segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

AS VEIAS ABERTAS DO BRASIL: REPRIMARIZAÇÃO E SISTEMA FINANCEIRO DESTRUINDO NOSSAS BASES DE SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

Paulo Brack (31-12-2024)


“Com tiros de arcabuz, golpes de espada e sopros de peste” 
– assim os conquistadores espanhóis avançaram sobre o território asteca no início do século XVI. “Como porcos famintos que anseiam pelo ouro”, foi como descreveu, em 1971, o escritor uruguaio Eduardo Galeano o processo que poderia ser considerado, com a devida relativização, o primórdio da sanha megaextrativista na América Latina." (Verena Glass, em Neodesenvolvimentismo Extrativista).

Exportação de recursos naturais do Brasil e nossas veias abertas
O modelo de "desenvolvimento" brasileiro segue transgredindo os limites da Ecosfera, como em outros países do mundo. Em nosso país, na pauta prioritária de incentivo aos bens primários, desponta o minério de ferro, a soja e o petróleo e seus derivados semitransformados. Quais impactos ambientais esse tipo de economia impõe ao país e ao mundo?

O quadro de emergência climática global, com indicadores de colapso evidentes
Um grupo de pesquisadores, coordenado por William Ripple, da Universidade do Estado de Oregon (EUA, pela segunda vez, agora em 2024 (The 2024 state of the climate report: Perilous times on planet Earth), publicado no periódico BioScience, trouxe à tona cenários altamente preocupantes, além dos já registrados em 2023, quando foram constatadas médias recordes de temperatura da atmosfera do planeta, em 17oC, e de 25o C da temperatura do norte do Oceano Atlântico, entre 20 indicadores negativos em nível de Ecosfera.

Neste último trabalho de Ripple e colegas, são apresentados dados alarmantes adicionais ao do ano de 2023. Ou seja, 25 dos chamados 35 sinais vitais do planeta estão em níveis recordes críticos de deterioração, e em processos de piora previstos para os próximos anos. No estudo do ano passado, eram 20 os indicadores. Os dados apresentados abordam a temperatura atmosférica e a oceânica, medições do ritmo de degelo na Groenlândia e Antártida, desmatamento, perdas de biodiversidade, entre outros indicadores. São apontados níveis sem precedentes da concentração atmosférica dos principais gases de efeito estufa (dióxido de carbono, CO₂; metano, CH₄; e óxido nitroso, N2O). A taxa média atual de CO₂, já ultrapassou as 420 partes por milhão (ppm), 50% a mais do que no período pré-industrial (século XVIII). A emissão de metano também se acelerou nos últimos anos, assim como a temperatura média da atmosfera do planeta, que está no nível mais alto já registrado.

Outro aspecto importante, segundo a Organização Meteorológica Mundial[1], é o relacionado aos registros dos últimos oito anos, todos com temperaturas da atmosfera mais elevadas, entre 2015 e 2022, do que em anos anteriore

O valor recorde de gás carbônico na atmosfera não teria existido pelo menos nos últimos 800 mil anos. A partir da elevação dos GEE, incrementam-se os eventos extremos, provocando destruição ambiental em cascata e gerando pelo menos 120 milhões de refugiados do clima, em nível mundial.

Como agravante, as condições socioambientais e a sustentabilidade ecológica não se limitam à Emergência Climática. Um grupo de pesquisadores de Estocolmo[2], liderado por Katherine Richardson (2024), alerta para o fato de que já foram ultrapassados seis limites planetários de resiliência (Figura 1), entre nove principais itens analisados (profusão de substâncias químicas estranhas à natureza, microplásticos, perda de biodiversidade, sobre-exploração de recursos do mar e da terra, excesso de nitrogênio e fósforo e quebra nos ciclos biogeoquímicos de elementos fundamentais da Ecosfera).






Figura 1. Limites planetários analisados pelo trabalho de Richardsosn et al. 2024.


