quinta-feira, 22 de maio de 2014

PARA RETORNAR À LEGALIDADE NO LICENCIAMENTO DE HIDRELÉTRICAS NO BRASIL



Nos dois últimos Congressos de Ecologia do Brasil (2011 e 2013), que reuniram centenas de pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras, foi debatida a questão da perda acentuada de biodiversidade, e extinção em massa nos rios brasileiros, devido ao processo de expansão ilimitada da construção de hidrelétricas, que fragiliza o licenciamento, os controles e a gestão ambiental necessária. Em 14 de março 100 cientistas cobraram do governo ações efetivas de cumprimento da Lei e da proteção de nossos ecossistemas fluviais.
A Constituição Federal define, em seu Art. 225, que é dever do Estado manter processos ecológicos e não permitir que se provoque a extinção de espécies. Por outro lado a territorialidade protetiva tende a ser silenciada, com a tendência de se passar por cima da própria Constituição, quando se emite licenças sem saber a capacidade de suporte dos rios e da sobrevivência das espécies de flora e fauna, quando se planeja obras em Unidades de Conservação criadas por lei, quando se desconsidera o Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (MMA, 2007), quando se deixa de lado a Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e não se consulta previamente as populações atingidas.
A lógica do crescimento de empreendimentos está extraordinariamente distanciada da sustentabilidade e mesmo das reais demandas locais, tendo em vista as vocações de desenvolvimento regional ou local que deveriam ser consideradas por meio das Avaliações Ambientais Estratégicas (AAE)

Para superar os descaminhos do licenciamento ambiental, deve-se acabar com a prática de análise de empreendimentos caso a caso, romper o conflito de interesses entre empreendedor contratante dos estudos e equipe consultora, realizar as Avaliações Ambientais Estratégicas (AAE)  ou Integradas (AAI), respeitando as políticas que definem as áreas prioritárias para a conservação ambiental. Para fortalecer as políticas públicas de proteção à biodiversidade e à sociobiodiversidade, basta que retomemos com urgência e itens importante da Resolução N. 01 de 1986, que definia o não vínculo entre equipes de consultores e empreendedor e a necessidade de serem avaliadas as alternativas tecnológicas, locacionais e de dimensão de empreendimentos. E sem um estudo sério de capacidade de suporte de empreendimentos e níveis de atividades em um só rio vamos ser testemunhas e ficar para a história por nossa leniência ou cumplicidade no processo de extinção em massa de plantas e animais silvestres em nossos rios.
Para realizar tudo isso não é nada extraordinário. É só seguir o exemplo do processo que redundou na Avaliação Ambiental Integrada do Rio Taquari-Antas, realizada pelo órgão de Estado de competência ambiental, a FEPAM, as SEMA, em 2001, que usou da competência de seus técnicos e da excelência científica de pesquisadores da área da biodiversidade, definindo diretrizes inclusive mais claras para os empreendedores demandantes. Ou seguir a finalização do processo de análise do Licenciamento da hidrelétrica de Pai Querê, feito pelo Ibama, no rio Pelotas.
E para buscar a sustentabilidade devemos investir urgentemente nas energias alternativas realmente bem mais sustentáveis (solar, eólica e bioenergia de resíduos de atividades compatíveis e diversas, não as monoculturas), respeitando a territorialidade protetiva.
Paulo Brack, Professor do Inst. de Biociências – UFRGS, coordenador do Ingá (paulo.brack@ufrgs.br)

Carta do Encontro do FBOMS



 Brasília 20 de maio de 2014 (Centro de Retiros, Arquidiocese de Brasília, DF)

O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), reunido nos dias 19 e 20 de maio de 2014, em Brasília, vem a público alertar a população e o governo para o aprofundamento da crise socioambiental por que passa o País. Este panorama já foi destacado em junho de 2012, durante a Cúpula dos Povos e Rio + 20, no documento “Brasil na contramão do desenvolvimento sustentável: o desmonte da agenda socioambiental”. 

Hoje, vemos a retomada agressiva de um ambiente de negócios corporativos, associado a megaeventos da Copa, agravando, por exemplo, os impactos já gerados pela implantação de megainfraestrutura de exportação de matérias primas (minérios e grãos), interconectada a políticas de incentivo ao consumo crescente e de forma insustentável. Para completar o quadro, a legislação socioambiental vem sendo destruída para maximizar a lucratividade de grandes setores que não veem limites aos seus negócios.

O modelo de crescimento econômico, mesmo que tenha apresentado alguns resultados na redução da desigualdade social no Brasil, foi realizado com base na expansão de atividades reconhecidamente incompatíveis com a necessária atenção ao papel estratégico de nossa sociobiodiversidade  e do patrimônio natural brasileiro para a melhoria da qualidade de vida da sua população. 

