias com instituições internacionais, com agregação de valor à carne produzida no Pampa com conservação de campos nativos. Poderiam ser interrompidos os projetos ligados aos Butiazais de Tapes (espécie ameaçada Butia odorata),  que implicam na potencialização dos usos do butiá para geração de renda à população?
  5. Como garantir o funcionamento do SISEPRA (Sistema Estadual de Proteção Ambiental), garantido por lei, se houver a ausência daqueles agentes públicos constituídos por pesquisadores e técnicos da FZB, com larga experiência no tema da biodiversidade?
  6. Os técnicos da FEPAM não estariam numa condição de possível maior insegurança no processo de licenciamento sem o apoio do conhecimento especializado dos técnicos da FZB?

V. A crise financeira e o custo da Fundação Zoobotânica.

Se a crise financeira é tão grave, por que o Estado do Rio Grande do Sul não busca obter, por meio da FEPAM e Secretaria de Meio Ambiente, o pagamento de mais de 30 milhões de reais de multas aplicadas e não cobradas, nas últimas décadas[1]? Metade deste valor não pago foi no período do governo em que a atual Secretária ocupava o cargo de presidente da FEPAM. De outra parte, também, por que não se busca efetivar a destinação dos recursos de compensações ambientais em atividades que impliquem em EIA-RIMA (Lei 9985, de 18/07/2000, ou Lei do SNUC) (atividades como silvicultura, parques industriais, empreendimentos de geração de energia, etc.). Os valores de compensações suplantam 50 milhões de reais. O “gasto elevado” anual da FZB atingiria segundo declaração da Secretária Ana Pellini 26 milhões de reais, o que não passa de 0,045% do orçamento anual do Estado. Como comparação, o valor anterior corresponde a cerca da metade do que custaram as estruturas temporárias da Copa de 2014, junto ao Estádio Beira Rio. Inclusive, no ano de 2014, houve um debate amplo na imprensa sobre a dificuldade na obtenção destes recursos e vários setores fizeram esforços para viabilizá-las o que acabou acontecendo. Por que agora é diferente com respeito a funções essenciais de proteção ao patrimônio natural do Estado?

VI. Conclusões

A proteção da biodiversidade é uma função eminentemente de Estado. O cuidado com a biodiversidade no Rio Grande do Sul passou por várias crises por falta de técnicos na área. Entretanto, nos anos de 2013 e 2014 houve a contratação pela FZB de funcionários altamente gabaritados e especializados, para preencher as lacunas na área. Infelizmente, hoje ainda existe déficit de pessoal na área de pesquisa e conservação da biodiversidade no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, o atual PL 300/2015 nega esta realidade e tenta extinguir com funções essenciais do Estado. Tal pseudo-solução  geraria inclusive baixa garantia de segurança técnica e jurídica no processo de licenciamento.
O Governo do Estado não discutiu o PL 300/2015 com a sociedade, nem apresentou de forma transparente algum estudo com relação às condições da FZB, que embasasse tal projeto. Representa uma grande ameaça a um patrimônio de meio século construído por centenas de pesquisadores e funcionários, e que hoje pertence a 11 milhões de gaúchos. O  projeto ignora  o Principio da Precaução. Na busca evidente pelo imediatismo econômico, promove incerteza, desestímulo aos funcionários gestores da biodiversidade. Somado a outros tantos recentes decretos perversos na área ambiental, contestados pelo Ministério Público Estadual e Federal, constrói uma verdadeira guerra em relação ao patrimônio ambiental, com a justificativa, mesmo que não tão declarada, de que “atrapalha” os negócios. 
Que ganho econômico será gerado com o PL 300? Quem ganha com a demissão de um corpo técnico de expertise única e de um acervo científico extraordinariamente rico? Como fazer conservação ex situ, sem a existência de pessoal especializado nas coleções de plantas e animais?