Neste tema das calamidades climáticas e ambientais, nossa intenção é trazer ao debate alguns elementos que possam associar a matriz produtiva brasileira com a degradação de nossos biomas e o agravamento à Emergência Climática. É importante destacar que mais da metade dessa matriz está baseada na produção e exportação de matérias primas ou semimanufaturados, dentro do rol das commodities, com destino para os países industrializados ou “desenvolvidos”. Que benefícios supostamente sustentáveis isso traz ao Brasil?
Exportação de recursos naturais do Brasil e nossas veias abertas


Como assinalam Richardson et al. (2024), a produção primária interage com a funcionalidade da biosfera, sendo que a apropriação das atividades humanas da produção primária líquida seria uma variável de controle para a integridade funcional da vida no Planeta. Este limite também é um dos principais transgredidos.


No caso do Brasil, vamos trazer o tema da atividade de agricultura industrial e da megamineração, ambas de exportação, como elementos de transgressão de limites e de dependência econômica que comprometem a base da sustentabilidade ecológica e aprofundam a injustiça socioambiental brasileira.

A exportação do Brasil segue a pauta prioritária dos bens primários, despontando minério de ferro, soja e petróleo e seus derivados semitransformados (Figura 2), com impactos ambientais e econômicos ao país. Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDICS), em 2023, as exportações do Brasil alcançaram o valor de US$ 339,67 bilhões, enquanto as importações foram de US$ 240,83 bi, gerando um saldo positivo de recursos na balança comercial de US$ 98,8 bilhões. O crescimento das exportações correspondeu principalmente às matérias primas do Setor Agropecuário (9%) e da Indústria Extrativa ou Mineração (3,5%), enquanto as vendas totais da indústria de transformação diminuíram em 2,3%.



Figura 2 – Pauta de exportações do Brasil em 2023 (FOB = Free on Board). Fonte: ComexStat — Dados do Ano de 2023. Fonte: https://www.fazcomex.com.br/exportacao/exportacoes-no-brasil/


Em 2023, as exportações brasileiras do agronegócio atingiram US$ 166,55 bilhões, ou seja, 49% da pauta de exportação do Brasil. O país exportou diretamente 193,02 milhões de toneladas na forma de grãos. Uma quantidade 24,3% superior na comparação com os 155,30 milhões de toneladas de grãos exportados em 2022. O valor equivale a 60% dos grãos produzidos no país, na safra 2022/2023[3].


No ano passado, o Brasil teve outro recorde nas exportações de matérias-primas e produtos primários (de baixo valor agregado). Entre as 27 unidades da Federação, 25 correspondem à exportação de commodities, com liderança das mercadorias agrícolas (Figura 3).


O principal destino dos produtos brasileiros, no ano passado, foi a China. As exportações para este país asiático alcançaram US$ 105,75 bilhões, ou seja, quase um terço da venda no exterior, representando ainda um valor inédito. Em 2023, o continente asiático foi também o maior comprador dos produtos brasileiros. De acordo com o MDICS, a comercialização para aquele continente ocorreu principalmente por meio de produtos agropecuários ou de mineração, como soja, milho, açúcar, minério de ferro e óleos brutos de petróleo.

A extração de minérios e a produção de grãos, de forma convencional e predominantemente para exportação (Figura 3), não gera quase impostos, já que temos aqui a Lei Kandir, que isenta de taxas a exportação de matérias-primas. O baixo retorno, pela ausência de valor agregado aos produtos exportados, incrementa a grande escala de expansão destas atividades sobre os diferentes biomas brasileiros, com alguns municípios possuindo mais de 50% de sua área ocupada por produção, principalmente, de soja (HETTWER, 2023). Nesse contexto surge o termo “maldição dos recursos naturais” ou, em alguns casos, definido como o “paradoxo da abundância” (PAMPLONA e CACCIAMALI, 2017).

Figura 3 – Produtos exportados por cada Estado e Distrito Federal. Fonte Poder 360, 2023, com base nas informações do Ministério de Desenvolvimento, Industria, Comércio e Serviços.

