Há
cerca de 20 anos, em Porto Alegre, ocorreu a primeira edição do Fórum
Social Mundial. Era uma resposta ao Fórum Econômico Mundial, de Davos.
Os olhos daqueles que buscavam um Outro Mundo Possível foram voltadas
para a capital do RS e para o Brasil. Estávamos vivendo em nosso país
uma fase de esperança e de certo desgaste do neoliberalismo, no final do
governo FHC. Questões socioambientais borbulhavam e as corporações
econômicas mundiais e as instituições multilaterais do motor da
acumulação eram o centro da crítica.
Mas, como as crises econômicas são
previstas e necessárias dentro da "destruição criativa" típica do
capitalismo, destacada por David Harvey, segue o barco do modelo de
economia que preza o crescimento dos negócios, o grande capital, em
especial o financeiro. Neste caso, o capital sempre é salvo pelo Estado e
por governos, como foi em 2008, principalmente na Europa e EUA (Vito Letizia, 2009). Bancos,
indústria automobilística e dividas dos grandes. E quando o modelo
econômico vigente retoma seu ritmo de crescimento, pode diminuir a
desigualdade por um período, como ocorreu no Brasil até o início desta
década, mas acaba incrementando a degradação da natureza e a
concentração da camada mais rica da população (ver Vito Letizia, "A Grande Crise Rastejante", 2012).
No Brasil, um país periférico que se tornou
exportador de commodities como a maior parte do Cone Sul, principalmente
para a China, e o paraíso dos bancos e dos empréstimos consignados,
estamos ainda muito longe de seguirmos a pauta do FSM.
Obviamente, no
cenário de ultraneoliberalismo e espoliação, com ascensão de bancadas
ruralistas e neopentecostais, o mercado tem agentes e operadores do
sequestro das conquistas constitucionais sociais e ambientais. É fato de
que se não for derrotado este processo, que levou ao poder a direita
mais retrógrada deste milênio, estaremos ainda mais longe de repensarmos
o que se chama de desenvolvimento e a grave situação socioambiental
nacional e planetária. Mas o plano B, em um esperado recuo da direita
insaciável que promove a rapina ambiental, parece distante.
Infelizmente, ainda não nos demos conta de que o paradigma de mercado,
onde nos prendem o capital financeiro, o produtivismo e o consumo de
produtos com obsolescência embutida, significa aumentar
irreversivelmente a degradação ambiental que supera todos os limites de
capacidade de suporte dos ecossistemas e da Biosfera. Existe um círculo
vicioso que segue preso ao incremento da indústria automobilística de
veículos particulares de curta duração, exportação de soja, minério de
ferro, lembrando aqui o crime de negligência da Vale em Brumadinho e
Mariana (MG), e outros descaminhos das demais matérias primas exportadas
sem valor agregado.
Ou discutimos o plano B
necessário, e buscamos uma economia verdadeira, obviamente dentro de
outra política, que respeite os ciclos da natureza, sem queimadas,
megaempreendimentos como hidrelétricas e mineração, ou vamos seguir no
canto da sereia da chamada "retomada do crescimento". O tão propalado
Polo Naval de Rio Grande talvez siga no imaginário da região ou do
Estado. Mas, seria, na realidade, justamente a peça desta engrenagem da
mundialização da economia, e com o agravante da retomada das mesmas
empreiteiras do cartel das hidrelétricas e que foram responsáveis pelo
maior crime sobre a Mata Atlântica no sul do Brasil: a Hidrelétrica de
Barra Grande, que destruiu com 6 mil hectares de floresta com araucária e
expulsou milhares de agricultores de suas terras. E o Polo Naval
produzia plataformas e equipamentos para a exploração de petróleo,
combustível fóssil da máquina energívora do modelo de esgotamento a que
estamos submetidos, mesmo que por empresas nacionais. Vale a reflexão.
Pra quem serve o Polo Naval?
