terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O DIA INTERNACIONAL DE LUTA CONTRA OS AGROTÓXICOS (03/12) E OS 40 ANOS DO TRÁGICO CRIME DE BHOPAL

        O Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos, 3 de dezembro, foi estabelecido a fim de lembrar a data do ano de 1984, ou seja, há cerca de 40 anos, onde houve o vazamento de mais de 27 mil toneladas de isocianato de metila, na fábrica da empresa norte-americana Union Carbide, na cidade de Bhopal, Índia. Cerca de 2 mil pessoas morreram imediatamente, e a contaminação seguiu matando mais de 8 mil pessoas, com mais de 150 mil intoxicados. Outras centenas de milhares de pessoas também sofreram contaminações deste evento ao longo de anos.




Filme “Bhopal 84: o maior crime industrial da história” - https://www.youtube.com/watch?v=xy2qOtcr1q4&t=11s&ab_channel=BrasildeFato

        Os primeiros agrotóxicos surgiram a partir de armas químicas, para matar pessoas, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sendo desenvolvidos e aprimorados na Segunda Guerra Mundial. A partir do desenvolvimento destes produtos, finalizadas as grandes guerras, os biocidas foram aproveitados e desenvolvidos como armas para matar insetos (inseticidas) ou outros organismos “pragas”, que se alimentam de plantas de uso agrícola (nematoides, fungos, etc.), e ervas indesejáveis ou equivocadamente chamadas de “daninhas” (herbicidas).

    A partir da década de 1960, com a chamada “Revolução Verde”, esses produtos foram sendo aprimorados e usados massivamente com o desenvolvimento de monoculturas agrícolas, com muitos insumos externos associados, por parte de grandes empresas agroquímicas. A palavra Agrotóxico foi legalmente aceita a partir do Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 7.747/1982) e depois no país (Lei n. Federal 7.802/1989, a chamada Lei dos Agrotóxicos). Entretanto, o nome surgiu em 1977, com base em uma publicação ("Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções") do Dr. Adilson D. Paschoal (1979), da Esalq/ USP, falecido em 2023. A denominação incorpora prioritariamente os efeitos nefastos desses produtos à saúde humana e ao meio ambiente, já denunciados de forma pioneira pelo livro publicado, em 1962, pela bióloga norte-americana Rachel Carson (Primavera Silenciosa). Na época, na legislação do Rio Grande do Sul (também pioneira) e do Brasil contribuíram, com destaque, os engenheiros agrônomos e ambientalistas, ligados à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), José Lutzenberger e Sebastião Pinheiro (Franco & Palaez, 2017).

Mercado de agrotóxicos   

        Hoje, o mercado de agrotóxicos chega a cerca de 80 bilhões de dólares anuais, sendo controlado, em mais de 70%, por um oligopólio de cerca de meia dúzia de empresas[1] (Syngenta, Bayer, Basf, Corteva, UPL, FMC), com crescente (mais de 50% do mercado) na mão de empresas chinesas. No Brasil, este mercado faz girar a comercialização de mais de 13 bilhões de dólares/ano, 78 bilhões de reais(!) onde empresas vendem sementes (no caso de soja, milho, algodão e recentemente trigo) dependentes do uso de seus agrotóxicos, principalmente herbicidas, o que se constitui em venda casada, que deveria ser proibida pela legislação comercial. No Brasil, a contaminação registrada, em pelo menos 10 mil pessoas/ano, em geral sendo agricultores(as), é subnotificada em cerca de 50 vezes.


        A comercialização de agrotóxicos em nosso país já chega a mais de 800 mil toneladas de ingredientes ativos, segundo os registros do Ibama, mais recentes, para o ano de 2022. 


O herbicida glifosato desponta entre os mais comercializados. O aumento do uso destes produtos (herbicidas, inseticidas, fungicidas, nematicidas, etc.), entre 2002 e 2022, subiu 445%, apesar de que o advento dos transgênicos, alegadamente por parte de seus defensores, traria diminuição de seus usos. Os dez ingredientes ativos mais comercializados no país, em toneladas, foram: Glifosato e seus sais (herbicida); 2,4-D (herbicida); Atrazina (herbicida), Mancozebe (fungicida); Clorotalonil (fungicida) Acefato (inseticida), Dibrometo de Diquat (herbicida), Glufosinato – Sal de Amônio (herbicida), Clorpirifós (inseticida) e Metomil (inseticida).

Limites?

        Cerca de 30% dos agrotóxicos no Brasil não são permitidos na União Europeia, por sua toxicidade elevada, seja aguda ou crônica. Em nosso país, o glifosato tem limites permitidos na água em valor 5 mil vezes maior do que na UE. Entretanto, curiosamente a população europeia talvez não saibam que nossas exportações levam contaminação para seus países.







Contaminação

A contaminação de agrotóxicos é extraordinária no Brasil, com destaque ao Estado do Mato Grosso, onde o médico e pesquisador Wanderley Pignati desenvolve pesquisas sobre esta contaminação na saúde humana. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, ABRASCO, inúmeros trabalhos científicos confirmam que existem vários efeitos prejudiciais decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos, como os casos de infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.