Agricultura hegemônica na contramão da sustentabilidade socioambiental
O país campeão da megadiversidade mundial segue sendo submetido à hegemonia de monoculturas predatórias do ponto de vista socioambiental para prosseguir seu papel colonial de exportar matérias primas ou commodities. Atualmente, a contribuição da agricultura industrial, em especial ao complexo da soja e o avanço da fronteira agrícola nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, no território das monoculturas, encontrou um território de oportunidades (e desmatamentos), denominado de Matopiba, cujo nome é derivado das iniciais (acrônimos) dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Segundo relatórios da Conab (2024), a produção de grãos no ano de 2023/24 ocupou 79,82 milhões de hectares, com safra total de 298,41 milhões de toneladas, sendo a soja responsável por quase a metade deste total (147,38 milhões de toneladas).

Quadro 1 – Plantio de grãos 2023/24 (Conab).

Cultura

Área plantada 1976/1977

(Milhões de hectares)

Área plantada 2023/2024

(Milhões de hectares)

Evolução

%

Soja

6,95

45,26

+551 %

Milho

11,80

21,02

+78 %

Arroz

6,00

1,57

-74 %

Feijão

4,54

2,78

-39 %

Trigo

3,2

3,47

+8 %

Fonte: CONAB, 2024.

 O Brasil é o primeiro produtor mundial de soja, atualmente com 45,5 milhões de hectares (Quadro 1), o segundo em milho, o primeiro em café e cana, sendo o maior consumidor de agrotóxicos, o que faz girar um mercado de cerca de 13 bilhões de dólares de vendas desses produtos.  A produção de alimento básico para seres humanos, como arroz e feijão, diminuiu, nas safras entre 1976/77 e 2023/24, em 75,5% e 39,4% respectivamente, obrigando o país a importar frequentemente estes produtos (Figura 4).

 

Figura 4 – Área e produção de Grãos no Brasil (1976-2023).
Fonte: Conab (janeiro de 2024).


O produtivismo das monoculturas de exportação, que alimentam animais confinados, compromete nossa biodiversidade. O efeito colateral de uma dependência neocolonial de exportação de grãos e outras matérias primas vai desde o saqueio ou ataque incessante aos territórios dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (vide o inconstitucional Marco Temporal) até o empobrecimento da própria matriz de produção econômica, sequestrada pelo Agrobusiness, com muito envenenamento da água, a saúde das pessoas e dos demais seres, o aumento da perda de biodiversidade até o êxodo rural.

O avanço do Agronegócio convencional implica na destruição dos biomas do Brasil, com mais de uma centena de ecorregiões com megadiversidade, outrora riquíssimos em vida e recursos hídricos abundantes, em cenários de desertificação, perdas se modos de vida diversos, compactação do solo e quebra do ciclo da água e dos ciclos biogeoquímicos da Ecosfera, constituídos por dezenas de milhões de hectares praticamente sem vida e sem água, contribuindo para os já elevados valores de gases de efeito estufa. Ou seja, o modelo agrícola e agrário (concentrador de terras) é, cada vez mais, destruidor da socioagrobiodiversidade.

 As veias abertas do Brasil e seus biomas sob ameaça das commodities

O Brasil possui seis biomas, segundo o IBGE: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal (Figura 5). A Amazônia possui a maior superfície (49%) e o Pantanal a menor (1,8%) (Quadro 2). A maior parte da população brasileira (cerca de 60%) vive no domínio do bioma Mata Atlântica.

 

Figura 5 – Mapa dos biomas brasileiros segundo o IBGE (2019).
Fonte: IBGE (2019).

 

Quadro 2 – Comparativo de alguns aspectos dos biomas brasileiros, quanto à sua extensão, percentual de remanescentes nativos, Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e população de cada bioma.

Fontes: IBGE e BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) [Ver: https://www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/estudos-ambientais/15842-biomas.html e https://www.bpbes.net.br/]

AMAZÔNIA

A Amazônia, segundo o Mapbiomas, ainda possui 81,6% de vegetação nativa (78,2% de áreas de floresta e 3,4 % de vegetação não florestal), em diferentes níveis de conservação, tendo perdido quase 20% de sua área de remanescentes originais. A agropecuária (15,5%) e o garimpo ganham espaço, principalmente no Sul do Pará, Mato Grosso e Rondônia[4]. Parte das florestas está parcialmente degradada, principalmente no que se chama de Arco do Desmatamento. A porção sul do bioma é alvo de retirada de madeira, práticas de fogo, mineração e garimpo (MAPBIOMAS, 2023). No período de 1985 e 2022, e principalmente nos anos do Governo de Jair Bolsonaro, a Amazônia perdeu 50,3 milhões de hectares de florestas.








CAATINGA
A Caatinga corresponde a 10,1% do território nacional, sendo 57,9% de vegetação nativa, possuindo 29,8% de agropecuária (MAPBIOMAS, 2021). Parte da região sofreu com a Transposição do Rio São Francisco, para irrigação de enormes lavouras empresariais de produção de frutas, em sua maioria para exportação. Entre 1985 e 2022, a Caatinga perdeu 21,8% de seus remanescentes naturais.


CERRADO
O Cerrado, o segundo maior bioma, cobre 23,3% da superfície do Brasil, possuindo 54,3% de vegetação nativa, 44,5% floresta e 9,8% não floresta, 44,2% agropecuária (MAPBIOMAS, 2021). Entre 1985 e 2022, o Cerrado teve o crescimento da agricultura em 620% de sua área. Um dos pontos de maior perda refere-se à porção oeste do Estado da Bahia, que vem sofrendo rápida retirada de vegetação para extensivos plantios de soja.



MATA ATLÂNTICA
A Mata Atlântica é representada por 13% do território nacional. Possui 31,4% de formações vegetais (28,8% florestas 2,6% não florestas), porém algumas formações correspondem à regeneração inicial, estando degradadas ou fragmentadas, o que poderia superestimar uma situação supostamente mais confortável, porém a qualidade da maior parte da floresta original já foi perdida. Em cerca de 64,4% corresponde à agropecuária (MAPBIOMAS, 2021). Cerca de 54% das áreas urbanas do Brasil estão neste bioma.






PAMPA
O Pampa cobre 2,3% do território nacional, mantendo 45,2% de (MAPBIOMAS, 2023) vegetação nativa, 36,7% de formações não florestais, 12,7% de formações florestais e 45,8% de agropecuária, predominantemente soja e silvicultura. As formações predominantes são campos, porém parte destes está ocupado por pastagens exóticas (MAPBIOMAS, 2023). As perdas ou conversões de áreas de campos nativos para outros usos situam-se cerca de 125 mil hectares/ano, segundo comunicação pessoal de o Professor Valério De Patta Pillar. As áreas representadas por unidades de conservação variam somente entre 3% e 3,4%. Houve uma perda de 29,5% da vegetação nativa entre no intervalo de 1985 e 2022, enquanto a silvicultura já alcançou pelo menos 3,8% do bioma, representando um crescimento de sua área em 1.641% neste intervalo de 37 anos. A atividade de silvicultura no Pampa ultrapassa 700 mil hectares.

PANTANAL

O Pantanal é o menor bioma, sendo representado por uma zona de interface entre os biomas Cerrado, Amazônia e Mata Atlânticas. Está em segundo lugar no que toca à área de remanescentes, com 80,4% de sua superfície com vegetação nativa. A agricultura ou agropecuária, com conversão de vegetação nativa para outros usos, alcança 14,9%. Entretanto, parte da vegetação sofreu incêndios muito fortes nos últimos anos e 57% de seu território foi queimado intencionalmente pelo menos uma vez entre 1985 e 2020 (MAPBIOMAS, 2022). Atualmente, o bioma vem sendo alvo de pastagens com gramíneas exóticas, sofre com frequentes secas e queimadas, antes raras.



