Paulo Brack (31-12-2024)
“Com tiros de arcabuz, golpes de espada e sopros de peste” – assim os conquistadores espanhóis avançaram sobre o território asteca no início do século XVI. “Como porcos famintos que anseiam pelo ouro”, foi como descreveu, em 1971, o escritor uruguaio Eduardo Galeano o processo que poderia ser considerado, com a devida relativização, o primórdio da sanha megaextrativista na América Latina." (Verena Glass, em Neodesenvolvimentismo Extrativista).
Exportação de recursos naturais do Brasil e nossas veias abertas
O modelo de "desenvolvimento" brasileiro segue transgredindo os limites da Ecosfera, como em outros países do mundo. Em nosso país, na pauta prioritária de incentivo aos bens primários, desponta o minério de ferro, a soja e o petróleo e seus derivados semitransformados. Quais impactos ambientais esse tipo de economia impõe ao país e ao mundo?
O quadro de emergência climática global, com indicadores de colapso evidentes
Um grupo de pesquisadores, coordenado por William Ripple, da Universidade do Estado de Oregon (EUA, pela segunda vez, agora em 2024 (The 2024 state of the climate report: Perilous times on planet Earth), publicado no periódico BioScience, trouxe à tona cenários altamente preocupantes, além dos já registrados em 2023, quando foram constatadas médias recordes de temperatura da atmosfera do planeta, em 17oC, e de 25o C da temperatura do norte do Oceano Atlântico, entre 20 indicadores negativos em nível de Ecosfera.
Neste último trabalho de Ripple e colegas, são apresentados dados alarmantes adicionais ao do ano de 2023. Ou seja, 25 dos chamados 35 sinais vitais do planeta estão em níveis recordes críticos de deterioração, e em processos de piora previstos para os próximos anos. No estudo do ano passado, eram 20 os indicadores. Os dados apresentados abordam a temperatura atmosférica e a oceânica, medições do ritmo de degelo na Groenlândia e Antártida, desmatamento, perdas de biodiversidade, entre outros indicadores. São apontados níveis sem precedentes da concentração atmosférica dos principais gases de efeito estufa (dióxido de carbono, CO₂; metano, CH₄; e óxido nitroso, N2O). A taxa média atual de CO₂, já ultrapassou as 420 partes por milhão (ppm), 50% a mais do que no período pré-industrial (século XVIII). A emissão de metano também se acelerou nos últimos anos, assim como a temperatura média da atmosfera do planeta, que está no nível mais alto já registrado.
Outro aspecto importante, segundo a Organização Meteorológica Mundial[1], é o relacionado aos registros dos últimos oito anos, todos com temperaturas da atmosfera mais elevadas, entre 2015 e 2022, do que em anos anteriore
O valor recorde de gás carbônico na atmosfera não teria existido pelo menos nos últimos 800 mil anos. A partir da elevação dos GEE, incrementam-se os eventos extremos, provocando destruição ambiental em cascata e gerando pelo menos 120 milhões de refugiados do clima, em nível mundial.
Como agravante, as condições socioambientais e a sustentabilidade ecológica não se limitam à Emergência Climática. Um grupo de pesquisadores de Estocolmo[2], liderado por Katherine Richardson (2024), alerta para o fato de que já foram ultrapassados seis limites planetários de resiliência (Figura 1), entre nove principais itens analisados (profusão de substâncias químicas estranhas à natureza, microplásticos, perda de biodiversidade, sobre-exploração de recursos do mar e da terra, excesso de nitrogênio e fósforo e quebra nos ciclos biogeoquímicos de elementos fundamentais da Ecosfera).
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Figura 1. Limites planetários analisados pelo trabalho de Richardsosn et al. 2024.
Neste tema das calamidades climáticas e ambientais, nossa intenção é trazer ao debate alguns elementos que possam associar a matriz produtiva brasileira com a degradação de nossos biomas e o agravamento à Emergência Climática. É importante destacar que mais da metade dessa matriz está baseada na produção e exportação de matérias primas ou semimanufaturados, dentro do rol das commodities, com destino para os países industrializados ou “desenvolvidos”. Que benefícios supostamente sustentáveis isso traz ao Brasil?