Leite materno contaminado com agrotóxicos

Em pesquisa coordenadas pelo Professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, com destaque a tese de Danielly Palmaforam coletadas amostras de leite materno em mais de 60 mulheres do município de Lucas do Rio Verde (MT), uma das capitais da soja, a fim de se constatar a presença de agrotóxicos. Em 100% das mulheres foi encontrado, pelo menos, um tipo de princípio ativo desses produtos. Entre os resíduos dos produtos encontrados, a maioria correspondia a inseticidas organoclorados, substâncias altamente tóxicas, com alta capacidade de dispersão e permanência tanto no corpo humano como no ambiente. Em algumas mulheres, foram encontrados até seis tipos de agrotóxicos no leite materno.

 


Água da torneira contaminada com agrotóxicos. No caso de Porto Alegre, ocorrem 27 tipos de agrotóxicos.


As terminologias ligadas ao racismo biológico (especismo)

        Etimologicamente, entretanto, verificamos inadequações profundas no que se tenta chamar os agrotóxicos de "defensivos agrícolas" ou "pesticidas". Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra PESTE refere-se a: "1. Doença contagiosa transmitida pela pulga do rato. 2. Qualquer epidemia mortal. 3. Pessoa má". Outros dicionários também associam o termo Peste a doenças, em geral, contagiosas ou que causam infecção humana ou animal. PESTICIDA, portanto, reúne os termos PESTE (=doença) + CIDA(=matar). De forma similar, o termo PRAGUICIDA está associado a matar "PRAGAS", mesmo que atinjam, em maior número, outros organismos que não se inserem como "pragas" (plantas espontâneas indesejáveis e insetos fitófagos, etc.).

        Os termos “peste” ou “praga”, portanto, induzem à associação a doenças, reforçando uma concepção antropocêntrica e injusta que se enquadra como ESPECISMO (uma forma de racismo contra outros seres que não os humanos), de maneira quase binária (seres "prejudiciais" x "uteis") reforçada pela cadeia de insumos agroquímicos e os laboratórios de pesquisa a eles associados. A condição de juízo de valor pejorativo e anticientífico também é milenar e já naturalizada (como exemplo a expressão " o joio e o trigo"). Infelizmente, terminologias desqualificadoras, relacionadas a seres "prejudiciais", acabam ganhando espaço hegemônico e favorecendo a agricultura convencional quimicodependente.

            Por outro lado, cabe destacar outra visão de contra-argumento às mal faladas "plantas daninhas" ou "plantas invasoras", também chamadas popularmente de "inços" ou "matos" no Brasil. As plantas nativas ou espontâneas alimentícias, muitas vezes, resgatam culturas alimentares de povos indígenas e de comunidades tradicionais, que conhecem e convivem com a biota que os cerca há séculos ou milênios, sem o especismo das culturas "modernas".

            A partir da década de 1990, vários autores - entre eles podemos citar alguns pioneiros como Cida Zurlo e Mitzi Brandão (1990), Eduardo Rapoport (1998), Rapoport & Ladio (1999) e Valdely Kinupp (2007- vêm chamando a atenção para o resgate da importância das hortaliças não convencionais nativas ou exóticas espontâneas (que nascem sozinhas), chamadas de PANCmas que no setor agrícola convencional são consideradas como "daninhas" ou "infestantes".

Banimento dos agrotóxicos
         Infelizmente o Congresso do Brasil aprovou no final de 2023 o PL dos venenos, que enfraqueceu o papel da ANVISA e do IBAMA na análise dos agrobiocidas sintéticos. No RS, justamente no dia 3 de dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um Projeto de Lei que fortalece a pulverização aérea de agrotóxicos. Por 31 votos a 12, a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei (PL) 442/2023, proposto pelo deputado Marcus Vinícius (PP) e mais 23 parlamentares, declarando a aviação agrícola (leia-se de pulverização de agrotóxicos) como uma atividade de “relevante interesse social, público e econômico” no Rio Grande do Sul.

Os agrotóxicos estão associados às monoculturas de exportação, que não pagam impostos e que dependem de uma série de agroquímicos em um círculo vicioso de biocidas sintéticos e fertilizantes químicos. Esta agricultura ultrapassou limites e não deve mais ser financiada, pois destrói a sociobiodiversidade, os cilclos da natureza, a saúde humana e estrangula a economia e aumenta a dependência de commodities. ZERO FINANCIAMENTO À AGRICULTURA QUE DESTRÓI E VIOLA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 



        É necessário ser realizado o investimento em agroecologia, fazer com que o Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, e o banimento de TODOS os biocidas agrícolas sintéticos, dominados por empresas da quimiodependência na agricultura, pois já estamos comendo venenos de sobra e já temos técnicas agrícolas agroecológicas e orgânicas que demonstram a incompatibilidade destes produtos com a vida diversa, saudável e digna para todos os organismos. Exemplo deste Outro Mundo Possível e Necessário está associado à agroecologia e à produção orgânica, com destaque à maior produção de Arroz Orgânico da América Latina, realizada pelo MST, na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS.