Dando sequência ao documento de 30 de novembro de 2024, elaborado pela
Setorial Ecossocialista do PSOL-RS (“Se a COP 29 e as demais Conferências doClima são um fracasso, o que esperar da COP 30 no Brasil?”) [1], vimos trazer
outros elementos para a reflexão e o fortalecimento de um posicionamento mais
aprofundado sobre o tema.
As Conferências das Partes sobre Mudanças Climáticas, denominadas de
COP, chegam este ano a sua 30ª edição, 10 anos após o Acordo de Paris (COP 21),
em 2015. Tratam-se de reuniões anuais de países signatários da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Inicialmente, o tema das
mudanças climáticas foi incorporado oficialmente nos acordos internacionais,
principalmente a partir da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio 92 ou Eco 92), quando foi elaborado o Protocolo de Quioto,
posteriormente substituído pelo Acordo de Paris.
Em 1988, o Brasil se candidatou a ser sede da Conferência Rio 92, tendo
um papel fundamental nisso, com a participação, em sua organização, do
ambientalista José Lutzenberger [2]. Além do Protocolo de Quioto,
desencadearam-se também a Convenção da Diversidade Biológica e a Agenda 21.
Mesmo tratando-se de conferências oficiais de países capitalistas, talvez ainda
não em rota acentuada do neoliberalismo, ocorreram importantes atividades
paralelas, por parte de diferentes movimentos da sociedade, na chamada Cúpula
dos Povos. Em 1990, surgiu o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) que se constituía em uma
articulação entre ambientalistas, sindicalistas, lideranças indígenas,
comunidades tradicionais, organizações campesinas entre diferentes organizações
do campo popular, que acompanhariam a Rio 92.
O tema climático ganhou corpo crescente, talvez como o principal
problema ligado ao meio ambiente, nestas últimas três décadas principalmente a
partir de trabalhos científicos sobre o tema, muitos desses reconhecidos pelo
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em seus relatórios,com destaque a 2007[3], onde se reconheceu que as atividades humanas, em
especial os gases de efeito estufa, representavam as principais causas das
mudanças climáticas.
Entretanto, o problema climático é um dos seis limites da Ecosfera já
ultrapassados, entre nove avaliados, segundo o Centro de Resiliência deEstocolmo [4]. Além dos problemas climático-ambientais (gases de efeito estufa
e mudanças climáticas, perda de biodiversidade, poluição acentuada, mudança
drástica do uso do solo, escassez de fontes de água doce, desequilíbrio dos
ciclos biogeoquímicos), avoluma-se a problemática da desigualdade social, com
concentração de renda e pobreza aumentando. Do ponto de vista ambiental, 1% da
população mundial emite gases de efeito estufa em igual quantidade que 5
bilhões de pessoas, ou 2/3 da humanidade [Oxfam, Brasil 5], estabelecendo os marcos de um
racismo ambiental em termos globais.
O aprofundamento das crises socioambientais acompanha o avanço de uma
agenda capitalista neoliberal, agora com feições ainda mais autoritárias e
violentas contra povos oprimidos (ataques genocidas contra palestinos em Gaza,
por parte de Israel, por exemplo), seja por meio de imposição de guerra
comercial (EUA) contra vários países, inclusive e em especial o Brasil, ou
mesmo pela agenda de retomada da indústria bélica (União Europeia), com
alegações de defesa contra suposta ameaça da Rússia.
No tema climático, nos últimos 10 anos, justo a partir do Acordo de
Paris, registraram-se os anos com temperaturas médias mais elevadas da
atmosfera da Terra. Em 2024, a média de temperatura registrada ultrapassou 1,6ºC em relação a 1850, ou seja, a temperatura global ultrapassou a proposta
estabelecida em 2015, no Acordo de Paris, em não se exceder 1,5ºC acima dos
níveis pré-industriais [Copernicus, 2025, 6].
Em 2024, tivemos a maior enchente já vista no Rio Grande do Sul e uma das maiores secas da Amazônia, com queimadas e níveis de fumaça extraordinários, que escondiam o sol por vários dias, enquanto as temperaturas extremas atingiram a saúde de populações de centros urbanos de diferentes regiões do Brasil, por muitas semanas. Os eventos climáticos extremos (furacões, chuvas torrenciais e secas intensas) estão se tornando cada vez mais frequentes e com maior intensidade, causando centenas e milhares de mortes. Estima-se que, entre 2000 e 2018, cerca de 48 mil pessoas morreram no Brasil devido a ondas de calor [7].
