quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A pandemia do coronavírus, a saúde, o carvão mineral e outros poluentes

 Na terrível pandemia de coronavírus que assola as sociedades humanas do planeta, cabe refletirmos sobre algumas questões biológicas, ecológicas e políticas interrelacionadas ao ataque do vírus nas populações humanas, temas estes muitas vezes esquecidos ou não devidamente interconectados. Ou seja, em nosso cotidiano os elementos ligados à saúde de nossos “ecossistemas corpóreos” estão afastados das condições ecológicas (qualidade ambiental) e das políticas públicas conjuntamente disfuncionais (SUS em crise crônica, ausência de monitoramentos de agentes poluentes, falta de incentivo de pesquisas nas áreas de saúde ambiental, etc.).

Independentemente da origem do SARS-Cov-2, ainda polêmica, pelo menos deve-se levantar o tema do desequilíbrio ambiental e o aumento da vulnerabilidade dos organismos, sejam eles outros animais, como aves e suínos em condições de confinamento, como foi aos casos das chamadas “gripe aviárias”[1] (H5N6, H5n8) e “gripe suína” (H1N1), ou mesmo humanos, em condições de aumento da alimentação deficiente ou mesmo alvo de fragilização da saúde em decorrência da poluição aérea e de todo o tipo.


No caso dos animais, é evidente que milhares de aves, porcos ou bovinos, atualmente confinados e debilitados em sua condição de vida, são muito mais propensos a essas doenças. As condições convencionais da criação de animais, em escala industrial para a produção de carne, debilitam os sistemas de defesa, constituindo-se em um barril de pólvora para os contágios em massa e mutações de vírus e a seleção natural de cepas mais infecciosas

Muito provavelmente, estejamos ultrapassando em muito a sustentabilidade da saúde animal e ambiental a partir dos sistemas modernos de criação de animais confinados e com uso de insumos e de artificialização ambiental extrema, onde aumentam os riscos e a vulnerabilidade dos animais aos agentes patogênicos, sem falar nos aspectos éticos de tais confinamentos, onde torna-se evidente o sofrimento e as más condições de vida de suínos, aves, gado, etc.

Por outro lado, tanto animais domésticos como humanos temos sistemas imunológicos naturais, constituídos por um conjunto razoavelmente potente de anticorpos de defesa a vírus e microorganismos patogênicos. Entretanto, o funcionamento destes sistemas biológicos depende da saúde interna dos organismos potencialmente hospedeiros de agentes infecciosos. Este arsenal de defesa, constituído por células do sistema linfático e também pela saúde das células alvo de doenças, relacionadas às condições de maior ou menor penetrabilidade e vulnerabilidade frente aos vírus nos sistemas corpóreos (ex. células do epitélio da garganta), depende da boa nutrição e da vida saudável dos animais, inclusive os humanos[2]. Neste caso, a própria OMS admite a necessidade de incremento de alimentos sadios e não industrializados[3], o que no Brasil destacaríamos a importância de alimentos orgânicos e agrobiodiversos[4].

Lamentavelmente, as políticas de produção de alimento no Brasil desfavorecem a sustentabilidade representada pela produção mais saudável da agricultura familiar e incrementa a produção industrial de alimentos ultraprocessados e com baixos conteúdos de vitaminas e outros constituintes fundamentais. A extrema industrialização possui elevada carga de produtos sintéticos e favorece a liberação de radicais livres, provocando estresse oxidativo, matando células e alterando seu núcleo, com potenciais agentes carcinogênicos, ou mesmo afetando negativamente as células do sistema imunológico. Quem acaba sendo mais prejudicado, com falta de acesso a alimentos sadios, resultando em maiores deficiências nutricionais e baixa defesa imunológica, são as populações menos favorecidas, que representam a maioria em países como o Brasil.

