quarta-feira, 22 de março de 2023

AMAZÔNIA SOB AMEAÇAS E DISPUTA DE MODELOS: URGE SAIRMOS DA ZONA DE CONFORTO!

Um recente artigo de opinião do Dr. Robert T. Walker, Professor de Estudos Latino-Americanos e Geografia, Universidade da Flórida, intitulado "A AMAZÔNIA NÃO ESTÁ SEGURA SOB O NOVO PRESIDENTE DO BRASIL – UM PLANO DE ESTRADAS PODE LEVÁ-LA ALÉM DE SEU PONTO DE RUPTURA", em 23/03/2023, acende um novo alerta sobre o futuro incerto para a Amazônia.

Lembramos que o ponto de inflexão (não retorno) na existência da floresta amazônica poderá estar próximo, como alertam os cientistas Thomas LovejoyCarlos Nobre e Paulo Artaxo. A floresta poderá estar entrando em colapso, a partir da perda de condições inerentes, por exemplo: parte das chuvas está diminuindo na porções oriental, sul e sudoeste, onde os desmatamentos são mais intensos, em decorrência da diminuição da própria evapotranspiração da floresta que vem perdendo centenas de milhares de hectares a cada ano. Parte da vegetação sofre estresse e diminui seu crescimento e emite mais CO2, por exemplo. Pesquisadores alertam que a composição vegetal tende a se tornar savana. O bioma, em sua periferia, queima com mais facilidade, após os desmatamentos. O quadro de aumento de desmatamento [1] segue mesmo ainda no início do governo Lula.

O cenário é, sim, alarmante. Isso conduz à necessidade de se resgatar, propor e debater outros modelos para a Amazônia. Outros modelos (com sustentabilidade socioambiental, no plural, em outro paradigma, fora do crescimento econômico ilimitado, e para poucos, inclusive mundialmente, como defende o professor, poeta e ativista ambiental Jorge Riechmann, da Universidade Autónoma de Madri (UAM).

Mapa mostrando a perda total de vegetação original da Floresta Amazônica (em vermelho). Cerca de 13,2% foram perdidos devido ao desmatamento e outras causas. Dados da Amazon Conservation Association e MAAP. Fonte: https://amazonia.org.br/2022/10/quao-perto-a-amazonia-esta-de-se-tornar-savana-a-resposta-pode-estar-a-leste-da-floresta/


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fires_and_Deforestation_on_the_Amazon_Frontier,_Rondonia,_Brazil_-_August_12,_2007.jpg

Este debate necessita ser feito também para todos biomas brasileiros. No caso da Amazônia, como macrossistema ecológico, com seu papel regulador do clima e da manutenção de patrimônios da sociobiodiversidade, em contraponto à histórica forma de rapina que prezou conquistar, dominar e/ou exterminar e transformar territórios com exuberância de natureza e de culturas humanas diversas em "eldorados" de expropriação de riquezas, monoculturas e áreas degradadas. 

https://theconversation.com/the-amazon-is-not-safe-under-brazils-new-president-a-roads-plan-could-push-it-past-its-breaking-point-200691


O processo insustentável se aprofundou nos últimos quatro anos, sob o governo Bolsonaro, e revitalizou a tomada de terras indígenas e do Estado, via grilagem, derrubada de florestas, exploração irregular e extremada de madeiras, garimpo e outras formas danosas de ocupação e espoliação da natureza.

Há que se buscar outros modelos socioeconômicos que respeitem as populações e seus territórios e que promovam uma descentralização de economias, com vocação local, longe da lógica concentradora em grandes obras como foi a Iniciativa de Integração de Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA), coordenada pelo BID, principalmente no início da primeira década deste milênio.

Diante da indução de degradação promovida por grandes obras, com destaque à Hidrelétrica de Belo Monte, que fez crescer explosivamente o desmatamento em Altamira (Pará), cabe que se questione, ao máximo, o investimento em grandes estradas, grandes hidrelétricas e outras infraestruturas que mantêm a lógica subserviente de país periférico do Cone Sul Exportador de Commodities, como destaca o ambientalista uruguaio Eduardo Gudynas. Um crescimento insustentável que se espelha na demanda do crescimento (insustentável) chinês, e espalhando-se por infraestruturas de países vizinhos do Brasil, que compartilham a existência do bioma amazônico (Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa).

Pastagens degradadas em área desmatada próxima a Porto Velho (RO)

No caso do asfaltamento e da revitalização da BR 319, entre Porto Velho e Manaus, a situação deve ser muito bem reestudada, do ponto de vista de impactos ambientais secundários evidentes. Ao mesmo tempo, deve-se rever e questionar qualquer financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou de qualquer banco público ou privado em atividades ou obras que sigam reproduzindo o modelo predatório de ocupação exógena e que preza o hidro-minero-agronegócio concentrador e de apropriação indébita de territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais, por parte de grandes setores econômicos acostumados à pilhagem dos bens comuns. 

Fazenda com criação de gado em área desmatada ao lado da BR 319 entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM)

Construir e desenvolver, com base nos conhecimentos tradicionais e parcerias com inovações  tecnológicas e sociais, modelos de economia diversos e dialógicos, com as comunidades locais, povos indígenas, sindicatos, academia, movimentos, etc.

Estamos necessitando cobrar o não desvio do compromisso de Lula e de seu governo, quando declarou, em diversos pronunciamentos, logo após sua posse, que a sociobiodiversidade teria seu papel fundamental, longe do que vem acontecendo, via desmatamento e ataques aos territórios e modos de vida diversos das comunidades tradicionais e povos indígenas na Amazônia. Rediscutir uma bioeconomia verdadeira, não a retórica de mercado, por meio de confederações de empresas e setores historicamente vinculados com a economia imediatista e depredatória,  mas com base na floresta em pé, nas comunidades locais, cooperativas, e em seus componentes nativos, e nas Áreas Prioritárias para a SocioBiodiversidade. Investir na geração de bioprodutos, por meio de pequenas indústrias cooperativas, priorizando agroflorestas e desenvolvimento de tecnologias sociais que priorizem recursos naturais sustentáveis e com valor agregado, desde plantas e seus diversos produtos: açaí, castanha-do-Pará, guaraná, macaúba, babaçu, pupunha, cupuaçu, tucumã, castanha-de-caju, buriti, pequi, camu-camu, seringueira, mogno, cedro, e outras dezenas e centenas de espécies que produzem alimentos in natura, ou via produtos agregados, ou medicamentos, cosméticos, fibras, tinturas, artesanato, madeiras, prezando-se o turismo em meio a natureza, com produtos locais sustentáveis.



Uma bioeconomia local verdadeira em disputa com a atual necroeconomia concentradora convencional.

O cientista Carlos Nobre, as lideranças indígenas e de lideranças de Reservas Extrativistas, os centros de pesquisa e universidades estão demonstrando que um Outro Mundo é Possível, Necessário e Urgente, mas tem que enfrentar, romper e superar a lógica concentradora, atrelada ao paradigma do crescimento econômico a qualquer custo.

Chico Mendes deu sua vida para lutar contra a destruição reinante que vem do sul. A jornalista Eliane Brum vem alertando isso com vigor há alguns anos. O pesquisador do INPA, Philip Fearnside, também vem há décadas alertando para a destruição da Amazônia e para a perda de água com o comprometimento dos Rios Voadores. O ponto de inflexão está próximo. O ecólogo norte-americano Thomas Lovejoy, um dos maiores conhecedores da perda da biodiversidade amazônica, falecido há pouco mais de um ano, publicou com Carlos Nobre um artigo importantíssimo que alerta quanto ao ponto de não retorno da floresta amazônica, que vem secando em suas faixas periféricas orientais e do Sul para dentro. 

