Na noite desta segunda-feira, 17/02, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou o Projeto de Lei Complementar n. 018/2024, de origem do executivo municipal de Porto Alegre, que atingiu fortemente a democracia do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam).
A alegação, na justificativa do PL, foi a “modernização” do Conselho, já que a Lei até agora vigente (LC n.369/1996) já estaria completando quase 30 anos.
O Comam foi criado por meio da Lei Complementar nº 369/1996, tendo caráter consultivo e deliberativo, sendo um espaço de participação direta da sociedade civil na administração pública municipal, com função de propor, formular, acompanhar e fiscalizar a execução de políticas públicas municipais na área de meio ambiente.
Entretanto, cabe destacar que a prefeitura elaborou a presente Lei como uma manobra autoritária de enfraquecer a participação da sociedade, aproveitando-se de uma resposta sua a uma Ação Civil Pública (ACP) que questionava, principalmente, a forma de “escolha” de vagas de alguns segmentos da sociedade por meio da possibilidade de sorteio, em caso de disputas de vagas de setores ambientalista, centrais sindicais, universidade privadas e representantes de sindicato da saúde.
A ACP pedia que a prefeitura "se abstenha (...) de conceder novas licenças prévias e de instalação até que seja superado o déficit participativo no Conselho de Meio Ambiente e na governança ambiental do município", além de cobrar que os Planos de Ação Climática (anterior a maio) e de Reconstrução da Cidade, infelizmente propagandas enganosas da SMAMUS pós-enchente, sejam submetidos à apreciação do Conselho, assim como documentos da área ambiental sejam disponibilizados para acesso público. A demanda das entidades era demais para "deixar passar em branco", então a defesa da Prefeitura foi o ataque...
O projeto aprovado no dia 17/02 esteve recheado de retrocessos, destacando-se: a redução do número de vagas para o Comam, dos atuais 27 para 24 membros; aumento do número de representantes do governo, dos atuais 7 para 12 membros. Ao mesmo tempo, ficou marcado neste projeto o enfraquecimento da representação da sociedade.
Foram retiradas as quatro vagas exclusivas das entidades ambientalistas, sendo três de Porto Alegre e uma da Região Metropolitana, forçando a disputa injusta e incompreensível nas cinco vagas, entre ONGs e instituições de pesquisa, antes separadas em seus respectivos segmentos. A nova Lei excluiu, também e para sempre, a vaga do Conselho Regional de Biologia (CRBio-03), do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) da União Metropolitana de Associações de Bairros (UAMPA), da Sociedade Brasileira de Progresso à Ciência (SBPC), além de outras da sociedade como as universidades públicas e privadas, Ibama, Fepam, OAB, entre outras. Contraditoriamente, à alegação de que falta participação de alguns setores nas reuniões, o projeto aumentou a duração dos mandatos, de dois anos para quatro, nem sempre com membros com tempo voluntário disponível para períodos tão longos.
Cabe destacar a não presença do presidente, Germano Bremm, na maioria das reuniões do Conselho, entre 2023 e 2024, sem contar o fato de que a SMAMUS cancelou as reuniões de dezembro de 2024 e de fevereiro de 2025, além de não ter sido marcada a reunião ordinária para janeiro deste ano. Ou seja, o Comam está há quase três meses sem nenhuma reunião, também com Câmaras Técnicas sem funcionamento, enquanto os temas ambientais estão sendo encaminhados para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, CMDUA, com reuniões em períodos semanais, apesar de não ter as mesmas atribuições do Comam.
Ficam sem respostas diversos questionamentos, entre eles, aqueles relacionados à devastação de Mata Atlântica no caso de megaempreendimento, no Jardim Itu-Sabará, que atinge mais de 50 hectares, sem estudos de impacto ambiental (EIA-RIMA), mesmo com riqueza de fauna, como graxains e bugios-ruivo, a fim de contemplar um enorme projeto da empresa Zaffari. Da mesma forma, ficam sem esclarecimentos as intervenções destruidoras da orla do Guaíba, da mata ciliar e arborização, nos calçadões do Lami e Ipanema, no sul do município, ou mesmo os projetos de mineração em morros nas proximidades de unidades de conservação (Refúgio da Vida Silvestre Morro São Pedro), sem falar na permissão para a construção de assombrosos arranhaceus sombreadores da qualidade de vida, próximos à orla do Guaíba ou Centro Histórico de Porto Alegre. Como acompanhar e fiscalizar tudo isso, sem um conselho fortalecido?
O encaminhamento do PLC n. 018/2024, enviado em regime de urgência à Câmara e sem passar por discussão no Comam, no final de novembro de 2024, teve evidente oportunidade de o Secretário Germano Bremm e o Prefeito Sebastião Melo avançarem no rumo de retrocessos, amordaçando o COMAM, e ao mesmo tempo dado aparência de superação de contestações judiciais, em especial por parte do InGá, pela forma autoritária de parte da prefeitura que impunha um sorteio à representação de entidades da sociedade.
É enorme o conjunto de cobranças feitas pelas entidades ambientalistas em relação a avalanche de irregularidades e facilitações aos setores da construção civil, imobiliário, mineração, entre outros. A ausência de respostas é coerente com inexistência de qualquer divulgação da Lista da Flora Ameaçada de Extinção de Porto Alegre, apesar das cobranças dos membros do Comam, destacando-se tratar de proposta aprovada pelo InGá no Conselho. Tomar iniciativas de proteger a natureza, em tempos de autolicenciamento permissovo, traz incômodos à administração municipal e aos setores a ela beneficiados.
Portanto, o controle social é enfraquecido, de forma deliberada, via a ausência de reuniões do Comam, ausências de respostas às cobranças das entidades a tantos questionamentos quanto a permissividades em licenças que violam a legislação ambiental e o interesse da sociedade porto-alegrense. A base do governo na Câmara de Vereadores fica com a incumbência de dar a punhalada fatal nos direitos socioambientais, como fez com o PLC 018/2024 no dia 17/02, não aceitando sequer nenhuma das oito emendas feitas pela oposição para manter alguma conquista ou garantia do princípio da vedação ao retrocesso social.
De qualquer forma, tanto o InGá como as demais entidades ambientalistas e movimentos em prol de uma cidade sem arboricídio e desmatamentos irão seguir lutando e denunciando a avalanche de ataques aos direitos socioambientais do município de Porto Alegre.