quarta-feira, 29 de junho de 2016

A reprimarização da economia brasileira e a PEC 65: um retrocesso que nos leva de volta à década de 1970. Entrevista especial com Eduardo Luis Ruppenthal
Por Patricia Fachin - IHU (28-06-16)
“Esse é um momento difícil pelo qual o país está passando e pode significar um profundo retrocesso em várias conquistas constitucionais, avanços sociais e ambientais desde o processo de redemocratização brasileira”, denuncia o biólogo.


Se aprovada, a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 65 irá “afetar” a atual legislação de licenciamento ambiental brasileira, ao permitir que obras sejam realizadas “apenas com a apresentação de estudos iniciais pela própria empresa, sem o cumprimento das demais etapas”, adverte Eduardo Ruppenthal à IHU On-Line.

Atualmente, o licenciamento ambiental é determinado em três etapas: a Licença Prévia – LP, a Licença de Instalação – LI e, por fim, a Licença de Operação – LO, mas “a PEC 65 propõe a extinção das duas últimas etapas, eliminando uma série de prerrogativas fundamentais e importantes no que diz respeito a direitos ambientais e sociais, principalmente daqueles que são atingidos pela obra”, explica.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Ruppenthal frisa que a PEC 65 está inserida num “contexto mais amplo, do atual modelo brasileiro de uso, exploração e exportação dos recursos naturais, formado principalmente pelo tripé agro-hidro-mineronegócio, que não aceita ser regulado e não quer abrir mão de sua lucratividade máxima”. A alteração na legislação, pontua, faz parte da proposta brasileira de continuar investindo no modelo agroexportador e visa “facilitar o escoamento dos recursos energéticos e as commodities agrícolas e minerais, diminuindo os custos operacionais, ajustando a nossa economia aos interesses do mercado globalizado e às empresas transnacionais”.
Eduardo Ruppenthal também lembra que a “corrupção está inerente” às propostas de alteração da legislação ambiental brasileira e à realização de megaobras, como aconteceu durante o Regime Militar, com a construção dahidrelétrica de Itaipu e a construção da Transamazônica, e como ainda acontece nos dias de hoje, com a construção de Belo Monte. “Além da convergência da visão de desenvolvimento entre os governos e o setor privado, há uma relação mais promíscua que sempre foi denunciada, mas agora está sendo elucidada com a Operação Lava Jato, embora antes não fossem poucas as notícias e denúncias sobre favorecimentos às grandes empreiteiras e outras empresas subsidiárias de insumos, como ferro, cimento e equipamentos elétricos”, conclui.
Eduardo Luis Ruppenthal é biólogo e mestre em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é professor da rede pública estadual.

domingo, 5 de junho de 2016

Na Semana do Meio Ambiente, para pensar seriamente em sustentabilidade na UFRGS, vamos de Chapa 1, Virada Plural de Democrática!

A humanidade e a biodiversidade passam por momentos tremendamente graves. Temos, neste milênio, os 15 anos com as temperaturas mais elevadas da história. O ano de 2015 foi o que registrou maior temperatura média da atmosfera já vista em nosso planeta. E isso vem acompanhado, cada vez mais, de eventos climáticos extremos, como tempestades, enchentes e secas. As emissões de gases de efeito estufa seguem crescendo. O gás carbônico - que representa 53% dos GEE - já ultrapassou mais de 400 ppm - partes por milhão - de CO2) na atmosfera da Terra. Os demais GEE, derivados de combustíveis fósseis como o CH4 (metano), o N20 (óxido nitroso) e o CFC (clorofluorcarbono), também crescem seus níveis na atmosfera. 

Padecemos de um modelo perdulário e energívoro baseado em combustíveis fósseis e também em hábitos criados pela chamada sociedade de consumo, levada a adquirir produtos com obsolescência programada. O uso energético do petróleo, do carvão mineral e das hidrelétricas representa a mesmice de investimentos em grandes fontes de gases de efeito estufa e altamente poluentes. Os reservatórios das hidrelétricas, ao contrário do senso comum, não são fontes limpas, pois extinguem peixes de piracema, destroem matas ciliares e são também responsáveis pela emissão de grande quantidade de gás metano.

A Biodiversidade mundial passa pela Sexta Extinção em Massa, agora de origem antrópica, melhor dizendo, econômico-crematística. A Biosfera sofre o rompimento de seus ciclos, de forma alarmante, derivada da economia neoclássica que reina esquecendo-se de contabilizar os custos ambientais do esgotamento dos recursos naturais e da poluição. A crise ecossistêmica resulta de se ultrapassar a capacidade de suporte dos sistemas naturais da Terra. Sonega-se o custo da não reciclagem, do aumento da água poluída, da derrubada da floresta ou dos campos biodiversos, como no caso do Pampa, convertidos em sistemas simplificados e disfuncionais, onde impera a acumulação de terras e de grãos em grande escala.

Os países periféricos, como o Brasil, vivem da exportação de matérias primas (commodities), como o minério de ferro, o petróleo, os grãos. Temos uma agricultura altamente dependente de insumos e biocidas e outros produtos derivados do petróleo - este com seus dias contados – sofrendo múltiplos efeitos colaterais desconsiderados, como a perda de água, perda de biodiversidade e de solos, emissão elevada de GEE, intoxicação por agrotóxicos. Uma agricultura de “precisão”, pois precisa de insumos e de subsídios do governo.

