(Julho de 2022)
INTRODUÇÃO
No âmbito da alimentação convencional, somente 20 espécies vegetais fornecem 90% do
alimento humano do planeta, e apenas três delas — trigo, milho e arroz — fornecem mais da metade (WILSON, 2012)[1]. Neste processo, as variedades regionais
tradicionais, indígenas ou crioulas vão se perdendo e a nossa alimentação acaba
restrita aos poucos grãos oferecidos pelas empresas que promovem monoculturas
agroquímico-dependentes. O discurso dos defensores da “Revolução Verde” como
solução para a fome mundial deve ser questionado, uma vez que a maior área de
produção, representada pela soja, é uma commodity e não alimenta,
prioritariamente, seres humanos e sim animais confinados para produção de
carne. Outra causa da fome é a falta de estoques de alimentos e a má
distribuição de renda. A falta de comida é consequência disso. O atual modelo
agrícola dominante esgota o solo e a biodiversidade, exclui pessoas, diminui
oferta de alimentos e não nos alimenta com qualidade.
Cabe destacar que no que se refer a grãos, segundo os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), desde 1976/77 até 2020/21, praticamente nos últimos 45 anos, tivemos a diminuição da área de produção de alimentos como arroz (-72%), feijão (-35%), trigo (-14,7%) (Figura 1), sendo que a mandioca (planta nativa do Brasil e que não leva tantos insumos), em relação a produção total no Brasil, reduzou de 23 milhões de toneladas, em 2000, para 14,5 milhões de ton. em 2020, ou seja, -37% em 20 anos. Por outro lado, no período de 45 anos a área de produção de soja (Figura 2) cresceu exponencialmente (+500%), desde 1975/76, que era de menos de 6,95 milhões de hectares para quase 44 milhões de hectares em 2022, em grande parte para a exportação, enquanto a população do Brasil aumentou de 112 milhões para 215 milhões de pessoas (+92%).
Neste contexto, surge a emergência das plantas alimentícias
não convencionais (PANC), termo criado pelo botânico Valdely Kinupp (Figura 3) . O conceito
de PANC tem diferentes interpretações e, de forma mais ampla, congrega hortaliças,
frutíferas e outros tipos de plantas, incorporando também cereais em produção
tradicional (sementes crioulas), não de forma industrial ou convencional.
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| Figura 4. Area do Campus do Vale da Agronomia da UFRGS |
Entretanto, perante às pessoas interessadas em seu consumo, as PANC trazem seu uso mais comum as hortaliças e as frutíferas nativas e espontâneas ou plantas alimentícias pouco conhecidas ou partes delas pouco utilizadas. Na Campus do Vale da Agronomia da UFRGS, em Porto Alegre (Figura 4), muitas plantas alimentícias ocorrem como nativas e espontâneas, como veremos a seguir.
Muitas das PANC, nativas ou exóticas espontâneas, além consideradas alimentos funcionais, poderiam ser incorporadas na alimentação, mantendo a diversidade dos ecossistemas. Há 15 anos, Kinupp encontrou na Região Metropolitana de Porto Alegre 311 espécies de PANC, apenas nativas da região, ou seja 20% das espécies da RMPA. No RS, estimamos mais de 400 espécies nativas ou espontâneas com potencial alimentício, o que corresponderia a quase 10% da flora do Estado. Infelizmente, parte importante destas plantas é chamada pelo agronegócio convencional, ou mesmo em laboratórios de produção agrícola, como “plantas daninhas”. Esta denominação favorece o seu combate, e não o convívio com a diversidade das mesmas, o que implica no uso de herbicidas, contaminando ambiente, o(a) agricultor(a) e o próprio alimento. Segundo o saudoso botânico Eduardo Rapoport (Figura 5) , da Universidade de Bariloche, pelo menos 1/3 do que é considerado “inço”, “daninhas” ou “invasoras tem uso atual ou potencial como alimento. Além disso, perdem-se toneladas dessas plantas alimentícias/hectare das lavouras convencionais, mortas por estes venenos agrícolas, não só alimento potencial para seres humanos como criação de animais, como galinhas e porcos, destacando-se aqui o caso de beldroega, caruru, erva-gorda, dente-de-leão, alface-silvestre, mastruço, serralha, picão-branco, picão-preto, trevo-azedo, e outras dezenas de plantas.