O PL 300/2015 representa um grave atentado à Ciência e um enorme “Apagão” na área de Conservação da Biodiversidade do Rio Grande do Sul. Se aprovado poderá provocar, inevitavelmente, um colapso da gestão ambiental no Rio Grande do Sul. E as manifestações e atitudes de parte da gestão da pasta dão conta de que a FEPAM está sendo alvo de enfraquecimento de suas funções. O governo e os parlamentares se não recuarem, efetivando a retirada ou indeferimento deste projeto, poderão ser objeto de ação por responsabilidade por lesão ao Patrimônio Natural do Estado.


Em 12 de agosto de 2015

Prof. Dr. Paulo Brack
(Departamento de Botânica do Inst. de Bioc. da UFRGS, paulo.brack@ufrgs.br , 51-33087550)


Profa. Dra. Laura Verrastro Viñas
(Departamento de Zoologia do Inst. de Biociências da UFRGS, lauraver@ufrgs.br, 51-3308-7716)




terça-feira, 21 de julho de 2015

Vídeo sobre Rotulação dos Transgênicos – 02/06 – Sala Debate – Canal Futura

O programa do Canal Futura (Transgênicos - Sala Debate - Canal Futura) é apresentado pelo jornalista José Brito Cunha, tendo sido realizado durante a Semana de Meio Ambiente (02/07/2015). Foram convidados para o debate o Eng. Agr. e Dr. Leonardo Melgarejo (coordenador do Grupo de Trabalho em Agroecologia da Associação Brasileira de Agroecologia) e o Físico e Dr. Paulo Paes de Andrade (professor do Departamento de Genética da Universidade Federal de Pernambuco). 
O debate trata das consequências do projeto do deputado federal Luis Carlos Heinze, aprovado pela Câmara dos Deputados, e que tramita no senado, que visa principalmente a retirada do símbolo "T" dos produtos originados de plantas transgênicas, inviabilizando também qualquer forma de implementação de outro tipo de rotulagem efetiva. A flexibilização da rotulação de transgênicos, liderada por deputados ligados ao agronegócio e que recebem doações de campanha eleitoral, está gerando grande insatisfação na sociedade. Por outro lado, é importante saber o perfil dos que promovem estes absurdos, podendo-se consultar o recebimento de doações de campanha eleitoral por parte do deputado Heinze, na página do Tribunal Superior Eleitoral. Lamentavelmente, este deputado, investigado pela Operação Lava Jato, foi o mesmo que há pouco mais de um ano, em um pronunciamento público, chamou indígenas, quilombolas, gays e lésbicas como "tudo que não presta", declarações dadas juntamente a outro deputado Alceu Moreira, financiado por empresas de vendas de armamentos, incitando ruralistas para o confronto armado contra aqueles considerados invasores de suas terras. O que chama a atenção também é que alguns que se autodenominam cientistas, apoiados também por grandes empresas que vendem sementes e agrotóxicos (venda casada) apoiem as iniciativas destes deputados. Isso não é novidade, já que a entrada de transgênicos no Brasil se deu por entrada ilegal, ou contrabando de sementes de soja GM (geneticamente modificadas), desde a Argentina. 
IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e a organização Terra de Direitos lideram a campanha contra este projeto, destacando-se um parecer sobre o PLC 34/2015, que retira da sociedade brasileira os direitos fundamentais de informação e de uma alimentação saudável e justa. 
Segue o vídeo: 



terça-feira, 7 de julho de 2015

"O COLAPSO JÁ ESTÁ ACONTECENDO, EMBORA NÃO TENHAMOS CONSCIÊNCIA DISSO" (entrevista de Enric Llopis a Luis González Reyes)

Enric Llopis entrevista Luis Gonzalez Reyes, co-autor de "Na espiral de energia" 



O papel da energia no desenvolvimento histórico e da noção de colapso são dois dos argumentos centrais do livro "Na espiral de energia," Ramón Fernández Durán e Luis Gonzalez Reyes. Co-publicado por Ecologistas em Ação e Baladre  (dois coletivos de ativistas socioambientais espanhóis), o texto de quase mil páginas e dois volumes é uma obra enciclopédica que começa nas "sociedades da fartura" do Paleolítico e termina no colapso do sistema urbano agro-industrial civilizatório. O colapso, noção intimamente ligada à ideia de complexidade, "Já está acontecendo, mesmo que não estejamos muito conscientes disso; desde o ponto de vista de nossas vidas, o colapso será relativamente lento, embora, historicamente, seja muito rápido ", diz Luis Gonzalez Reyes.