No Brasil, a agricultura empresarial consome mais de 200 bilhões de reais de programas do governo federal, que poderiam ser usados em diversificação e em atividades produtivas mais sustentáveis. A balança comercial é favorecida pela soja. Mas não se fala da reprimarização da economia brasileira que esteve associada à desindustrialização nacional. Tampouco se fala nas consequências, como secas, chuvas intensas e o preço flutuante internacional das commodities. A história já avisou: o Brasil sofreu imensos desastres econômicos e ambientais associados a quebras de safra ou de mercado de monoculturas de cana e café. São Paulo ficou recentemente sem água. Por quê? A água depende das florestas e de vegetação natural. A resiliência depende da diversidade! 

O modelo econômico privilegia a vulnerabilidade, favorecendo o capital financeiro e as grandes corporações. É imposto à sociedade um modelo mundial do século passado, que privilegia 1% da população do planeta que detém 99% da riqueza mundial. Desigualdades sociais também são desequilíbrios ambientais, que compartilham causas comuns.

Neste modelo, retomado pela volta do neoliberalismo, é impossível buscar-se o equilíbrio ecológico. Como diz Michael Lowy, o modelo atual, que sofre da obsessão pelo crescimento econômico ilimitado (para poucos), pode ser comparado como um trem descontrolado em direção ao abismo. E somos seus passageiros, submetidos à retomada da aceleração deste trem, ajustado para favorecer ainda mais a primeira classe! Portanto, a crise sistêmica requer atenção e ações emergenciais!
Necessitamos de desacelerar a economia suicida, como bem diz o economista e filósofo Serge Latouche, investindo em fontes renováveis e mais sustentáveis como as energias solar, eólica, e aquelas derivadas de resíduos biológicos (biogás e outras formas de transformação de bioenergia). Isso requer mais pesquisas e incentivos governamentais.

Temos que enfrentar estes múltiplos processos que estão rompendo o funcionamento da natureza. Também temos que enfrentar os retrocessos na área da desregulamentação trabalhista, ambiental e dos direitos sociais. A legislação ambiental brasileira tem conquistas que devem ser defendidas contra ataques parlamentares e tentativas de mudanças que correspondam a profundos retrocessos. A integração de ações com aqueles que mais precisam de atenção, no caso a população pobre, também é urgente!

Substituir as armadilhas das palavras “competitividade” e “inovação de mercado” por cooperação e resgate da sustentabilidade, dentro de uma universidade socialmente referenciada. Queremos maiores incentivos às pesquisas com as policulturas de produtos orgânicos e agroecológicos e, paulatinamente, vermos a substituição dos combustíveis fósseis por outras fontes renováveis e sustentáveis. Precisamos de desconcentração de terras e de incorporação de agrobiodiversidade, sem patentes privadas sobre seres vivos.
Nas universidades, poder-se-ia dar um salto nisso no âmbito da aquisição dos produtos para as refeições dos restaurantes universitários (RUs) que podem e devem ser adquiridos, de forma justa, como meta de se atingir 100% dos alimentos consumidos pela comunidade universitária de parte da agricultura familiar e ecológica. Mais feiras de orgânicos e produtos agroecológicos em nossos Campi!

Acreditamos que uma necessária transição para um mundo sustentável passará, obrigatoriamente, por conhecermos melhor nossa biodiversidade, nosso ambiente e investirmos na responsabilidade socioambiental de parte das universidades, centros de pesquisa e demais órgãos públicos, mudando hábitos e incorporando diálogos e trocas de saberes entre a população e a comunidade acadêmica.

Acreditamos no incremento nas ações de educação ambiental em parcerias entre universidades e escolas. Temos que lutar por integração em ensino, pesquisa e extensão (comunicação) dentro de um outro paradigma, menos produtivista e longe da tecnociência de mercado, que  vislumbre um mundo compatível com a vida diversa para as gerações atuais e futuras, sem abdicar de nossa excelência. Um mundo que dê destaque às tecnologias sociais e cooperativas no campo e na cidade!

A mudança passa por democracia e reflexão quanto ao atual quadro de crise socioambiental para encontrarmos caminhos via modelos que reconectem os seres humanos entre si e com a natureza. E a nossa Universidade Federal do Rio Grande do Sul deve ter um papel de destaque nisso, definitivamente.

Para isso, é importante a construção de um Plano Diretor que defina a expansão, com respeito às áreas verdes e à qualidade ambiental, conjugado a uma Política Ambiental de gestão integrada e comprometida com sustentabilidade. Implantação de uma política que implique em uso racional de energia, água e materiais, com reciclagem, espaços de convivência com a natureza, com forte incremento em saneamento. Pela criação definitiva de uma Unidade de Conservação do Morro Santana, aliando pesquisa, aulas de graduação, extensão e educação ambiental, com segurança e estrutura compatíveis.


Por isso, tendo em vista o processo eleitoral para a Reitoria da UFRGS, no dia 16 de junho, recomendamos, por parte da comunidade universitária, o voto na Chapa 1, “Virada, Plural e Democrática”, composta pelos candidatos a Reitor, Carlos Alberto Gonçalves, e a vice, Laura Verrastro, já que estes colegas comungam das mesmas preocupações e se comprometerão com um processo coletivo que construa maior sustentabilidade ambiental tanto internamente como em conjunto com a sociedade. 