Os relatos dos representantes de entidades e movimentos de todas as partes do Brasil dão conta de um cenário de destruição, decorrente do prosseguimento das grandes obras de infraestrutura, concentradoras e de alto impacto socioambiental, que vem comprometendo ainda mais o que resta dos biomas brasileiros e de seus serviços ambientais. Uma infraestrutura que, além de retomar as poluentes usinas térmicas a carvão mineral, incrementa megahidrelétricas em rios localizados nas Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Port. N. 9, MMA, 2007), e que também atingem os territórios de povos Indígenas e outras populações tradicionais, sem o devido processo de consulta livre, prévia e informada.

No campo, constata-se ainda a expansão da fronteira agrícola, via monoculturas quimicodependentes, sob a batuta daqueles que patrocinaram os retrocessos no Código Florestal. Da mesma forma os grandes projetos de mineração, sob a sombra de um novo Código Minerário, ameaçam populações tradicionais, em vulnerabilidade crescente. De outra parte, a PEC 215 que engessa a delimitação de terras indígenas e quilombolas é colocada na mesa por políticos do agronegócio e da mineração, muitos deles financiados, nas últimas campanhas eleitorais, por empresas que vêm degradando a natureza e se beneficiam de tudo isso.  

Na cidade, a qualidade de vida está agravada pela especulação imobiliária desenfreada associada ao grave problema da moradia, pela falta de mobilidade, escassez de água potável e por uma carga de poluentes de todos os tipos, gerada por atividades que não têm controle por parte dos órgãos ambientais. A expansão da atividade industrial ocorre sem a observância dos compromissos e dos programas voltados a evitar e mitigar os riscos associados ao uso, produção e comercialização de produtos e substâncias químicas perigosas e persistentes.

Percebe-se que nos 24 anos de criação do FBOMS o contexto socioambiental nunca foi tão crítico. Esta situação não é exclusividade brasileira. No mundo inteiro, as políticas governamentais, ligadas à economia hegemônica em âmbito global, após a crise financeira de 2008, retomam o papel do Estado como indutor do velho paradigma e das falsas saídas baseadas no crescimento econômico e nos mercados mundializados. Isto se dá com enormes custos e ataques às políticas sociais, ao meio ambiente e, em especial, às populações tradicionais. 

Do ponto de vista da democracia, o modelo de representação político-partidária, que não mais responde às expectativas da população, está em colapso e exige uma profunda reforma política, sob controle da sociedade. Lutamos por um processo que rompa definitivamente com os financiamentos privados de campanha, que são, hoje, amparados por grandes setores econômicos internacionais e nacionais, que mais degradam a Natureza e os direitos sociais. Lutamos por um processo de participação inclusivo e permanente, que construa um projeto nacional de ecossoberania e sustentabilidade socioambiental. 

Apelamos à sociedade brasileira no sentido de reafirmar a vocação do Brasil, um país megadiverso, denunciando as tentativas de retrocesso, apoiando e fortalecendo os movimentos sociais e entidades socioambientalistas, que têm um papel fundamental no processo de avanço necessário nas políticas públicas para as presentes e as futuras gerações.

“A transgenia está mudando para pior a realidade agrícola brasileira”. Entrevista especial com Leonardo Melgarejo [IHU]

“Existem abordagens contraditórias. De um lado há unanimidade quanto à importância dos avanços científicos e do potencial da engenharia genética para o futuro da humanidade. De outro lado, há uma grande divisão relativamente aos resultados obtidos até o presente momento”, pontua o engenheiro agrônomo.
Confira a entrevista. (IHU)
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520591-a-transgenia-esta-mudando-para-pior-a-realidade-agricola-brasileira-entrevista-especial-com-leonardo-melgarejo


Foto: direitodeconsumir.wordpress.com
Após retornar de uma série de reuniões sobre o desenvolvimento dos transgênicos no Brasil na CTNBio, Leonardo Melgarejo concedeu a entrevista a seguir à IHU On-Line por e-mail. Nela questiona o que chama de “decisões polêmicas” tomadas pelo colegiado que tem a finalidade de prestar apoio técnico ao governo federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos Organismos Geneticamente Modificados - OGM. De acordo com ele, entre os temas em pauta estava o sigilo sobre informações referente “à performance agronômica das lavouras transgênicas”. Ele explica: “Há um entendimento, entre os membros da maioria, de que até mesmo as informações sobre o rendimento das lavouras transgênicas devem ser mantidas em sigilo. Aliás, o entendimento é de que todas as informações obtidas nos ensaios de campo devem ser sigilosas. Há dois anos isso não era assim. De lá para cá, na opinião da minoria crescem as evidências de efeitos colaterais e, ao mesmo tempo, crescem os receios - das empresas - de que ocorra divulgação destes efeitos. Possivelmente, as campanhas de marketing seriam prejudicadas pelas evidências de campo caso isso se tornasse de conhecimento público. Assim, algumas empresas pedem sigilo sobre todos ou quase todos os resultados de boa parte de seus estudos. Alegam que o registro de novas cultivares só será possível na medida em que todas as informações sobre estas cultivares sejam sigilosas, desconhecidas, completamente inéditas”.

