domingo, 7 de abril de 2024

HÁ 25 ANOS SURGIU O INSTITUTO GAÚCHO DE ESTUDOS AMBIENTAIS – INGÁ

O Início

O InGá, que tem nome associado também a uma árvore (ingá-de-beira-de-rios), surgiu em 7 de abril de 1999, tendo reunido em sua assembleia de fundação, na maior parte de seus membros, biólogos recém egressos do Curso de Biologia da UFRGS, estudantes, membros do Programa Macacos Urbanos e da Comissão de Luta pelo Parque Estadual de Itapoã (CLEPEI), entre outros, em sua maioria jovens.

Inicialmente, essa ONG ambientalista tinha como objetivo principal colocar em prática ações para superar a inquietação de uma juventude que queria estar engajada em projetos em prol da biodiversidade e meio ambiente.

O InGá desenvolvia trabalhos, com apoios principalmente da Fundação O Boticário, com temas como viveiro de plantas nativas, em especial das restingas, no Parque Estadual de Itapuã e na Reserva Biológica do Lami, conservação do bugio-ruivo em Porto Alegre, incluindo corredores ecológicos para esta espécie ameaçada de extinção, envolvimento com a proteção das Unidades de Conservação de Porto Alegre, e contribuir com políticas públicas nestas temáticas.

Árvore de Ingá-de-beira-de-rio, protetora das barrancas dos rios do RS, Sul do Brasil.

Onde Atua o InGá?

Atualmente a ONG InGá, sediada em Porto Alegre, faz parte da representação de uma das 5 entidades, por indicação e compromisso com a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA-RS),  no Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) e no Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), tendo também atuado no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Por diversas ocasiões, o InGá também fez parte da coordenação da Apedema. Nossa entidade está envolvida em diferentes frentes ambientalistas, tanto dentro como fora dos conselhos, como apresentaremos a seguir. 

O InGá e as Lutas Estaduais

Em âmbito Estadual, temos lutas e ações judiciais, e apoio nas lutas por parte da ONG Curicaca, em defesa da continuidade das atividades da Fundação Zoobotânica  (Jardim Botânico, Museu de Ciência Naturais, Parque Zoológico), sob a responsabilidade da SEMA, pedindo responsabilização por danos em coleções de cactos, por exemplo, e apresentando documentos contrários à Concessão do Jardim Botânico, este processo com certo sucesso na Justiça, até agora. Também apresentamos documentos de questionamentos às concessões do Parque Estadual do Turvo e demais parques estaduais e nacionais (ICMBio), pela forma de modelagem meramente comercial, tecnicamente irregular, sem controles do Estado (não há documento dos técnicos da SEMA que avalizem a concessão) e da sociedade. Desde o final de 2022, o InGá cobra, por ofício à SEMA e ao Consema, uma apresentação da gestão (que deveria ser predominantemente técnica) quanto à administração das UCs do Estado, infelizmente sem respostas. Acompanhamos, por convite ao InGá, por parte da Assembleia Legislativa do RS, a Frente Parlamentar em defesa das Unidades de Conservação. 

No RS, o InGá faz parte do Comitê Contra a Megamineração no RS (CCM-RS) e está em lutas conjuntas contra o Carvão Mineral (Projeto Mina Guaíba, minas de carvão de Candiota e projeto de Termoelétrica a carvão Nova Seival), questionando também os Projetos Caçapava (temporariamente abandonado), Projeto de Mina de Fosfato Três Estradas, em Lavras do Sul. Também fizemos questionamentos por ofício quanto aos Projetos de Parques Eólicos na Laguna dos Patos, já que incidiram em Áreas Prioritárias para a Biodiversidade.  

No que se refere à bacia do rio Uruguai, nossa entidade encaminhou ao MPRS e ao MPF, em 2015, tendo êxito na abertura de ação na Justiça Federal que garante o impedimento da Eletrobras em dar continuidade aos estudos para implantação da Hidrelétrica de Panambi, com lago previsto de 33 mil hectares, a partir do município de Alecrim, com impactos potenciais ao Salto do Yucumã e Parque Estadual do Turvo. Em 2013, estudos anteriores do InGá e ações na justiça colaboraram para um indeferimento histórico, da Licença Prévia à Hidrelétrica Paiquerê, no rio Pelotas (Bom Jesus e Lages), por parte do Ibama, cuja atividade que implicaria o desmatamento de 4 mil hectares de florestas com araucária. O InGá foi o idealizador e um dos coordenadores, junto com Amigas da Terra Brasil e outras entidades, de três eventos denominados Fórum Sobre Impacto das Hidrelétricas (2001, 2005 e 2008), com a forte preocupação com a destruição socioambiental provocada pelos projetos de hidrelétricas, principalmente nas bacias dos rios Pelotas-Uruguai e Taquari-Antas. O Ingá esteve envolvido, inclusive em ações judiciais, com outras entidades, e em apoio ao MAB, na denúncia da fraude do EIA RIMA que resultou na hidrelétrica de Barra Grande, onde foram (2004 e 2005) criminosamente destruídos 6 mil hectares de florestas com araucária, dos mais contínuos remanescentes do Domínio Mata Atlântica no vale do rio Pelotas e bacia do rio Uruguai. Outros projetos também foram denunciados no rio Taquari-Antas, e com várias ações na justiça, encabeçados pelo advogado e doutorando da UFSC, Marcelo Mosmann, por incidir na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. 

No aspecto ligado ao campo e à agricultura, o InGá faz parte da Coalizão Pelo Pampa, cobrando em ofícios a obrigatoriedade do cumprimento da Reserva Legal no Bioma Pampa, dos Programas de Regularização Ambiental e do Cadastro Ambiental Rural. Também, nossa entidade, junto com entidades vem cobrando desde 2007 respeito aos ecossistemas naturais que restam dos Campos Sulinos, tentando fortalecer, e não retroceder, no Zoneamento Ambiental da Silvicultura, principalmente no Consema. 

