Nas comemorações dos 250 anos da cidade de Porto Alegre, vimos trazer a público e ao prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, nosso protesto quanto a um conjunto de descasos e enfraquecimentos deliberados da gestão ambiental, que incluem a venda do patrimônio público da capital do Estado. Entretanto, um dos pontos de esquecimento de parte do governo, nesta data, é que o território de nossa cidade já era habitado por povos indígenas, há milhares de anos.
Os retrocessos na área ambiental da Prefeitura Municipal (PMPA) são vários,
representados não somente pelo
enfraquecimento da estrutura de gestão ambiental,
já referida como “apagão” na área, em
documento elaborado por diversas entidades, em 11 de fevereiro de 2021, encaminhado à
prefeitura, mas nunca respondido tanto pelo chefe do executivo municipal
quanto pelo chefe da pasta de meio ambiente.
Um dos principais itens reivindicados no documento acima citado é justamente a
ausência de prioridade na área ambiental, enquanto é constatada como
prioridade pelo mercado imobiliário, onde, na crista da onda neoliberal, privatizam-se espaços e patrimônios
públicos, mantendo um ambiente de negócios e clientelismo também nos espaços
de poder da cidade.
Ou seja, um dos principais eixos da administração municipal, em consonância
com a maioria dos membros da Câmara de Vereadores, se traduz no
ataque à proteção do meio ambiente, como estratégia de fortalecer grandes
setores econômicos e seus oligopólios, com visão e práticas gananciosas e
imediatistas.
O processo acelerado de desmanche da proteção da área ambiental do município
de Porto Alegre vem, pelo menos, desde o governo de Nélson Marchezan Jr., e se
consolida hoje. Recentemente o executivo elaborou e encaminhou um projeto de
lei que permite a
venda do prédio da Primeira Secretaria Municipal do Meio Ambiente do
Brasil, fundada em 1976, junto com mais de 90 outros próprios municipais. A
proposta representará um ataque à estrutura física da prefeitura e também
maior dependência financeira do setor privado que providenciará, então,
alugueis - com nosso dinheiro - para sediar áreas de serviços públicos
essenciais, até então em imóveis públicos. Cabe lembrar, entretanto, que há
cerca de um ano, o secretário de meio ambiente, Germano Bremm, havia declarado
publicamente a permanência da Biblioteca Municipal na sede da SMAMUS, após
protestos e mobilizações contra a ideia de retirarem, da sede da Secretaria,
um dos maiores acervos de publicações ambientais do Estado. Por outro lado, já
funciona com maior ênfase um escritório de licenciamentos ou balcão de
licenças em áreas fora da SMAMUS.
No início da atual gestão municipal, em 2021,
o prefeito Sebastião Melo modificou o nome, o caráter e a atribuição da
SMAM, passando para ser chamada de Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e
Sustentabilidade, SMAMUS,
por meio da aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLC) n. 001/21.
A área de urbanismo não consta no marco da legislação ambiental
brasileira, ou seja, a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) define o
papel central do órgão de meio ambiente nas políticas e na gestão do tema. Tal
mudança não passou por consulta ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM)
e à população porto-alegrense.
A inclusão de urbanismo, ou infraestrutura urbanística, no órgão ambiental
destrói a autonomia da pasta de meio ambiente,
principalmente no que tange ao licenciamento, criando conflito de interesse
com relação ao poder de Estado e dos serviços públicos entregues de bandeja a
grandes grupos econômicos do setor imobiliário e da construção civil.
Torna-se evidente a
submissão da administração à lógica da expansão urbana predatória, carro
chefe desta e das últimas gestões da Prefeitura de Porto Alegre.
A administração municipal retoma, na prática, a extinção da Secretaria
Municipal do Meio Ambiente, desejo explícito do ex-prefeito. Coincidentemente, ou não,
o secretário da SMAMUS é o mesmo do governo anterior, a despeito do
ex-prefeito ter sido derrotado na eleição de 2020.
Na esteira de fragilização do poder público na gestão ambiental, a prefeitura vem levando a cabo, de forma atropelada,
leis de flexibilização ambiental. Em destaque, podemos citar o
Licenciamento Ambiental por Compromisso (LAC), ou Autolicienciamento, contestado pela Procuradoria Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal
Federal (STF), pois tenta retirar o papel constitucional intransferível dos
órgãos de Estado no licenciamento, o que resulta em benefícios evidentes a
setores econômicos.
Outras iniciativas de perversidades, em meio a Covid-19, têm relação à
modificação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), sem a possibilidade da realização de reuniões presenciais e participação da
população, situação que motivou recomendações do Ministério Público Estadual
para que fosse interrompido o processo de mudanças no PDDUA, em meio ao quadro
da pandemia, tornando-os mais permissivos à especulação imobiliária.
Neste aspecto, destacamos projetos urbanísticos em áreas da orla e áreas
naturais, que se consolidou por meio do PLC 016/2020, favorecendo o grande
empreendimento imobiliário Fazenda Arado Velho.