Melgarejo também chama atenção para uma nova agenda que está sendo trabalhada pelas empresas, referente à introdução de novas espécies transgênicas no mercado, como cana, sorgo, laranja e eucalipto. “Atualmente estão sendo criadas regras para testes de campo dessas culturas, que são etapas necessárias à posterior comercialização. Se tomarmos como exemplo soja, milho e algodão, a experiência mostra que esses milhares de experimentos realizados, sobretudo no centro-sul do país, geraram pouquíssimos dados sobre os potenciais impactos dessas plantas modificadas no ambiente e sobre a saúde. Até agora não há indicativo de que o quadro mudará para essas novas espécies. Como preocupação neste caso, temos a expectativa triste de que deverá se repetir a tendência de geração de dados agronômicos de interesse das empresas, mas que oferece escassa ou mesmo nula utilidade para as análises de biossegurança, que - afinal de contas - correspondem à razão de ser da CTNBio”, lamenta.

Leonardo Melgarejo (foto abaixo) é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de Santa Catarina - UFSC. É membro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, no Rio Grande do Sul.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a transgenia tem mudado a produção agrícola brasileira?

Leonardo Melgarejo – Esta tecnologia sem dúvida tem sua atratividade. Ela promete grandes resultados em termos de produtos melhores e mais saudáveis. Também promete menor impacto ambiental, maior produtividade e lucratividade para produtores grandes e pequenos, com menores riscos para os consumidores. E ainda joga com esperanças muito complexas: promete plantas resistentes à seca, plantas tolerantes a solos ácidos, plantas que curam doenças, entre outros sonhos da humanidade. Infelizmente nada disso tem se confirmado. Até o presente, essas afirmações continuam restritas às campanhas de marketing e às manifestações de apoiadores da tecnologia.

É verdade que lavouras tolerantes a herbicidas trazem, inicialmente, facilidades técnicas. Trazem de fato simplificações ao processo de gestão, que são importantes e facilitam o trabalho do agricultor. Assim como é verdade que plantas inseticidas, que matam as lagartas que tentam mastigar suas folhas, durante algum tempo permitem economizar em inseticidas e facilitam o controle de determinados insetos. Mas isso só tem se mostrado válido no curto prazo. No médio prazo, o que tem sido observado é o oposto: há uma necessidade de uso de agrotóxicos mais fortes e mais tóxicos, com maior frequência e em maior intensidade, ampliando os custos e reduzindo a rentabilidade das lavouras. Para que se tenha ideia: segundo a imprensa, nesta safra, com o ataque de lagartas que deveriam ser controladas pelas lavoura Bt, o custo de produção da soja, na Bahia, passou de US$ 100 para US$ 200 por hectare. No caso do algodão, os gastos passaram de US$ 400 para US$ 800 por hectare (Valor Econômico, 12-03-2013). Segundo a imprensa, agricultores que até 2012 usavam 70 ml do inseticida Prêmio, da DuPont (produto mais recomendado e utilizado na região), com expectativa de restringir em 90% a população da Helicoverpa, lagarta que deveria ser morta no contato com plantas Bt, nesta safra, mesmo utilizando 150 ml, obtiveram resultados de apenas 70%. Os prejuízos, na Bahia, são estimados em R$ 2 bilhões .

Os resultados concretos mostram que, de forma geral, é possível afirmar que a transgenia tem oferecido para alguns, durante algum tempo, facilidades de manejo em função da homogeneização de processos decisórios relacionados ao controle de herbicidas e de algumas pragas. Porém, isso tem reflexos muito severos para os demais envolvidos. E mesmo para os que se beneficiam no curto prazo, os resultados de médio e longo prazo não permitem otimismo. Vejamos: a agricultura brasileira se vê diante da ampliação de custos produtivos e percebe uma alteração no tamanho mínimo viável para lavouras tecnificadas de milho, soja e algodão. Com isso, pequenos estabelecimentos se tornam inviáveis, o que resulta em aceleração da exclusão de pequenos produtores. Isso significa que, na prática, a transgenia tem acelerado uma espécie de reforma agrária às avessas no rural brasileiro. A expansão das lavouras transgênicas também acelera a simplificação das matrizes produtivas regionais.

Círculo vicioso
 Ao reduzir o número de produtores e o leque de produtos ofertados, a expansão da monocultura e o avanço das lavouras transgênicas provocam um círculo vicioso, que amplia as dificuldades de permanência das famílias no campo. Perceba: exigindo economia de escala e sendo deletéria para a agricultura familiar, esta tecnologia leva à redução da população rural e acaba inviabilizando a prestação de serviços que são fundamentais para a vida no campo. As escolas, os postos de saúde, as linhas de coleta de leite se tornam inviáveis quando a população se faz rarefeita. Então, é possível afirmar que a expansão dos transgênicos se associa à tendência de fragilização do tecido social necessário para a permanência do homem no campo. Além de reforçar o esvaziamento do campo e refrear o avanço de políticas que apostam em processos de desenvolvimento rural, “com gente”, a transgenia ameaça a qualidade de vida dos que permanecem no campo, ampliando o volume de agrotóxicos utilizados. Tanto é que o Brasil se tornou o país que mais usa agrotóxicos no mundo. Para o agronegócio não é ruim: sugere um maior volume de negócios, permitindo mapear uma expansão do PIB e da contribuição do setor para a economia nacional.
Mas isso não é do interesse da sociedade, sob o ponto de vista da maioria da população. Não apenas porque contraria o senso comum, mas também porque reforça um círculo vicioso. O maior volume de agrotóxicos, além dos problemas de saúde, está provocando o surgimento de plantas tolerantes a herbicidas, demandando expansão no uso de venenos. E não é apenas isso: o maior uso de venenos se associa à necessidade de venenos mais perigosos.

Perceba: os primeiros transgênicos liberados no Brasil eram resistentes ao Roundup, um herbicida à base de glifosato, que é classificado pela Anvisa como sendo de baixa toxicidade. Ele está comprovadamente associado à presença de alguns tipos de câncer, a problemas reprodutivos e neurotóxicos, entre outros, mas é classificado como de baixa toxicidade. Pois os transgênicos em avaliação pela CTNBio, atualmente, e que substituirão aqueles primeiros, que já não funcionam bem, serão tolerantes ao 2,4-D. E este é de alta toxicidade. Possivelmente, em breve estará sendo aplicado de avião, talvez em milhões de hectares. Podemos esperar que este veneno caia apenas sobre as lavouras? É importante observar que uma planta, que não morre quando toma um banho de veneno com ação hormonal, carregará consigo parte daquele veneno. Será consumida com resíduos do veneno. Por que os transgênicos tolerantes ao glifosato estão sendo substituídos? Porque a natureza produziu plantas que já não morrem quando aquele veneno é aplicado sobre elas.

A transgenia está mudando a realidade agrícola brasileira
No caso das plantas inseticidas, que matavam as lagartas que atacavam seus grãos, raízes e folhas, está ocorrendo algo semelhante. A natureza está produzindo lagartas que não morrem quando comem plantas que carregam aquelas toxinas. As perdas nesta safra levaram o governo a decretar estado de emergência fitossanitária e a autorizar a importação e aplicação de inseticidas novos. Um deles, o benzoato de emamectina, é condenado pela Anvisa. Trata-se de produto comprovadamente neurotóxico, que não era utilizado no país e que agora, graças à transgenia, passa a ser incorporado aos pacotes tecnológicos do agronegócio brasileiro. Enfim, essa pergunta é muito ampla, permite uma conversa de horas. Talvez de uma maneira muito simplificada, possamos afirmar apenas que a transgenia está mudando para pior a realidade agrícola brasileira.

Os impactos negativos são de ordem socioeconômica, de ordem estrutural, de ordem ambiental, de ordem sanitária e fitossanitária. Cresce e piora o quadro do uso de agrotóxicos, com seus reflexos sobre a saúde humana e ambiental. Insetos que eram pragas irrelevantes se tornam pragas importantes carecendo de inseticidas novos. A biodiversidade se reduz. O desequilíbrio ecológico aumenta. As sementes crioulas se contaminam com transgenes veiculados pelo pólen que chega a todos os locais, carregado por insetos e pelo vento, com impactos relevantes no futuro da nação. Isso estende os direitos das multinacionais detentoras das patentes daqueles transgenes, sobre os estoques de sementes guardadas há gerações, pelos agricultores de todo o país, reduzindo nossas perspectivas de autonomia, segurança e soberania alimentar.