No tema agricultura, em 2021, o InGá somou-se a muitas entidades (Ser Ação, Amigas da Terra, Agapan, entre outras,) contra o PL 260/2020, que acabou sendo aprovado em regime de urgência, flexibilizando uma lei estadual de 1982, que permitiu a comercialização de agrotóxicos sem registro no Brasil. Nossa entidade também é apoiadora de agricultores agroecológicos e co-autora de ações na justiça, cobrando punição, políticas públicas e reparação em relação a ação criminosa de pulverização aérea e deriva de agrotóxicos aos agricultores agroecológicos e moradores de assentamentos de Nova Santa Rita, RS

Em 2020 e 2019, nossa entidade somou-se a outras e também a movimentos contrários à flexibilização de mais de 400 itens do Código Estadual de Meio Ambiente (Lei 11.520/2000), aprovada, via projeto governamental (Governo Eduardo Leite), em regime de urgência, resultando na precária Lei n. 15.434/2020 que deixou mais desprotegida a biodiversidade do RS.

Há uma década e meia, o InGá também é responsável por várias ações contra loteamentos ou condomínios fechados em zonas de restingas no Litoral Norte do RS, por meio de grandes empreendimentos que desrespeitam as leis e a biodiversidade local.

O Ingá e as Lutas Ambientais em Porto Alegre

Até 2016, o InGá como outras entidades, como Econsciência e Amigas da Terra, tinham um espaço de participação no COMAM não estrangulado como a partir de 2017, onde o secretário de meio ambiente da época retirou a indicação que a Apedema fazia (em assembleia) para a representação das ONGs ambientalistas no COMAM. Inclusive, participamos de editais do Fundo Pró Ambiente de Porto Alegre, tendo sido uma das entidades selecionadas em três anos com recursos para projetos. Estes editais ocorriam até 2016. Em 2013, fomos resposnsáveis pela Cartilha das Frutas Nativas de Porto Alegre.

Atualmente, mais concentrados em Porto Alegre. Em junho de 2020, lançamos o documento Dar Visibilidade à Temática Ambiental nas Eleições Municipais de Porto Alegre. Atualmente, estamos nas Lutas em Defesa do Parque Harmonia, Anfiteatro Pôr do Sol, Orla do Guaíba Pública, sem concessões privadas e destruição de Parques e demais Áreas Verdes.

Em Porto Alegre. Nossa entidade, junto com outras, vem lutando contra o Arboricídio na Capital e pela qualificação da Arborização, inclusive tendo obtido na ação na Justiça  contra o fechamento e pela garantia da revitalização do Viveiro Municipal da SMAM. Em dezembro de 2023, o InGá obteve a aprovação, pelo COMAM, das Listas de Flora Ameaçada e Rara com ocorrência natural em Porto Alegre, publicado no dia 9 de janeiro de 2024, no Diário Oficial do Município. Vimos também tentando, desde 2021, a constituição de um Grupo de Trabalho para acompanhar e fortalecer as Unidades de Conservação Municipais, no COMAM.

Entre 2022 e 2023, o InGá assumiu críticas e contribuições ao Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica em Porto Alegre.

Há mais de uma década e meia, o InGá, junto com a ONG UPV, Preserva Arroio Espirito Santo, entre outros, também atua no questionamento ao Loteamento Ipanema, que poderia destruir com pelo menos a metade dos 13 hectares de remanescentes da Mata Atlântica naquele bairro, com a defesa desta área por parte dos advogados Marcelo Mosmann e Luciele Souza.  Da mesma forma como entidades de Porto Alegre, o InGá foi crítico e denunciou o empreendimento Arado Velho (Ponta do Arado), em Belem Novo, onde a SMAMUS promoveu a mudança de Regime Urbanistico, que era de Área de Proteção ao Ambiente Natural para Área de Uso Intensivo, no Plano Diretor Urbano e Ambiental de Porto Alegre. Na mesma linha, criticamos o Projeto de Loteamento Alphaville II, pois destruiria também com áreas naturais e colocaria em risco espécies ameaçadas de extinção de flora e fauna.

No tema da arborização, o Ingá participou de várias denúncias em um movimento denominado  “Chega de Arboricídio em Porto Alegre”, com mobilizações (denúncia do Guapuruvu da 24 de Outubro) ofícios aos órgaos municipais, Prefeitura de Porto Alegre eMinistério Público do RS, incluindo atividades de atos públicos na frente da SMAMUS, em outubro de 2023, com entrega simbólicas de um Machado de Prata, direcionado ao Secretário Germano Bremm, na SMAMUS, e entrega conjunta de uma Motoserrea de Ouro ao Prefeito Sebastião Melo, em evento sobre o Plano Diretor, na PUCRS, também em 2023. 

Em janeiro de 2024, o InGá solicitou, via ofício, espaço de acompanhamento, discussão e sugestões nas intervenções de podas e supressões ("manejo") em o acordo entre Prefeitura e CEEE-Equatorial e MPRS, infelizmente sem respostas.

Em mais de uma ocasião, o InGá denunciou à SMAMUS e ao MPRS em relação a desmatamentos de ecossistemas de restinga do Lami, incluindo queimadas, uso de trator e outras intervenções (com registro de morte/caça de jacarés), e evidentes tentativas de ocupação irregular. 

Por outro lado, nossa entidade se envolve em ações de valorização local de áreas naturais e áreas verdes, auxiliando a coordenação de atividades no Anfiteatro Pôr do Sol (caminhada “Conversa ao Pé das Árvores”, mini-show artístico no Anfiteatro, em 2023, e Celebração do Dia dos Butiás, em 2024). 

Existem outras atividades do InGá em Porto Alegre, algumas que implicam em Educação Ambiental no plantio de árvores nativas, em atos com comunidades ou entidades. 

Entrando de “Cabeça” nas Políticas Públicas, em defesa na natureza dentro e fora do InGá

Ao longo do tempo, provavelmente pela experiência no InGá e, mesmo antes, nas lutas ambientais de engajamentos de estudantes de biologia, no Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências (DAIB), muitos dos membros dessa ONG, principalmente biólogos, tiveram sucesso em suas carreiras profissionais, após concursos no IBAMA, posteriormente também ICMBio, SEMA do RS, SMAM de Porto Alegre, Petrobrás, etc. Ao longo dos anos, a entidade iria perdendo seus membros fundadores, pois assumiam trabalhos técnicos nos órgãos ambientais, principalmente a partir dos primeiros anos da década de 2000. De qualquer maneira, houve renovação e inclusão da participação de diferentes áreas de atuação e formação, além de biólogos(as).

O InGá participou do Conama, representando uma das duas entidades da Região Sul, entre 2011 e 2012, tratando de, junto com outras entidades do Conselho, a aprovação da obrigatoriedade de Avaliações Ambientais Integradas (AAI) de cada bacia como condição para a construção de hidrelétricas. Ibama e MMA infelizmente pediram para arquivar. Cobramos a efetividade das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Portaria MMA n. 9 de 23 de janeiro de 2007) e da consolidação do Corredor Ecológico Aparados da Serra-Rio Pelotas, infelizmente com poucos êxitos devido ao forte lobby dos setores econômicos contra os avanços nas políticas ambientais.

O InGá também associou-se a outras entidades nas lutas contra a flexibilização do Código Florestal Federal, Lei 4771/1965, infelizmente precarizada pela Lei n. 12.651/2012, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Também estivemos denunciando o avanço dos Transgênicos na agricultura (soja, milho, algodão, feijão, cana-de-açúcar e agora trigo). 

Futuro? 

Diante da Crise Climática e Ambiental alertada, a partir dos dados mais recentes que apontam que 2023 foi o ano mais quente (temperatura atmosférica global) já registrado, o valor de 420 partes por milhão (ppm) de CO2 é o mais alto em 14 milhões de anos, a Sexta Extinção em Massa está em curso, a poluição das águas, do ar e solo não para de crescer (Ver figura do Grupo de Estudos de Estocolmo). Assim, reconhecemos que a crise sistêmica pode ser já, muito provavelmente, uma premonição de um Colapso da Ecosfera, e teremos que nos preparar para a reversão no atual modelo econômico autofágico, ecocida, concentrador e gerador de desigualdades e muita miséria. Nossa entidade, por sua vez, acredita que para um país se tornar ecologicamente sustentável, biodiverso, tem que fortalecer os territórios da sociobiodiversidade e, sobretudo, romper com a obsessão pelo crescimento econômico, a concentração ilimitada de capital e de propriedade. O modelo capitalista é talvez a maior fonte de todos os males socioambientais que colocam em risco a Ecosfera e o futuro das novas gerações e dos demais seres vivos deste Planeta.


Seguimos mais comemorações, por muitas décadas, de nossas lutas coletivas em prol da Natureza e a Sociobiodiversidade!

Algumas das publicações do InGá em autoria ou co-autoria

Hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai 

Flora da Bacia do Rio Pelotas , 

Livro“Eucaliptais: Qual Rio Grande do Sul desejamos

Lavouras de Destruição: a (im)posição do consenso

Os comandantes da Nau Terra enlouqueceram? E nós, para onde vamos?

Cartilha das Frutas Nativas de Porto Alegre

Dar visibilidade à temática ambiental às eleições municipais de Porto Alegre

Como apequenar uma Conferência Municipal do Meio Ambiente em Porto Alegre por InGá)

domingo, 14 de janeiro de 2024

VERÃO, NO RS, É ÉPOCA DOS MANACÁS NATIVOS.

Os manacás fazem parte da família das Melastomatáceas (algumas que eram incluídas no gênero Tibouchina), lindas, desconhecidas e, portanto, negligenciadas no RS e no Brasil. Pelo menos a metade delas ameaçada de extinção, pela destruição da vegetação nativa e conversão em monoculturas ou em explosão imobiliária no litoral e regiões turísticas. Algumas levadas para o exterior fazem sucesso em outros continentes, enquanto aqui se plantam hortênsias asiáticas e outras exóticas que descaracterizam nossa paisagem outrora biodiversa...A seguir apresentaremos um conjunto de espécies do gênero Pleroma com nomes comuns inventados pela ausência de nomes populares conhecidos no Estado ou no Brasil, em decorrência do desconhecimento e negligência geral frente ao tema.

1. MANACÁ-DA-PRAIA, MANACÁ-VELUDO-DA-PRAIA (Pleroma urvilleanum)

Planta ornamental das restingas litorâneas do RS e litoral Sul do Brasil. Ameaçada de extinção (Em Perigo segundo o Decreto Estadual n. 52.109/2014). Negligenciada aqui, desconhecida dos brasileiros, mas levada para outros paises e continentes, sendo comercializada com nome de Princess Flower ou Glory Bush. Em sua região de origem não existe NENHUM VIVEIRO que a produza. Aqui, lamentavelmente, só se propagam e comercializam plantas exóticas. Segue foto de Capão Novo, Capão da Canoa, RS.







Olhem o sucesso delas lá no exterior: https://plants.ces.ncsu.edu/plants/tibouchina-urvilleana/




2. MANACÁ-DO-BANHADO (Pleroma asperius). Espécie restrita às restingas úmidas do Litoral Norte e Médio do RS e Litoral de SC, em areas úmidas submetidas a aterros para urbanização, está ameaçada de extinção. Observação: as folhas têm pelos duros e ásperos, daí o nome do epíteto específico: asperius. Foto de Terra de Areia, com o professor e botanico João André Jarenkow. 




Detalhes sobre a espécies https://www.scielo.br/j/rod/a/7Nmz3pyhKcv5JXjZmy4YGds/

3. MANACÁ-DA-SERRA (Pleroma sellowianum), também chamada quaresmeira-serrana, é uma arvoreta belíssima e característica dos Aparados da Serra no RS e SC. Infelizmente, planta negligenciada e substituída pela arbusto asiático hortênsia que, pela xenofilia reinante, acabou caracterizando a chamada Região das Hortênsias...Foto do Itaimbezinho, Parque Nacional Aparados da Serra.









4. MANACAZINHO-DA-SERRA (Pleroma ramboi). Restrita aos Aparados da Serra, é um arbusto baixo muito lindo, de barrancos úmidos, e se caracteriza por ter cílios na margem das folhas. Deve ser incluída na lista de espécies ameaçadas de extinção por seu endemismo à região dos Aparados. Tem nome científico (ramboi) associado ao naturalista e botânico Balduino Rambo que coletava milhares de plantas e incluía nas coleções de herbários, as chamadas exsicatas de herbário.

5. MANACÁ-GRANDE-DO-BREJO (Pleroma trichopodum). Lindo arbusto, alto e raro, estando ameaçado de extinção (Em Perigo) pelo Decreto Estadual n. 52.109/2014. Tem potencial ornamental, mas é desconhecido como todas as espécies de manacás nativos do RS. "Sirvam nossas façanhas de modelo à toda Terra"? Foto de matas em beira de lagoas quase desaparecendo, nos litorais de SC e do RS.

6. MANACAZINHO-DA-AREIA (Acisanthera quadrata). Rara e linda erva ou subarbusto do Litoral do RS, dos campos arenosos. Pouquíssimo conhecida e com enorme potencial ornamental. 

7. MANACÁ-DO-CAMPO (Chaetogastra gracilis). Erva comum dos campos do RS, mas apesar de seu potencial ornamental é desconhecida e negligenciada como quase todas as centenas de plantas ornamentais nativas do RS. Uma curiosidade: os campos de minha universidade (UFRGS) estão cheios delas em flor, sabem por quê: a universidade não tem dinheiro para manter o convencional corte raso da grama ou "campo de golfe". Bem feito! A natureza agradece. Podem cortar os gramados, claro, mas deixem elas floresceram e os bichinhos terem alimento e nossos olhos se encantaram com elas, ora bolas... 

8. MANACAZINHO-DOS-CAMPOS-DE-CIMA-DA-SERRA (Chaetogastra riograndensis)
Espécie descrita há 8 anos para o Parque Estadual de Tainhas, Jaquirana, nos Campos de Cima da Serra. Segue imagem do trabalho dos autores (Meyer e Goldenberg, 2016) 


9. MANACÁ-BRANCO-DO-BREJO (Huberia semiserrata). Linda e raríssima planta de matas de restinga úmida, vegetação criticamente ameaçada pela conversão em arrozais no Litoral de SC e RS. Desconhecida e negligenciada. Essa linda planta não é vista em viveiro nenhum. Poderia ser propagada no Jardim Botânico de Porto Alegre.




Bibliografia recomendada:

Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, vol. 6. ISBN 978-85-7523-057-2 (online) Martins, A.B. (coord.) 2009. Melastomataceae In: Martins, S.E., Wanderley, M.G.L., Shepherd, G.J., Giulietti, A.M., Melhem, T.S. (eds.) Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo. Instituto de Botânica, São Paulo, vol. 6, pp: 1-168


Flora do Brasil.
Flora e Funga do Brasil - Reflora
. https://floradobrasil.jbrj.gov.br

Laureano, M.H. 2020. Melastomataceae Juss. do complexo de Serras da Bocaina e de Carrancas, Minas Gerais, Brasil. Dissertação de Mestrado. UFU. 


Santos et. al. 2022. Distribution of Pleroma asperius (Melastomataceae) in Rio Grande do Sul, Brazil: spatial analysis for conservation strategie. Rodriguesia 73.







sábado, 4 de novembro de 2023

CARTA AO SENADOR PAULO R. PAIM SOBRE OS RISCOS DO PL 4653/2023 FRENTE À EMERGÊNCIA CLIMÁTICA (04/11/2023)



Porto Alegre, 04 de novembro de 2023.

Ao Exmo. Senador Paulo Renato Paim

Prezado Senhor:

            Nós, entidades e movimentos socioambientais vimos parabenizá-lo pelo lançamento de seu livro “Brasil, O Grito Calado – Reflexões na Pandemia” na 69º Feira do Livro de Porto Alegre, obra que reafirma seu papel de senador com histórico e compromisso com a defesa das causas sociais e ecológicas do nosso Estado.

Na oportunidade, também, aproveitamos para lhe entregar um documento denominado ALERTA URGENTE SOBRE OS DANOS SOCIOAMBIENTAIS DA RETOMADA DO USO DO CARVÃO MINERAL DO RS (em anexo), elaborado em 2021 pela Assembleia Permanente de Entidades Ambientalistas em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (APEDEMA-RS), que resgata, com dados científicos importantíssimos, nossa preocupação socioambiental em relação ao tema, e neste momento ao PL no 4.653/2023, de iniciativa dos Senadores do Rio Grande do Sul.

Consideramos que este PL, a despeito de ser denominado como “Transição Energética Justa”, é profundamente contraditório, pois prevê o prolongamento de subsídios ao uso do carvão mineral, como fonte energética e outros usos até 2040, bem como o desenvolvimento de Indústrias Carboquímicas e de Gaseificação do Carvão Mineral, desconsiderando sua condição de combustível fóssil e a poluição, inclusive decorrente da inevitável expansão da mineração do carvão, pelo menos até 2040.

Destacamos nossas profundas discordâncias já que o PL 4.653/2023:  

1) não reconhece o compromisso do governo brasileiro, e seu destaque de liderança nos acordos internacionais (COPs do Clima), no sentido de fortalecer a redução paulatina do uso do carvão mineral e demais combustíveis fósseis, e tenta resgatar e copiar os fundamentos da inconstitucional Lei Federal no 14.299/2022, sob judice no STF, do período do governo Bolsonaro, que esticou até 2040 o subsídio às térmicas a carvão em Santa Catarina;  

2) viola a Lei no 13.594/2010, que estabelece a Política Gaúcha de Mudanças Climáticas e a necessidade de ser elaborado um Decreto de Emergência Climática no Rio Grande do Sul, após os eventos desastrosos, ligados ao fenômeno El Niño, que atingiram as populações do Vale do rio Taquari e Litoral Norte;

3) não reconhece que 2023 foi o ano mais quente da história (temperatura média de 17º C da atmosfera da Terra em 2023), com chuvas torrenciais inéditas no Sul e secas extraordinárias nunca vistas na Amazônia, em parte agravadas pelo fenômeno El Niño e a elevação nunca vista de Gases de Efeito Estufa (GEE), em especial o CO2 (que atingiu seu valor recorde de 420 ppm), em decorrência do contínuo crescimento da queima dos combustíveis fósseis, em especial o carvão mineral, que deveria ser urgentemente reduzido;

4) não reconhece que os subsídios ao carvão mineral são pagos pela população, em sua conta de luz, e em subsídios anuais atualmente entre 750 milhões e 1,1 bilhão de reais, podendo alcançar neste período de 15 anos, a partir de 2025, em pelo menos 15 bilhões de reais, o que corresponde a um valor muito maior do que hoje se utiliza para investir em mudança de matriz energética renovável;

5) não reconhece a elevada poluição decorrente da implantação de um inédito Complexo Carboquímico e de Indústrias de Gaseificação do Carvão no Rio Grande do Sul, que demandariam mais mineração e mais prejuízos ambientais e à saúde dos trabalhadores e moradores do entorno das minas. Lembramos que existe um extraordinário comprometimento da saúde das crianças de Candiota, onde (segundo levantamento do CEVS- RS) quase 54% de internações hospitalares estiveram associadas a doenças respiratórias, o que representa mais de 6 (seis) vezes o valor encontrado em atendimentos a crianças em municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre;

6) incrementa o uso do carvão mineral, a partir do fortalecimento explícito da Lei Estadual n. 15.047/2017, referente à Política Estadual do Carvão Mineral, em especial no Pampa, e que prevê a maior exploração das jazidas carboníferas, altamente poluentes em um recurso de baixa qualidade, já que o carvão gaúcho tem elevada quantidade de cinzas (ao redor de 54%), elevado teor de enxofre (que causa acidificação dos cursos dágua, chuvas ácidas e compromete a saúde humana e ambiental), além de diversos metais pesados tóxicos (chumbo, mercúrio, cromo, cádmio, etc.);

7) não dá destaque ou aponta de forma objetiva a valorização do potencial das vocações socioeconômicas do Pampa, longe dos combustíveis fósseis, como a pecuária familiar, seus produtos derivados, a apicultura, a olivicultura, o turismo rural e ecológico, crescentes, ou mesmo o estabelecimento de uma potencial indústria de equipamentos ligados às fontes de energias renováveis necessárias e urgentes (eólica, solar, bioenergia diversificada).+’

Com base nos argumentos acima, vimos solicitar um debate mais amplo com a sociedade gaúcha e brasileira em relação ao Projeto de Lei do senado n. 4.653/2023, e que se construa urgentemente um caminho democrático que busque, de forma participativa, uma Transição Energética Justa e Verdadeira, que aponte para a valorização dos modos de vida diversos (sociobiodiversidade) da região do Pampa e suas vocações econômicas locais e com apoios dos governos, das instituições de pesquisa e articulação com a sociedade, fortalecendo o papel protagonista necessário do governo brasileiro no cenário mundial do combate às mudanças climáticas.

No aguardo para um encontro com as entidades signatárias deste documento

Cordialmente

- Assembleia Permanente de Entidades em Defesa de Meio Ambiente – RS

- Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior – (ANDES), Sec.UFRGS

- Acesso Cidadania e Direitos Humanos

- Grupo Viveiros Comunitários (GVC- UFRGS)

- Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá

- Instituto Preservar

- Movimento Laudato Si (RS)

- Pastoral da Ecologia Integral do Brasil - RS

- Preserva Zona Sul

- Movimento SerAção 


domingo, 10 de setembro de 2023

REFLEXÕES FRENTE AO DESASTRE CLIMÁTICO-AMBIENTAL DO RIO TAQUARI-ANTAS

Paulo Brack* e Eduardo Luís Ruppenthal** (14/09/2023)

O cenário preliminar 

O cenário de destruição ocasionada pelas chuvas extraordinárias e enchentes do rio Taquari-Antas, ao que tudo indica, não tem precedentes nem mesmo nos registros históricos de chuvas, se tornando uma calamidade de grandes proporções ainda a serem calculadas. A enchente catastrófica, em suas dimensões social, ambiental, econômica e histórica, não pode ser expressa somente em números, apesar de serem impressionantes como umas das maiores já vividas no Rio Grande do Sul. Pelo menos 47 mortos, além de desaparecidos, milhares de desalojados, destruição total ou parcial de milhares de casas e prédios urbanos, comunidades inteiras e municípios devastados, danos psicológicos, perdas de animais de criação e de plantios de subsistência, prejuízos econômicos e perdas ambientais significativas. A retomada da vida de milhares de famílias será muito difícil, após a perda de parentes, de lares e de bens materiais e imateriais. 

Levará ainda muito tempo para se conhecer, em maior profundidade, as causas, as consequências e o cenário futuro de aumento da frequência de eventos extremos verificados e previstos para se agravar no mundo inteiro. Os comunicados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) já apontavam que 2023 seria o ano com maior temperatura já registrada na atmosfera do planeta, o que se comprovou a partir de junho deste ano. 

Figura 1. Foto aérea do GZH, mostrando a a enchente, a destruição e a água barrenta na área urbana de Muçum. 

Do ponto de vista climático, as previsões já traziam potenciais chuvas históricas, ressaltando-se os alertas da plataforma Metsul Meteorologia, em 31 de agosto e 1o de setembro de 2023, com os títulos respectivos: “Setembro começa com chuva extrema, onda de tempestades e enchentes” e “ALERTA: Chuva virá com volumes excepcionais de até 300 mm a 500 mm. Volumes excepcionalmente altos são previstos pela MetSul Meteorologia para o Sul do Brasil nestes primeiros dez dias do mês [de setembro]”

Também cabe lembrar que em meados de junho de 2023 ocorreu outro ciclone extratropical e uma chuva excepcional devastadora no vale do rio Maquiné e no rio dos Sinos, no município de Caraá, tendo chovido no Litoral Norte do Rio Grande do Sul quase 300 mm em 48 horas. Houve a morte de 16 pessoas, somando-se o Litoral Norte e o Vale do Rio dos Sinos.

Infelizmente, o comunicado prévio da plataforma de divulgação meteorológica MetSul foi desconsiderado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul.  O governador Eduardo Leite, em entrevista a um programa da TV GloboNews, em 6 de setembro, alegou que os modelos matemáticos de previsão do tempo não indicavam o elevado volume de chuva que atingiu o estado no evento daquela semana. Como resposta, a MetSul divulgou uma nota pública contestando a declaração do governador, demonstrando que o alerta realmente tinha sido dado.

Quanto à atuação do governo do Estado do Rio Grande do Sul, à semelhança de outros governos estaduais diante de eventos climáticos extremos, o que geralmente se nota, de um lado, é “surpresa” e uma certa dose de cinismo e, não raro, oportunismo em uma narrativa de retirar sua responsabilidade e ao mesmo tempo imputar a culpa em fenômenos naturais. A grande imprensa também reverbera tratar-se de um fenômeno "natural", desconsiderando que o agravamento de tais eventos está associado também às alterações ambientais provocadas por atividades humanas. O atual excesso de  chuvas, temporais, ciclones, secas e ondas de calor são ainda considerados, por governos, como fenômenos “inesperados”, pois, pelo menos na prática, impera o negacionismo da emergência climática-ambiental. 

Além do negacionismo por parte de agentes públicos, vários setores econômicos rezam pela mesma cartilha a fim de afastar parte de sua responsabilidade ou inação diante das mudanças climáticas e à destruição ambiental decorrentes de atividades de origem antrópica que agravam essas calamidades. Do outro lado, quem mais paga o custo da tragédia é a população mais vulnerável do ponto de vista social, tanto na perda de dezenas de vidas, de quem mora mais precariamente na beira dos rios, mas também nas perdas materiais e nas condições de sua sobrevivência, na agricultura familiar ou nos pequenos e médios comércios. Qual é o custo de uma vida? Como restabelecer as condições mínimas dignas de vida aos atingidos que sobreviveram a estas calamidades? 

As mudanças climáticas negligenciadas

No atual contexto de crise climática, além dos alertas da OMM, os seis relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) vêm trazendo um conjunto de informações incontestáveis. Principalmente, a partir do 4º relatório, consagra-se cientificamente que os eventos climáticos extremos são predominantemente antropogênicos e cada vez mais intensos e frequentes. No caso da Região Sul do Brasil, em especial o Rio Grande do Sul, além das secas severas dos últimos verões, associadas ao fenômeno La Niña, agora ganha destaque o fenômeno inverso, o El Niño.

O El Niño, previsto para 2023 e que representa a maior quantidade de chuvas no sul do Brasil, está ligado ao aquecimento, em temperaturas maiores do que a média na superfície do Oceano Pacífico, em decorrência do aumento de gases de efeito estufa, influenciando a formação de nuvens e outros processos climáticos. É importante lembrar que no caso do gás carbônico (CO2) seus valores subiram, desde meados do século XVIII, de 270 ppm (partes por milhão) para 421 ppm, na atualidade. 

Vale destacar que as enchentes fazem parte da dinâmica de um rio. Entretanto, o uso mais intenso ou a alteração do solo da bacia, como um todo, especialmente suas margens, várzeas inundáveis e as matas ciliares, a intensidade e as consequências desses eventos se torna de maiores dimensões. A intensidade das cheias, em várias partes do mundo, está ultrapassando os registros históricos. O ciclo da água na natureza está sendo rompido por atividades humanas, o que também é comprovado cientificamente. Ademais, a vegetação das bacias tem papel neste ciclo e atua no amortecimento parcial dos picos de cheias. No Brasil, esta proteção está amparada pela Lei n. 12.651/2012 (Código da Vegetação Nativa, ou “Código Florestal” Brasileiro ), em especial no que toca às Áreas de Preservação Permanente (APP) que, se não preservadas, além de ambientes de beira de rios ficarem mais vulneráveis a impactos socioambientais, se tornam áreas de risco quando ocupadas pela construção de moradias, prédios, etc. 

A vegetação e seu efeito de maior amortecimento às chuvas e às cheias

A vegetação natural (campos, banhados, florestas, etc.) tem papel fundamental na maior função regulatória sobre o ciclo da água, exercendo maior capacidade de estabilização ou efeito tampão em relação às chuvas volumosas e às cheias. Quando as chuvas caem sobre a estrutura da vegetação (folhas, caules, raízes), a água infiltra no solo, facilitada pela matéria orgânica de sua superfície e a trama de raízes que atuam, em seu conjunto, quase como um efeito esponja em épocas de maiores quantidades de água pluvial. Solos cobertos por vegetação, portanto, permitem que a água da chuva penetre no solo, infiltre e alimente nascentes e lençóis freáticos e não escoe superficialmente de forma rápida para os arroios e rios (Figura 2)



Figura 2. Ciclo da água e a vegetação, de forma simplificada, onde a infiltração da água da chuva é máxima e o escoamento é mínimo 

A vegetação conserva a maior umidade no solo, evitando a erosão, auxiliando a manutenção da permeabilidade e a fertilidade do solo, suavizando o escoamento superficial rápido da água, em solos mais secos e compactados pela agricultura. A vegetação contribui, assim, para a maior regulação do ciclo hidrológico, além de dar abrigo à fauna, mantendo o patrimônio da biodiversidade e suas funções ecológicas e econômicas, proporcionando paisagens diversas que valorizam inclusive o turismo ligado à natureza.

Nas cabeceiras da bacia que inicia-se nos Campos de Cima da Serra, a partir de pelo menos 1000 m de altitude, a maioria dos cursos d’água é drenada ao rio Tainhas e, na sequência, ao rio das Antas com confluência do rio Carreiro que formam rio Taquari. Este é afluente do rio Jacuí, que escoa no rio-lago Guaíba. Seus principais afluentes pela margem esquerda são os rios Camisas, Tainhas e Lajeado Grande e São Marcos, e, pela margem direita, os rios Quebra-Dentes, da Prata, Carreiro, Guaporé, Forqueta e Taquari-Mirim. Nos altos do Planalto das Araucárias, tanto em relevos suaves como nas encostas mais íngremes, a vegetação, que era predominantemente composta por campos, turfeiras, banhados e florestas, com importante proteção e garantia de recarga de nascentes, está se transformando em lavouras, gerando erosão do solo. 

Se essa vegetação da região (figuras 4 e 5) seguir sendo retirada, progressivamente, o escoamento das águas da chuva continuará com riscos de picos bruscos, como foi na primeira semana de setembro deste ano, no vale do rio Taquari-Antas, aumentando as chances de cheias mais violentas decorrentes das chuvas torrenciais. O uso cada vez maior de máquinas pesadas de plantios de monoculturas, em especial de soja em campos até então virgens. Grandes superfícies impermeáveis ou sem vegetação podem incrementar a erosão do solo e das margens dos rios, levando ao maior assoreamento e a possibilidade de enchentes de maiores proporções

Além disso, sem vegetação, que atuaria como filtro para reter parte da lama e resíduos das cheias, as águas dos rios ficam mais barrentas após sua elevação, situação verificada nesta grande enchente do rio Taquari-Antas. A maior perda de vegetação nativa pela agricultura (Figuras 6,7,8 e 9) está conduzindo a maior instabilidade hídrica, menor qualidade das águas e maior vulnerabilidade ambiental. Ou seja, centenas de milhares de hectares de campos nativos de pastagem, com  vocação para a pecuária, transformados em agricultura e silvicultura nas cabeceiras do maior rio da região, com mais erosão, assoreamento e escoamento de água que antes infiltrava no solo e alimentava as nascentes. 

Figuras 4 e 5. Vegetação original das cabeceiras da bacia do rio Taquari-Antas, nos Campos de Cima da Serra


Figuras 6, 7, 8 e 9. Substituição da vegetação de campos nativos virgens nas cabeceiras da bacia do rio Taquari-Antas, Campos de Cima da Serra, por monoculturas 


Destruição das matas ciliares e avanço urbano em APPs e a consequente impermeabilização do solo 

Segundo a Lei 12.651/2012, em seu Art. 6º, consideram-se como Áreas de Preservação Permanente (APPs), entre outras, aquelas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a  (Inciso I) “conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha”. Entretanto, o que se constata é, em grande parte, o contrário, onde as matas ciliares estão sendo destruídas, e não recuperadas como a lei prevê e obriga, 


Figura 10. Margens erodidas do rio Taquari e rio barroso, em decorrência dos sedimentos em grande parte pelo mau uso do solo.  

Hidrelétricas 

Na bacia se destacam três Usinas Hidrelétricas (UHE) e dezenas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH, com até 30MW). As Hidrelétricas são UHE Castro Alves (130MW), UHE Monte Claro (130 MW), UHE 14 de Julho (100MW). É importante destacar que a FEPAM já realizou, há cerca de 20 anos, uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da bacia do rio Taquari-Antas, recomendando que ⅓ de um conjunto de mais de 50 hidrelétricas não fosse construído e que outro tanto passasse por rígidos estudos de impacto ambiental. 

No caso atual da tragédia do rio Taquari-Antas, o Ministério Público Federal solicitou informações de providências à Defesa Civil e também cópias de todas as comunicações eventualmente recebidas de parte da Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), responsável por hidrelétricas no rio, sobre o monitoramento do aumento do nível das águas do rio em decorrência das chuvas e, eventualmente, abertura de comportas, situação que vem sendo imputada à empresa por parte de moradores atingidos à jusante dos empreendimentos hidrelétricos. A empresa negou apresentar comportas com abertura em fluxos mais elevados dos rios.

Por outro lado, um documento da CERAN, no caso da UHE Castro Alves, denominado “PACUERA - Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno a Das Águas” (ABG, 2013) admite a presença de comportas e modificação eventual de vazão da mesma para facilitar esportes, em especial rafting (página 43): “ ‘comporta do rafting’ pela qual é possível regular o fluxo de água e liberar mais volume de água para a prática do esporte”. Ou seja, não se pode afirmar que as hidrelétricas ou pequenas centrais hidrelétricas da bacia tenham alguma influência no problema das cheias. É um assunto delicado, ainda mais em um momento desses. Mas, evidentemente, as hidrelétricas, em outras regiões, influneciam desde a retirada da mata ciliar até algumas mudanças na vazão dos rios, principalmente pela abertura de comportas, alteração na sedimentação do rio, etc.,criando, pelo menos em outros rios, picos abruptos de elevação dos rios à jusante das barragens após a abertura das comportas. De qualquer maneira, é papel do órgão ambiental, em especial a FEPAM, monitorar a gestão do fluxo da água dos rios por parte de UHEs e PCHs.  

Em trabalho coordenado pela ONG WWF (2012) foram identificados treze fatores de risco  na bacia do rio Paraguai, entre eles, os três primeiros, nesta ordem, são: centrais hidroeléctricas, urbanização e agricultura

Na Amazônia, o ecólogo Philip Fearnside (2015)do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, afirma que na Hidrelétrica de Balbina (PA), na estação de chuvas, a grande quantidade de chuvas que pudesse passar por cima do limite do barramento, causaria danos, o que “obrigou a ELETRONORTE a abrir as comportas completamente. Em consequência disto, o nível do rio entre Balbina e Cachoeira Morena subiu vários metros acima do seu máximo normal, assim inundando as casas e muitas das roças dos residentes ao longo do rio, assim como os poços que a ELETRONORTE tinha cavado para eles”. Há informações desencontradas quanto à abertura de comportas durante as cheias do rio Taquari por parte de hidrelétricas, o que deve ser esclarecido pelos órgãos responsáveis.

Sugestões quanto ao que pode e deve ser feito

  1. Trazer o tema das mudanças climáticas e seus eventos extremos, com base em instituições de referência internacional e nacional para o centro do debate, localmente, regionalmente e mundialmente, no âmbito governamental, legislativos, conselhos, ministério público e demais setores que tratam de políticas públicas socioambientais. A questão climática tem relação estreita com o aumento dos GEE, o que remete, obrigatoriamente, a que se discuta a matriz energética atual e, de forma inescapável, o modelo de economia hegemônico e energívoro que emite elevadas quantidades de gases de efeito estufa, diminuindo-se o uso de combustíveis fósseis, mas revendo-se a concentração de megaparques de geração elétrica, que vêm gerando impactos ambientais importantes. Em resumo, rever a pegada ecológica e dabater com a sociedade, principalmente questionando-se os setores que concentram capital e encabeçam as maiores fontes de liberação de GEE ou mineração predatória em minerais raros, em especial o lítio, associados às fontes de geração mais renováveis, no que chamam de transição energética, porém ainda presa ao paradigma do crescimento econômico e concentração ilimitados. 

  2. Diagnosticar os maiores riscos sobre as bacias hidrográficas, por parte dos órgãos de meio ambiente e instituições de pesquisa, juntamente com as prefeituras locais. 

  3. Fortalecer os Comitês de Bacia, em uma recomposição democrática, longe da influência, muitas vezes dominante, de representação de setores econômicos. Os conselhos devem ser compostos, predominantemente, por membros da sociedade, superando-se os atuais conflitos de interesse de representantes vinculados a setores empresariais ou governamentais, recorrentemente com visão econômica imediatistas. Também devem receber apoio e recursos financeiros da cobrança pelo outorga ou uso da água por parte de grandes usuários.

  4. Fiscalizar e proteger as cabeceiras do Rio Taquari-Antas e nas demais regiões de nescentes dos rios do Estado. Planejar e buscar programas e projetos para reflorestamento das matas ciliares conforme legislação vigente sobre as APPs, sem o retrocesso da inconstitucional da Lei n. 14.285/2021. Há que se controlar e coibir as licenças ambientais para atividades que, inclusive, estão a comprometer a qualidade, a quantidade e a vazão de água na bacia. Arquivar o PL 364/2019 do deputado Alceu Moreira, inconstitucional, que retira a proteção dos Campos de Altitude da Lei 11.428/2006, Lei da Mata Atlântica.

  5. Proteger as margens dos rios, em especial as matas ciliares da bacia do rio Taquari-Antas.. Há que se lembrar que o Rio Taquari-Antas constitui-se em um dos principais Núcleos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, enquadrado como Patrimônio da UNESCO e Patrimônio Nacional neste bioma reconhecido pelo Artigo 225 da Constituição Federal, sendo necessária, portanto, a revisão de todas as atividades que comprometam a vegetação nativa e a biodiversidade que, além de Patrimônio Internacional, desempenha papel fundamental nas funções ecológicas e econômicas (serviços ecossistêmicos) da bacia.

  6. Maior preparo para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos. Onde há negacionismo, não se reconhece a gravidade e não há ações, neste caso de adaptação, precaução e prevenção. O efeito El Niño era esperado, houve alerta e não houve preparo de parte de governos para engajamento da população em tomada de medidas prévias e emergenciais, incluindo o deslocamento de pessoas das áreas potencialmente mais atingidas para áreas mais seguras e rotas de fugas. É necessário o treinamento de pessoas para a prevenção, que envolva todas as comunidades, e ações ligadas às medidas emergenciais. A implantação de um sistema de alerta por parte do governo do Estado, defesa civil e de governos dos municípios sujeitos a estas tragédias e preparo da população frente a novos eventos como o que ocorreu no vale do rio Taquari.  Avisos prévios, com instalação de sirenes  e comunicação pública com carros de som, nos municípios risco de eventos climáticos extremos, neste caso, em toda a Bacia Hidrográfica do Rio Taquari. 

  7. Revisão conjunta dos empreendimentos hidrelétricos na bacia. Dezenas de barragens, de médias e pequenas centrais hidrelétricas na bacia, alteram a vazão e devem ter controle para se evitar a abertura de comportas. Há que se averiguar a mudança na vazão do rio Taquari-Antas, em decorrência destes empreendimentos, em seu conjunto ou isoladamente, situação que deve ser avaliada por instituições de pesquisa independentes e pelo Ministério Público, e controlada por demais instituições públicas, em especial do executivo estadual e municipais. Há que se fazer modelagens de controle conjunto das comportas de barragens, evitando-se o efeito dominó da abertura conjunta e um pulso d'água agravante da situação. Tudo isso remete a que se estude a situação dos rios, frente a tantas hidrelétricas na bacia, reconhecendo-se um limite para tais, antes da emissão de novas licenças ambientais para novos empreendimentos que afetem matas ciliares e alterem a vazão dos rios da bacia. A integração de instituições de pesquisa, governos e outros setores é fundamental e urgente para se antecipar às tragédias climático-ambientais como as que ocorreram. Cabe se respeitar a Avaliação Ambiental Integrada de toda a bacia hidrográfica, prevista em 2001. A segurança das barragens deve ser avaliada, frente a novas cheias, pois do contrário as tragédias podem ser muito mais elevadas do que as que ocorreram em setembro de 2023 nos municípios da porção mais baixa do rio Taquari.

  8. Recuperar as condições naturais, vegetação ciliar e manutenção da sinuosidade dos rios e demais cursos de água (Baptista & Cardoso, 2013) com reflorestamentos genuínos, com diagnóstico e identificação prévia das áreas com maior demanda de recuperação da Mata Ciliar e demais tipos vegetacionais, com planejamentos de programas e projetos. Trazer à necessidade de MORATÓRIA À CONVERSÃO DOS CAMPOS DE CIMA DA SERRA/ CAMPOS DE ALTITUDE (protegidos pela Lei 11.438/2006, compatíveis com a pecuária em campos nativos e turismo rural e ecológico).

* Biólogo, Dr, professor titular do Departamento de Botânica Instituto de Biociências da UFRGS. 

** Biólogo, professor da rede pública estadual, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS)


Bibliografias indicadas:

Baptista, M.; Cardoso, A. Rios e cidades: uma longa e sinuosa história. Revista da UFMG, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013. Disponível em: https://www.ufmg.br/revistaufmg/downloads/20-2/05-rios-e-cidades-marcio-baptista-adriana-cardoso.pdf 

Fearnside, P. Hidrelétricas na Amazônia: impactos ambientais e sociais na tomada de decisões sobre grandes obras. Vol.1. Manaus: Editora do INPA, 2015.  Disponível em: https://repositorio.inpa.gov.br/bitstream/1/4684/1/hidreletricas_na_Amazonia_v1.pdf .

Neiff, J. J. Bosques Fluviales de la Cuenca Del Paraná. In Arturi, M.F.; Frangi J.L. y Goya, J.F. Ecologia y manejo de los bosques de Argentina. s/d. Disponível em: https://cecoal.conicet.gov.ar/wp-content/uploads/sites/20/2016/01/Neiff-2004.-Bosques-Fluviales.pdf 

Wohl, Ellen et al. River Restoration. Water Resources Research. 41. W10301. 12 p.  Disponível em: http://bledsoe.engr.uga.edu/wp-content/uploads/2017/11/Wohl-et-al-2005-WRR-CUAHSI.pdf 

WWF. Análisis de riesgo ecológico de la cuenca del río Paraguay: Argentina, Bolivia, Brasil y Paraguay. 2012. Disponível em: https://wwfbr.awsassets.panda.org/downloads/26jan12_sumario_executivo_espanhol_1.pdf