Do lado da proteção, lutaremos pelo espaço de diálogo e construção conjunta com as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Originários, Sônia Guajajara,  com os movimentos socioambientais, que lutaram por garantir a vitória de Lula e de um outro projeto não convencionalmente predatório para a Amazônia e para o Brasil. A pauta urgente é a cobrança das promessas do governo, e o empenho de todos(as) na disputa das pautas e das políticas públicas para os territórios da sociobiodiversidade.

A discussão tem que acontecer. A Política Nacional de Meio Ambiente, Lei 6.938/1981, com as Resoluções Conama, o Artigo 225 da Constituição Federal, a Política Nacional de Biodiversidade (Decreto 4.339/2002), e o que sobrou de bom de nossas leis, no caso a mais importante que afeta a vegetação brasileira, a Lei de Proteção à Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012) apontam os caminhos. Cumprir a lei já é um enorme passo.

Os recursos de financiamentos de atividades na Amazônia e em todos biomas brasileiros devem conter condicionantes socioambientais claros. A torneira de financiamento às atividades que geram degradação tem que ser fechada! Isso já consta nas Metas da Biodiversidade 2020 (Metas de Aichi), da Convenção da Diversidade Biológica, que o Brasil faz parte. Destacamos aqui a Meta 3:

"Até 2020, no mais tardar, incentivos, inclusive subsídios, lesivos à biodiversidade terão sido eliminados ou reformados, ou estarão em vias de eliminação visando minimizar ou evitar impactos negativos, e incentivos positivos para a conservação e uso sustentável de biodiversidade terão sido elaborados e aplicados, consistentes e em conformidade com a Convenção e outras obrigações internacionais relevantes, levando em conta condições socioeconômicas nacionais."

Para o cumprimento das promessas e das Metas de Biodiversidade, consideramos essencial que o  Ibama retome seu papel de fiscalização e de avaliação, com autonomia, o licenciamento de atividades que possam provocar impactos ambientais, sem o vício da costumeira ingerência governamental, econômica e política, principalmente de parte de grandes grupos econômicos e políticos fortemente articulados e associados, por conveniência, aos governos de turno.

A revitalização da BR 319, que atinge o sul do Amazonas, o estado com maior cobertura de florestas na região e no país, mas que é alvo de um crescimento campeão de desmatamento na Amazônia, deve passar pelo crivo de uma reanálise, discussão franca com a sociedade, e a procura da identificação e enquadramento e punição dos maiores responsáveis pela destruição na região. 

Fundamental também torna-se rediscutir e superar a lógica concentradora e que submete nosso país a se manter como “Barriga de Aluguel” do mundo (palavras da Dra. Raquel Rigotto, da UFC), pois prioriza a exportação de minério de ferro, alumínio, soja, celulose, boi e carne de áreas desmatadas, exploração e exportação ilegal ou legal de madeira bruta, etc...

Desmontar as convencionais iniciativas da IIRSA, sob a coordenação do BID, ou  iniciativas futuras que desvirtuem o compromisso do governo brasileiro, quando das eleições e sua posse, pelo meio ambiente e os povos da Amazônia, superando-se a moda da falsa "economia verde", que emerge e maquia a mesma lógica de desigualdade e concentração degradatória reinante. 

À luta! O pior é o silêncio quanto às megaobras, em especial das monstruosas hidrelétricas de Tucuruí, Balbina e Belo Monte. O cenário é de maior emergência e não temos muito tempo a perder. Hoje, com base na mudança de paradigma e de modelo, já existem muitíssimas alternativas ecológico-econômicas [2] genuinamente sustentáveis do ponto de vista socioambiental. Mas, a sabotagem dos grandes setores econômicos convencionais refratários e seus tentáculos nos governos já estarão presentes. A luta é inevitável, mas vai precisar de nossa atenção, colaboração e engajamento. O Brasil ainda não é um Titanic...

 [1] https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2023/03/10/alertas-de-desmatamento-na-amazonia-tem-pior-fevereiro-da-serie-historica-aponta-inpe.ghtml 

  [2] MMA, 2022. Lídio Coradin et al.- Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial – Plantas para o Futuro – Região Norte. https://www.gov.br/mma/pt-br/livro-especies-nativas-da-flora-brasileira-de-valor-economico-atual-ou-potencial-2013-plantas-para-o-futuro-2013-regiao-norte.pdf/view

quarta-feira, 15 de março de 2023

PESTICIDAS, PRAGUICIDAS, DEFENSIVOS OU AGROTÓXICOS?

O CONTEXTO E UM POUCO DO HISTÓRICO

Existe muita confusão, induzida pelo Setor da Indústria de Agroquímicos e seus associados, na denominação relacionada a biocidas organossintéticos utilizados na agricultura. Comumente, em vez de agrotóxicos, são chamados de pesticidas, praguicidas, defensivos agrícolas, defensivos fitossanitários, entre outros. 

É importante destacar que no Brasil a palavra Agrotóxico foi legalmente aceita a partir do Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 7.747/1982) e depois no país (Lei n. Federal 7.802/1989, a chamada Lei dos Agrotóxicos). Entretanto, o nome surgiu em 1977, com base em uma publicação ("Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções") do Dr. Adilson D. Paschoal (1979), do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/ USP). A denominação incorpora prioritariamente os efeitos nefastos desses produtos à saúde humana e ao meio ambiente, já denunciados de forma pioneira pelo livro publicado, em 1962, pela bióloga norte-americana Rachel Carson (Primavera Silenciosa). Na época, na legislação do Rio Grande do Sul (também pioneira) e do Brasil contribuíram, com destaque, os engenheiros agrônomos e ambientalistas, ligados à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), José Lutzenberger e Sebastião Pinheiro (Franco & Palaez, 2017)





A LEI DOS AGROTÓXICOS E O PACOTE DE VENENOS

A denominação Agrotóxico, na realidade, reúne uma gama de biocidas, principalmente os organossintéticos, com alvos distintos a cada grupo de organismos "prejudiciais", assim chamados como herbicidas, inseticidas, fungicidas, nematicidas, molusquicidas, etc. De acordo com o Dr. Adilson Paschoal, agrotóxico seria a denominação mais adequada, principalmente no que se refere aos riscos que representa à saúde humana e aos ecossistemas. O conceito, então, foi incorporado no Art. da Lei dos Agrotóxicos de 1989. O que diz o artigo desta Lei ? 

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se:

I - agrotóxicos e afins:

a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;

b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;

II - componentes: os princípios ativos, os produtos técnicos, suas matérias-primas, os ingredientes inertes e aditivos usados na fabricação de agrotóxicos e afins

Até agora, com base na resistência dos movimentos ambientalistas e de setores técnicos e da academia, segue vigendo o Artigo e a Lei dos Agrotóxicos de 1989. Todavia, a denominação agrotóxico causa muito incômodo à bancada ruralista, poderosíssima no Congresso do Brasil. Como consequência, uma série de mudanças seguem em tramitação no Senado, a partir da aprovação (fevereiro de 2022) do Projeto de Lei n. 6.299/2002, na Câmara de Deputados, o chamado Pacote do Veneno (agora tramitando no Senado via PL n. 1.459/2022), prevendo-se, entre outras modificações, a substituição do nome Agrotóxico por Pesticida. Este é um dos tantos retrocesssos previstos no novo PL, que tenta diminuir a sensação negativa ligada à toxicidade desses produtos, também denominados "defensivos fitossanitários", termo frequentemente utilizado pelo setor das indústrias produtoras de insumos agrícolas. O novo nome "Pesticida" é defendido pelo setor do agronegócio como forma de uniformização com nome mais usado em nível internacional (Pesticide, em inglês). Mais detalhes da aprovação do Projeto na Câmara de Deputados no sítio-e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Entre outras mudanças embutidas no novo projeto, além do abandono do termo agrotóxicos, em favor de pesticida ou defensivo fitossanitário, está a retirada do papel atual do Ibama e da Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) na análise do registro de produtos, concentrando-se o poder de emitir registro limitado ao Ministério da Agricultura. Soma-se, no novo projeto, a retirada da autonomia de Estados e Municípios em legislarem ou restringirem o uso de agrotóxicos, enquadrados somente à legislação federal, além de "inovar" na possibilidade de emissão de Registros Temporários, caso os órgãos governamentais não cumpram os prazos máximos de análise de registros a novos produtos, independentemente do grau de toxicidade e risco que representem.