Segundo Vito Letizia (2011), em "Enfrentar a Grande Crise":
Exporta-se e importa-se destrutivamente. Destrói-se ramos de atividade industrial inteiros num lugar qualquer para recriá-los na outra extremidade do planeta, sempre trocando mais lucros por menos salários e menos direitos trabalhistas, isto é, aumenta-se o custo humano dos produtos, para baixar seu custo para o capital. Monta-se produtos com partes fabricadas nos mais variados confins miseráveis do mundo, graças ao rebaixamento dos fretes a um nível próximo de zero, obtido com a destruição das velhas marinhas mercantes nacionais, que foram substituídas por frotas com bandeiras de aluguel baratas e com tripulações multiétnicas, raspadas no limo deixado por antigas marinhas periféricas de cabotagem mortas. Ou, por exemplo, importa-se bolas de couro a preços imbatíveis do Paquistão, fabricadas com trabalho infantil, embora se possa fabricá-las de modo decente e a preços razoáveis em qualquer país que tenha gado e curtumes. E, no caso da agricultura, a disseminação da moto-serra e do trator de lagartas vem permitindo arrasar facilmente florestas inteiras para cultivar algo exportável, com mão de obra em condições de trabalho regressivas. Quer dizer, perde-se floresta virgem e ganha-se mais miséria, em troca de dólares.
Para quem servem as áreas de mineração de carvão e outros recursos minerais neste círculo vicioso? Não temos outras saídas econômicas que não sejam megaprojetos com megaimpactos, como superportos, transposição e trem bala? Por que se recicla menos de 10% de tudo o que se produz no Brasil e no mundo?
Segundo Vito Letizia (2011), em "Enfrentar a Grande Crise":
Exporta-se e importa-se destrutivamente. Destrói-se ramos de atividade industrial inteiros num lugar qualquer para recriá-los na outra extremidade do planeta, sempre trocando mais lucros por menos salários e menos direitos trabalhistas, isto é, aumenta-se o custo humano dos produtos, para baixar seu custo para o capital. Monta-se produtos com partes fabricadas nos mais variados confins miseráveis do mundo, graças ao rebaixamento dos fretes a um nível próximo de zero, obtido com a destruição das velhas marinhas mercantes nacionais, que foram substituídas por frotas com bandeiras de aluguel baratas e com tripulações multiétnicas, raspadas no limo deixado por antigas marinhas periféricas de cabotagem mortas. Ou, por exemplo, importa-se bolas de couro a preços imbatíveis do Paquistão, fabricadas com trabalho infantil, embora se possa fabricá-las de modo decente e a preços razoáveis em qualquer país que tenha gado e curtumes. E, no caso da agricultura, a disseminação da moto-serra e do trator de lagartas vem permitindo arrasar facilmente florestas inteiras para cultivar algo exportável, com mão de obra em condições de trabalho regressivas. Quer dizer, perde-se floresta virgem e ganha-se mais miséria, em troca de dólares.
Para quem servem as áreas de mineração de carvão e outros recursos minerais neste círculo vicioso? Não temos outras saídas econômicas que não sejam megaprojetos com megaimpactos, como superportos, transposição e trem bala? Por que se recicla menos de 10% de tudo o que se produz no Brasil e no mundo?
Existiria
um mercado de reciclagem ou reaproveitamento mais genuínos com
tecnologias sociais, como o sabão feito de óleo de fritura descartado
feito por comunidades das Ilhas do Delta do Jacuí. A criação de
Cinturões Verdes Agroecológicos nas Regiões Metropolitanas e nas
cidades, começando pelo reconhecimento desta vocação da maior produção
de arroz orgânico da América Latina justamente na RMPA, no berço do
Fórum Social Mundial. As universidades estão tendo de incrementar seu
papel social nestas tecnologias de quem mais precisa.
Temos
que dar visibilidade e problematização desses conflitos e do sequestro
(des)econômico a que estamos submetidos por parte dos negócios
hegemônicos que seguem flexibilizando os limites de exploração
ambientais e sociais. Outra pauta é retirarmos os subsídios às
exportações de matérias primas e combatermos a guerra fiscal que rebaixa
a legislação ambiental, inclusive com o tal de autolicenciamento, como
fizeram infelizmente BA e MG, em governos supostamente de esquerda. O
que mudou?
Mudou que a população foi induzida a
votar no pior projeto, mas temos também que considerar nossa
responsabilidade nesta guinada para a direita, com políticos que beiram a
delinquência galopante e encabeçam a guerra contra a natureza e os
movimentos sociais.
O buraco é mais embaixo, mas
falar disso de forma mais profunda incomoda inclusive o imaginário
neodesenvolvimentista, que chegou a estar em cheque no FSM, e que nos
levou para outro beco sem saída, como foi o PAC, onde em seus projetos e
relatórios a palavra ambiente era mais utilizada como "ambiente de
negócios" (os documentos estão disponíveis na internet e esta afirmação
pode ser conferida). Foram trazidas a Copa do Mundo e as Olimpíadas que
deram exponencial crescimento as empreiteiras que financiaram as
campanhas eleitorais (os financiamentos privados de campanha alcançaram
mais de 5 bilhões de reais em 2014, ver tabelas Excel na pg.-e do TSE).
A
saída passa, além da reflexão dos descaminhos pós-FSM, da retomada da
resistência ao neoliberalismo da ultradireita e do mercado, e em
buscarmos entender a Economia Ecológica e a necessidade de
decrescimento, e, neste caso, a partir dos países ricos, mas com o olhar
para o conceito de bem viver que ganhou espaço em países da América
Latina, como Equador e Bolivia.
Trazer à tona a
Economia Ecológica, que surgiu com a Bioeconomia de Georgescu-Roegen,
matemático romeno, que foi forçado ao exílio nos EUA, mas foi execrado
pelos economistas de mercado, para não ganhar o Prêmio Nobel em
Economia, na década de 1970. Esta nova economia, real, emerge, ainda em
forma tímida, neste contexto de urgência, também não imune às tentativas
desvios profundos por parte do agronegócio. A Bioeconomia em parte caiu
nas graças do "Agro é Pop". Mas tem que ser retomada como conceito não
reducionista a que está sendo imposta.
Existem
saídas se valorizarmos iniciativas de resistência e lutas dos
movimentos, de baixo pra cima, e com a colaboração de acadêmicos.
Recomendamos aqui materiais de leituras, grande parte na internet, de
Vandana Shiva, Yayo Herrero, Oscar Carpintero Redondo, Ailton Krenak,
Carlos Taibo, António Turiel, Jorge Riechmann, Robert Costanza, Herman Daly, Silvia Ribeiro, Joan Martinez Alier, Eduardo Gudynas, Alberto Acosta, Serge Latouche, Manfred Max Neef, Michael Lowy, Philip Fearnside, João Luis Homem de Carvalho e outros tantos, sem esquecer
também de nosso José Lutzenberger (Fim do Futuro, 1976) da bióloga
norteamericana Rachel Carson, com sua obra prima Primavera Silenciosa
(1962), que começou a luta contra os agrotóxicos, que segue presente na
base do ecologismo e do questionamento do modelo de esgotamento atual.
Temos que buscar a transição urgente que preze a Agroecologia, as
energias alternativas ou sustentáveis e todas as formas de vida digna
local comunitária e solidária, com desapego, dentro dos limites do
Planeta, em outro paradigma fora do crescimento econômico e do modelo
hegemônico de desenvolvimento.
Em complemento, seguem para reflexão as palavras de Vito Letizia (2011) quanto a duas "religiões" opostas que buscam seguir o modelo desastroso de crescimento da economia:
"Atualmente vive-se um surto de religiosidade capitalista, dividida em duas grandes correntes. A mais importante entoa salmos a um estranho livre mercado regulado, onde há empresas privadas de serviços públicos e instituições financeiras que exercem poderes de Estado impondo taxas e encargos arbitrários e onde há lucros pré-determinados por agências reguladoras tidas como portadoras de uma justiça sobrenatural. A outra corrente, bem menor, prostra-se ante um intervencionismo estatal mais ou menos miraculoso, tido como capaz de desenvolver a economia indefinidamente, além dos limites de qualquer modo de produção imaginável. Aparentemente as duas religiões vivem em estado de hostilidade, porém, no fundo, se complementam".
Georgescu-Roegen, Matemático e economista, criou as bases para a Economia Ecológica |
Em complemento, seguem para reflexão as palavras de Vito Letizia (2011) quanto a duas "religiões" opostas que buscam seguir o modelo desastroso de crescimento da economia:
"Atualmente vive-se um surto de religiosidade capitalista, dividida em duas grandes correntes. A mais importante entoa salmos a um estranho livre mercado regulado, onde há empresas privadas de serviços públicos e instituições financeiras que exercem poderes de Estado impondo taxas e encargos arbitrários e onde há lucros pré-determinados por agências reguladoras tidas como portadoras de uma justiça sobrenatural. A outra corrente, bem menor, prostra-se ante um intervencionismo estatal mais ou menos miraculoso, tido como capaz de desenvolver a economia indefinidamente, além dos limites de qualquer modo de produção imaginável. Aparentemente as duas religiões vivem em estado de hostilidade, porém, no fundo, se complementam".
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