A Amazônia, que funciona como um regulador climático na América do Sul,
está sofrendo desmatamento para atividades predatórias como pecuária,
monoculturas, garimpo e mineração. Cientistas admitem que estamos próximos ao
ponto de não retorno no que toca à manutenção da grande floresta amazônica, em
processo de destruição acelerada e sofrendo secas crescentes devido às mudanças
climáticas [8]. Os gases de efeito estufa seguem crescendo, apesar das
Conferências do Clima, e os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás
natural) representam ainda 80% da energia utilizada no mundo [9]. A exploração
de petróleo na foz do rio Amazonas ou a ampliação de leilões para plataformas
de petróleo off shore, tendo o petróleo como o principal produto de exportação
do Brasil em 2024, contradiz qualquer papel coerente do governo brasileiro em
encarar com seriedade o tema da COP 30.
Quanto aos acordos do Clima, o que se pode esperar da COP 30 se as
demais Conferências estão sendo fracassos anunciados, como já havíamos
assinalado sobre a COP 29[10] no Azerbaijão, em novembro de 2024? Os resultados
foram pífios, mais uma vez, desmentindo as supostas boas intenções de
corporações e governos atrelados à lógica do crescimento econômico ilimitado e
voltado à concentração de capital. Esse modelo de conferência serve muito mais
a uma vitrine de economia verde e ações inconsequentes no enfrentamento
verdadeiro das emergências climáticas, assumido pelos setores econômicos e
governos da maioria das nações que participam desses conclaves.
Consideramos que a abordagem em relação ao meio ambiente, no tema das
mudanças climáticas na COP 30, não possa ser vista de forma isolada ou de
maneira reducionista, centrada no hegemônico e falso caminho [isolado] da descarbonização
e em uma transição energética “justa”, já que vivemos um sistema econômico
depredador e injusto (capitalismo, em sua fase neoliberal ainda mais ecocida).
Ou seja, qualquer enfrentamento verdadeiro, mesmo em um contexto de emergência
climática, não pode se limitar ao discurso das “vantagens competitivas”, às
compensações financeiras para países ditos em desenvolvimento, aos mecanismos
de mercado de carbono ou a um imaginário de transição energética voltado apenas
para energias renováveis dentro de um modelo que não visa reduzir a
hiperprodução. Esse modelo mantém a produção em massa de itens supérfluos,
gerando estoques e descartes imensos de mercadorias sem destino ou utilidade
real. Em vez de reduzir impactos e repensar a lógica produtiva, aposta no
crescimento permanente e na expansão ilimitada de negócios baseados na
transformação da natureza em bens de capital.
No cenário de policrise socioambiental [11], decorrente do próprio
capitalismo que esbarra nos limites da Ecosfera, na multidimensionalidade de
problemas ignorados deliberadamente pelas Conferências das Partes sobre
Mudanças Climáticas, cabe a sociedade incidir nos espaços de discussão da COP
30, antes e durante a realização destas atividades, questionando as
contradições flagrantes do paradigma dominante e apontar caminhos genuínos de
superação do modelo atual.
Refutamos a “COP das finanças”, ou “economia verde”, e o caminho
hegemônico neoliberal capitalista que aprofunda a mercantilização da água, da
alimentação e das condições de vida que, em seu conjunto, destroem o equilíbrio
climático e ecológico do Planeta.
Repudiamos as propostas que visem o mercado de carbono, e consideramos
profundamente equivocada qualquer negociação por financiamentos de recursos
supostamente compensatórios, de parte de países ricos, ditos desenvolvidos,
para países do sul global, ditos em desenvolvimento, para ações de alegada
mitigação dos gases de efeito estufa. Os mais ricos têm que pagar a conta, mas
os países do Sul Global não devem se submeter à dinâmica de subordinação, da
divisão internacional do trabalho, no modelo de economias dependentes e de
espoliação e perda de soberania ecossocial. A superação das condições de
equilíbrio socioambiental só ocorrerá fora do modelo capitalista.
Nesse contexto, torna-se inescapável reconhecer que o próprio formato
das COPs está esgotado como instrumento de enfrentamento real da crise
climática. As negociações multilaterais, capturadas por interesses econômicos e
estruturadas dentro da lógica de crescimento capitalista ilimitado,
transformam-se em grandes palcos diplomáticos sem capacidade concreta de
reduzir emissões e conter a degradação ambiental. Ao priorizar mecanismos de
mercado – como o comércio de créditos de carbono – e ao submeter as decisões ao
consenso de países que dependem estruturalmente da exploração de combustíveis
fósseis, as COPs reforçam as contradições do sistema em vez de superá-las. Por
isso, é preciso afirmar que, dentro do atual formato, não há solução possível:
a crise climática exige uma ruptura com o paradigma capitalista e seus espaços
de conciliação, sob pena de perpetuar uma engrenagem que avança sobre os
limites da vida e da própria Terra.
Está explícito que precisamos de uma Cúpula dos Povos, capaz de
articular organizações de base popular por regiões e países, envolvendo
institutos de pesquisa, movimentos contra o racismo ambiental e, sobretudo, as
principais vítimas da crise climática. Essa instância deve potencializar lutas
existentes e fortalecer iniciativas dos construtores de recuperação ambiental,
funcionando de forma multilateral, mas com um horizonte claro: a superação do
sistema capitalista.
Sua orientação deve estar alinhada às evidências científicas e aos saberes
ancestrais dos povos originários, quilombolas e de comunidades tradicionais,
priorizando a eliminação dos combustíveis fósseis e a rejeição de modelos
econômicos que degradam o meio ambiente. Diferentemente dos encontros anuais, a
Cúpula precisa atuar o ano todo, garantindo continuidade e articulação
permanente.
Vamos lutar por essa virada, construindo uma instância com
reconhecimento ambiental internacional, que se constitua em um espaço de poder
cujas deliberações sejam acatadas pelas sociedades de todos os países, de modo
que cada povo possa exigir de seus governantes o cumprimento das diretrizes,
decisões e orientações aprovadas pela Assembleia da Cúpula dos Povos, se auto
credenciando para ser um Fórum alternativo dos povos, com a função de fiscalizar
e denunciar, perante a opinião pública mundial e os Tribunais internacionais
competentes, o cumprimento das resoluções aprovadas na COP 30 pelos chefes de
Estado e demais representantes oficiais dos países presentes.
Sabemos que esta perspectiva é um projeto urgente que tem enormes
obstáculos. O maior deles é a ausência de um processo social e político
alternativo, com conteúdo ecossocialista, que faça o enfrentamento com a
cultura neoliberal e ecocapitalista no movimento dos trabalhadores.
Para tanto, no período desta Conferência em novembro de 2025,
acreditamos que devam ser encaminhadas propostas de documentos, articulações e
ações, nos espaços dos movimentos sociais e organizações da sociedade do campo
popular e socioambiental, em Belém do Pará (Cúpula dos Povos) ou em outros
locais do Brasil e outras partes do mundo.
É importante que atividades paralelas sejam organizadas, dentro e fora
de Belém, por organizações e movimentos sociais, para realizar atividades que
marquem uma crítica severa ao modelo de esgotamento capitalista e fortaleçam a
organização, a autonomia e os enfrentamentos necessários no rumo de outra
sociedade mais igualitária, fraterna, que conviva em equilíbrio com a natureza
e que resista a todas as formas de racismo ambiental contra povos e minorias
subalternizadas.
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Setorial Ecossocialista PSOL/RS (publicado em: https://web.facebook.com/setorialecossocialistapsolrs)
Porto Alegre, 30/08/2025
[1] https://psolrs.com.br/.../se-a-cop-29-e-as-demais.../
[2] https://www1.unicap.br/.../historia/article/view/1781/1576
[3]https://antigo.mctic.gov.br/.../painel_intergovernamental...
[4] https://www.stockholmresilience.org/.../planetary...
[5] https://www.oxfam.org.br/.../o-1-mais-rico-do-mundo.../
[6] https://climate.copernicus.eu/copernicus-2024-first-year...
[7] https://www.oc.eco.br/mais-de-48-mil-pessoas-morreram-por...
[8] https://www.ihu.unisinos.br/.../631248-colapso-da...
[9] https://www.epe.gov.br/.../matriz-energetica-e-eletrica
[10] https://psolrs.com.br/.../se-a-cop-29-e-as-demais.../