domingo, 29 de junho de 2014

Anteprojeto sobre agrobiodiversidade ignora direitos de agricultores familiares e indígenas - Juliana Santini



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Artigo de Juliana Santilli publicado recentemente no sítio-e do ISA (Instituto Socioambiental) critica anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério da Agricultura (MAPA) sem ter sido realizada nenhuma consulta a organizações da sociedade civil e movimentos sociais. Juliana Santilli é promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, sócia fundadora do ISA e autora do livro “Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores” (Ed. Peirópolis, 2009).

O Ministério da Agricultura (Mapa) elaborou um anteprojeto de lei para regular o acesso e o uso da agrobiodiversidade. A proposta desrespeita e restringe os direitos dos agricultores familiares, populações indígenas, tradicionais e locais, que são os principais responsáveis pela conservação e uso sustentável da biodiversidade agrícola brasileira. O anteprojeto foi elaborado sem qualquer participação das organizações e dos movimentos sociais representativos dessas comunidades. (O anteprojeto e sua exposição de motivos não eram conhecidos do público e podem ser acessados). 

Trata-se de uma proposta elaborada exclusivamente pelo e para o agronegócio, e sem qualquer consulta aos demais atores sociais que compõem o rico e complexo universo agrário e agrícola brasileiro. A própria exposição de motivos do anteprojeto reconhece que o texto “foi amplamente discutido com instituições representativas do agronegócio” – como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e a Frente Parlamentar da Agropecuária – e que “obteve apoio” de todas essas organizações. 

E as organizações representativas da agricultura familiar, tradicional e agroecologica? Foram simplesmente ignoradas em um anteprojeto que pretende nada menos do que regular “o acesso ao patrimônio genético destinado à alimentação e à agricultura, aos conhecimentos tradicionais associados, a repartição de benefícios para a sua conservação e uso sustentável”, bem como “implementar os direitos de agricultor previstos no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA)”.

A proposta nega direitos aos agricultores, ao afirmar expressamente que: “o acesso à variedade tradicional, local ou crioula ou à raça localmente adaptada ou crioula para as finalidades de alimentação e de agricultura compreende o acesso ao conhecimento tradicional associado e não depende da anuência do agricultor tradicional que cria, desenvolve, detém ou conserva a variedade ou raça” (art.5º, §1º, negritos nossos). A justificativa da exposição de motivos para isso é de que “não importa qual o povo ou comunidade que ‘inventou’ o recurso genético”. 

A agrobiodiversidade passa a ser considerada pelo anteprojeto como “bem da União” (art.2º), gerido única e exclusivamente pelo Mapa (art.4º, caput) e sem qualquer participação dos agricultores e de suas organizações. Caberá também unicamente ao Mapa definir como aplicar os recursos destinados à implementação dos direitos de agricultor (art.4º, IX). Ou seja, os agricultores e suas organizações não terão qualquer direito de decidir sobre as formas de utilização de eventuais recursos que lhes sejam destinados por meio do Fundo Federal Agropecuário, administrado também exclusivamente pelo Mapa e sem qualquer participação social.

domingo, 8 de junho de 2014

COMO O CRESCIMENTO ECONÔMICO VIROU ANTI-VIDA

Por: Vandana Shiva (http://imediata.org/?p=4194)
Fonte: The Guardian, Tradução: Mario S. Mieli




A obsessão com o crescimento eclipsou nossa preocupação com sustentabilidade, justiça e dignidade humana. Mas as pessoas não são descartáveis – o valor da vida encontra-se fora do desenvolvimento econômico.


O crescimento ilimitado é a fantasia dos economistas, negócios e políticos. Ele é visto como uma medida do progresso. Em consequência disso, o produto nacional bruto (PNB), que deveria medir a riqueza das nações, emerge tanto como o número quanto como o conceito mais poderosos em nossa era. Entretanto, o crescimento econômico esconde a pobreza que cria, através da destruição da natureza, a qual, por sua vez, leva a comunidades destituídas da capacidade de suprirem a si mesmas.

O conceito de crescimento foi colocado como uma medida da capacidade de mobilizar recursos durante a Segunda Guerra Mundial. O PNB se baseia em criar limites artificiais e fictícios, pressupondo que se você produz o que consome, você não produz. De fato, o “crescimento” mede a conversão da natureza em dinheiro líquido, e os bens comuns em commodities.

Dessa forma, os impressionantes ciclos da natureza de renovação da água e dos nutrientes são definidos como não-produção. Os camponeses do mundo, que fornecem 72% dos alimentos, não produzem; as mulheres que praticam a agricultura ou que fazem a maior parte do trabalho doméstico também não se enquadram neste paradigma do crescimento. Uma floresta viva não contribui ao crescimento, mas quando as árvores são cortadas e vendidas como madeira, daí temos crescimento. Sociedades e comunidades sadias não contribuem ao crescimento, mas doenças criam crescimento por meio de, por exemplo, venda de remédios patenteados.

A ALTERNATIVA ECOSSOCIALISTA



(http://rio20.net/pt-br/documentos/a-alternativa-ecossocialista/)  
 
 O atual modelo de desenvolvimento está em crise. É ao mesmo tempo uma crise econômica e uma crise ecológica. Ambas resultam do mesmo fenômeno: um sistema que transforma tudo – a terra, a água, o ar que respiramos, os seres humanos – em mercadoria e que não conhece outro critério a não ser a expansão dos negócios e a acumulação de lucro. As duas crises são aspectos interligados de uma crise mais geral, a crise da civilização capitalista industrial moderna.
O discurso hegemônico atual sobre o “desenvolvimento sustentável”, que se manifesta, entre outros contextos, no processo oficial da Rio+20, é incapaz de propor alternativas efetivas, porque se situa nos limites impostos pela economia de mercado, isto é, pelas regras do lucro, da feroz competição e da acumulação ilimitada, que são inerentes ao sistema capitalista. Os cientistas nos preveniram: se continua o business as usual, no futuro próximo enfrentaremos desastres sem precedente na história humana. O que nos propõe o Rascunho Zero da Rio+20 é um business as usual verde, uma folha de parreira verde para tentar esconder a nudez de um sistema intrinsecamente perverso e destruidor.

Há alguns anos atrás, quando se falava dos perigos de catástrofes ecológicas, os autores se referiam ao futuro dos nossos netos ou bisnetos, a algo que estaria no futuro distante, dentro de cem anos. Agora, porém, os processos de devastação da natureza, de deterioração do meio ambiente e de mudança climática se aceleraram a tal ponto que não estamos mais discutindo um futuro a longo prazo. Estamos discutindo processos que já estão em curso. A catástrofe já começou, essa é a realidade. E realmente estamos numa corrida contra o tempo para tentar impedir, brecar, conter esse processo desastroso. Quais são os sinais que mostram o caráter cada vez mais destrutivo do processo de acumulação capitalista em escala global? O mais óbvio e perigoso é a mudança climática, um processo que resulta dos gases do efeito de estufa emitidos pela indústria, pelo agronegócio e pelo sistema de transporte das sociedades capitalistas modernas. Essa mudança, que já começou, terá como resultado não só o aumento da temperatura em todo planeta, mas a desertificação de setores inteiros de vários continentes, a elevação do nível do mar, o desaparecimento de cidades marítimas – Veneza, Asmterdã, Hong Kong, Rio de Janeiro. Uma série de catástrofes que se colocam no horizonte dentro de – não se sabe – 20, 30, 40 anos, isto é, no futuro próximo. (segue..)