Exportação de recursos naturais do Brasil e nossas veias abertas
Como assinalam Richardson et al. (2024), a produção primária interage com a funcionalidade da biosfera, sendo que a apropriação das atividades humanas da produção primária líquida seria uma variável de controle para a integridade funcional da vida no Planeta. Este limite também é um dos principais transgredidos.
No caso do Brasil, vamos trazer o tema da atividade de agricultura industrial e da megamineração, ambas de exportação, como elementos de transgressão de limites e de dependência econômica que comprometem a base da sustentabilidade ecológica e aprofundam a injustiça socioambiental brasileira.
A exportação do Brasil segue a pauta prioritária dos bens primários, despontando minério de ferro, soja e petróleo e seus derivados semitransformados (Figura 2), com impactos ambientais e econômicos ao país. Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDICS), em 2023, as exportações do Brasil alcançaram o valor de US$ 339,67 bilhões, enquanto as importações foram de US$ 240,83 bi, gerando um saldo positivo de recursos na balança comercial de US$ 98,8 bilhões. O crescimento das exportações correspondeu principalmente às matérias primas do Setor Agropecuário (9%) e da Indústria Extrativa ou Mineração (3,5%), enquanto as vendas totais da indústria de transformação diminuíram em 2,3%.
Em 2023, as exportações brasileiras do agronegócio atingiram US$ 166,55 bilhões, ou seja, 49% da pauta de exportação do Brasil. O país exportou diretamente 193,02 milhões de toneladas na forma de grãos. Uma quantidade 24,3% superior na comparação com os 155,30 milhões de toneladas de grãos exportados em 2022. O valor equivale a 60% dos grãos produzidos no país, na safra 2022/2023[3].
No ano passado, o Brasil teve outro recorde nas exportações de matérias-primas e produtos primários (de baixo valor agregado). Entre as 27 unidades da Federação, 25 correspondem à exportação de commodities, com liderança das mercadorias agrícolas (Figura 3).
O principal destino dos produtos brasileiros, no ano passado, foi a China. As exportações para este país asiático alcançaram US$ 105,75 bilhões, ou seja, quase um terço da venda no exterior, representando ainda um valor inédito. Em 2023, o continente asiático foi também o maior comprador dos produtos brasileiros. De acordo com o MDICS, a comercialização para aquele continente ocorreu principalmente por meio de produtos agropecuários ou de mineração, como soja, milho, açúcar, minério de ferro e óleos brutos de petróleo.
Figura 3 – Produtos exportados por cada Estado e Distrito Federal. Fonte Poder 360, 2023, com base nas informações do Ministério de Desenvolvimento, Industria, Comércio e Serviços.
Quadro 1 – Plantio de grãos 2023/24 (Conab).
Cultura |
Área plantada 1976/1977 (Milhões de hectares) |
Área plantada 2023/2024 (Milhões de hectares) |
Evolução % |
Soja |
6,95 |
45,26 |
+551
% |
Milho |
11,80 |
21,02 |
+78
% |
Arroz |
6,00 |
1,57 |
-74
% |
Feijão |
4,54 |
2,78 |
-39
% |
Trigo |
3,2 |
3,47 |
+8
% |
Fonte: CONAB, 2024.
Fonte: IBGE (2019).
Fontes: IBGE e BPBES
(Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) [Ver: https://www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/estudos-ambientais/15842-biomas.html e https://www.bpbes.net.br/]
MATA ATLÂNTICA
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CONAB
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Uma analise bastante aprofundada sobre os impactos ambientais e seus reflexos nos biomas brasileiros e na vida como um todo reforçando a urgência de um modelo econômico que considere as externalidades das ações antropicas. O capitalismo há muito se mostra um modelo falido, passamos da hora de mudarmos para um modelo ecossocialista.
ResponderExcluirEste artigo deveria ser discutido no plenário da câmera e do senado.
Sim, sinto falta deste debate inclusive em minha universidade. Tema de casa, rsrs. Abraço!
ExcluirPaulo Brack , aqui na Unicamp tem um grupo bastante ativo discutindo este tema, com vários professores e pesquisadores do qual faço parte, podemos intergir mais> Postei o comentário acima, elogiando seu artigo. José Maria Gusman Ferraz
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