Fazendo-se um balanço da superfície de UCs no Brasil, sua distribuição é ainda muito díspar, com a maior concentração na Amazônia. Cabe destacar que, durante a Conferência das Partes (COP 10) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ocorrida em 2010, no Japão, foram estabelecidas 20 metas, conhecidas como Metas da Biodiversidade 2020, ou Metas de Aichi, e um Plano Estratégico a ser atingido por mais de 190 países, inclusive o Brasil, até 2020. A Meta de n.11 estabelecia que, até 2020, pelo menos 17% de cada bioma deveria estar coberto por áreas protegidas (BRASIL, 2016), situação somente ultrapassada, teoricamente, no território da Amazônia, emquanto os demais cinco estão abaixo deste percentual, com destaque aos biomas Caatinga, Pantanal e Pampa, que estão muito abaixo do valor referencial acordado entre os países.

Ocorre um evidente incentivo econômico e políticas públicas em prol dos setores que destroem a sociobiodiversidade de nossos biomas, beneficiando o incremento em escala de produção e logística de exportação de minérios, grãos, celulose, entre outros tipos de produtos. O avanço de atividades primárias, neste contexto, resulta na transformação com violações de direitos socioambientais, destruindo ecorregiões e biomas distintos. É necessário trazer os direitos dos protagonistas da manutenção de nossa sociobiodiversidade (SANTILLI, 2005).

Segundo a organização Observatório do Clima, a contribuição da Agropecuária às mudanças climáticas, com base nas mudanças no uso da terra, correspondeu a cerca de 49% das emissões brutas brasileiras, em 2021 (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2023). A atividade agropecuária, em sentido amplo, responde por 74% de toda a poluição climática brasileira. Segundo um estudo recente, entre 90% e 99% do desmatamento tropical é impulsionado pela agropecuária brasileira.

O incremento de exportação de produtos básicos, no chamado “boom das commodities” (SVAMPA, 2019), fortalece o processo concentrador de reprimarização da economia brasileira. Este processo ganha interação com o sistema financeiro que inviabiliza outras formas de produção diversificada, que possam agregar mais valor e disponibilizem mais recursos essenciais à sociedade (LETIZIA, 2009). Junta-se a isso, também, um sistema da dívida externa injusta e expropriadora dos direitos socioambientais assegurados na Constituição Federal (FATORELLI, 2013). Esta dependência de exportação de commodities é uma das causas maiores da degradação ambiental e de um sistema financeiro que lucra com essa dependência (DOWBOR, 2017, p. 93).

Segundo Acselrad (2022, p. 8) existe um debate sobre as transformações do capitalismo brasileiro observadas nas últimas duas décadas, associadas numa mesma lógica, como “os fenômenos como reprimarização da economia, os processos de financeirização e expansão da fronteira dos interesses agrominerais sobre terras públicas, territórios indígenas e quilombolas”. Segundo o autor, existe uma corrente contemporânea de autores que trazem para debate o termo “neoextrativismo”, por meio de cadeias produtivas pouco diversificadas, sobretudo voltadas à exportação de commodities. Este modelo estaria configurando uma inserção subordinada da economia na Divisão Internacional do Trabalho. Acosta (2016) e Gudynas (2015) assinalam um processo semelhante de (mega)extrativismos para a América do Sul como um dos principais problemas ambientais atuais.  

Uma forma de contraponto a destruição da biodiversidade é o incremento de agroflorestas, onde os ecossistemas eram florestais. 


Considerações finais

A Emergência Climática, relacionada à elevação dos gases de efeito estufa, vêm se agravando e comprometendo a resiliência dos ecossistemas e das condições de vida das populações, em especial, as mais pobres que vivem nas periferias das cidades e os territórios da sociobiodiversidade (povos indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais) de países megadiversos e exportadores de matérias primas.

A responsabilidade pela Emergência Climática está associada, de maneira mais evidente, a uma economia que perdeu qualquer freio em relação aos seus limites de extração de bens e transformação da natureza em recursos financeiros, com o agravante de sua condição de concentração de capital, ou seja, gerando benefícios para poucos e consequências desastrosas para a maioria (LÖWY, 2013).