AS TERMINOLOGIAS LIGADAS AO ESPECISMO

Etimologicamente, entretanto, verificamos inadequações profundas nesta mudança. Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra PESTE refere-se a: "1. Doença contagiosa transmitida pela pulga do rato. 2. Qualquer epidemia mortal. 3. Pessoa má". Outros dicionários também associam o termo Peste a doenças, em geral contagiosas ou que causam infecção humana ou animal. PESTICIDA, portanto, reúne os termos PESTE (=doença) + CIDA (=matar). Existe um substituto similar, no caso o termo PRAGUICIDA, com a finalidade de matar "PRAGAS", mesmo que atinjam, em maior número, outros organismos que não se inserem como "pragas" (plantas espontâneas indesejáveis e insetos fitófagos, etc.).

Os termos “peste” ou “praga” induzem à associação a doenças, reforçando uma concepção antropocêntrica e injusta que se enquadra como ESPECISMO (uma forma de racismo contra outros seres que não os humanos), de maneira quase binária (seres "prejudiciais" x"uteis") reforçada pela cadeia de insumos agroquímicos e os laboratórios de pesquisa a eles associados. A condição de juízo de valor pejorativo e anticientífico também é milenar e já naturalizada (como exemplo a expressão " o joio e o trigo"). Infelizmente, terminologias desqualificadoras, relacionadas a seres "prejudiciais", acabam ganhando espaço hegemônico e favorecendo a agricultura convencional quimicodependente.

O QUE ESTÁ POR TRÁS DA CONFUSÃO SEMÂNTICA?

Portanto, consideramos que o tema não é meramente semântico. Já passou a hora de se  promover a desconstrução da naturalização de um enquadramento automaticamente discriminatório quanto a seres vivos considerados "prejudiciais". Esta concepção fica atrelada a uma visão a favor de tratamentos químicos na eliminação total de organismos que não o objeto da cultura agrícola desejada(?). Eliminação similar a uma assepsia, neste caso uma forma de "assepsia agrícola", vinculada ao modelo de uniformização e homogeneização reinante e obsessivo na agricultura dita moderna. Uma agricultura regada, de forma intencional ou não, no uso "justificado" de pesticidas ou praguicidas. Naturalizar conceitos equivocados mantém a superficialidade na abordagem corrente e o círculo vicioso reducionista, frente a desequilíbrios naturais nos agroecossistemas, em favor do uso massivo de agrotóxicos.

A agricultura convencional, conjugada a instituições de pesquisa atreladas aos laboratórios das gigantes empresas da indústria de biocidas, tende a desprezar ou não tolerar formas sistêmicas na abordagem da problemática ligada aos desequilíbrios biológicos nos sistemas agrícolas. A abordagem convencional abstrai inclusive o fato de que o excesso de adubos químicos, como no caso do Nitrogênio, induz a um maior risco de ocorrência de insetos fitófagos. Além disso, grande parte da carga de agrotóxicos vai parar fora da planta, atingindo água, ecossistemas e outros organismos não alvo, atingindo até mesmo inimigos naturais ou mesmo polinizadores. Daí, segue também nossa crítica ao eufemismo relacionado ao termo "DEFENSIVO AGRÍCOLA", já que esses produtos muitas vezes desajustam os agroecossistemas. Reproduzimos aqui um trecho de uma abordagem interessante de um material  da Esalq-USP, na Revista Cultivar (https://revistacultivar.com.br/artigos/doencas-e-pragas-agricolas-geradas-e-multiplicadas-pelos-agrotoxicos):

Todos os desequilíbrios nutricionais das plantas levam, direta ou indiretamente, ao acúmulo de açúcares e aminoácidos livres e isso as tornam suscetíveis às doenças e pragas. O desconhecimento dos efeitos colaterais dos agrotóxicos, corretivos e fertilizantes estão gerando nas culturas maior necessidade de agrotóxicos, criando um círculo vicioso, o qual é necessário romper e corrigir para que a nave espacial Terra seja capaz de sobreviver ao ataque da terrível praga Homem, que a dominou e a trata como se fosse sua dona, considerando-se superior aos demais seres vivos do planeta. O homem só é capaz de enxergar as causas do ponto de vista humano e esquece que ele faz parte do ecossistema e que qualquer ser vivo é importante neste ecossistema. (grifo nosso).


Em resumo, o combate químico, como única solução, além de tratar das consequências, e não das causas, pode incrementar os desajustes e os desequilíbrios dos sistemas agrícolas. O mesmo ocorre na medicina convencional, onde a doença (consequência) é tratada de forma reducionista e com uso de substâncias químicas, não raramente de forma indiscriminada, sem ver o contexto do todo que deu origem à doença. O superdimensionamento do problema, com combate químico, muitas vezes, também incrementa a resistência biológica de alguns organismos indesejáveis frente aos venenos agrícolas. Ou seja, o organismo considerado prejudicial tende a se fortalecer, mesmo diante de biocidas sintéticos e tóxicos.  Assim, o incremento do consumo de agrotóxicos tem efeitos maléficos comparáveis ao uso indiscriminado de antibióticos, onde bactérias patogênicas adquirem resistência aos medicamentos. Não por acaso, empresas como a Bayer e a Basf atuam nos ramos dos insumos agrícolas e de medicamentos, vendendo sementes, biocidas e remédios. Um bom negócio ao lucro fácil, mas Ecocida...

POR QUE NÃO RECONHECER O PAPEL DA DIVERSIDADE NA ALIMENTAÇÃO OU NO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO?

Por outro lado, cabe destacar outra visão de contra-argumento às mal faladas "plantas daninhas" ou "plantas invasoras", também chamadas popularmente de "inços" ou "matos" no Brasil, no caso plantas nativas ou espontâneas alimentícias, resgatando culturas alimentares de povos indígenas e de comunidades tradicionais, que conhecem e convivem com a biota que os cerca há séculos ou milênios, sem o especismo das culturas "modernas". A partir da década de 1990, vários autores -  entre eles podemos citar alguns pioneiros como Cida Zurlo e Mitzi Brandão (1990), Eduardo Rapoport (1998), Rapoport & Ladio (1999) e Valdely Kinupp (2007) - vêm chamando a atenção para o resgate da importância das hortaliças não convencionais nativas ou exóticas espontâneas (que nascem sozinhas), chamadas de PANC, mas que no setor agrícola convencional são consideradas como "daninhas" ou "infestantes". 

Segundo Kinupp, o uso de herbicidas pode provocar inclusive a perda de mais de 1 ou 2 toneladas de hortaliças PANCs por hectare no Brasil (dente-de-leão, beldroega, caruru, serralha, almeirão-do-campo, e a própria buva, entre dezenas de espécies de hortaliças não convencionais). Inclusive, muitas se constituem em alimentos funcionais para humanos e animais de criação, sem falar nas chamadas "plantas companheiras", que facilitam a produção em comunhão com a biodiversidade em determinado local. O equívoco da abordagem convencional, no que chamam de pragas ou pestes, atinge também insetos herbívoros, com o uso de inseticidas não específicos, e morte indiscriminada de artrópodes, não somente os fitófagos, mas também aqueles animais predadores (vespas, aranhas, aves, anfíbios, etc.) de insetos "pragas" ou mesmo outros polinizadores (abelhas, vespas, mamangavas, mariposas, ertc.) .





Portanto, terminologias como “pestes”, “pragas”, “plantas infestantes” ou “daninhas” entram no bojo de uma forjada sensação de gravidade, e sem controle, no que se refere a organismos prejudiciais ou mesmo não tolerados pelo setor agrícola dominante. 