O autor, um membro da Ecologistas em Ação, também faz parte do Garúa, cooperativa na qual trabalha em questões de formação, intervenção social e pesquisa. Na organização espanhola FUHEM (Fundación Benéfico-Social Hogar del Empleado) ele colabora para a inclusão de questões de ecossociais no processo de aprendizagem dos alunos de três colégios. González Reyes é também o autor de "sustentabilidade ambiental: um bem público global" (Akal) e "A política ambiental da União Europeia" (Ecologistas em Ação). Tem colaborado em "O que fazemos frente à crise ecológica?" (Akal) com Jorge Riechmann, Yayo Herrero e Carmen Madorrán.

O que é o Antropoceno? Quando surge o conceito e o que quer dizer com isso?

O Holoceno, o período histórico que coincide com o início da agricultura (nos últimos 12 mil anos) chegou ao fim, e já existe uma nova era geológica: o Antropoceno. O termo foi cunhado por Crutzen, no ano 2000. Além disso, a Sociedade Geológica de Londres assim definiu esta etapa da história da Terra. Uma só espécie, a espécie humana, ou melhor, uma elite desta (neste sentido seria mais correto falar de Capitaloceno), conseguiu desviar, para seu próprio benefício,  grande parte dos recursos do planeta. O funcionamento do clima, a composição e as características dos rios, mares e oceanos, a diversidade e complexidade da biodiversidade e paisagem têm sido alterados, convertendo-se o sistema urbano-agroindustrial na principal força geomorfológica. E seus impactos durarão milênios e condicionarão qualquer evolução futura.

-Em que consiste a contraposição entre  um mundo "vazio" e o mundo "cheio" que começa no século XX? O que significa os adjetivos "vazios" e "cheio" neste caso?

A mudança que começou com a Revolução Industrial completou-se no século XX. Como disse José Manuel Naredo, um país após o outro passou de uma economia de "produção" (com base em biomassa renovável) para uma de "aquisição" ou "extração" (com base na extração de minerais e combustíveis fósseis). Nas palavras de Herman Daly, no século XX, passamos de um mundo "vazio" para um mundo "cheio", de um mundo com recursos abundantes e farto espaço de descartes, para outro caracterizado pela escassez e saturação.
Esta é uma situação nunca conhecida anteriormente pelo ser humano em escala global  e que forçará a colocar em marcha políticas radicalmente distintas das levadas até agora. Enquanto no século XIX os impactos do metabolismo do capitalismo industrial estiveram confinados a determinados territórios e foram relativamente limitados (o mundo "vazio"), no século XX esses impactos foram incrementados e mundializados (gerando um mundo "cheio"). Além disso, nas sociedades agrárias a degradação ambiental eram globalmente idênticas (desmatamento abusivo, erosão do solo, etc.), mas o capitalismo fossilista (baseado nos combustíveis fósseis) produz novos impactos, que se espalham diferencialmente no espaço e no tempo.

-Contra o que se pode imaginar, você explica no livro, a noção de colapso não é exclusiva do presente, nem é necessariamente sinônimo de caos ou catástrofe. Ao contrário, a ideia de colapso teria relação com a complexidade. Qual é este vínculo?

Um sistema complexo pode ser definido como aquele que tem múltiplas partes interligadas e organizadas entre si. Há mais conexões e maior diversidade de nós, e maior complexidade. Assim, as sociedades com mais pessoas interrelacionadas são mais complexas. Também o são aquelas com níveis mais elevados de especialização social e diversidade cultural.
Uma tendência da evolução de sistemas complexos é a busca de graus crescentes de complexidade em resposta aos desafios a serem enfrentados. Por exemplo, as transições do metabolismo alimentar de coleta e caça ao agrícola e depois ao industrial foram o resultado de uma fuga ante uma situação de crise de acesso aos recursos, entre outros fatores. Este incremento da complexidade requer um aumento na energia gerida.