No caso da poluição, principalmente aquela que atinge o sistema respiratório, é por demais conhecido que o comprometimento de pulmões, brônquios e o enfraquecimento do sistema imunológico por uma gama enorme de agentes poluentes. Segundo o Instituto Max Plank, morrem anualmente 8,8 milhões de pessoas em decorrência de doenças associadas à poluição aérea no mundo[5]. Os poluentes aéreos e os produtos tóxicos de todas as naturezas propiciam a facilitação de doenças infecciosas e, neste caso, também o SARS-CoV-2. Talvez não seja por acaso que a metrópole de São Paulo, a que carrega maior carga de poluentes aéreos do país, seja o epicentro dos casos de Covid-19 no Brasil. O Professor Paulo Saldiva, da USP, uma das maiores autoridades no assunto, alerta, desde 2008, para a morte de 12 pessoas por dia decorrentes da poluição aérea, somente naquela capital[6].

No caso do Rio Grande do Sul, além dos poluentes já existentes no ar, no solo, na água, no meio ambiente e nos alimentos (agrotóxicos), temos uma situação tremendamente ameaçadora que está relacionada aos principais grupos de risco do novo coronavírus. Trata-se de populações já atingidas pela poluição da mineração e/ou queima de carvão mineral, com comprometimento de seus pulmões e sistema respiratório, em cidades como Candiota, Arroio dos Ratos, Butiá e Minas do Leão, entre outras. Esta situação poderá piorar na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde os índices de poluição aérea já são altos, com a possível instalação da maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, o Projeto Mina Guaíba, previsto para Eldorado do Sul e Charqueadas.

O uso do carvão mineral compromete não só o sistema respiratório, circulatório e neurológico de mineiros, que trabalham em sua extração, mas também de populações do entorno das minas ou termoelétricas a carvão, em especial as crianças que estão em pleno desenvolvimento pulmonar e dos sistemas cardiocirculatórios e neurológicos, como alerta documento da Associação dos Médicos pela Responsabilidade Social nos EUA[7]. Segundo Petsonk et al. (2013)[8], a mineração de carvão está relacionada a uma série de doenças causadas pela inalação de poeira de minas de carvão, provocando doenças pulmonares intersticiais históricas (pneumoconiose do trabalhador de carvão, silicose e pneumoconiose de poeira mista). Desenvolvem-se, nos mineiros de carvão, a fibrose difusa relacionada à poeira e doenças crônicas das vias respiratórias, incluindo enfisema e bronquite crônica. Doenças como estas, estão associadas à liberação de poluentes, principalmente aéreos, como: material particulado (poeiras da mineração ou pluma derivada da queima); gases sulfurosos, nitrogenados, e ozônio, derivados da mineração ou queima de carvão, e que prejudicam as vias respiratórias; o mercúrio e os demais metais pesados, que têm impacto negativo sistêmico no organismo humano, entre outros. Cabe destacar que a emergência climática, decorrente de combustíveis fósseis como o carvão, causa maior debilidade à saúde e menor resiliência ecossistêmica, o que é um prato cheio para este e outros vírus e patógenos.



Inclusive, caberia analisar os casos não raros de Covid-19 que vem afetando, de forma surpreendente, menores de idade ou mesmo jovens no Brasil, ao contrário de outros países. Estariam os jovens brasileiros com maior debilidade de saúde decorrente de agentes poluentes ou da poluição ou a outras más condições de vida no país?

Assim, cabe analisarmos a situação da pandemia e das crises ecológicas de forma mais ampla e integrada, com base na ciência, e fortalecendo-se órgãos de vigilância sanitária, pesquisas em saúde e meio ambiente, e verificarmos a situação tanto do sistema imunológico humano, animal, qualidade ambiental e o direito a um sistema de saúde digno, infelizmente em processo de sucateamento no Brasil (principalmente após a EC 95/2016, que congelou para baixo os gastos em saúde educação). E na perspectiva de superação da pandemia do Covid-19, rever os descaminhos da economia que desconsidera os limites da natureza, aliando-se obrigatoriamente à ecologia, abandonando os agentes poluentes como o carvão e todas as formas de ameaças à saúde humana e dos demais seres vivos.



[8] PETSONK, E. L.; ROSE, C., and COHEN, R. Coal Mine Dust Lung Disease. New Lessons from an Old Exposure. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicin. Vol. 187, Issue 11, (2013): 1178–1185. Disponível em: https://www.atsjournals.org/doi/abs/10.1164/rccm.201301-0042CI#readcube-epdf.  Acesso em 02 de jul. 2019