QUEM GANHA COM O MERCADO BILIONÁRIO DOS AGROTÓXICOS?

Assustar ou exagerar faz parte das estratégias de um mercado de agrotóxicos de 73 bilhões de dólares anuais no mundo, e 13 bilhões de dólares/ano no Brasil (mais de 65 bilhões de reais), com o agravante da isenção de impostos em 10 bilhões de reais/ano, gerando riquezas crescentes ao oligopólio das gigantes indústrias transacionais de agrotóxicos no mundo. Cinco empresas do setor concentram 82% do mercado (Grupo Syngenta- ChemChina, Bayer CropScience, Corteva AgriScience, BASF e UPL Ltd.).  "Curioso" é que as empresas são do Hemisfério Norte, onde muitos produtos são banidos por lá, mas exportam para os países periféricos do Sul, no caso o Brasil (Lombardi e Changoe, 2022). 


As propagandas de seus produtos, por consequência, superdimensionam os problemas como estratégias no aumento de suas rendas. Abstrair a complexidade de relações nos ecossistemas agrícolas conduz, ainda mais, à venda de biocidas agrícolas sintéticos em oposição inclusive aos biocidas naturais, pouco tóxicos e quase nunca persistentes ou cumulativos (óleo de neem ou produtos à base de fumo, por exemplo), admitidos na produção orgânica, mas que não ganham apoio da maior parte dos governos e das grandes empresas do setor, pois não fazem girar o círculo vicioso da dependência de insumos

No Brasil, as empresas do setor de agrotóxicos têm a obrigação de comunicar e repassar anualmente a quantidade de produto comercializado ao órgão ambiental federal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Este órgão reúne e disponibiliza Relatórios Anuais de Vendas de Agrotóxicos no Brasil. Em 2021, o Ibama contabilizou cerca de 720 mil toneladas de ingredientes ativos, sem contar a quantidade de substâncias adjuvantesmuitas vezes também tóxicas. Ou seja, a quantidade total da carga de agrotóxicos, além do ingedientes ativos, adicionados na mistura e pulverização, poderia alcançar mais do que o dobro deste valor. Em 2014, o total era de 1,552 milhão de toneladas de agrotóxicos (Ministério da Saúde, 2018)Infelizmente, faltam informações atualizadas e mais completas, de parte do governo federal, neste tema e nas consequências à saude, principalmente entre 2016 e 2022, período de um certo "apagão" nas informações relacionadas a estes produtos e suas consequências.



CONCLUSÕES, SE POSSIVEL...

Sabemos que as mudanças de terminologias levam certo tempo e reconhecemos que o termo pesticida ainda irá se manter, inclusive em documentos valiosíssimos de denúncia como o Atlas dos Pesticidas, encabeçado pela Fundação Heinrich-Böll-Stiftung, mas esperamos uma transição justa e necessária nesta denominação ultrapassada.

Da mesma forma, reiteramos a importância de uma campanha para a manutenção do termo AGROTÓXICOcomo consta na Lei Nº 7.802, de 11 de julho de 1989, haja vista a possibilidade ou o risco iminente da aprovação do PL Nº 1.459/2022, com algumas das consequências aqui abordadas

Obviamente, desejamos, sem muita demora, o banimento de TODOS os biocidas agrícolas sintéticos, dominados por empresas da quimiodependência na agricultura, pois já estamos comendo venenos de sobra e já temos técnicas agrícolas agroecológicas e orgânicas que demonstram a incompatibilidade destes produtos com a vida diversa, saudável e digna para todos os organismos. Exemplo deste Outro Mundo Possível e Necessário, como ocorreu em 17 de março de 2023, na Festa da maior Colheita de Arroz Agroecológico e Orgânico da América Latina, realizada pelo MST, em Viamão, RS..
 











 


Referências:

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (https://contraosagrotoxicos.org/)

FRANCO, Caroline da Rocha & PELAEZ, Victor. Antecedentes da Lei Federal de Agrotóxicos (7.802/1989): o protagonismo do movimento ambientalista no Rio Grande do Sul. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 41, p. 40-56, agosto 2017. 

LOMBARDI, Larissa M. & CHANGOE, Audrey. Comércio Tóxico: A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da União Europeia no Brasil.  Friends of The Earth Europe. 2022. Disponível em: https://friendsoftheearth.eu/wp-content/uploads/2022/04/Toxic-Trading-POR.pdf 

Ministério da Saúde. Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos. Brasília: Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador), 2018.  

MORAGAS Washington Mendonça & SCHNEIDER Marilena de Oliveira. Biocidas: suas propriedades e seu histórico no Brasil. Caminhos de Geografia 3(10)26-40, 2003. 
Disponível em: 

PASCHOAL , Adilson. Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções. Rio de Jeneiro: FGV, 1979. 102 p. 

ZURLO, C.; BRANDÃO, M. As Ervas Comestíveis -Descrição, Ilustração e Receitas. 2 ed. São Paulo: Editora Globo, 1990. 167 p.

FLORESTAS PLANTADAS FAZEM DO MEIO AMBIENTE DESERTO VERDE

Wagner Giron de la Torre (9 de fevereiro de 2013) 

As empresas nacionais e transnacionais cingidas ao setor de produção de papel e celulose investem muito na vã tentativa de consolidar a imagem do monocultivo do eucalipto como sendo florestas plantadas, no claro intento de escamotear os severos e até hoje imensurados impactos socioambientais defluentes da escala oceânica da expansão irrefreada dessa espécie monocultural no território nacional[1], já presente em vários estados como Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Maranhão, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul dentre outros.[2]

Plantio de eucalipto em milhares de hectares, no Pampa, nas proximidades da BR 290, entre Cachoeira do Sul e Caçapava do Sul

Essas “florestas plantadas” – não podemos olvidar – são formadas pelo cultivo de uma única espécie exótica (o eucalipto), a partir de formas clonais das espécies Eucalyptus grandis e Eucalyptus uropphylla[3], e implantadas sobre biomas como Mata Atlântica, Cerrado Floresta Amazônica e Pampa através da incidência massiva de pesticidas químicos à base de glifosato[4], ou do formicida Mirex, à base de Sulfluramida[5], dentre outros agrotóxicos, a fim de eliminar a presença do que os gestores dos manejos denominam de “ervas daninhas”, matinhos rasteiros, formigas e outros elementos naturais potencialmente nocivos ao esperado desenvolvimento das clonadas mudinhas, em processo tecnicamente conhecido como capina química.

O eufemismo subjacente à eucaliptização de vastas regiões do país não leva em conta as conseqüências do lançamento indiscriminado da larga carga de pesticidas no solo, assim como a FAO, braço das Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, não considerou essa importante questão ambiental quando, por influência mercadológica das corporações que enriquecem com a produção de celulose no hemisfério sul, passou a considerar florestas como terras com superfície superior a 0,5 hectares com árvores de mais de 5 metros de altura e com cobertura de copa de mais de 10 por cento, em conceituação rasa urdida sob o indisfarçável viés de albergar, na terminologia oficial da ONU, o monocultivo industrial do eucalipto como “florestas”, para todos os efeitos legais, inclusive para formalizar subsídios estatais ao setor silvicultural e possibilitar que as empresas ligadas ao segmento da agroindústria também conseguissem extrair lucros no famigerado mercado de crédito de carbono.[6]

Embora a conceituação de floresta pela FAO seja mui conveniente para atender aos interesses mercantis das transnacionais que vicejam no setor industrial da produção de commodities de celulose, não há, do ponto de vista científico, como aceitar-se que o cultivo de uma única espécie, no caso o eucalipto, com tempo escasso de corte (em média de 6 a 7 anos a partir do cultivo da muda clonada) e que só se desenvolve, de maneira tão espevitada, por conta da incidência de toneladas e toneladas de pesticidas químicos e adubo sintético no solo que a abriga, possa ser aceito como floresta.

