Paulo Brack*
Mais uma vez o governo federal inova no retrocesso em
matéria de meio ambiente, via seu ministro, Ricardo Salles, condenado em
primeira instância por improbidade administrativa.
Em regime de urgência foi
colocada na pauta do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para esta segunda-feira, 28 de
setembro, uma proposta de resolução que prevê a revogação das
Resoluções do Conama n. 284/2001 e as de números 302 e 303 de 2002. Na
realidade, desde o ano passado, o ministro já montava a derrubada de normas e
resoluções infra legais (abaixo das leis), a partir do Decreto no.10.139/2019,
assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Porém, a partir de suas declarações
que acabaram sendo vazadas no final de abril de 2020, o atual ministro de Meio
Ambiente parece ter levado a sério o termo “passar a boiada” em matérias
ambientais.
O Conama, que define normas e critérios
ambientais, já foi esfacelado em sua estrutura em meados de 2019. Em
decorrência desta fragilização, o governo e os setores empresariais tem ainda
mais poder de decisão. O Conselho teve seus membros reduzidos de um pouco mais
de 96 para 23 representantes. As entidades civis
perderam representação. Entidades da sociedade civil tiveram suas representações
caírem de 23 para 4. Foi imposta a escolha das poucas entidades via sorteio. Os
Estados também perderam representação. Em um país de proporções continentais, a
composição anterior tinha o objetivo de garantir maior representatividade aos
diferentes segmentos da sociedade.
Se forem revogadas estas
resoluções, em especial a Resolução 303/2002, estariam sendo derrubados artigos
importantes de proteção a áreas de preservação permanente (APPs) de dunas,
restingas e manguezais do litoral brasileiro. Cabe destacar que a referida Resolução
define proteção contra qualquer construção em dunas e restingas, em uma zona de
300 metros a partir do nível mais alto do mar para o continente, em áreas que
não urbanas de municípios litorâneos. Com isso, abre-se espaço para
a especulação imobiliária desenfreada em faixas de ecossistemas litorâneos além
de ocupação ainda mais indiscriminada de áreas de mangues para produção comercial
de camarão por grandes empresas e em vegetação de praias.
É importante destacar
que a Zona Costeira é Patrimônio Nacional, conforme o Artigo 225 da
Constituição Federal, juntamente com as formações de restingas, também
amparadas pela Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006).
A partir desta
decisão, podemos esperar que a flora e fauna exclusiva e endêmica destas áreas
estejam em situação ainda mais crítica de ameaça de extinção, tendo com
situação provável de prejuízo às populações humanas, com o aumento do nível do
mar (com aumentos de 0,5 a 1,5 m até 2100, segundo o IPCC), causado pelo
aquecimento global, com consequências dramáticas em áreas urbanas litorâneas, ainda
mais agora, sem a presença de barreiras de dunas nas zonas próximas ao mar.
A justificativa do governo, que está
expressa em documento da consultoria jurídica do
MMA (CONJUR-MMA), com a alegação de que essas resoluções teriam “perdido a
validade” a partir da Lei 12.51/2012 (Lei de Proteção à Vegetação Nativa, ou “Código
Florestal”). A tentativa já tinha sido realizada em 2017, um ano após o golpe
que retirou a Presidente Dilma Rousseff. Entretanto o TRF 4 apresentou parecer
contrário a uma demanda no mesmo sentido, a partir de ação da companhia de
abastecimento de água de São Paulo (CETESB), autuada por intervenção em desconformidade
com a legislação, tentando deslegitimar a resolução 303/2002.
Deve-se considerar que estas resoluções
são instrumentos legais concretos que vêm protegendo, com maior efetividade, a
nossa Zona Costeira.
O grande lobby de megaempreendimentos
como resorts, condomínios fechados de alto luxo e empresas de criação de
camarão do Nordeste deseja flexibilizar a legislação. Entretanto, esquecem que
a Constituição Federal define, em seu artigo 225, também a proteção à
diversidade biológica, às espécies ameaçadas, destacando-se neste caso, no sul
do Brasil, o lagartinho-das-dunas, o tuco-tuco-branco, o sapinho-da-areia, as dezenas
de aves migratórias que se abrigam em pequenas dunas com plantas também
exclusivas e adaptadas à elevada salinidade. Existem outras tantas centenas ou
milhares de espécies de flora e fauna exclusivas no litoral brasileiro.
No que se refere a possibilidade de
revogação da Resolução Conama n. 284/2001, desapareceriam os critérios federais
para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. Ganharia o agronegócio
imediatista e perderiam ecossistemas aquáticos e populações que se abastecem de
águas em uma mesma bacia que tem disputa pelo escasso recurso água, bombeado
para irrigação. Quanto à Resolução 302/2002, entre outras perdas, não haveria
definição da faixa de Áreas de Preservação Permanente junto a reservatórios de
água.
Como afirma Carlos Bocuhy, presidente do
Instituto Proam, “todas essas resoluções mereceriam uma discussão
aprofundada". E cabe lembrar que as resoluções em curso, sujeitas à
revogação, foram discutidas e construídas amplamente durante anos. Agora, o
governo usou o instrumento de regime de urgência, o que inviabiliza, inclusive,
o pedido de vistas à matéria por parte de qualquer membro do Conama.
O retrocesso em temas socioambientais e
o descumprimento da Constituição Federal parecem não ter fim neste governo. A
flexibilização das normas terá efeitos devastadores à proteção das Zonas
Costeiras, à biodiversidade e as condições de maior vulnerabilidade das
habitações nas zonas litorâneas, com a elevação evidente do nível do mar. Mais
uma matéria a ser judicializada, no país que vê desaparecer sua democracia.