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Carta do Ingá aos órgãos ambientais e MPE sobre retomada de mineração da Votorantim em Áreas Prioritárias para a Biodiversidade

Segue carta do Ingá, datada do dia 05 de maio de 2016, à Secretária da SEMA, e Presidente do Consema, Ana Pellini (sema@sema.rs.gov.br), ao Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (CAOMA), Dr. Daniel Martini (caoma@mprs.mp.br) e à Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (gabinete@mma.gov.br), sobre retomada de mineração da Votorantim em Áreas Prioritárias para a Biodiversidade. 

            Prezados(as) Senhores(as);
            Venho, como coordenador geral do Ingá - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (entidade da APEDEMA- RS), solicitar informações e providências de parte da Secretaria Estadual de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA), Ministério Público Estadual e Ministério de Meio Ambiente (MMA) quanto à ameaça ao Bioma Pampa, devido à reportagem do Jornal ZH que dá conta de que a empresa Votorantim quer retomar mineração de metais pesados (zinco e chumbo) em Área Prioritária para a Biodiversidade (APBio, port. MMA, n. 9 de 23/01/2007, na Categoria de Extrema Importância). 
            Ademais tratam-se de áreas previstas como Patrimônio Geoambiental por professores do Geociências da UFRGS e outras universidades, sendo uma região considerada Centro de Endemismos Florísticos e espécies Ameaçadas da Flora. Dezenas de Cactáceas ameaçadas foram registradas para a Região pela FZB e outros pesquisadores. Quanto à fauna, houve na região, inclusive, avistamentos da presença de puma, e morte de jaguatirica e outros animais silvestres pelo aumento da circulação de caminhões e automóveis . 

            O tipo de mineração, que inclui metais pesados altamente tóxicos, pela reportagem é prevista para atingir também um dos cenários dos mais belos do RS, ou seja, as MINAS DO CAMAQUÃ E AS GUARITAS, uma das SETE MARAVILHAS (pela Secretaria de Turismo do Estado). 

            A Secretária da SEMA, segundo informações da reportagem, teria se deslocado para lá. Esperamos o bom senso da Secretaria em considerar a inviabilidade flagrante destes empreendimentos econômicos que deveriam ser terminantemente vedados para as Áreas Prioritárias também de cunho Socioambiental.
            Fica a pergunta: os técnicos da SEMA foram chamados para uma análise desta atividade incompatível com as APBio? Esperamos que sim. O Ibama está acompanhando isso? O Ministério de Meio Ambiente também? A população local sabe destes riscos? 


            Esta região do Escudo Cristalino Sul Riograndense é totalmente destituída de Unidades de Conservação, sendo um dos focos do Projeto RS Biodiversidade. As UCs previstas para a Região nunca saíram do papel, tendo sido reivindicadas há quase uma década como compensação financeira de megaempreendimentos de eucalipto, tendo vocação para a categoria de UC de Uso Sustentável. Existe um enorme potencial de turismo rural e ecológico em pequena escala, com pecuária e meliponicultura e apicultura, já incorporados por agricultores familiares e estabelecimentos como Pousadas e Campings, dentro de um diferencial de uma Região com Vocação para Turismo Histórico,Cultural, Ecológico e Geológico. 
            Cabe ainda destacar que, recentemente, houve nas Guaritas, devido a suas paisagens magníficas,  a filmagem da Séria da GNT "Animal", dirigida pelo gaúcho Paulo Nascimento.
            Considerando todos estes aspectos da alta relevância da Geobiodiversidade da Região, pedimos esclarecimentos e providências por parte  da SEMA, MMA e MPE . 
Sem mais.
Atenciosamente.

Paulo Brack,  Coordenador Geral do InGá           

terça-feira, 3 de maio de 2016

Código Estadual de Meio Ambiente e Código Florestal: quem ganha com a flexibilização da legislação, em um cenário de destruição ambiental?

Desde 23 de fevereiro de 2016, ficamos surpresos com a formação das duas Subcomissões para Análise, Atualização e Aperfeiçoamento do Código Estadual do Meio Ambiente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa, com o objetivo claro de copiar o processo que resultou, em nível Federal, na derrubada do Código Florestal (lei 4771/1965) na Lei 12.561/2012 (Lei que rege a (des)proteção à vegetação nativa)

Seus deputados proponentes e os setores a eles associados, infelizmente, sempre estiveram voltados para beneficiar a economia imediatista e as monoculturas e as grandes empresas votadas prioritariamente às exportações e a venda de insumos, a despeito da perda progressiva da diversidade econômica e ambiental, necessária à sustentabilidade.
Audiências das Subcomissões da CCJ coordenadas pelos deputados Frederico Antunes (PP)
e Elton Weber (PSB), ligados ao agronegócio insumodependente
que não convive com a biodiversidade
Os demandantes da mudança da legislação ambiental parecem não demonstrar conhecer o processo longo (de anos) na construção destas conquistas decorrentes da Lei 11.520/2000 (Código Estadual do Meio Ambiente ) e Lei Est. 9.519/1992 (Código Florestal Estadual),  e com isso devem desconhecer o cenário dramático de destruição do Meio Ambiente e pelo jeito não consultaram os protagonistas destas leis protetivas da natureza, que foram construídas nas décadas de 1990 e 2000.  