É que o eucalipto – como toda e qualquer monocultura semeada nas artificialidades dos laboratórios das grandes corporações - não interage com a natureza. Nele não há possibilidade alguma de existir vida, intercâmbio natural, cadeia alimentar a permitir a sobrevivência até mesmo do mais rasteiro dos insetos.

As espécies exóticas implantadas em milhões de hectares contínuos pelo país afora são, no limite, mercadorias direcionadas ao mercado agroexportador, conformadas em um ciclo curtíssimo entre o cultivo das mudas e o corte das árvores, lapso esse que não suplanta os seis a sete anos. Nesse ínfimo espaço temporal, espécie animal alguma pode desenvolver seu ciclo biológico de existência e reprodução genética.

Nos monocultivos comerciais de eucalipto não há a presença de diversidade biológica necessária para que o aglomerado de clones exóticos possam ser aceitos tecnicamente como florestas.

Dessa sensação resulta a imagem – tão bem lapidada ao tema - do deserto verde, concebida pela população rural afligida por seus negativos impactos.

Como nos lembra Américo Luis Martins da Silva, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio – 92), acordou-se, na letra g do item 9 da Agenda 21 que as florestas são essenciais para o desenvolvimento econômico e para a manutenção de todas as formas de vida”[7], vida essa impossibilitada face ao despejo estratosférico de largas quantidades de agrotóxicos a insuflar, como já explicitado, o desenvolvimento dessa modalidade monocultural.

Diante dessas precisas e exatas características subjacentes ao monocultivo do eucalipto, nos deparamos com relatos cotidianos da extinção da fauna e flora nas regiões já afligidas pela expansão, em escala industrial, dessa questionada eucaliptização, como, por exemplo, o histórico de degradação ambiental vivenciada nas áreas de cerrado, na região de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, exposto por Mieceslau Kudlavicz, destacado pesquisador das severas alterações socioambientais decorrentes da implantação do pólo produtor da pasta de celulose naquela localidade, que nos conta “que um dos indicadores mais visíveis do desequilíbrio ambiental proveniente dos desmatamentos para implantação de pastagens e, mais recentemente, para plantio de eucalipto, é a presença de aves na cidade. A migração de papagaios, periquitos, tucanos e araras ocorre de forma mais freqüente a partir do final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Também é a partir deste período que os camponeses passam a sofrer ataques mais agressivos dos papagaios em suas lavouras de milho na Microrregião de Três Lagoas. (..) Ultimamente as aves estão invadindo os pomares dos camponeses e se alimentando de todas as frutas, inclusive de limão quando não encontram outro alimento. Esse fenômeno também se repete nos perímetros urbanos de outras cidades da região leste do Estado”[8].

Também no Vale do Paraíba Paulista há sucessivos relatos do campesinato sobre o êxodo de animais e aves, inclusive de onças e diversas outras espécies em extinção, que premidas pela perda de habitat, vivem a revirar os nichos de lixo das casas-sede das fazendas vizinhas às áreas de remanescentes de Mata Atlântica, estranguladas pela pressão do monocultivo, à cata de alimentos que já não mais podem acessar nos territórios naturais a cada dia aniquilados pela expansão, sem precedentes, dos implantes artificiais dessas monoculturas industriais.

É dogma inquestionável que as florestas tropicais, até mesmo por conta de imensa biodiversidade que as sustentam[9], encerram em si um sistema autorregulador de vida que alberga não só a fauna como a flora visíveis e principalmente a microfauna sedimentada em seu solo, construindo um sistema próprio de humificação que é absolutamente incompatível com a aplicação, em larga escala, de pesticidas químicos.

Portanto, afora os impactos ambientais visíveis decorrentes da escala industrial do monocultivo de eucaliptos, temos a extinção em massa de todas as bactérias, micro-organismos, insetos benéficos que são imprescindíveis no processo natural de fecundidade da terra e na retenção de carbono no solo.[10]

Calha aqui, como luva, rememorarmos as lições emprestadas ao tema por Rachel Carson em obra de justo prestígio que, a respeito do solo, sublinhou:

Há poucos estudos mais fascinantes, e ao mesmo tempo mais ignorados, do que esses a respeito das populações abundantes que existem nos reinos escuros do solo. Sabemos muito pouco dos laços que unem os organismos do solo uns aos outros e ao seu mundo, e ao mundo acima deles.

Talvez os organismos mais essenciais no solo sejam os menores – as hostes invisíveis de bactérias e de fungos filiformes. As estatísticas sobre sua abundância nos levam de imediato a cifras astronômicas. Uma colher de chá da camada superficial do solo pode conter bilhões de bactérias. (...)As bactérias, os fungos e as algas são os principais agentes da decomposição, reduzindo os resíduos vegetais e animais a seus componentes minerais. Os vastos movimentos cíclicos de elementos químicos como o carbono e o nitrogênio pelo solo e pelo ar, bem como pelos tecidos vivos, não poderiam acontecer sem essas microplantas. Sem as bactérias fixadoras do nitrogênio, por exemplo, as plantas morreriam por falta de nitrogênio, ainda que cercadas por um oceano de ar contendo esse gás.(...)Ainda outros micróbios do solo efetuam diversas oxidações e reduções por meio das quais minerais como o ferro, o manganês e o enxofre são transformados e se tornam disponíveis para as plantas. (...) Além de toda essa horda de criaturas minúsculas, mas que trabalham incessantemente, existem, é claro, muitas formas maiores, pois a vida que reside no solo vai das bactérias até os mamíferos. Alguns são moradores permanentes das camadas escuras abaixo da superfície; outros hibernam ou passam etapas bem definidas de seus ciclos de vida em câmaras subterrâneas; outros se deslocam livremente de suas tocas até o mundo da superfície. Em geral o efeito de toda essa ocupação do solo consiste em arejá-lo e melhorar sua drenagem quanto a penetração de água através das camadas onde as plantas crescem. Entre todos os maiores habitantes do solo, provavelmente nenhum é mais importante do que a minhoca. Mais de três quartos de século atrás, Charles Darwin publicou um livro chamado ‘The Formation of Vegetable Mould, Througth the Action of Worms, with Observations on Their Habits’ (A formação do húmus por meio da ação dos vermes, com observação sobre os hábitos destes). Nesse livro, Darwin forneceu ao mundo a sua primeira compreensão do papel fundamental exercido pelas minhocas como agentes geológicos do transporte do solo – um quadro que mostrava as rochas de superfície sendo gradualmente cobertas pelo solo que as minhocas traziam das camadas de baixo, em quantidades que chegavam a várias toneladas ao ano por acre. (...) E isso não é, de modo algum, tudo o que elas fazem: seus túneis arejam o solo, conservam-no drenado e ajudam a penetração das raízes das plantas. A presença das minhocas eleva o poder nitrificante das bactérias do solo e diminui a putrefação do solo. A matéria orgânica é decomposta ao passar pelo aparelho digestivo dos vermes, e o solo é enriquecido por seus produtos excretados. Essa comunidade do solo consiste, então, em uma teia de vidas entrelaçadas, cada uma relacionada de alguma forma com as outras. (...) O problema que nos preocupa aqui é um desses que têm recebido pouca atenção: o que acontece a esses incrivelmente numerosos e vitalmente necessários habitantes do solo quando substâncias químicas venenosas são introduzidas em seu mundo? Será razoável supor que possamos aplicar um inseticida de amplo espectro para matar os estágios larvares subterrâneos de um inseto destruidor de plantações, por exemplo, sem também matar os insetos ‘bons’, cuja função pode ser a essencial decomposição da matéria orgânica? Ou então, será que poderemos usar um fungicida não específico sem também matar os fungos que moram nas raízes de muitas árvores em uma associação benéfica, que ajuda a árvore a extrair nutrientes?[11]

Não sem razão, portanto, que no interior dos vastos eucaliptais triunfa o silêncio, a ausência de vida, a arenização da terra, a inexistência de sub-bosques e o aprofundamento dos processos erosivos também insuflados pela construção, sem qualquer monitoramento ou controle pelos Poderes Públicos, de milhares de quilômetros de estradas de rodagem clandestinas, para facilitar o corte e transporte dos milhões de toretes que são transferidos, todos os dias, das áreas de implantes dos monocultivos para as industrias produtoras de pasta de celulose e papel.[12]

Como observa Winnie Overbeek
um primeiro alerta é sobre a linguagem utilizada pelas empresas de eucalipto e celulose quando cheguem numa região escolhida por elas e começam a apresentar sua proposta à opinião pública. Estas empresas costumam falar que vão implantar ‘florestas plantadas’, ou seja, vão plantar florestas. Pergunto: tem como plantar uma floresta? É claro que não, a única coisa que podemos plantar são as árvores. Uma floresta como conhecemos no Brasil é muito mais do que um conjunto de árvores da mesma espécie. As florestas no país contam com uma rica biodiversidade de árvores, plantas e animais, uma capacidade de manter e proteger recursos hídricos e abrigar comunidades para as quais as florestas representam uma casa”.[13]

Os eufemismos urdidos pela indústria agroexportadora da pasta de celulose para escamotear os severos e desmedidos impactos dessa lucrativa atividade industrial sobre o meio ambiente não podem ser recebidos pela sociedade sem qualquer senso crítico, não obstante a notória dissimulação em intitular um monocultivo sem vida com o rótulo de “floresta plantada”[14].

Em aprofundado trabalho de pesquisa científica que produziu perante o Departamento de Geografia da USP e que lhe valeu o título de mestre nessa universidade pública, o professor Gerson De Freitas Junior, considerando todos os elementos geomorfológicos e biotécnicos inerentes ao manejo do monocultivo do eucalipto no Vale do Paraíba Paulista, para fins de produção e exportação de pasta de celulose, sustentou, nestes precisos termos, que não há como aceitar-se o aforismo mercantilista de serem, tais monoculturas, “florestas plantadas”:

(...)Assim, em um primeiro momento, considerando apenas o aspecto fisionômico, a predominância de árvores, a extensão e a altura das árvores, um cultivo agrícola de eucaliptos poderia ser classificado como floresta. Além disso, escolhendo-se a definição mais adequada, pode-se facilmente inserir os plantios de eucaliptos com fins comerciais na condição de florestas. Entretanto, a argumentação contrária, presente neste item, baseou-se em critérios diferentes das definições, de forma que para que uma formação florestal possa ser designada como tal, seja necessário considerar parâmetros mais amplos, menos relacionados com a fisionomia das formações vegetais e mais relacionados às relações ecológicas entre biota e o ambiente.

Por isso, nos parágrafos a seguir, foram considerados outros parâmetros para defender a tese de que cultivos de eucaliptos não constituem florestas. Os plantios de eucaliptos para fins comerciais têm semelhança muito maior com outros tipos de cultivos agrícolas do que com formações florestais.

Embora existam grandes florestas de eucaliptos na natureza, elas são muito diferentes dos cultivos para fins comerciais existentes no Brasil. Ao contrário de florestas, os cultivos de eucaliptos para fins comerciais fora da área natural de distribuição, apresentam as seguintes características:

I dependência da supervisão e manutenção humanas para manutenção dos processos ecológicos.
II Distribuição linear dos espécimes arbóreos.
III Mesma idade dos espécimes arbóreos, principalmente quando os indivíduos são clones.
IV Incapacidade de se reproduzir.
V Ausência de história evolutiva integrada ao sistema geoecológico ao qual está relacionada.
VI Ausência de regeneração natural.
VII Não ocorrência de predomínio de espécies nativas do local de ocorrência do conjunto arbóreo em questão.

Apenas a existência de um extenso agrupamento de árvores, com altura mínima determinada, não é suficiente para configurar um sistema florestal. Floresta é um tipo de formação arbórea complexa e variada, com flora, estrutura e fisionomia adaptadas ao relevo e ao clima, capaz de se reproduzir e se manter por meios naturais (inclusive interagindo com a fauna), com distribuição irregular e aleatória dos espécimes arbóreos, apresentando sucessão ecológica natural.’(...)uma floresta pode se regenerar naturalmente, se houver fontes de sementes viáveis (o que não ocorre com cultivos agrícolas), como aquelas que permanecem dormentes no solo (bancos de sementes) ou produzidas por árvores remanescentes (chuvas de sementes)’ (ADLARD, 1993, in LEÃO, 2000, pag. 84).

Esses parâmetros não são encontrados em cultivos agrícolas de eucaliptos ou de outras árvores. Por isso, considera-se incorreto e enganoso, utilizar o termo florestas plantadas para designar plantios de eucaliptos. Os partidários do termo florestas plantadas como forma de designar cultivos de eucaliptos utilizam essa denominação com o intuito de esconder a natureza agrícola destes empreendimentos, tentando relacioná-los a práticas ecologicamente corretas e conservacionistas, sob a justificativa de que estão ‘plantando florestas’, mas na verdade, os cultivos de eucaliptos são agronegócios.

Além disso, afirmam, de forma reducionista, que uma floresta se define pelos serviços ambientais que ela proporciona, como captação de CO2, minimização de processos erosivos e interceptação das chuvas, além dos produtos que pode fornecer, como a madeira, por exemplo. Contudo, este pensamento relaciona a condição de existência de uma floresta a uma simples questão de funcionalidade.

Os serviços ambientais proporcionados por uma floresta estão relacionados à sua existência e não a existência da floresta aos serviços ambientais que ela presta!

Ao contrário dos cultivos agrícolas de eucaliptos, pode-se citar um exemplo real de floresta plantada, que é a Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ. Mesmo contando com espécies exóticas em seu conjunto, embora não sejam predominantes, e tenha sido alvo de um grande projeto de reflorestamento no século XIX, esta floresta apresenta as características anteriormente citadas. Após os replantios, a flora da Floresta da Tijuca continuou a realizar os processos ecológicos naturais, como a reprodução, independentemente da intervenção humana direta. A gestão da floresta na forma de Unidade de Conservação é diferente da manutenção de característica agrícola. (...) Quando o eucalipto é plantado com objetivo comercial, geralmente em grande escala e de forma intensiva, para fornecer matéria-prima para as indústrias de papel e celulose, construção civil ou siderurgia, trata-se de silvicultura.

O termo reflorestamento aplica-se ao plantio com espécies variadas preferencialmente nativas, com objetivo de recompor uma área originalmente florestada.[15]

Resta evidenciado que a falácia fomentada pela indústria de papel e celulose de que seus monocultivos comerciais são “florestas plantadas” não possui fundamento algum nos contextos científico e, principalmente, ecológico, cingidos à questão, não passando de mais uma propaganda enganosa, fruto do conhecido greenwashing tão comum no meio industrial, em específico, na seara capitalista do agronegócio, que semeia lucros estratosféricos às custas do exaurimento, impune, dos mais variados ecossistemas.[16]

Referências bibliográficas:

Almeida, Rosemeire A.”Complexo Celulose-Papel: a quem beneficia?”, publicado no jornal do Povo de Três Lagoas, caderno especial, edição 7, ano II, abril de 2012.

Carson, Rachel. “Primavera Silenciosa”. Ed. Gaia, 2010.

De la Torre, Wagner Giron. “Defensoria Pública e Meio Ambiente: os impactos socioambientais decorrentes do avanço do agronegócio...” Coletânea “Uma nova Defensoria Pública Pede Passagem”, coord. José Augusto Garcia de Souza, Lumen Juris, RJ 2011.

-----------------“Eucalipto: o verde enganador”. Revista eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção de 3 Lagoas-MS, n. 13, ano 8, mai/2011.

-----------------“Termelétrica e democracia”, julho/2011, WWW.progressosustentável.com.br

-----------------“O direito à moradia”. Revista da Defensoria Pública de S. Paulo, Ed. EDEPE, n. 2, SP, 2009.

Junior, Gerson de Freitas. “O eucalipto no Vale do Paraíba Paulista: aspectos geográficos e históricos”. USP, SP, 2011, acessível www.faroroseira, Edu.br.

Leff, Enrique. “La economia de la certificación forestal”. Equador, 2002, WWW.flacso.org.

Kageyama, Paulo. “A viabilidade da agricultura familiar: produtividade e agrotóxicos”. 2012. Acessível WWW.inesc.org.

Kudlavicz, Mieceslau. “Os impactos do monocultivo de eucalipto na microrregião de Três Lagoas-MS”. Revista eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção de Três Lagoas-MS, nº 14. Nov/2011.

Overbeek, Winnie. “O papel da universidade e das organizações sociais frente à formação do complexo celulose-papel”. Revista eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção de Três Lagoas-MS, nº 14. Nov/2011.

.........................”Mudanças climáticas: uma lucrativa oportunidade”. “Aracruz-credo, 40 anos de violações e resistência”, Patrícia Bonilha editora, Vitória-ES, 2011.

Santos, João Dagoberto. “A viabilidade da agricultura familiar: produtividade e agrotóxicos”. 2012. Acessível WWW.inesc.org.

Silva, Américo Luis Martins. “Direito do meio ambiente e dos recursos naturais”, vol. II, RT, SP 2005.

Stédile, João Pedro. “A questão agrária no Brasil”. Atual editora, 11ª edição, SP-2011.

Waldman, Mauricio. “Lixo: cenários e desafios”. Cortez editora, SP 2011.

 

PORTAIS, DOCUMENTOS E JORNAIS CONSULTADOS:

 

WWW.inesc.org.

WWW.flasco.org.

Relatório de avaliação de recertificação e manejo florestal feito pela Reinforest Aliance em 25.6.2010, acessível na imaflora.org.

Autos da ação civil pública ambiental nº 625.01.2010.003916-7, Vara da Fazenda Pública da Comarca de Taubaté-SP.

Boletim “por um Brasil livre de transgênicos e agrotóxicos” nº 601, de 20.9.2012, veiculado pela AS-PTA.


[1] Segundo dados do IBGE no censo agrícola de 2006, a área recoberta por “florestas plantadas” no Brasil suplanta 5 milhões de hectares. Ver Stédile, João Pedro, para quem: “(...)Nos últimos anos houve uma avalanche de transferências de fábricas de celulose do hemisfério norte para o Brasil, fugindo das restrições a seu caráter poluente que enfrentam nos países de origem. Essas empresas compram grandes extensões de terra e iniciam ‘plantações industriais homogêneas’ de pinus e eucalipto para, a partir de seu extrativismo, exportar celulose. Essas plantações destroem a biodiversidade, agridem o meio ambiente, exaurem água do solo e por isso, biologicamente, não podem nem ser chamadas de florestas”. (“A questão agrária no Brasil”, editora Atual, 11ª edição, SP 2011, págs. 28 e 48).

[2] A expansão do monocultivo do eucalipto para produção de pasta de celulose, commodity direcionada à exportação para os mercados da América do Norte, Europa e China é um dos mais lucrativos do agronegócio, fortemente subsidiado pelas várias esferas governamentais. Segundo dados referidos por Overbeek, Winnie, “(...)no Brasil as árvores de eucalipto crescem extremamente rápido o que torna a atividade extremamente lucrativa. (...) Além da alta produtividade, o Brasil tem o atrativo de terras e mão-de-obra baratas. Com isso, tem um custo de produção entre os mais baixos do mundo, em torno de US$ 250 por tonelada de celulose. Hoje o preço da celulose está em mais de US$ 800 por tonelada, ou seja, a atividade de fato aparenta ser muito lucrativa”. (“O Papel da Universidade e das Organizações Sociais frente à formação do complexo celulose-papel”, revista eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Três Lagoas-MS, nº 14, ano 8, novembro de 2011, p. 107).

[3] Ver “Relatório de Avaliação de Recertificação e Manejo Florestal feito para a Fibria pela Rinforest Aliance, empresa certificadora vinculada a FSC – Forest Stewardship Council, datado de 25 de junho de 2010 e acessível no site da Imaflora, www.imaflora.org., p. 55.

[4] Sobre os severos impactos ambientais no solo face à escala insustentável de agrotóxicos em meio aos processos monoculturais aqui analisados, ver: De la Torre, Wagner Giron, “Defensoria Pública e Meio Ambiente: os impactos socioambientais decorrentes do avanço do agronegócio...”. Artigo inserido na coletânea “Uma nova Defensoria Pública pede passagem”, coordenada por José Augusto Garcia de Souza, editora, Lumen Juris, RJ, 2011, p. 427/444. Sobre o potencial cancerígeno do glifosato (herbicida mais utilizado no mundo e no Brasil) devemos registrar que o pesquisador Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, na França, após dois anos de estudos científicos, publicou, na revista científica ‘Food and Chemical Toxicology’, em setembro de 2012, os resultados de seus estudos - o primeiro, de longo prazo-, a comprovar a natureza carcinógena e mutagênica dos herbicidas à base de glifosato. Sobre o importante assunto ver artigo: “O fim da dúvida” veiculado no boletim nº 601, de 20.09.2012, “Por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos”, editado pela AS-PTA, Agricultura Familiar e Agroecologia, acessível na web.

[5] Nos termos das fórmulas destes pesticidas, ofertadas pelos fabricantes, denotamos que seus elementos ativos são o N-etil perflurooctano e a Sulfluramida, componentes químicos classificados internacionalmente como altamente persistentes (POPs) nos ecossistemas, se perpetuando, após aplicação, por mais de 600 anos no solo e corpos hídricos, efeitos excessivamente nocivos ao meio ambiente e amplamente cancerígenos que, por influxo de Convenção Internacional da qual o Brasil foi signatário em 2005, intitulada Protocolo de Estocolmo, foram banidos em mais de 152 países. Além de proibidos, esses pesticidas químicos deveriam ser aplicados com um mínimo de critério ambiental, e não jogados aleatoriamente entre as mudas de eucaliptos, em zonas de TOPOS DE MORROS, como constatamos através de vários testemunhos no Vale do Paraíba -SP. Sobre a elevada nocividade sanitária e ambiental desses pesticidas, em documento datado de 29.4.2009 e endereçado ao Presidente da República o então Presidente do CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Sr RENATO S. MALUF, pugnou, em nome do Conselho, a retirada desses agrotóxicos do mercado interno do país. Sobre o tema, ver De la Torre, Wagner Giron, op. cit. p. 431.

