segunda-feira, 3 de abril de 2023

A DANÇA DOS SARANDIS

Sabes a origem do verbo sarandear (dançar)?
eu sarandeio
tu sarandeias
ele sarandeia
nós sarandeamos
vós sarandeais
eles sarandeiam

Tudo indica que vem de algumas plantas exclusivas de beira de rios, chamadas sarandis, que, com as enchentes, tremem seus galhos altamente flexíveis, num balanço que parece uma dança. Sarandi é um nome de origem tupi-guarani. Tem cidade, bairro e localidades com esse nome, principalmente no Pampa internacional (Rs, UY, AR). Então o verbo sarandear deve ter sido inventado por algum(a) amante das danças gaúchas, sendo o termo mais conhecido no Rio Grande do Sul.
 
Bom, agora vamos à Botânica. A espécie de sarandi mais conhecida é o sarandi-vermelho, Gymnanthes schottiana, da família das euforbiáceas (a mesma da mandioca, seringueira e mamona). É uma planta anfíbia, um arbusto alto, quase uma árvore, muito ramificado e que tolera enchentes e corredeiras. No Salto do Yucumã, no Parque Estadual do Turvo, se pendura nas corredeiras, sem problema. As folhas são pequenas e estreitas, para aguentar o atrito com a água, os ramos são altamente flexíveis, para aguentar o tranco, e as raízes são bem ramificadas, geralmente aderidas a frestas de rochas. O pequemo fruto, quando seco, explode, jogando três sementes na água, até encontrarem um remanso ou uma fresta e virem a germinar.

Gymnanthes schottiana, sarandi-vermelho, talvez o mais comum. Frutos e flores. Foto: Sérgio Augusto Bordignon

Salto do Yucumã, limite do Parque Estadual do Turvo, no rio Uruguai. Os sarandis-vermelhos ficam quase pendurados nas rochas em meio à correnteza. Esta paisagem e as matas ciliares sofrem ameaça do projeto da hidrelétrica de Panambi, mas sob nossa resistência na justiça federal. Era uma das hidrelétricas do PAC...


 Os outros sarandis são também arbustos, raramente árvores baixas, em geral com folhas estreitas, cuja base é aguda, em "V", justamente para diminuir o atrito com a água, ou seja, permitir maior hidrodinâmica em rios caudalosos. Existem os sarandis-branco (Phyllanthus sellowianus e Cephalanthus glabratus), o sarandi-amarelo (Terminalia australis), o sarandi-mata-ollho (Pouteria salicifolia), entre os mais conhecidos, pertencentes a outras famílias botânicas, mas que têm em comum convergências morfológicas, ecológicas e sobretudo evolutivas. 

Phyllanthus sellowianus, sarandi-branco, sendo estudado por apresentar substâncias bioativas com potencial medicinal.

Cephalanthus glabratus, sarandi-branco, ocorre mãos em remansos de rios e banhados. São plantas anfíbias, entre terra e água.

Pouteria salicifolia, sarandi-mata-ollho, árvore que tem frutos para fauna de peixes e outros animais.

Terminalia australis - sarandi-amarelo, uma árvores com frutos em forma de barquinhos, para flutuar e dispersar


Milhões de anos para se adaptar a este habitat altamente seletivo, que poucas plantas conseguem ocupar. Mas são habitats ameaçados...Estas e outras plantas de zonas ripárias (margem inundável), adaptadas aos pulsos de água de enchentes e secas, são denominadas ecologicamente de Reófitas, estando associadas à borda das matas ciliares, ribeirinhas, ripárias, em galeria, infelizmente a maioria destruída por atividades humanas (agricultura, hidrelétricas, mineração de areia, construção civil, aterros...).

Infelizmente, na construção de hidrelétricas atualmente é a principal causa do desaparecimento de sarandís e demais Reófitas, um assunto pouco conhecido da maioria, tanto na engenharia de quem projeta a construção, no licenciamento ambiental, na justiça que, ao fim e ao cabo, libera as obras contestadas judicialmente pelos ambientalistas e acadêmicos que lidam com o assunto.
 
É um tema de enorme lacuna de conhecimentos, inclusive nas pesquisas botânicas e ecológicas. Pra piorar a situação, em um estudo que fizemos e publicamos em 2015, constatamos que haviam 278 projetos de hidrelétricas previstos para a bacia do Rio Uruguai, afetando seus habitats. Imaginem o que sobrará é onde irão se empoleirar as garças, os socós, os martins-pescadores....E que sombra e que peixes terão os(as) pescadores(as) que vivem dessa atividade que alimenta suas famílias?


Rio Pelotas alagado pela UHE Barra Grande a partir de 2005. 6 mil hecyares de florestas foram perdidos nesta área.


Esperamos que os seres humanos, se racionais, respeitem a vida de outros seres que vivem nestes ecossistemas há milhares e milhões de anos e não façam "dançar" com os sarandis e toda a biota associada embaixo de colunas de água das hidrelétricas...

Outra coisa, é bom destacar que todas essas espécies de sarandis ocorrem nas margens do Guaíba, correspondendo a características de Rio, ou curso de água, o que representa na lei ambiental uma faixa de proteção, como Áreas de Preservação Permanente (Lei Federal n. 12.651/ 2012), de 500 m desde o Guaíba para dentro dos terrenos dos municípios que o margeiam, com destaque à Porto Alegre.
 
Pensem nisso e boa semana!

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