sexta-feira, 31 de maio de 2019

O DIA DA BIODIVERSIDADE DEVERIA SER TODOS OS DIAS


Paulo Brack (22/05/2019)
Neste dia 22 de maio, Dia da Internacional da Biodiversidade, cabe lembrar o papel de destaque do Brasil, o país campeão em diversidade de espécies e de ecossistemas, na construção da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), durante a Rio 92, quando nosso país sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Por outro lado, também é fundamental que seja salientada a dura realidade atual: estamos testemunhando a Sexta Extinção em Massa, com mais de 1 milhão de espécies ameaçadas no mundo, segundo relatório recente de centenas de cientistas do Painel Intergovernamental em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), ligado à ONU. Por outro lado, metade da superfície das terras e 2/3 dos oceanos já estão em processo de degradação ambiental, sendo que cerca de 33% dos corais estão desaparecendo pela acidificação dos oceanos, ligada aos gases de efeito estufa.

No Brasil, já temos 2.113 espécies vegetais e 1.173 espécies da fauna ameaçadas oficialmente. No Rio Grande do Sul, segundo estudos coordenados pela Fundação Zoobotânica e por universidades e centros de pesquisa estaduais e nacionais, são 804 espécies da flora e 280 da fauna declaradas oficialmente como ameaçadas, e com números que tendem a aumentar, como mostram os estudos mais atuais de monitoramento sobre a situação de nossos biomas. A Fundação Zoobotânica do RS sempre coordenou estes estudos que deveriam ter sido atualizados em 2018, porém é alvo de ver a sua própria extinção levada a cabo pelo Estado.

Voltando ao cenário mundial, da mesma forma que a biodiversidade, verificamos que os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) são profundamente preocupantes quanto ao agravamento das Mudanças Climáticas. Existe uma previsão provável que em 2019 tenhamos as temperaturas médias mais elevadas da história humana. Além disso, constata-se o crescimento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos, como aumento das chuvas torrenciais, furacões e secas mais prolongadas, entre outras situações que já afetam dezenas ou centenas de milhões de pessoas, ecossistemas e outros seres vivos. Segundo o IPCC, isso está associado a um aumento acelerado das emissões de gases do efeito estufa, e alerta: agir agora será mais barato e eficiente do que postergar.

Vivemos à beira do abismo, imersos nos cenários da maior crise da Biodiversidade, com a Sexta Extinção em Massa, das Mudanças Climáticas e da degradação de meio ambiente. Entretanto, é evidente a ausência de políticas públicas em nível mundial, nacional ou estadual que estejam voltadas a enfrentar estes problemas e que possam redirecionar a economia para patamares mínimos de sustentabilidade ecológica e econômica para todos. Os relatórios da própria ONU apontam que não serão atingidas, até o ano e vem, mais de 80% das 20 Metas da Biodiversidade 2020, que foram estabelecidas por 168 países signatários da CDB. E a economia ignora esta realidade, para não travar os negócios convencionais, imediatistas e competitivos, que vêm trazendo insegurança ambiental para a humanidade. O Panorama Global da Biodiversidade da CDB, de 2015, já vinha apontando para uma nova frustração no cumprimento desses objetivos, também chamados de Metas de Aichi, construídos em Nagoya, Japão, há quase10 anos. Estamos fracassando novamente, após o não cumprimento da maioria das anteriores Metas da Biodiversidade 2010.

No Brasil, a despeito de uma exemplar Constituição Federal, que em seu Art. 225 define a vedação de atividades que possam promover a extinção de espécies ou comprometer com os processos ecológicos essenciais à vida, vimos as ações governamentais e de setores econômicos tentando desconstruir a legislação ambiental e promover o vale-tudo econômico. Recentemente, oito ex-ministros de meio ambiente vieram à público denunciar os ataques ao ICMBio e ao IBAMA e os retrocesso deliberados na área, de parte da própria cúpula do governo. Esquecemos o papel protagonista de nosso país na Convenção da Diversidade Biológica e vemos agora o governo federal desestruturar a pasta de meio ambiente, desejando inclusive se desfazer de muitas das mais de 300 áreas naturais protegidas de âmbito federal. O ecólogo norte-americano Thomas Lovejoy, recentemente, admitiu que estamos próximos a atingir o ponto irreversível de desmatamento da Amazônia.

As consequências deste descaso e das políticas de retrocesso, inclusive na liberação nunca vista de agrotóxicos (mais de 190 registros neste ano, mais da metade extremamente ou muito tóxicos, só até o dia 21 de maio de 2019) serão desastrosas se não houver um esforço comum em resistirmos e denunciarmos ao Ministério Público Federal que possam estacar o envenenamento decorrente de um modelo atual de agricultura químicodependente, que faz girar com um mercado de agrotóxicos de mais de 9 bilhões de dólares no País.

As políticas de incentivo às práticas degradadoras do meio ambiente seguem em um modelo de atividades econômicas disfuncionais. Destruímos inclusive com a função nobre dos polinizadores e também que florestas, campos e outros tipos de vegetação natural desempenham papel fundamental na recarga dos aquíferos, na proteção do solo e na formação de nuvens essenciais às chuvas, fundamentais à agricultura e ao abastecimento das populações humanas no campo e na cidade.

Consideramos fundamental a retomada das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (portaria do MMA, n. 9 de 23 de janeiro de 2007), repudiando a retirada de informações das páginas do MMA, com políticas praticamente engavetadas pelo governo atual que vive a reboque de um ruralismo profundamente obscurantista. O fortalecimento de nossos órgãos ambientais, sem a permissão de ingerências políticas, é necessário para definir onde deve ser preservado, conservado ou permitidas atividades com capacidade de suporte e viabilidades ambientais comprovadamente satisfatórias. 

Deve-se promover atividades por comunidades locais, incluindo a sociobiodiversidade, com usos econômicos compatíveis, de baixa intensidade, como turismo ecológico ou rural, fruticultura de plantas nativas, agroecologia, agroflorestas, pecuária familiar no bioma Pampa ou Campos Sulinos, que garantam ou inclusive incrementem a diversidade perdida. Este estímulo do uso sustentável de nossa flora ameaçada é, muitas vezes, a própria chave para evitar o seu desaparecimento. Se utilizássemos mais os frutos e sementes de plantas como butiá, araucária e palmeira juçara, elas sairiam destas listas. O RS já foi o maior produtor de erva-mate do Brasil, e hoje está em terceiro ou quarto lugar, importando este produto. Temos mais de 200 espécies de frutas nativas do RS, e muitas delas estão sendo levadas e usadas em outros países, como a goiabeira-serrana (pineaple-guava ou feijoa), a cerejeira-do-rio-grande (cherry of Rio Grande), araçá (strawberry-guava) e o butiá (jelly palm), por exemplo. Nossas abelhas silvestres, algumas delas ameaçadas, também têm enorme benefício na polinização e produzem mel de elevado valor, inclusive sendo exportado.

É importante que não lembremos deste assunto somente no Dia Internacional da Biodiversidade, mas em todos os dias do ano. O tempo é curto para as mudanças necessárias, pois devemos reivindicar a posse de técnicos, nos órgãos ambientais, que sejam gestores com ficha limpa, tecnicamente preparados e comprometidos para escutar a Ciência e o Corpo técnico desses órgãos e enfrentar urgentemente a atual desestruturação da legislação e dos próprios órgãos de gestão e pesquisa em biodiversidade e meio ambiente. Do contrário, estaremos cada vez mais longe de conseguirmos reverter este processo que nos levará ao colapso sistêmico, se nada for feito.