Fica também a pergunta: Por que somente a CCJ da AL está levando a termo esta mudança? Por que a Comissão de Saúde e Meio Ambiente não faz parte da discussão e não foi chamada para debater o tema? Ademais, consideramos um contrassenso mudar o Código Florestal Estadual, já que existem ações de inconstitucionalidade contra mais de 50 artigos da Lei 12651/2012 (Código Florestal Federal) por parte da Procuradoria Geral da República (ADI 4901, 4902, 4903/2013) e do PSOL ADI 4937/2013, em análise no STF para dar decisão até meados de 2016.
Devem desconhecer, por exemplo, que entre 2002 e 2014 tivemos um aumento em mais de  30% no número de espécies da flora ameaçada do RS. No Brasil, a situação também é dramática: entre 2008 e 2014 aumentou em quase 500% a lista oficial da flora ameaçada do Brasil. O Bioma Pampa vem perdendo quase 70% de sua cobertura natural e a Mata Atlântica sobram menos de 10% de remanescentes. Muitos de seus proponentes, agora depois das chuvas intensas no bioma Pampa, lamentaram e obtiveram do Governo do Estado que decretasse “Situação Calamitosa”, para cidades da Metade Sul que foram atingidas por chuvas intensas e temporais fortes. “Situação Calamitosa” para salvar o modelo de soja (insumo-dependente) que se expande desgraçadamente em solos, climas impróprios e biodiversidade que não consegue conviver com estes desertos verdes que crescem sem parar.
Apesar das equipes técnicas capacitadas da SEMA, a secretaria não possui pessoal suficiente e tampouco as informações necessárias para aferir a capacidade de suporte dos níveis de poluição e degradação ambiental das diversas atividades. No que se refere à qualidade do ar, a FEPAM tem seu sistema de monitoramento do ar sucateado. Os rios dos Sinos e Gravataí possuem situação crítica e sem solução para enfrentar a poluição descontrolada, sem programas de recuperação de parte da Secretaria de Meio Ambiente. A mesma administração da SEMA que tem feito vistas grossas à degradação do Pampa e da Mata Atlântica, bem como às espécies de peixes marinhos. O RS foi o último Estado no Cadastro Ambiental Rural. Os órgãos ambientais, nos três níveis, estão desestruturados, não possuem programas e carecem de  dados das Listas Oficiais das Espécies de Flora e Fauna Ameaçadas para a gestão da Biodiversidade e também como condição para os licenciamentos inclusive municipais, bem como programas para enfrentar uma situação que se agrava no mundo.
Sem as informações do estado de conservação da biodiversidade e da capacidade de suporte de atividades de impactos negativos e potencialmente sinérgicos, estaremos mudando leis no escuro e colocando mais risco ambiental a todos! Ou seja, sem a base de dados necessária para predizermos as consequências futuras de atividades degradadoras que se avolumam, em um contexto de mudanças climáticas e de expansão de destruição ambiental em período já denominado de Antropoceno e de Sexta Extinção em Massa, estaremos plantando campos minados para o nosso futuro incerto.
Consideramos injustificável esta Mudança. Se crescem as lacunas de conhecimento fundamentais para a avaliação da viabilidade ambiental de vários empreendimentos e atividades, devemos dar sinal vermelho para estas alterações. Sem a definição de prioridades ambientais do Estado, sem programas ambientais, a demanda imediatista ameaça destruir o pouco que restou de remanescentes e de qualidade ambiental, devemos não aceitar este processo, evidentemente, ilegítimo.
Assim sendo, o Ingá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) considera este processo de tentativa de flexibilização de leis ambientais, que é levado por estas Subcomissões, como um injustificável retrocesso, e deveria ser sustado até que se conheça a realidade ambiental do Estado. A manutenção deste processo de destruição de leis fundamentais à vida deveria levar seus agentes públicos proponentes a uma Ação por Responsabilização (Irresponsabilidade) Ambiental, com punição exemplar! 
Paulo Brack - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (02-05-2016)