A nova lei, que atropela os órgãos de meio ambiente, permite a ocupação urbana
adensada numa das maiores
Áreas de Proteção ao Ambiente Natural (APAN) da Zona Sul de Porto Alegre. Trata-se de um empreendimento com 426 hectares (10 vezes a área do Parque
Farroupilha), com predomínio de ecossistemas naturais, ocupação de comunidade
guarani e paisagem rural, especialmente na Ponta do Arado, transformada em
Área de Uso Intensivo. Este projeto visa sua implantação urbanística
com mais de 2 mil residências de alta e média classe,
com muito concreto e asfalto, na última maior área verde natural do bairro
Belém Novo. Pode expulsar ocupação secular de território do povo Guarani, destruindo
também Áreas de Preservação Permanente da orla do Guaíba, como banhados,
matas, restingas e campos nativos, que abrigam muitas espécies de flora e
fauna ameaçadas de extinção, protegidas pela Lei da Mata Atlântica (Lei
Federal 11.428/2006) e Lei Orgânica de Porto Alegre.
Da mesma forma, outras
investidas de parte da prefeitura tentam facilitar a ocupação privada de
áreas da orla do Guaíba, especialmente em áreas públicas no
Cais do Porto, ou outras áreas
descaracterizando a paisagem, por meio de altas edificações, como no caso de
empreendimentos ou
torres elevadas junto ao Esporte Clube Internacional,
em área de aterro público realizado na década de 1970, junto à avenida Padre
Cacique.
No clima da entrega do patrimônio público, recentemente, a PMPA deu
continuidade à
transferência de 80% da propriedade do terreno, com áreas naturais, do
Parque Municipal Saint-Hilaire à prefeitura de Viamão, que não tem recursos e capacidade de gerenciar a área de enorme relevância
em proteção à biodiversidade e também ao lazer. A prefeitura de Porto Alegre
desvencilhou-se de um patrimônio público que que correspondia a maior área
verde de próprio municipal, em área que representa cerca de 20 vezes o tamanho
do Parque Farroupilha. A Prefeitura Municipal de Porto Alegre já vem, desde a
administração anterior, elaborando esta proposta de entregar este patrimônio
natural, à outra prefeitura vizinha, junto com a Câmara de Vereadores, sem ao
menos consultar a área técnica da Secretaria de Meio Ambiente nem mesmo o
COMAM.
Outro aspecto que consagra o esvaziamento da histórica Secretaria Municipal de
Meio Ambiente é a manutenção do
fechamento das Zonas de Arborização, além da permissão de mutilações e cortes indiscriminados de árvores,
denunciados semanalmente pela população, com o simultâneo abandono do Plano
Diretor de Arborização Urbana, praticamente abandonado também pela
aposentadoria, sem reposição, de técnicos na área. Apesar da declaração de
compromisso do atual prefeito em retomar o Viveiro Municipal, o
contingente de funcionários é insuficiente
para uma produção com qualidade de mudas de árvores nativas e outras plantas
que compõem a biodiversidade do município.
Por outro lado,
a manutenção de praças e parques e o manejo de árvores em locais públicos,
que deveria ser atribuição da SMAMUS, segue sendo realizada pela Secretaria
Municipal de Serviços Urbanos (SMSURB). A nova (des)estrutura da secretaria de meio ambiente, além do desvio de sua
finalidade, teve prejuízos na gestão ambiental municipal, sendo a parte da
arborização a mais evidente, com a transferência de funções para outra
secretaria que promove a poda, a supressão e a intervenção drástica na
vegetação urbana.
A aposentadoria progressiva, sem reposição, e a
crônica ausência de técnicos concursados na área ambiental, com os últimos
concursos públicos realizados há cerca de 25 anos, facilita a terceirização
e a mistura entre interesses privados e públicos, o que não é concebível na área ambiental. Os técnicos que analisam pedidos
de licenças têm que ter estabilidade, autonomia, tempo suficiente para
analisar processos de requerimentos e possuir liberdade de julgamento e
decisão.
No que toca ao
Fundo Pró-Ambiente do Município (FUNPROAMB), que obtém recursos de multas e visa a compensação de danos ambientais,
correspondendo a muitos milhões de reais que deveriam ser investidos em
projetos especiais de proteção ambiental, o mesmo continua sendo alvo de tapar
buracos do orçamento da prefeitura. Permanece há 5 (cinco) anos o
cancelamento do último Edital Público (2016) que contemplava projetos de entidades ambientalistas, para a melhoria
da proteção e gestão ambiental. Infelizmente, tal fundo atualmente configura
desvios de sua finalidade, em áreas de custeio de atividades diárias, que vão
desde a varrição de praças, investimento de concreto em áreas verdes e a
manutenção do Cemitério Municipal.
Enquanto isso,
as Unidades de Conservação, que não recebem os aportes devidos do orçamento
da PMPA, esperam há anos, quase sem sucesso, para receber os recursos do
FUNPROAMB. Lembrando-se das Unidades de Conservação Municipais têm seus
Conselhos Consultivos também desfeitos há mais de dois anos.
Na área de meio ambiente urbano, rural ou natural do município, torna-se
também evidente a continuidade do
esvaziamento de atividades como a fiscalização do ambiente natural, mesmo frente à
grilagem de terras e loteamentos ilegais no extremo sul do município,
corte indiscriminado de árvores,
a
fragilização da Educação Ambiental por parte do quadro da SMAMUS e demais secretarias associadas ao tema, em
especial a SMED, onde a Educação Ambiental foi desfeita junto com a
desvalorização constantes dos professores municipais, nestas últimas gestões.
No que se refere ao
Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), desde meados de 2017, a partir
da gestão do prefeito Marchezan Jr., houve um Edital que excluiu a
representatividade das entidades ambientalistas,
reunidas há mais de três décadas em seu fórum legítimo, a
Apedema. Este processo, que
incorporou um sorteio, ou “bingo”, à semelhança de iniciativa do governo
Bolsonaro, em esvaziar o CONAMA, segue atualmente na gestão do Prefeito
Sebastião Melo. A intenção é tirar a autonomia e combatividade das entidades
que representam a sociedade e alinhar outras entidades, que não representam o
setor, aos pleitos da prefeitura e dos setores econômicos que lhe dão apoio.
O Conselho do Plano Diretor Urbano e Ambiental (CMDUA) também é submetido à
pressão governamental para aprovações repentinas de projetos altamente
questionáveis, em processos de modificações estruturais que envolvem o regime urbanístico
de áreas do município ou mesmo em temas que impliquem em facilitação de
licenciamentos de projetos de lei ligados à área ambiental enviados à Câmara
de Vereadores de Porto Alegre.
Que município e que cidade queremos?
Porto Alegre é um município de cerca de 49 mil hectares, que envolve áreas
urbanas, rurais e naturais, e conta com muita história, cultura e
sociobiodiversidade. Temos que comemorar a beleza paisagística dos morros
graníticos, bordeados de formações florestais de Mata Atlântica, ponteados de
nascentes e coroados por campos nativos do Pampa, cortados por arroios que vão
desembocar na excepcional paisagem da orla do rio-lago Guaíba, com suas lindas
praias e vegetação de restingas, fortemente ameaçadas por condomínios
fechados, grandes empreendimentos que destroem biodiversidade e paisagem.
Lembremos que aqui surgiu o Fórum Social Mundial, por um Outro Mundo Possível e cada vez mais Necessário. Aqui surgiu a primeira Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a primeira Reserva Biológica do Brasil. Não por acaso, aqui nasceu a entidade ambientalista mais antiga do país, a AGAPAN. Assim, não vamos deixar de comemorar as conquistas da sociedade, com alegria, junto aos porto-alegrenses, e os 250 anos de Porto Alegre pertencem à população e não aos governantes de plantão.
Queremos uma estrutura pública de gestão da cidade que fortaleça os órgãos
públicos, sem a venda do nosso patrimônio, mantendo o histórico de órgãos que muito contribuíram para a qualidade de
vida dos habitantes humanos e não humanos da cidade, como o DMAE, o DMLU, a
SPM, a SMAM e suas Zonais, a SMED, a SMS, o DEMHAB, entre outros
setores hoje esvaziados pela lógica da terceirização, estado mínimo e negócios máximos.
Temos que promover uma inversão de prioridades, com retorno de ênfase na
urbanização em áreas mais centrais, com infraestrutura já consolidada, e não a
extensão de infraestrutura, hoje inexistente, para áreas que são alvo da
especulação imobiliária, mas têm vocação para a manutenção de paisagem
natural, biodiversidade, produção rural orgânica e agroecológica. Destacamos a
importância da constituição de um
Cinturão Verde no Município, tema
que foi um dos eixos da última
Conferência Municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre[1].
Este patrimônio natural e histórico-cultural pode gerar maior autoestima à
população que aqui vive, turismo ecológico e rural, incremento da cultura
local e do turismo que incentiva a valorização de diferenciais locais, nos
aspectos típicos da capital. Lembremos de alguns diferenciais de Porto Alegre,
no tocante ao aspecto histórico, das construções antigas da Cidade Baixa, no
Cais do Porto, Cultural e Público, na Zona Rural
que é importantíssima para a agroecologia e a menor dependência de alimentos,
que vêm de fora e com resíduos de agrotóxicos. Nossa capital é uma das que
mais reúne número de morros (44), a maior quantidade de feiras agroecológicas
e orgânicas do País e possui também os Caminhos Rurais, que são uma estratégia
de mostrar aos habitantes da capital e aos que vêm de fora de que aqui não
precisamos do concreto para o convencional e questionável modelo de
desenvolvimento, que concentra, degrada a biodiversidade, descaracteriza a
paisagem e cria desigualdades.
Assinam:
-
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - InGá
-
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - Agapan
-
Associação de Mães e Pais pela Democracia
-
Coletivo Ambiente Crítico
[1]
https://www2.portoalegre.rs.gov.br/smam/default.php?reg=9&p_secao=279