Os sistemas complexos estão perdendo resiliência (capacidade de resistir a perturbações), conforme dão saltos na complexidade crescente. Vários fatores contribuem para isso: i) adaptam-se melhor a algumas condições específicas, o que resulta na perda de capacidade de evoluir; ii) com o aumento da especialização, diminuem os nós generalistas e, por conseguinte, o potencial para se adaptar às alterações; iii) a sua alta eficiência faz com que se reduza sua necessidade de inovação e várias de suas consequencias. Produz também que se maximize o  uso de recursos e se limite a margem de manobra ante eventualidades; iv) a maior conectividade faz com que os impactos se disseminem melhor e afetam mais partes do sistema.  Por outro lado, esta maior conectividade aumenta a resiliência, potencializando a inovação. Pode chegar um momento em que o primeiro fator supere o segundo; v) aumenta a captação de matéria e energia para suportar mais nós, mais especializados e mais conectados (maior complexidade), embora os recursos totais num sistema fechado, como a Terra (ou um ecossistema) não variam, o que aumenta sua vulnerabilidade. 

Em qualquer caso, é necessário fazer a distinção entre sistemas complexos onde não se produz crescimento continuado na captação de matéria e energia, e aqueles que o fazem. O salto de sociedades forrageiras (caçadoras-coletoras) às agrícolas envolveu uma maior complexidade e, por conseguinte, da absorção de energia. Mas as primeiras sociedades agrícolas estabilizaram-se em um novo equilíbrio que não envolveu um aumento no consumo. Em contraste, a mudança para sociedades dominadoras,  regidas por Estados, especialmente no capitalismo e, mais ainda, no capitalismo fossilista implicava um salto no consumo de energia, bem como material também precisa de um contínuo aumento deste consumo.

Os sistemas dominadores são muito mais vulneráveis, porque além das razões indicadas no parágrafo anterior somam-se outras três: vii) tendem a exagerar, a exceder os recursos disponíveis. viii) A rede de relacionamentos é muito focada em poucos nós, aqueles que se apropriam do poder (grandes bancos, cidades), de modo que o colapso desses nós é expandido para todo o sistema. Por outro lado, na maioria das redes horizontais, a resiliência é maior. ix) O crescimento contínuo de complexidade é sujeito à lei dos rendimentos decrescentes. Isto é, conforme se produz este incremento, os custos sobem mais do que os benefícios.

Como resultado deste processo, chega um momento em que o sistema torna-se tão inflexível que mesmo as pequenas perturbações são capazes de fazer evoluir para uma nova estrutura. Esta transição pode ocorrer como: i) salto para adiante, ii) crise ou iii) colapso.

O salto para adiante requer um aumento do fluxo de energia. Isto é normalmente conseguido pela conquista ou controle de mais território, o acesso a novas fontes de energia e / ou novos desenvolvimentos tecnológicos. Se o sistema continua a crescer em complexidade, esta sempre acaba sendo uma solução temporária com um final negativo, como exemplificado pelo Império Romano, o espanhol e em breve, os EUA. A situação pode ser resolvida por uma crise que reduz alguma complexidade social. Ele é a opção mais comum em sistemas de estado estacionário.
Nos sistemas em que a complexidade aumenta continuamente, as crises destroem  parte da estrutura, colocando os custos de manutenção em níveis toleráveis. Além disso, uma parte substancial do capital físico é reciclado em um novo período de crescimento. Este é o caso de "destruição criativa" do capitalismo.