domingo, 24 de abril de 2016

Licenciamento ambiental sob ataque severo do poder econômico

Biol. MSc. Eduardo Ruppenthal 

          Eles não sossegam! Depois do retrocesso com a flexibilização do Código Florestal Brasileiro (atual lei 12.651, de proteção à vegetação nativa), que tem a sua constitucionalidade ainda discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) através de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o alvo da vez é o licenciamento ambiental. E ainda, não bastasse o crime ambiental da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana cujo vazamento não foi contido e nem punido, as grandes empreiteiras, as construtoras e as empresas nacionais e internacionais do agro-hidro-mineronegócio, detentoras do poder econômico, estão agindo em favor de mudanças profundas para acabar com qualquer regulação ambiental no país.
Prestes a completar 35 anos da construção do marco legal ambiental brasileiro, o licenciamento possui falhas e questionamentos, principalmente relacionados aos problemas históricos de estruturação dos órgãos ambientais, nos níveis federal, estadual e municipal. Entendemos ser esta uma política deliberada e intencional dos governos como forma de fragilizar a atuação desses órgãos no cumprimento de suas atribuições legais tanto na gestão, no licenciamento e na fiscalização ambiental. Aliado a esse descaso proposital, vemos a complexa questão ambiental ser brutalmente simplificada numa orquestração entre os agentes do poder econômico e os da mídia comercial, esta que não aceita nenhuma política de regulação. Estes dois agentes sociais tratam a questão ambiental como um mero caso de “morosidade”, “atraso” e “entrave” ao “desenvolvimento”, ou traduzindo, como um problema aos seus lucros gananciosamente absurdos.
Atualmente há três propostas de mudanças profundas neste marco legal aparentemente vindas de três frentes. Entretanto, possuem o mesmo propósito de flexibilização. A primeira proposta está no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e foi apresentada pela ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente) [como Nova Resolução do Conama], entidade que representa as secretarias estaduais do Meio Ambiente; a segunda, é o Projeto de Lei 3.794, de 2014, elaborado pelo deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP) e está na Câmara Federal; a terceira, é o projeto de Lei 654, de 2015, apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR), está no Senado e é uma das 28 medidas da Agenda Brasil. Sendo esta “Agenda” apresentada como uma forma de “sair mais rápido” da crise, mas entenda-se como uma forma de manter e ampliar o lucro das empresas através da implantação de um processo sumário de licenciamento ambiental de projetos ditos “estratégicos” pelo governo e de “interesse nacional”. Essa medida também está presente no programa “Uma ponte para o Futuro”, proposta pelo PMDB ao governo quando ainda era aliado, e que estará na pauta em um eventual governo Temer.
As propostas da Abema e dos congressistas, mesmo com diferenças, são destruidoras da legislação ambiental e esclareceremos o porquê nos próximos textos que divulgaremos. Pois, as nuances entre elas constituem a estratégia utilizada pelos campos políticos interessados no desmonte da legislação ambiental, denominada “bode na sala”, ou seja, o aniquilamento total defendido por Romero Jucá é até a proposta “menos pior” que a representada pela Abema. Estas três iniciativas não nos surpreendem já que os dois congressistas integram o grupo dos “representantes públicos” que atuam em defesa de seus interesses próprios e de seus financiadores de campanha. Quanto à Abema, mesmo que tenha certa legitimidade, é composta por “gestores públicos” que tiveram indicação política com o objetivo de providenciar a liberação das licenças. E assim vimos os órgãos ambientais serem transformados em verdadeiros balcões de licenciamento, onde a visão que impera sobre o meio ambiente é de um “entrave” ao “desenvolvimento”.
 Coincidentemente, o direito à informação, o primeiro dos dezesseis direitos humanos violados na construção de grandes empreendimentos, como hidrelétricos, também é violado na discussão desse tema de extrema importância e dos iminentes riscos de retrocessos. Além do silenciamento da mídia comercial, o Conama abriu o período de consulta sobre a proposta da Abema durante o carnaval deste ano, o que fez com que o Ministério Público Federal (MPF) conseguisse prorrogar a definição sobre o tema. Por isso, aconteceram audiências públicas em vários estados. No Rio Grande do Sul, a audiência foi em 11 de abril e promovida pelo Ministério Público Estadual com a colaboração de vários especialistas na área, como os professores e pesquisadores da área ambiental, dentre eles os da UFRGS. Naquele momento ficaram evidentes os interesses por trás das propostas. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) caracterizou as propostas como um retrocesso. Sua posição é de que se não houver mudanças profundas nas três referidas propostas, ações judiciais serão necessárias para questionar a sua constitucionalidade dentro do princípio do não retrocesso ambiental, assim como ocorreu diante da flexibilização do Código Florestal. 
Nos próximos textos, discutiremos cada projeto e desvendaremos o verdadeiro significado de cada mudança proposta. O presente da biodiversidade brasileira está ameaçado, por isso não podemos permitir que ocorram outros retrocessos na legislação ambiental. Em tempos de crimes ambientais como aquele que vitimou os habitantes de Mariana e os demais situados nos 700 km do Rio Doce, não admitiremos o esquecimento nem o risco de repetição. Os delinquentes do meio ambiente não passarão! 

Eduardo Luís Ruppenthal é Professor da Rede Pública Estadual de Ensino, Biólogo e Mestre em Desenvolvimento Rural pela UFRGS. Membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema).  


sábado, 26 de março de 2016

Parecer do InGá sobre empreendimento Alphaville II, em Porto Alegre, RS, Brasil

Segue parecer do Ingá apresentado na Câmara Técnica de Áreas Naturais e Paisagem Urbana (18/03/2016) sobre empreendimento Alphaville II , que está planejado para um terreno de mais de 430 hectares, em áreas rurais e naturais da zona Sudeste do Município de Porto Alegre, na bacia do  arroio do Salso, a ser apreciado pelo COMAM


Ao Presidente do COMAM e Secretário Municipal de Meio Ambiente, Eng. Mauro Moura

À Presidência da Câmara Técnica de Biodiversidade e Paisagem Urbana do COMAM
Eng. Agr. Andréia Loguercio e demais membros da CT do COMAM.

Assunto: Análise pelo Ingá [Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais] sobre o EIA-RIMA do Empreendimento Urbanístico Alphaville Porto Alegre 2 (Profil, Novembro de 2013)

Prezados(as) Senhores(as):

Na condição de membros da Câmara Técnica de Biodiversidade e Paisagem Urbana do COMAM, como colaboração a esta Câmara Técnica e ao Conselho, em relação à nossas análises do EIA-RIMA do empreendimento Alphaville II, realizadas no ano de 2015, vimos submeter pelo presente ao COMAM uma versão atualizada de nossa análise, com apoio de membros da CT:

1.      Constatamos que no EIA-RIMA do empreendimento não houve referência ao mesmo estar inserido no Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Portaria MMA n. 9 de 23 de janeiro de 2007), já que parte desta área está na categoria de Alta Importância (figura em anexo) associada ao corredor ecológico do arroio do Salso;

2.      Verificamos que os impactos apresentados não apresentam adequadamente as alternativas locacionais e que as áreas de influência diretamente e indiretamente afetadas (ADA ou AID) deveriam estar focados na bacia do arroio do Salso, conforme é destacada pela Resolução do Conama  n. 01 de 1986. Conforme abaixo descrito:
“Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;
II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;
III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza(grifo nosso).
3.      Considerando o terreno tratar-se de áreas predominantemente naturais e rurais, não existe qualquer análise com referência ao mapeamento dos Corredores Ecológicos, item já previsto no ART. 88 do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano –Ambiental de Porto Alegre, situação que é pertinente já que se trata de terreno quase exclusivamente em áreas naturais e rurais.
4.      Verificamos que no EIA-RIMA não houve referência quanto à presença de remanescentes da Mata Atlântica que inclusive já fazem parte do mapeamento do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) - SOS Mata Atlântica (2012).
5.      Verificamos no lote previsto para o empreendimento a ausência de identificação das áreas úmidas, em especial à presença de banhados conforme preconizado na legislação estadual, e seu enquadramento em APP (Áreas de Preservação Permanente).
6.      Consideramos que a amostragem realizada na área é estatisticamente insuficiente para demonstrar os aspectos quali-quantitativos da vegetação florestal, do mesmo modo verificamos que a presente amostragem não é capaz de demonstrar tratar-se de estádio médio, e sim as evidências dão conta de tratar-se de estádio avançado, conforme a Resolução do Conama n. 33 de 7 de dezembro de 1994 que define os estágios da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul.  
7.      Consideramos insuficiente a determinação botânica da espécie Ocotea sp., já que o Decreto Est. 52.109/2014, que define a Lista das Espécies Ameaçadas da Flora do Rio Grande do Sul, existe a presença em Porto Alegre da espécie ameaçada Ocotea catharinensis (canela-preta ou canela-imbuia), que ocorre na zona Sul de Porto Alegre, assim sendo é importante que a planta deste gênero seja identificada corretamente;
8.      Constatamos que não houve a demarcação em mapa das espécies ameaçadas da flora e da fauna (Legislação Estadual e Federal) no terreno proposto para o empreendimento e possíveis consequências para a mesma, já que a Lei Orgânica de Porto Alegre, em Art. 245 da define:  “Consideram-se de preservação permanente: I – as nascentes e as faixas marginais de proteção de águas superficiais; II – a cobertura vegetal que contribua para a resistência das encostas a erosão e a deslizamentos; III – as áreas que abrigam exemplares raros, ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos, da flora e da fauna, bem como aquelas que servem de local de pouso, abrigo ou reprodução de espécies migratórias (grifo nosso).
9.      Consideramos que não houve avaliação das consequências decorrentes da implementação do empreendimento para a flora e a fauna ameaçadas ou raras, em especial animais terrícolas frente a intervenções como terraplenagem, arruamentos, cercamentos, canalização e rede elétrica, entre outras;
10.  Constatamos que não houve definição e cálculos de percentuais no tocante às áreas protegidas e às áreas verdes, bem como uma melhor definição e diferenciação entre estas, já que desempenham papeis nem sempre os mesmos, o que prejudica a análise;
11.    Verificamos que a Avaliação de Impacto Ambiental (A I A) do EIA do empreendimento Alphaville II não apresenta uma matriz de impactos bem como as respectivas escalas de valores de magnitude, temporalidade, reversibilidade dos mesmos, o que compromete a análise. Em tabela em anexo realizada por nós, constatamos a presença de 34 impactos negativos e somente quatro (4) que poderiam ser considerados positivos;
12.   Constatamos a ausência da apresentação de um mapa quali-quantitativo de suscetibilidade dos terrenos à erosão, já que o risco é evidenciado no EIA, mas não tem sua localização apresentada, e relembramos o ART. 236 da Lei Orgânica considera de preservação permanente a “cobertura vegetal que contribua para a resistência das encostas a erosão e a deslizamentos”.

Conclusão Geral
Verificamos que os estudos apresentados no presente EIA-RIMA não revelam adequadamente a riqueza ambiental da área inserida no Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Port. MMA N. 9 de 23 de janeiro de 2007), na categoria de Alta Importância. Ademais a Lei Orgânica, em seu Art. 236 define como Áreas de Preservação Permanente aquelas que abrigam espécies ameaçadas, presentes na área, entretanto não demarcadas adequadamente no terreno. Tampouco existe abordagem adequada dos impactos sobre a bacia do arroio do Salso. Consideramos inviável a construção de empreendimentos de tal porte em áreas com tantos atributos, mesmo que com a ausência de análises adequadas, sendo que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deveria rever sua política ambiental para áreas de tal porte e riqueza ambiental altamente significativa, já que não conta com banco de dados sobre as espécies ameaçadas de extinção. Quanto aos impactos do EIA-RIMA do empreendimento Alphaville II, não houve uma apresentação clara e objetiva por parte dos requerentes, sendo que constatamos 34 impactos negativos e somente quatro (4) que poderiam ser considerados positivos. Ressalta-se que mais da metade da área é também classificada como Área de Proteção ao Ambiente Natural (APAN) pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre. Estas áreas apresentam vocação evidente para destinação para projetos mais adequados com a vocação ambiental, para criação de UCs de proteção Integral, como consta no Mapa das Estratégias para as APBio (MMA, 2007). Ademais, existem áreas mais adequadas em estrutura urbana para concentrações habitacionais de tal monta, já que o projeto prevê milhares de residências em áreas predominantemente rurais e naturais, na Capital brasileira com menor crescimento populacional, o que denota evidente especulação imobiliária sobre o Patrimônio Natural de Porto Alegre.
InGá - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Licenciamento Ambiental deve ser passado a limpo e fortalecer os instrumentos de Gestão Ambiental.

Reiteramos a solicitação em Ofício da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (Apedema - RS (Of. N. 1/2016), do dia 11 de fevereiro, junto com outras entidades do Brasil para que o Ministério de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de Meio Ambiente concedam maior prazo para a consulta pública e aumento da discussão sobre a atual proposta que prevê a substituição das Resoluções 001/1986 e 237/1997 no tocante ao licenciamento ambiental. O prazo exíguo de somente 4 ou 5 dias úteis, neste período de férias e de Carnaval, prejudicou ainda mais as contribuições de todos para a avaliação e aperfeiçoamento da nova Resolução. Ficou evidente que a proposta em discussão no Grupo de Trabalho da Câmara Técnica do Conama objetiva meramente a "agilização e simplificação" do licenciamento ambiental (ver por ex. os Art. 28, 29 e 30).


Simplificar processos que já são precários, desconsiderando que estamos comprometendo gravemente o recurso água, associado à complexidade e integridade de nossos ecossistemas, em perda crescente, e desconhecer que pesquisas internacionais dão conta de que estamos à beira da Sexta Extinção em Massa é profundamente injustificável. Só serve à velha visão imediatista de atividades econômicas a qualquer preço, que vige no mundo e aqui também. Por exemplo, No Brasil, a Lista Oficial da Flora Ameaçada aumentou 448% no número de espécies ameaçadas, entre 2008 e 2014. A Lista Oficial da Fauna Ameaçada aumentou em 307 espécies (65%), entre 2003 e 2014. Os órgãos ambientais estão preparados para licenciar atividade e empreendimentos, levando-se em conta os limites do estado de conservação das espécies e de seus ecossistemas? E a qualidade de água de nossos rios e do ar de nossas cidades, frente à poluição crescente, o que sabemos disso?

Porto Alegre, por exemplo, apresenta há duas décadas e meia seu sistema de monitoramento do ar praticamente sucateado e quase nunca funcionou. Por outro lado, concede licenças para operação de liberação de efluentes aéreos e hídricos por parte de uma das maiores empresas mundiais de celulose (para exportação), sem conhecer a qualidade do ar da Região Metropolitana da Capital, que abriga 1/3 da população deste Estado, com o agravante do mar de monoculturas de eucaliptos tomam conta do Pampa, mesmo com as restrições impostas pelo Zoneamento Ambiental da Silvicultura.

No que se refere a empreendimentos já licenciados, que atingem a biodiversidade, como no caso de hidrelétricas, por que a maior parte dos monitoramentos de empreendimentos, após as licenças, não são acompanhados e seus resultados não revertem em programas ambientais? O Ibama, os órgãos estaduais e os municipais acompanham a contento isso?  Como prever licenciar com mais “agilidade e simplificação” sem um mínimo de informação e sem programas de gestão ambiental? Por que se substituiu a palavra gestão ambiental pelo conceito reduzido à esfera cartorial, em Estados, no que se chama de “balcões de licenciamentos ambientais”? Por que até hoje, passadas décadas, não existe a realização de zoneamentos ecológico-econômicos nos biomas brasileiros? Por que não se promove a biodiversidade e a vocação ecológica de cada região? O que se sabe da capacidade de suporte dos ecossistemas inclusive em relação à poluição do ar, dos corpos d´água, do solo e da biota nos estados, nos municípios e no Brasil? Por que a explosão de monoculturas quimicodependentes e transgênicas de soja seguem crescendo desde o bioma Pampa até a Amazônia, sem licenciamentos ambientais e com resultados humanos desastrosos (contaminação de leite materno, municípios campeões em homicídios na região do Arco de Desmatamento da Amazônia)? 

Como dar sequência a processos de licenciamento se não existem banco de dados integrados, nem equipes em número suficiente e fortalecidas nos órgãos ambientais, sem tempo e/ou vontade política dos governantes para a necessária integração entre pastas e entre os âmbitos das diferentes esferas?

Vamos seguir avaliando os impactos caso a caso? Por que não avançamos para as Avaliações Ambientais Estratégicas e Integradas? Qual a legitimidade do licenciamento de empreendimentos e do planejamento de atividades econômicas se não existe interesse mínimo de parte dos órgãos ambientais e dos governos na implementação das políticas públicas ligadas ao Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (APBio, Port. N. 9, MMA, 2007)? Como explicar que 62%  dos projetos de hidrelétricas estejam sendo previstos pra as APBio e 25% deles atingindo área de categoria de Extrema Importância? O Ministério de Meio Ambiente vai seguir ausentando-se de seu papel nas diretrizes federais no limite de empreendimentos hidrelétricos por bacias, em especial no Pantanal, na Amazônia, no Cerrado e Mata Atlântica? Os estudos de impacto ambiental permanecerão com conflitos de interesse entre empreendedor e equipe consultora, ao contrário do que previa o Art. 7 da Resolução Conama 01/1986? Seus relatórios de impacto seguirão sendo peças de propaganda enganosa?