| Figura 5. O Dr Eduardo Rapoport, biólogo argentino, professor emérito da Universidade de Comahue, Bariloche, um dos pioneiros e entusiastas das plantas nativas e espontâneas alimentícias |
No Campus do Vale da Agronomia da UFRGS, podemos citar, pelo menos, três dezenas destes vegetais que nascem nos canteiros e jardins, entre prédios, caminhos, e as pessoas não percebem (Figura 6). Pior do que isso, muitos estão acostumados a ver a grama cortada rente ao solo, como paradigma de jardim esteticamente “bonito” ... Estaremos diante das “monoculturas da mente”, segundo a ecofeminista e Prêmio Nobel Alternativo, Vandana Shiva (Figura 7)?
Muitas das espécies de PANC eram tradicionalmente parte da alimentação indígena e tradicional. Infelizmente, ao longo dos anos, foram sendo deixadas de lado, seja pelo modo de vida de consumo-dependência de grandes mercados ou mesmo desinformação das sociedades urbanas e apartadas na natureza. Por isso, atualmente, são tratadas como “não convencionais”.
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| Figura 6. Gramado com Hypochaeris chillensis (almeirão-do-campo, ou radiche-do-mato), na estética usual, considerado gramado com inço ou mato “feio”. |
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| Figura 7. Vandana Shiva, ativista ambiental, ecofeminista e Prêmio Nobel Alternativo. |
Temperos e condimentos também estão contemplados, por
exemplo, nas folhas de buva (Conyza bonariensis) e erva-baleeira (Varronia
curassavica).
Plantas como a
beldroega e o dente-de-leão apresentam conteúdos nutricionais expressivos, como
Omega 3, no primeiro caso, e Vitaminas A, B, C, Ferro, Potássio, no segundo,
superando elementos nutracêutico do que muitas hortaliças convencionais.
Além dos benefícios para a saúde, a natureza também se
beneficia já que, por seu caráter rústico, bem adaptado, requerem pouco trato e
dispensam o uso de insumos químicos, o que poupa o solo da enorme carga de
veneno associada às monoculturas de espécies ditas melhoradas.
O cultivo das PANCs se encaixa, ainda, numa tendência recente
de agricultura urbana, cultivadas ou mantidas em pequenos espaços. Estas
plantas não precisam de muita terra para serem cultivadas, bastam muros e
cercas–vivas, pequenos quintais e mesmo áreas e sacadas de apartamentos.
Jardins urbanos que resgatam a ligação das pessoas com a natureza.
O resgate da manutenção, manejo e cultivo das plantas
alimentícias não convencionais significa, além do incremento nutricional, um
resgate cultural através da promoção do saber tradicional.
| Figura 8. Mostra de PANCs realizada pelo GVC na Feira Agroecológica da rua José Bonifácio, bairro Bom Fim, Porto Alegre, RS, Brasil.
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n= nativa do RS; e = exótica no RS/Brasil.
* várias desta lista estão na Cartilha das PANCs do GVC
LISTA DE BIBLIOGRAFIA VIRTUAL (PARA BAIXAR) SOBRE PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS
1) ASPTA -PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS (2016)
http://aspta.redelivre.org.br/files/2016/08/Agriculturas_V13N2.pdf
2) BARBOSA, Lidiane. APLICAÇÃO DE PANCS NA ALIMENTAÇÃO HUMANA
http://lidianebarbosa.com.br/wp-content/uploads/2015/09/apresentacao_vp2015.pdf
3) BORTOLOTTO, Ieda Maria, DAMASCENO-JUNIOR, Geraldo Alves, POTT, Arnildo. 2018. Lista preliminar das plantas alimentícias nativas de Mato Grosso do Sul, Brasil. Iheringia Sér. Bot. 73 (supl.): 101-116.
https://isb.emnuvens.com.br/iheringia/article/view/683/393
4) BRACK, Paulo; KÖHLER, Matias; CORREA, Claudine Abreu; ARDISSONE, Rodrigo Endres; SOBRAL, Marcos Eduardo Guerra; KINUPP, Valdely Ferreira. Frutas nativas do Rio Grande do Sul, Brasil: riqueza e potencial alimentício. Rodriguesia n. 71. 2020.
https://www.scielo.br/j/rod/a/JpWKrZKkFy8hGXYdNLqDwzr/?lang=pt
Anexo – Lista das espécies frutíferas do RS: https://figshare.com/articles/dataset/Rodrigu_sia_-_Material_Suplementar_Supplementar_Material/12751931/1
5) BRACK, Paulo & KÖHLER, M. Entre a monotonia e a emergência da agrobiodiversidade alimentar. OBHA (Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares)
https://obha.fiocruz.br/?p=12
6) CORADIN, L. et al (org.) 2011. MMA - PLANTAS PARA O FUTURO - REGIÃO SUL- 2011
https://biowit.files.wordpress.com/2010/11/regiao_sul.pdf
7) CORRÊA, Ana Alice S. 2018. Cozinhando com Panc: Ofcina Promovendo uma alimentação de qualidade e saudável (Módulo III, Flores e Frutas)
https://www.sjc.sp.gov.br/media/31688/livro-de-receitas-plantas-e-alimentos-nao-convencionais-mod3.pdf
8) DOSSO, Elisa S. & DURIGON, Jaqueline, 2022. A
Popularização das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) nas escolas:
sistematização e análise de experiências na Região Sul do Brasil. Cadernos
de Agroecologia - Anais da Reunião Técnica sobre Agroecologia
- v. 17, n. 3.
https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/article/view/6749/4997
9) DRAUSAL, Bárbara S. - Buenezas en la mesa. San Carlos de Bariloche, 2006.
http://plataforma.redesan.ufrgs.br/biblioteca/pdf_bib.php?COD_ARQUIVO=14041
https://revistas.aba-agroecologia.org.br/rbagroecologia/article/view/23722
https://www.ufrgs.br/viveiroscomunitarios/wp-content/uploads/2015/11/Cartilha-15.11-online.pdf
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/12870
http://www.ufrgs.br/seerbio/ojs/index.php/rbb/article/viewFile/92/88
http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2016/08/Agriculturas_V13N2-Artigo01.pdf
http://www.abcsem.com.br/docs/manual_hortalicas_web.pdf
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/198175/001095697.pdf?sequence=1&isAllowed=y
18)
PADILHA,
Thais dos Reis. 2019. Levantamento das
Flores Alimentícias no Rio Grande do Sul, Brasil. TCC do Curso de Ciências
Biológicas - UFRGS.
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/237386/001128929.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/35329
21) RAPOPORT, Eduardo H.; LADIO, Ana; RAFFAELE, Estela; GHERMANDI,
Luciana ; SANZ, Eduardo H. Malezas
Comestibles. Ciencia Hoy. Volúmen 9, Nº49 de Noviembre/Diciembre 1998
http://eduardorapoport.weebly.com/malezas-comestibles.html
23) RAPOPORT,
Eduardo et al. 1995 - Edible weeds: a
scarcely used resource https://www.researchgate.net/publication/291996760_Edible_weeds_A_scarcely_used_resource
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/35330?locale-attribute=en&show=full
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1904191/
OUTROS
https://www.ediblewildfood.com/edible-weeds.aspx
- PANCs PRA PLANTAR NA HORTA ORGÂNICA
Refere-se ao cultivo de mudas de frutíferas nativas de Porto Alegre, em atividade de extensão, incluindo conservação e divulgação de plantas com frutos alimentícios, incluídas no conceito de PANC (plantas alimentícias não convencionais)


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