Mais cedo ou mais tarde, se o sistema não evoluiu para um estado estacionário [de equilíbrio], a única alternativa é o colapso. Falando em colapso de uma estrutura social nos referimos à drástica redução da complexidade em nível político, econômico e social, de forma relativamente rápida, e de maneira que surja uma estrutura radicalmente diferente da anterior. O colapso não é a mudança de regime, não ocupando o poder sobre o outro, não é uma crise. Em uma sociedade dominadora, o colapso seria marcado por um declínio em: estratificação e diferenciação social, a especialização do trabalho (tanto de classe como de território), a centralização do poder, controle, investimento em arquitetura monumental e arte, troca de informação, comércio e coordenação social. Como você pode ver, nem todos os indicadores do colapso desta civilização são socialmente negativos.

Outra coisa é como se dá o processo. Em suma, o colapso é a saída para uma insustentabilidade crescente, pois a perda de complexidade reduz os custos. As infraestruturas, as instituições, os centros de conhecimento, etc. que não podem ser mantidos simplesmente são abandonados e o melhor servem para alimentar os novos sistemas de emergir. Os colapsos, as crises e os saltos para adiante se sucedem, uns aos outros.

Mas não voltam a ocorrer os mesmos fatos e na mesma ordem. Cada nova etapa é única, os tempos e a organização que são gerados entre eles também. O ciclo mais se assemelharia a uma espiral do que um círculo propriamente dito. Assim, o colapso do Império Romano do Ocidente foi seguido por uma reorganização e nova acumulação de complexidade ao longo da Idade Média europeia. Daí surge o capitalismo agrário, que seria capaz de salvar duas crises, representadas por períodos de caos sistêmico entre a hegemonia espanhola-genovesa e holandesa, e entre esta e a britânica. Depois realizou um salto em direção ao capitalismo fossilista. Agora está entrando em um novo colapso.


- Poder-se-ia livrar a civilização industrial do colapso?

O atual sistema socioeconômico possui elementos importantes de resiliência. Um deles é que a alta conectividade aumenta a capacidade de responder rapidamente aos desafios. Por exemplo, se a colheita falhar em uma região, a oferta de alimentos pode ser transferida para outro lugar do planeta (se é que isso interessa) e  o mesmo poderia ser dito de uma parte substancial do sistema industrial. Outro sinal de resiliência é o risco de mudança para outros locais fora das áreas centrais e do momento atual mediante a engenharia financeira.

No entanto, a conectividade também aumenta a vulnerabilidade do sistema, uma vez que, a partir de um limiar, não pode enfrentar os desafios, e o colapso dos subsistemas afeta o restante. O sistema funciona como um todo e não como partes interdependentes que podem ser analisadas isoladamente (EUA, UE, China),e  muito menos que possam sobreviver sozinhas. Na verdade, atingiu a conectividade máxima: já não existe um "de fora", do sistema-mundo,  o mundo está "cheio". Não há possibilidade de migrar ou obter ajuda [em grau suficiente] de outros lugares.

Além disso, uma maior conectividade implica que há mais nós em que você pode desencadear o colapso. Por exemplo, o sistema econômico altamente tecnologizado depende cada vez mais de mais materiais, de modo que a possibilidade de falha de um deles, assim, aumente, o risco sistêmico. Neste sentido, demasiadas interconexões entre sistemas instáveis podem produzir, por si mesmas,  uma cascata de falhas sistêmicas.

Mas o capitalismo global não só é interligado, mas possui uma rede com alguns nós que são centrais. O colapso de um deles seria (quase) impossível curar e transmitida para o resto do sistema. Os exemplos incluem: i) Todo o tecido econômico depende da criação de dinheiro (crédito) por parte dos bancos. Além do mais, isso depende da criação de dinheiro para muito poucos bancos, aqueles que são "grandes demais para falir". Ademais, o sistema bancário tornou-se mais opaco e, portanto, mais vulnerável, com a primazia do mercado na sombra. ii) As cadeias globais de produção dominadas por algumas transnacionais torna a economia dependente do mercado mundial. Estas correntes operam “Just in time” (com pouca armazenagem), são fortemente dependentes de crédito, de energia barata a partir de diversos materiais. iii) As cidades são locais de alta vulnerabilidade por sua dependência de todos os tipos de recursos externos que podem adquirir através de uma fonte de energia barata e um sistema econômico que permite que a sucção da riqueza. Mas, por sua vez, caracterizam-se por ser um agente chave de todo o tecido tecnológico, social e econômico. Um segundo fator de vulnerabilidade é a velocidade. Em uma sociedade capitalista, que é mais do que uma economia capitalista, o benefício de curto prazo vem em primeiro lugar. E esses benefícios são avaliados em tempos cada vez menores: ano, trimestre, semana, dia, hora. Isto implica que a previsão e projeção futura é baixa. Além disso, as necessidades do capitalismo crescem de forma acelerada. Um terceiro ponto fraco é que a sociedade capitalista globalizada tornou-se uma extratora eficiente de recursos de um planeta e, portanto, não tem um colchão para enfrentar os desafios futuros. E a isto se soma a lei de retornos decrescentes.