As atividades econômicas convencionais no Brasil, associadas ao modelo de exportação de commodities agrícolas e ao extrativismo mineral, comprometem os processos ecológicos de cada bioma e os modos de vida diversos.

Consideramos necessário o aprofundamento e o resgate do tema imprescindível da diversificação econômica restaurativa e dos modos de vida, em um outro cenário sem a financeirização e a concentração de capital, fora do atual jogo totalitário e neoliberal das commodities.

Referências

ACOSTA, A. Extrativismo e neoextrativismo: duas faces da mesma maldição. In: DILGER, G.; LANG, M.; PEREIRA FILHO, J. (Orgs.). Descolonizar o imaginário: debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Editora Elefante, 2016. Pp. 46-85.

ACSELRAD, H. (Org.). Neoextrativismo e autoritarismo: afinidades e convergências. Rio de Janeiro: Garamond, 2022.

BRASIL. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. V Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica. Brasília: MMA, 2016.

CONAB - COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos, Brasília, DF, v. 11, safra 2023/24, n. 12, décimo segundo levantamento, 2024.

DOWBOR, L. A era do capital improdutivo: por que oito famílias têm mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.

FATTORELLI, M. L. Auditoria Cidadã da Dívida Pública: Experiências e Métodos. Brasília: Inove Editora, 2013.

GUDYNAS, E. Extractivismos: Ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la Naturaleza. Cochabamba: CEDIB/CLAES, 2015.

HETTWER, H. R. O ciclo da soja e a divisão internacional do trabalho – Análise de pactos e impactos diante da reprimarização, desindustrialização e desnacionalização brasileira. Ágora, v. 25, n. 2, pp. 120-150, 2023.

IBGE (2019) Biomas e sistema costeiro-marinho do Brasil, compatível com a escala 1:250 000. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais.

IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2007: The Physical Science Basis, Summary for Policy Makers. IPCC: Geneva, 2007.

LETIZIA, V. A grande crise rastejante. De Olho na História, n. 13, pp. ??-??[m1] , 2009.

LÖWY, M. Crise ecológica, crise capitalista, crise de civilização: a alternativa ecossocialista. Caderno CRH, v. 26, n. 1, pp. 76-86, 2013.

MAPBIOMAS. Projeto MapBiomas - Mapeamento anual de cobertura e uso da terra no Brasil entre 1985 e 2022. [Coleção 8]. Brasil, 2023. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/wp-content/uploads/sites/4/2023/09/FACT_port-versao-final.pdf

PAMPLONA, J. B.; CACCIAMALI, M. C. O paradoxo da abundância: recursos naturais e desenvolvimento na América Latina. Estudos Avançados, v. 31, n. 89, pp. 251-270, 2017.

Richardson, K. Et AL. Earth beyond six of nine planetary boundaries. Science Advances, v. 9, n. 37. eadh245816, 2023.

RIPPLE, W. J.; Et AL. The 2023 state of the climate report: entering uncharted territory. BioScience, v. 73, pp. 841–850, 2023.

SANTILLI, J. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2005.

SVAMPA, M. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Editora Elefante, 2019.







3 comentários:

  1. Uma analise bastante aprofundada sobre os impactos ambientais e seus reflexos nos biomas brasileiros e na vida como um todo reforçando a urgência de um modelo econômico que considere as externalidades das ações antropicas. O capitalismo há muito se mostra um modelo falido, passamos da hora de mudarmos para um modelo ecossocialista.
    Este artigo deveria ser discutido no plenário da câmera e do senado.

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    1. Sim, sinto falta deste debate inclusive em minha universidade. Tema de casa, rsrs. Abraço!

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    2. Paulo Brack , aqui na Unicamp tem um grupo bastante ativo discutindo este tema, com vários professores e pesquisadores do qual faço parte, podemos intergir mais> Postei o comentário acima, elogiando seu artigo. José Maria Gusman Ferraz

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