O Brasil é um dos países com maior biodiversidade do
mundo, possuindo cerca de 20% das plantas conhecidas do planeta. Contudo,
somente pequena parcela da população conhece parte desta diversidade de plantas
alimentícias nativas de cada bioma e de cada região brasileira.
Lamentavelmente, a agricultura moderna segue a se
contrapor a esta diversidade. Teima-se em conceber a homogeneização de nossos
ambientes, outrora ricos ecossistemas, para a produção em alta escala de
monoculturas de exportação, gerando uma série de problemas ambientais, como o
uso crescente de agrotóxicos e outros insumos que, justamente, se contrapõem à
biodiversidade. A perda da diversidade agrícola e de culturas alimentícias,
segundo a FAO, trouxe a perda de aproximadamente, 75% da diversidade agrícola
mundial.
Entretanto, existe muito o que resgatar e (re)valorizar.
Cabe lembrar que somente na Região Metropolitana de Porto Alegre, Valdely
Kinupp encontrou mais de 300 espécies de plantas nativas alimentícias. No
Brasil, se levarmos em conta as mais de 33 mil espécies de plantas fanerogâmicas
brasileiras catalogadas pelo Projeto Flora do Brasil, usando-se estimativas com
percentuais conservadores de plantas alimentícias, obteríamos uma estimativa
de, pelo menos, três mil plantas alimentícias em nosso país.
No Sul do Brasil, alimentos como o pinhão da araucária,
os frutos carnosos dos butiás (Butia spp), os frutinhos condimentares da
aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolia), o fruto produtor de polpa da
juçara (Euterpe edulis), a hortaliça ora-pro-nobis (Pereskia aculeata),
entre centenas de espécies, começam a ser valorizados e diferenciados em
diferentes comunidades humanas e em diferentes mercados.
Infelizmente, existem casos emblemáticos de contradição
e descaso com as nossas espécies nativas, a exemplo da feijoa ou
goiabeira-serrana (Acca sellowiana) planta frutífera da região Sul. Ha
mais de um século esta espécie foi levada, desde o sul do Brasil e do Uruguai,
para os EUA. Hoje é cultivada comercialmente, e com sucesso, na Nova Zelândia, Austrália
e Colômbia. Em nosso país é, ainda, praticamente desconhecida da maioria da população.
A diversidade biológica e a manutenção mínima de vegetação
natural são fundamentais para a funcionalidade ecossistêmica necessária no
campo. Um dos pilares básicos para a sustentabilidade ambiental é a riqueza de
flora e fauna, também associada à cultura alimentar regional e à ecologia humana.
A produção de alimentos, com diversidade, é uma função também social amparada
na Constituição Federal, que garante o direito ao meio ambiente equilibrado,
com proteção à diversidade biológica e aos processos ecológicos.
Existe um movimento de resgate das plantas
nativas na alimentação, associado muitas vezes à agroecologia, situação que também
reflete a busca por uma vida mais saudável. Esta agrobiodiversidade emerge,
principalmente, por meio da agricultura das famílias campesinas que veem sentido
na convivência com a diversidade de produção de sementes crioulas, na revalorização
da natureza e, também, dos pratos tradicionais.
Cabe destacar aqui iniciativas importantes de emergência do tema,
que nos dão alento, caso da Iniciativa Plantas para o Futuro que, desde a década
passada, vem promovendo o conhecimento e um uso mais amplo das nossas espécies
nativas, a exemplo do livro lançado pelo
Ministério do Meio Ambiente “Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico
Atual ou Potencial – Plantas para o Futuro - Região Sul” e que está sendo
expandido para todas as regiões brasileiras. Também merece ser ressaltado o
apoio do Projeto Biodiversidade para Alimentação e Nutrição (BFN – sigla em inglês)
que apoia o fortalecimento institucional de grupos que se dedicam a este tema,
desde a academia até chefs e cozinheiros, em suas diferentes regiões e culturas
tradicionais do país.
Seguem-se estudos dos conteúdos nutricionais
e dos preparos dos produtos dessas plantas, em nível gastronômico, por instituições
de pesquisa e grupos de pessoas que se sentem mais felizes com a busca destas
fontes diversificadas de alimentos. E a experimentação coletiva dos pratos elaborados
e algo muito estimulante.
Fundamentalmente, para o sucesso do uso de
nossa biodiversidade alimentar temos que celebrar obras como esta, na esperança
de que possa sensibilizar nossos governantes e as forças vivas da sociedade, a
fim de colocar este tema no eixo estruturante das ações em prol de uma
sociedade sustentável, que proporcione condições para a humanidade viver com
mais igualdade.