Finalmente, na história de vida a emergência de formas mais complexas não conduziu ao desaparecimento das maneiras mais simples, mas se produziu uma reacomodação simbiótica (a partir da perspectiva de um olhar macro). Isto permitiu os sistemas serem mais resilientes. No entanto, nas sociedades dominadoras, o incremento da complexidade tem destruído as formas menos complexas, perdendo a diversidade cultural e biológica. Não só não há mais um "fora", como dissemos, mas que o capitalismo não pode coexistir com outros formatos organizacionais que está engolindo em seu crescimento imparável. Considerando tudo isso, propõe-se (mais com o coração do que com o cérebro) que o intelecto humano irá ser capaz de evitar o colapso. 

Para isso, uma das principais ferramentas será o avanço tecnológico. Não é que o sistema tecnocientífico seja impotente, mas  é que tem limites, do ser quem o criou, o ser humano, embora este aspecto não vou entrar agora. Ante à Crise Global, aparecem quatro opções teóricas para sistemas complexos já levantadas: i) que fique tudo em uma crise; ii) dar um salto para a frente; iii) colapso ordenado ou iv) colapso caótico. Agora vamos olhar para o capitalismo global e a civilização industrial.

A primeira é que não tem qualquer mudança sistêmica e da crise global não ir além de uma crise. Poderia acontecer algo parecido com o que aconteceu repetidamente na China imperial, onde os recursos disponíveis tinham uma taxa rápida de recuperação, principalmente devido à sustentabilidade da agricultura, porque a base do trabalho era humana e animal, e porque a infraestrutura poderia servir como espaço de novos recursos. Isto permitiu que após períodos de crise, vinham novos momentos de expansão. Na verdade, a crise chinesa não procedia de um esgotamento dos recursos, mas de um sobreuso moderado que poderia facilmente voltar a taxas sustentáveis. Nenhuma das condições que permitiram China superar o colapso ocorrem hoje em dia, especialmente porque o nível de abuso, enquanto a utilização de recursos e a degradação ambiental são muito pronunciados e profundos. 

A segunda opção seria dar um salto para adiante. Por exemplo, no início da Revolução Industrial, a Inglaterra estava enfrentando um problema de limite de recursos (madeira). No entanto, não entrou em colapso, mas fez um progresso impressionante: madeira substituída por carvão, o que também lhe permitiu expandir sugando recursos em mais territórios. Fazer isso hoje envolvem mudanças organizacionais a nível social e, acima de tudo, uma consumo mais amplo e intenso. Mas isso é impossível, especialmente desde que os planos material e de energia, mas também desde uma perspectiva econômica.



Portanto, a única maneira de evitar o colapso caótico do capitalismo global é reduzir a complexidade de forma ordenada.  Seria um declínio justo. Mas nada aponta  que isso está sendo levado a cabo, pois o poder das elites ainda é muito grande e a maior parte da sociedade não está imbuída em mudar isso. Nós acreditamos que o que estamos testemunhando é um colapso de uma dimensão nunca antes vista nas sociedades humanas, que traz elementos absolutamente novos: i) as empresas industriais são as primeiras na história da humanidade que são independentes das fontes de energia e materiais renováveis, o que complica grandemente a transição e de recuperação, uma vez que irá envolver uma alteração adicional do material da matriz energética; ii) o grau de complexidade social (especialização, interrelação) é muito maior e, portanto, o caminho da simplificação vai ser muito elevado; iii) a centralização dos nós do sistema (concentração de poder) e do grau de ultrapassagem são qualitativamente inéditos. iv) a recuperação do ecossistema será muito lenta e complexa. De fato, provavelmente, o novo equilíbrio a ser atingido será diferente do passado; v) não há apenas um "de fora", do sistema-mundo, mas não existe um "fora" da Terra. Não haverá lugares de refúgio.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre, LEVCamp - UFRGS, em prol do bioma Pampa

(18/06/2015)
Vídeo da TV UFRGS sobre o Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre, LEVCamp, da UFRGS, O Laboratório desenvolve inúmeros projetos de estudos botânicos no bioma Pampa, sob a responsabilidade da professora Ilsi Boldrini e do professor Gerhard Overbeck, do Departamento de Botânica da UFRGS. O laboratório desenvolve inúmeros projetos para que conheçamos melhor nossa biodiversidade.

Os campos nativos, apesar da alta riqueza e diversidade, como conta a professora Ilsi Boldrini, ainda são pouco considerados, sendo alvo de conversão acelerada para a soja, a silvicultura e também a implementação de monoculturas de forrageiras, para a pecuária empresarial. A vocação dos campos nativos é a atividade pecuária, com carga adequada de gado, perfeitamente compatível com este uso. Infelizmente, apesar das pesquisas que apontam esta compatibilidade, os campos do Pampa estão sendo transformados em lavouras de monoculturas com alta carga de agrotóxicos e de transgênicos, erosão, consumo de água e perda de biodiversidade.

Por outro lado, a pecuária ganha espaço em biomas florestais (com derrubada de floresta) com financiamentos públicos. Este último caso pertence ao Estado de Rondônia, em pleno bioma Amazônia, que já tem pastagens artificiais e carga de bovinos maior do que o Estado do Rio Grande do Sul, No RS os campos são naturais, ricos em forrageiras, mas com atividade negligenciada, pois no círculo vicioso da venda de insumos, a sustentabilidade que copia os fundamentos da natureza (diversidade e complexidade necessária) não interessam ao modelo de economia que leva a vida do Planeta ao esgotamento.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE: COMEMORAR O QUÊ?



O dia 5 de junho é consagrado ao meio ambiente. Esta data foi estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1972, durante a Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, em Estocolmo. O objetivo principal da Conferência era conscientizar os governos e a população mundial para esta temática. Após os fracassos do Protocolo de Kyoto, da Rio + 20, das Metas da Biodiversidade 2010, das Metas do Milênio, entre outras, a passagem do Dia Mundial do Meio Ambiente acaba sendo incorporada aos calendários oficiais, em todo o mundo, como o dia em que governantes simulam ações ambientais amistosas, lançam projetos, criam leis que ficam só no papel, dão prêmios a empreendedores, plantam árvores, coletam lixo, limpam margens de rios e a mídia divulga todas essas encenações como se fossem, efetivamente, a expressão de uma prioridade política. Empresas poluidoras aproveitam a data para tentar despoluir sua imagem pública e agregar valor ecológico às suas marcas. Enfim, decorridas mais de quatro décadas, o fato é que não temos o que comemorar. Ao contrário, o cenário ambiental se agrava.


A grande maioria dos governos, legisladores, empresariado industrial e rural, juristas, comunidade científica, sistema educacional e a maior parte da opinião pública, manipulada e desinformada pela grande mídia, recusam-se a mudar o paradigma do “crescimento econômico” e a aceitar as evidências da sua insustentabilidade ecológica em um planeta de dimensões finitas. Um dos princípios da estratégia militar e política afirma: “quando não tens condições de vencer o inimigo, alia-te a ele”. Como os poderes deste mundo não conseguiram refutar as teses fundamentais de alerta levantadas por parte do movimento ecologista, foi criado apenas um rótulo novo para simular a adesão à racionalidade ecológica: o “desenvolvimento sustentável”. Mas, no atual contexto de inércia estrutural da civilização e de estagnação política, o termo “desenvolvimento sustentável”, na lógica da mercantilização da natureza e do trabalho humano, não tem nenhuma sustentabilidade real, em ações políticas e em mudanças de valores. O que estamos presenciando, na prática, é a continuação da degradação ambiental e os avanços de um capitalismo que, sob as aparências de ser democrático, de fato, revela uma face monstruosa de totalitarismo, de guerra camuflada contra a natureza e de dominação de seres humanos.

Este totalitarismo revela-se, atualmente, no funcionamento perverso da política e das instituições públicas que nós, ambientalistas gaúchos, juntamente com outros setores da sociedade civil organizada, que lutamos pelo processo de redemocratização do Brasil, o qual conseguimos instituir. Estes avanços socioambientais da sociedade civil, duramente conquistados em meio aos riscos da repressão da ditatura, estão em franco retrocesso, num mundo de retomada do neoliberalismo, via competividade, financeirização e globalização econômica.

No RS, os sintomas deste retrocesso político vêm acontecendo progressivamente, sendo visíveis em numerosos fatos. Assim, a Polícia Federal, através da Operação Concutare (2013), descobriu sérias irregularidades e indícios de corrupção em diretorias e em alguns funcionários do órgão ambiental do estado, transformando, aparentemente, a gestão ambiental em um balcão de negócios. Outro fato significativo foi a ausência de qualquer referência à questão ambiental nas plataformas políticas dos candidatos ao cargo de Governador do Estado nas últimas eleições. Esta situação levou nossas entidades a encaminharem aos candidatos o documento “O Rio Grande que Queremos”, com um conjunto mínimo de reivindicações técnicas e políticas na área ambiental que deveriam ser enfrentados e contemplados. 

O atual Governo do Estado do RS mostrou a que veio a partir de uma mudança forjada no nome da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), alterado para Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Na prática, em nome de uma falsa sustentabilidade, tratou-se de retirar a identidade da área, conquistada a duras penas, a partir de 1999, e aplicar este rótulo a um rol de diretrizes políticas e administrativas que desestruturam e destroem aquilo que deveriam preservar. Na esteira desta desestruturação, resgatou-se o nome da secretária Ana Pellini, ex-presidente da Fepam, processada por assédio moral no órgão. A listagem completa deste desmonte seria muito longa, por esta razão vamos destacar apenas algumas medidas. O desmantelamento estrutural de órgãos da ex-Sema, a proposta de extinção da Fundação Zoobotânica, a adoção do licenciamento auto-declaratório, a proposta de privatização através de concessão de todas as Unidades de Conservação, do Parque Zoológico, a não implantação do CAR/RS, a tentativa de liberação da mineração de areia no lago Guaíba, entre outros fatos.

Sintomaticamente, demonstrando o descaso pela questão ambiental, agora, em junho de 2015, justamente na semana dedicada ao meio ambiente, a secretária da Sustentabilidade, Ana Pellini, saiu de férias. A questão não são as férias em si, mas por que justamente férias no início de um governo e no dia e na semana em que se comemora o meio ambiente?

Portanto, no “Dia do Meio Ambiente”, mais uma vez, vamos comemorar o quê? 

Cabe à sociedade gaúcha, brasileira e mundial, em cada canto, retomar a reflexão sobre um “outro mundo” não mais somente “possível”, mas urgentemente necessário. A cada dia que passa, temos menos tempo para colocar a temática ambiental no centro dos debates, no rumo de sociedades mais sustentáveis, portanto, pós-capitalistas. Se este desafio for coletivo, poderemos lograr, como primeiro passo, um espaço essencial de luta pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive garantido pela Constituição e pelos acordos internacionais assinados pelo Brasil.

Porto Alegre, 5 de junho de 2015. 

Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan),
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais ( Ingá)
Movimento Gaúcho de Defesa do Meio Ambiente ( Mogdema)