[6] Overbeek, Winnie: “(...)O Protocolo de Quioto, além das ínfimas metas de redução de emissões, introduziu o chamado comércio de carbono a partir da falsa suposição de que é possível que os países industrializados do hemisfério norte reduzam menos a emissão de CO2 (ou seja, possam queimar mais petróleo, minérios e gás natural) desde que haja a compensação de suas emissões através de atividades que evitem emissões de gases de efeito estufa ou que tirem esses gases da atmosfera em países do sul global, como o Brasil. (...) A Aracruz/Fibria não assume em nenhum momento sua responsabilidade por ter contribuído de forma significativa para os problemas climáticos atuais. Isso seria fundamental, já que em sua história de pouco mais de 40 anos é evidente que ela tem uma dívida climática histórica na região por ter, dentre outros motivos, destruído milhares de hectares de Mata Atlântica quando iniciou seus plantios de eucalipto, de acordo com os depoimentos de indígenas Tupiniquim e Guarani e de Quilombolas do Sapê do Norte (ES). Em seguida, a Aracruz/Fibria, informa no seu relatório de sustentabilidade de 2009 que está estudando várias oportunidades para poder vender os chamados ‘créditos de carbono’. Nesse sentido, a empresa elaborou dois projetos nos moldes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e busca registrar estes projetos junto à ONU. Sem apresentar maiores informações e detalhes sobre nenhum dos projetos, ela busca obter com a suposta redução de emissões de gases de efeito estufa mais um subsídio para seus negócios já altamente rentáveis. (...) Junto com o argumento de que as áreas de plantações de eucalipto em si já seriam importantes sumidouros de carbono, a empresa busca convencer a todos de que ela vem contribuindo significativamente para reduzir os problemas do clima através das árvores, abundantes em seu território de mais de 1 milhão de hectares, sejam elas eucalipto ou nativas. É importante salientar que plantar eucaliptos ou árvores nativas e/ou preservar áreas de floresta nativa não resulta em nenhuma contribuição de longo prazo para esfriar o planeta. Árvores em crescimento garantem apenas uma absorção temporária de carbono (CO2) da atmosfera. Quando, no caso dos eucaliptos, as árvores são cortadas depois de 6-7 anos, transformada em celulose e, mais tarde, em papéis, sobretudo descartáveis que virarão lixo, o carbono ‘armazenado’ é novamente liberado. (...) Isto resulta em um aumento líquido da quantidade de carbono em circulação entre atmosfera, biosfera e o solo, aprofundando, ainda mais, a crise climática”. “Mudanças Climáticas, uma lucrativa oportunidade”, artigo contido na coletânea “Aracruz-Credo, 40 anos de violações e resistência no Espírito Santo”, Patrícia Bonilha Editora, Vitória-ES, 2011, p. 188.

[7] “Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais”, volume II, Ed. RT., SP 2005, p. 39.

[8] “Os Impactos do Monocultivo de Eucalipto na Microrregião de Três Lagoas/MS”, artigo contido na revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção de Três Lagoas-MS, nº 14, novembro de 2011, p. 85.

[9] Kageyama, Paulo e Santos, João Dagoberto; “A Viabilidade da Agricultura Familiar: Produtividade e Agrotóxicos”, asseguram que nas florestas tropicais há mais de 150 espécies, só de vegetais, em cada hectare. Elas também ostentam a impressionante taxa de mais de 100 vezes fauna, microrganismos e insetos do que qualquer outro ecossistema, biodiversidade essa que sustenta todo um sistema de controle biológico de higidez no bioma. Acessível em WWW.inesc.org.br

[10] No artigo intitulado “Cuidar el suelo”, agência espanhola de meio ambiente e agroecologia GRAIN nos conta que “em realidad, los suelos son uno de los ecosistemas vivos más asombrosos de la Tierra, onde millones de plantas, hongos, bactérias, insectos y otros organismos viventes – la mayoria invisibles al ojo humano – están em um cambiante proceso de constante creación, composición y decomposición de matéria orgánica y vida. (...) Los suelos contienen también enormes cantidades de carbono, sobre todo em la forma de mataria orgànica. A escala mundial, los suelos retienen más del doble Del carbono contenido em la vegetación terrestre. Según nuestros cálculos, si pudiéramos regresarle a los suelos agrícolas del mundo ma matéria orgânica perdida a causa de la agricultura industrial, podríamos capturar al menos um tércio del exceso de dióxido de carbono que actualmente se halla em la atmosfera. (...) Em el proceso podríamos formar suelos más sanos y productivos y seríamos capaces de abandonar el uso de fertilizantes químicos que ahora son outro potente productor de gases de cambio climático”. Artigo acessível no portal grain.org, colhido em agosto de 2010.

[11] “Primavera Silenciosa”, editora Gaia, SP 2010, págs.58/60. Não nos esqueçamos que o Brasil, desde 2008, vem ostentando o incômodo título de maior consumidor mundial de agrotóxicos. Sobre o tema ver De la Torre, Wagner Giron, op. cit., p. 432.

[12] Sobre os graves impactos ambientais da abertura de estradas em meio aos vatos eucaliptais, aprofundando a perda de solo e erosão de vastas áreas de topos de morro e encostas, ver De la Torre, Wagner Giron, op. cit., p. 433.

[13] “O papel da Universidade e das Organizações Sociais frente à formação do complexo de celulose-papel”, palestra contida na revista eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Três Lagoas/MS, nº 14, novembro de 2011, p. 105.

[14] A pesquisadora e professora universitária Rosemeire A. Almeida adverte acerca da dissimulação do discurso desenvolvimentista ao afirmar:”Neste caminho de implantação do complexo celulose papel se tem construído um discurso por parte das empresas pautado na atualização do processo e o alvo tem sido a educação das crianças, via apoio do Estado por meio das secretarias municipais de educação. Esta é uma forma de o complexo celulose-papel moldar uma “cultura do eucalipto” através de ações construindo ou invertendo conceitos. Alguns exemplos bem ilustrativos: o conceito de monocultura substituído por floresta; o corte mecanizado do eucalipto virou colheita ( quase uma reserva extrativista); fábrica é site, problemas urbanos são a ‘dor do crescimento’, etc... A introdução desta linguagem nada tem de neutra, há uma intencionalidade. São estratégias que buscam biologizar as mudanças que estão sendo introduzidas no nosso cotidiano, e este imaginário cria uma situação de conformidade porque na biologia, crescimento e desenvolvimento são processos naturais. (...) Estas questões são parte de um pacote em que o setor aparece como ‘verde’, logo como ‘solução’ para a crise climática e ambiental. Este discurso tenta agora se aproximar da ‘Rio + 20’ (prevista para junho de 2012), partindo da prerrogativa de que as plantações de eucalipto oferecem ‘serviços ambientais’. O mais cobiçado é o mercado de ‘crédito de carbono’, ou seja, a venda da idéia de suas plantações absorvem carbono – mesmo sendo as monoculturas alvo de manejo agrícola convencional, com aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos”. “Complexo Celulose-papel: a quem beneficia?”, jornal “do Povo de Três lagoas”, caderno especial, edição 7, ano II, abril de 2012.

[15] “O Eucalipto no Vale do Paraíba Paulista: Aspectos Geográficos e Históricos”, acessível: www.faroroseira.edu.br/docs/dissertação_gerson.pdf.

[16] Waldman, Maurício. “Greenwashing, em ecologia, é um termo que identifica uma manipulação de imagem pública favorável ao meio ambiente mas que mascara, na realidade, atuação contrária aos bens ambientais”. “Lixo: cenários e desafios”. Cortez Editora, SP 2010, p. 196. Em que pesem todos os impactos socioambientais inerentes aos monocultivos mercantis de eucalipto, esses empreendimentos agroexportadores, para acesso aos mercados internacionais, continuam a serem certificados, como “ambientalmente idôneos”, por empresas certificadoras vinculadas ao sistema da Forest Stewardship Concil – FSC, como as certificadoras Imaflora, Ceflor, dentre outras, que são contratadas pelas empresas exportadoras das commodities para atestar, de forma amplamente discutível – para se dizer o mínimo – a “idoneidade ambiental” da origem dos eucaliptos. Os processos obscuros e antidemocráticos de “certificação florestal” do monocultivo merecem uma discussão apartada e mais profunda, ante a relevância e hipocrisia ambiental cingida ao tema. Por ora, ficamos com as argutas observações veiculadas por Enrique Leff :”(...)Estas empresas de certificación son, sin embargo, uno de los talones de Aquiles de todo el proceso de certificación. Um primer defecto, próprio de la forma como há sido diseñado el mecanismo, es que son a la vez juez y parte: su tarea ES evaluar y emitir o denegar um certificado a quienes los han elegido y contratado. Obviamente, hay mucho interes en no ser catalogado como um certificador inflexible y duro, porque ello podría ahuyentar clientes, tentados por empresas certificadoras mas benevolentes...” (“La economia de la Certificación Forestal: ?desarrollo sostenible paraquien?”, Proposta técnica apresentada no Congresso Iberoamericano de Desenvolvimento e Meio Ambiente, novembro de 2002, Quito-Equador, acessível site da FLACSO.org.