O licenciamento, na proposta atual, segue não prevendo garantir a existência de órgãos minimamente estruturados e integrados, fragilizados diante das pressões econômicas e políticas que desconsideram a viabilidade ambiental de seus projetos. Dever-se-ia exigir uma estrutura compatível mínima, o que não é o caso hoje, tanto nos órgãos municipais, estaduais e federais. É preciso passar a limpo as situações absurdas, não raras vezes também alvo de ações de investigação por parte da Polícia Federal, Ministério Público, em esquemas de corrupção, fraude em licitações, cartel de empreiteiras e que são resultado do descontrole inclusive também pela ausência de mecanismos de fiscalização externa. Aqui na Metade Sul do Estado, nem as obras do PAC, das barragens de Jaguari e Taquarembó, estiveram livres da investigação da Polícia Federal, após estudos de impacto ambiental incompletos e tendenciosos. No Litoral do RS, a mesma coisa, e a Operação Concutare, realizada pela PF em 2013, além de prender dois secretários e meio ambiente (um estadual e um da Capital), além de um ex-secretário estadual, descobriu um grande esquema de fraudes em licenças para condomínios fechados. Situação que também ocorreu em Florianópolis e em muitas praias do litoral brasileiro, onde parte da beleza paisagística sucumbe sob esquemas de licenças irregulares e/ou frouxidão dos órgãos diante da ganância imobiliária em grandes empreendimentos. E quando o Ministério Público é chamado para atuar, muitas situações já foram consumadas e só restam os TAC (Termos de Ajustamento de Conduta), de resultados nem sempre eficientes.

Flexibilizar o licenciamento é também atender a guerra fiscal entre estados e municípios. Se hoje a situação é de um verdadeiro apagão na área de gestão ambiental, sendo ausentes ou escassas as necessárias informações ambientais, inexistindo zoneamentos ambientais e tampouco avaliações conjuntas da sinergia de atividades e da capacidade de suporte de empreendimentos por bacia, sem os controles externos eficientes, estaremos aprofundando o corriqueiro processo de “Licenciamento no Escuro”. A situação de inação deliberada é favorável ao poder das grandes empresas degradadoras, da grande mídia que trabalha para elas, para não afetar os negócios do crescimento econômico (a qualquer custo), com o aval de governantes e as federações de empresas. Isso deve ter fim, entretanto, está bem difícil vislumbramos esta preocupação na nova Resolução proposta pela ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), no GT do Conama, que pode se tornar mais uma peça da esquizofrenia da má gestão pública, que anda a reboque da costumeira economia imediatista.

Manter este estado de coisas, sem passar a limpo as falhas do licenciamento que o transformaram em um “faz de conta”, e que resultou na maior tragédia ambiental de mineração no Brasil - o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale/ BHP, em Mariana (MG) - é algo inconcebível, vergonhoso e da esfera criminal. Da mesma forma, não dá para esquecer o caso da fraude do EIA-RIMA da UHE Barra Grande (RS-SC), que resultou na maior perda de Mata Atlântica conhecida no Sul do Brasil (6 mil hectares de florestas com araucária). A responsabilidade é de quem? O Ibama, neste último caso, declarou em 2005 que falhou, prometeu mudar para melhor o licenciamento, mas não mudou, por força da Casa Civil, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Agricultura e outros setores que subverteram as conquistas ambientais legais para manter os ganhos econômicos de sempre. 

Estaremos gerando mais e mais passivos ambientais e colapsos ecossistêmicos? Onde consta na presente resolução a superação destes crônicos e graves problemas, se nos “Considerandos” da atual proposta a palavra integração entre os órgãos (Resol. 237/1997) foi suprimida ou substituída por “harmonização”, que tem significado menos categórico na gestão ambiental?

Para destacarmos uma proposta objetiva na resolução, trazemos aqui a necessidade do retorno do Art. 7 da Resolução Conama N. 1 de 1986, que para evitar o conflito de interesses entre empreendedor e equipe consultora, assinalava que "O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados." Ou seja, os estudos de impacto ambiental deveriam ser realizados por equipes desvinculadas diretamente do empreendedor, sendo selecionadas em edital e contratadas por órgãos de Estado, como os Conselhos de Meio Ambiente, em uma Câmara Técnica específica e sob o acompanhamento dos Ministérios Públicos respectivos. O Art. 10 da nova proposta mantém a aberração do vínculo direto, que já tinha sido incluída na Resol. n. 237/1997. Assim, o faz de conta continua.

Que o Conama assuma seu papel de resguardar as conquistas importantes da Legislação Brasileira, fortalecendo o SISNAMA, reafirmando o Principio da Precaução, que é um acordo decorrente de compromissos internacionais do Brasil, após a Rio 92. Apelamos também para o papel dos agentes públicos do Conama e do MMA, possibilitando à sociedade brasileira que participe de uma nova proposta, verdadeira, que não represente imediatismos ou retrocessos, garantindo o direito ao meio ambiente equilibrado, como consta no Art. 225 da Constituição Federal do Brasil.

Paulo Brack (14-02-2016)

* professor do Instituto de Biociências da UFRGS
Coordenador Geral do InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais)