domingo, 17 de novembro de 2019

Agrotóxicos | Instituto Nacional do Cancer

https://www.inca.gov.br/alimentacao/agrotoxicos (Última modificação: 17/06/2019 )
"Os agrotóxicos utilizados na produção da maioria dos alimentos no Brasil causam danos ao meio ambiente e à saúde do produtor rural e do consumidor. Sempre que possível, dê preferência aos alimentos agroecológicos ou orgânicos.
Os agrotóxicos são produtos utilizados na agricultura para eliminar insetos ou ervas daninhas [na realidade, plantas espontâneas, nem sempre prejudiciais] nas plantações. Também são chamados de defensivos agrícolas ou agroquímicos.

Estudos nacionais e internacionais não deixam dúvidas sobre os danos causados por esses produtos na população, principalmente nos trabalhadores e comunidades rurais, e no meio ambiente. Além da contaminação dos alimentos, da terra, das águas – que  em algumas situações torna-se imprópria para o consumo humano – temos  a intoxicação de seres vivos, como os mamíferos (incluindo o homem), peixes, aves e insetos. Regiões com alto uso de agrotóxicos apresentam incidência de câncer bem acima da média nacional e mundial. Cabe destacar que desde 2009, o Brasil é o maior consumidor mundial desses produtos.
Além dos alimentos in natura de origem vegetal como frutas, legumes, verduras, cereais integrais, castanhas e outras oleaginosas, ou minimamente processados, ou ainda ovos, leite e carnes frescas, é importante destacar que os resíduos dos agrotóxicos também podem estar presentes nos alimentos ultraprocessados como biscoitos, salgadinhos, pães, cereais matinais, lasanhas e pizzas, entre outros, que têm como ingredientes o trigo, o milho, a cana-de-açúcar e a soja, por exemplo. Sempre que possível, consuma alimentos agroecológicos ou orgânicos, pois além de serem mais saudáveis, contribuem para a preservação do meio ambiente e para a agricultura familiar.
-----------------------------------------------------------------------------------------------





segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Biodiversidade Brasileira Saberes e Aromas - Livro



O Brasil é um dos países com maior biodiversidade do mundo, possuindo cerca de 20% das plantas conhecidas do planeta. Contudo, somente pequena parcela da população conhece parte desta diversidade de plantas alimentícias nativas de cada bioma e de cada região brasileira.
Lamentavelmente, a agricultura moderna segue a se contrapor a esta diversidade. Teima-se em conceber a homogeneização de nossos ambientes, outrora ricos ecossistemas, para a produção em alta escala de monoculturas de exportação, gerando uma série de problemas ambientais, como o uso crescente de agrotóxicos e outros insumos que, justamente, se contrapõem à biodiversidade. A perda da diversidade agrícola e de culturas alimentícias, segundo a FAO, trouxe a perda de aproximadamente, 75% da diversidade agrícola mundial.
Entretanto, existe muito o que resgatar e (re)valorizar. Cabe lembrar que somente na Região Metropolitana de Porto Alegre, Valdely Kinupp encontrou mais de 300 espécies de plantas nativas alimentícias. No Brasil, se levarmos em conta as mais de 33 mil espécies de plantas fanerogâmicas brasileiras catalogadas pelo Projeto Flora do Brasil, usando-se estimativas com percentuais conservadores de plantas alimentícias, obteríamos uma estimativa de, pelo menos, três mil plantas alimentícias em nosso país.
No Sul do Brasil, alimentos como o pinhão da araucária, os frutos carnosos dos butiás (Butia spp), os frutinhos condimentares da aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolia), o fruto produtor de polpa da juçara (Euterpe edulis), a hortaliça ora-pro-nobis (Pereskia aculeata), entre centenas de espécies, começam a ser valorizados e diferenciados em diferentes comunidades humanas e em diferentes mercados.
Infelizmente, existem casos emblemáticos de contradição e descaso com as nossas espécies nativas, a exemplo da feijoa ou goiabeira-serrana (Acca sellowiana) planta frutífera da região Sul. Ha mais de um século esta espécie foi levada, desde o sul do Brasil e do Uruguai, para os EUA. Hoje é cultivada comercialmente, e com sucesso, na Nova Zelândia, Austrália e Colômbia. Em nosso país é, ainda, praticamente desconhecida da maioria da população.
A diversidade biológica e a manutenção mínima de vegetação natural são fundamentais para a funcionalidade ecossistêmica necessária no campo. Um dos pilares básicos para a sustentabilidade ambiental é a riqueza de flora e fauna, também associada à cultura alimentar regional e à ecologia humana. A produção de alimentos, com diversidade, é uma função também social amparada na Constituição Federal, que garante o direito ao meio ambiente equilibrado, com proteção à diversidade biológica e aos processos ecológicos.
Existe um movimento de resgate das plantas nativas na alimentação, associado muitas vezes à agroecologia, situação que também reflete a busca por uma vida mais saudável. Esta agrobiodiversidade emerge, principalmente, por meio da agricultura das famílias campesinas que veem sentido na convivência com a diversidade de produção de sementes crioulas, na revalorização da natureza e, também, dos pratos tradicionais.
Cabe destacar aqui iniciativas importantes de emergência do tema, que nos dão alento, caso da Iniciativa Plantas para o Futuro que, desde a década passada, vem promovendo o conhecimento e um uso mais amplo das nossas espécies nativas, a exemplo do livro lançado  pelo Ministério do Meio Ambiente “Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial – Plantas para o Futuro - Região Sul” e que está sendo expandido para todas as regiões brasileiras. Também merece ser ressaltado o apoio do Projeto Biodiversidade para Alimentação e Nutrição (BFN – sigla em inglês) que apoia o fortalecimento institucional de grupos que se dedicam a este tema, desde a academia até chefs e cozinheiros, em suas diferentes regiões e culturas tradicionais do país.
Seguem-se estudos dos conteúdos nutricionais e dos preparos dos produtos dessas plantas, em nível gastronômico, por instituições de pesquisa e grupos de pessoas que se sentem mais felizes com a busca destas fontes diversificadas de alimentos. E a experimentação coletiva dos pratos elaborados e algo muito estimulante.
Fundamentalmente, para o sucesso do uso de nossa biodiversidade alimentar temos que celebrar obras como esta, na esperança de que possa sensibilizar nossos governantes e as forças vivas da sociedade, a fim de colocar este tema no eixo estruturante das ações em prol de uma sociedade sustentável, que proporcione condições para a humanidade viver com mais igualdade.

sábado, 21 de setembro de 2019

NO DIA DA ÁRVORE, INCENDEIAM FLORESTAS E ABANDONAM VIVEIROS

Ficou marcada nas últimas semanas a imagem de calamidade do Brasil perante o mundo, onde as queimadas inéditas da Amazônia, em agosto deste ano, incendiaram 30 mil km2 de florestas, o equivalente a 4,2 milhões campos de futebol. Nós, cidadãos das cidades, temos a ideia de que é a morte de dezenas de bilhões de árvores, mais outras bilhões de criaturas não humanas e centenas de seres humanos (assassinatos de indígenas, campesinos e ambientalistas)? Lembraremos que o nome deste País é originado de uma árvore, o pau-brasil? E temos conhecimento de que Chico Mendes, que hoje representa o nome do Instituto que protege a Biodiversidade no Brasil (ICMBio), era um seringueiro e defensor das florestas e que foi assassinado por fazendeiros no Acre? Não, pois somos criados para ver a natureza como objeto, provedora e afastada de nossas vidas. E esquecemos que no planeta mais de um milhão de espécies, segundo a ONU, correm perigo de extinção, sendo dezenas de milhares de árvores.
Mas está difícil de esconder que o crime organizado, promovido por desmatadores impunes que lançaram o “Dia do Fogo”, no Pará, é um escândalo de repercussão internacional. O ministro Sérgio Moro não iria combater o crime organizado? O que estão esperando? Obviamente, a senha para os desmatamento e queimadas foi dada pelo chefe da nação que atiçou as hordas de madeireiros, ruralistas, garimpeiros e grileiros, via discursos governamentais contra a falsa “farra das multas” e da fiscalização do Ibama, submetendo seus técnicos ao assédio moral, digno das autoridades absolutistas dos séculos passados.
Segundo o jornalista Lúcio Vaz, das mais de 32 bilhões de multas do Ibama, em grande parte por desmatamento, somente 1,5% foi paga. O jornalista cita o caso da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, no Pará, que de um total de 320 milhões de multas, por desmatamento e impedimento de regeneração da mata, entre 2008 a 2017, nenhuma das multas foi paga. O clima do Brasil e do mundo vai cobrar caro: temperaturas mais elevadas, escassez de chuvas e de água para o abastecimento, umidade do ar próxima de índices de desertos e problemas respiratórios, gases de efeito estufa e mudanças climáticas extremas.
Os discursos governamentais não poderiam ser piores, tentando negar o crime ou agindo como advogados em defesa dos setores que encaram a floresta como empecilho denotando a ignorância ou má fé em relação à realidade, ou seja, a floresta em pé, inclusive em Reservas Legais (em agroflorestas, com açaí, castanha-do-pará, pupunha, babaçu, buriti, pequi, guaraná, cacau, cupuaçu, tucumã, seringueira e dezenas de outras) é muito mais rentável do que transformá-la em pastagem ou lavouras de soja. Salvem os povos indígenas, os quilombolas, os pescadores, as quebradeiras de coco, os açaizeiros e outros povos tradicionais que defendem a floresta, sem excluir, é claro, os cientistas, apoiados por ONGs, que pesquisam estes recursos e tentam demonstrar o obvio: a floresta em pé é muitíssimo mais rentável que a simplificação das monoculturas e pastagens dada pelo agronegócio convencional e à rapina imposta à Amazônia e aos biomas brasileiros. Sem o Fundo Amazônia e o fortalecimento do Ibama e ICMBio estaremos perdidos junto com a floresta dizimada.
Mas a sanha imediatista e devoradora, que encobre a síndrome de acumulação de terras e propriedades, está sendo denunciada como nunca, inclusive por ações de crime de negligência e responsabilidade, via Ministério Público Federal. O setor empresarial exportador de grãos e produtos agropecuários vai sentir também no bolso o seu apoio ao governo e ao modelo de rapina na Amazônia, através do boicote dos países estrangeiros à exportações do país que lidera a destruição das florestas tropicais.
Infelizmente, a negligência não é exclusiva das autoridades federais. Aqui no Estado, além do governo estadual e dos empresários promoverem a destruição do Código Florestal Estadual e do Código Estadual de Meio Ambiente, em favor das atividades econômicas convencionalmente degradadoras, em projeto de lei ainda sob sigilo do Piratini, vimos a situação de incerteza quanto ao Viveiro do Jardim Botânico. O Viveiro e o Jardim Botânico do Estado estão sob séria ameaça, com a extinção da Fundação Zoobotânica, via Lei de iniciativa do governo Sartori, que resultou na demissão de técnicos que coletavam sementes e coordenavam pesquisas com propagação e nossas espécies de árvores nativas.
O Secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura da SEMAI, Arthur Lemos, vai seguir o processo de extinção da FZB e permitir que se condene à morte o Viveiro mais rico em espécies de plantas nativas do Rio Grande do Sul? Um setor dentro de um Departamento desconhecido da SEMAI terá condições para levar adiante o Viveiro e as atividades do Jardim Botânico, sem a FZB? Por que não retomam um necessário programa estadual de produção de mudas de plantas estratégicas ecológico-econômicas, como a araucária, a erva-mate, a juçara, o butiá, entre outras?

No que toca ao Viveiro Municipal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Porto Alegre a situação é ainda pior. Segue o abandono de um viveiro que produzia muitas dezenas de milhares de mudas de espécies de árvores nativas para a arborização urbana a cada ano. A situação é tão grave que o Viveiro da SMAMS está sem luz há dois anos, e milhares de mudas perecem sem estrutura eficiente de irrigação e sem pessoal para dar continuidade as tarefas que vem sendo desenvolvidas há mais de meio século no viveiro público da cidade. Um viveiro que já teve mais de 70 funcionários, tem hoje somente quatro, a maior parte em situação de aposentadoria. 
Viveiro da SMAMS, há dois anos com danos graves, como falta de luz há dois anos, segurança, interrupções de água e coberturas rompidas r temporais, sem reparação
Existem espécies ameaçadas de extinção que acabaram morrendo, e isso é uma situação já alertada há mais de um ano pelos técnicos da SMAMS. As entidades ambientalistas Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a Associação Sócio-Ambientalista - Igré e a União pela Vida (UPV) encaminharam ação na justiça cobrando  providências urgentes para SMAMS, obtendo apoio do Ministério Público Estadual (MPE) do Rio Grande do Sul, após a matéria do jornal ZH que tem como título “O VIVEIRO SEM VIDA.
A sede do Viveiro está sendo alvo de arrombamentos e furtos de equipamentos de tratores, rede de fiação elétrica e o que pode ser levado, já que fica abandonado durante à noite, sem a guarda-municipal ou seguranças privados. O banco de dados de arquivos e fotos, que correspondem há mais de meio século de trabalhos, foi em parte destruído, bem como se interrompeu a coleta de sementes e a produção de mudas. Perdem os plantios em praças, parques, jardins e arborização urbana com plantas nativas, inclusive com material genético das espécies de plantas deste município e região.
Curioso que as coisas pioraram para a produção de mudas, justamente quando as Listas de espécies da flora ameaçada do RS aumentaram em 33% desde a década passada. Há uma década e meia, dezembro de 2004, realizamos o I Encontro de Viveiros de Plantas Nativas do Rio Grande do Sul, no Departamento de Botânica da UFRGS, que teve como objetivos “Incluir  princípios da biodiversidade na produção de mudas de plantas nativas”, concluindo-se, já naquela época que “Os viveiros e as instituições de pesquisa de órgãos governamentais voltados para o estudo e a conservação de nossa flora passam por uma profunda crise pela falta apoio, de infraestrutura e de corpo técnico”.
Também em maio de 2012, há quase 7 anos, durante a última Conferência Municipal de Meio Ambiente, foi aprovada a proposta de Meta n. 23, que diz: Desenvolver programas de fomento à produção de mudas de árvores de espécies nativas” “Prazo: 6 meses”. E para isso aprovou-se também a proposta de “Implementar a reestruturação da SMAM, incluindo a ampliação do seu quadro técnico efetivo e qualificação contínua de todos os técnicos do órgão ambiental. (Prazo: Um ano)”.

O encerramento das atividades destes dois patrimônios representados pelo Viveiro do JB da SEMAI e do Viveiro Municipal da SMAMS representaria uma perda irreparável para a arborização, para a biodiversidade e a vegetação urbana de Porto Alegre e um desserviço das administrações estaduais e municipal para o cumprimento das Metas da Biodiversidade 2020, assinadas pelo Brasil com mais de 190 países.
O técnico mais antigo e conhecedor do acervo do Jardim Botânico, da FZB, Ari Nilson
Valdemar Valenzuela, dedicado viveirista que, junto com outros colegas, trabalha mesmo sem luz, há dois anos, e quase sem condições, tentando salvar o que resta do acervo vivo e do patrimônio do Viveiro da SMAMS, da PMPA
Assim, torna-se, portanto, imperioso e urgente que os governos, pressionados pela população do Estado e do município e cobrados pelo MPE, possam retomar o cuidado com seu acervo de plantas e da produção de mudas de plantas ameaçadas, destacando-se aquilo que os viveiros particulares não fazem: a produção de mudas de espécies ameaçadas com base nas matrizes locais, com rastreamento e mapeamento e a busca de eventuais espécies que possam ser incorporadas, e programas e planos de ação e de educação ambiental, com a produção de mudas nativas de espécies de uso estratégico como ornamentais, ameaçadas, frutíferas e de valor cultural, entre outros, com o acompanhamento e integração com universidades, centros de pesquisa e entidades ambientalistas.
Os recursos suplementares poderão ser obtidos pelos Fundos Estadual e Municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre. São muitos milhões de reais e poderiam ser escoados para esta atividade que consideramos essencial e legalmente é compromisso da administração estadual e municipal.

Este artigo de opinião vai, neste Dia da Árvore, em homenagem dos heroicos viveiristas, que junto a pesquisadores e técnicos, dedicaram parte de sua vida a coleta, propagação e cuidado, com muito carinho, de nossas árvores e demais plantas, em especial tanto no viveiro Estadual, o técnico Ari Nilson, como no Municipal, o senhor Valdemar Valenzuela.

(Artigo de opinião de Paulo Brack, que atua com estudantes da Biologia da UFRGS em projetos de Extensão do Grupo Viveiros Comunitários- GVC

domingo, 15 de setembro de 2019

VAMOS ENXERGAR O CRESCIMENTO ECONÔMICO NA BASE DA DEGRADAÇÃO SOCIOAMBIENTAL?

Há cerca de 20 anos, em Porto Alegre, ocorreu a primeira edição do Fórum Social Mundial. Era uma resposta ao Fórum Econômico Mundial, de Davos. Os olhos daqueles que buscavam um Outro Mundo Possível foram voltadas para a capital do RS e para o Brasil. Estávamos vivendo em nosso país uma fase de esperança e de certo desgaste do neoliberalismo, no final do governo FHC. Questões socioambientais borbulhavam e as corporações econômicas mundiais e as instituições multilaterais do motor da acumulação eram o centro da crítica. 
Mas, como as crises econômicas são previstas e necessárias dentro da "destruição criativa" típica do capitalismo, destacada por David Harvey, segue o barco do modelo de economia que preza o crescimento dos negócios, o grande capital, em especial o financeiro. Neste caso, o capital sempre é salvo pelo Estado e por governos, como foi em 2008, principalmente na Europa e EUA (Vito Letizia, 2009). Bancos, indústria automobilística e dividas dos grandes. E quando o modelo econômico vigente retoma seu ritmo de crescimento, pode diminuir a desigualdade por um período, como ocorreu no Brasil até o início desta década, mas acaba incrementando a degradação da natureza e a concentração da camada mais rica da população (ver Vito Letizia, "A Grande Crise Rastejante", 2012). 
No Brasil, um país periférico que se tornou exportador de commodities como a maior parte do Cone Sul, principalmente para a China, e o paraíso dos bancos e dos empréstimos consignados, estamos ainda muito longe de seguirmos a pauta do FSM. 
Obviamente, no cenário de ultraneoliberalismo e espoliação, com ascensão de bancadas ruralistas e neopentecostais, o mercado tem agentes e operadores do sequestro das conquistas constitucionais sociais e ambientais. É fato de que se não for derrotado este processo, que levou ao poder a direita mais retrógrada deste milênio, estaremos ainda mais longe de repensarmos o que se chama de desenvolvimento e a grave situação socioambiental nacional e planetária. Mas o plano B, em um esperado recuo da direita insaciável que promove a rapina ambiental, parece distante. Infelizmente, ainda não nos demos conta de que o paradigma de mercado, onde nos prendem o capital financeiro, o produtivismo e o consumo de produtos com obsolescência embutida, significa aumentar irreversivelmente a degradação ambiental que supera todos os limites de capacidade de suporte dos ecossistemas e da Biosfera. Existe um círculo vicioso que segue preso ao incremento da indústria automobilística de veículos particulares de curta duração, exportação de soja, minério de ferro, lembrando aqui o crime de negligência da Vale em Brumadinho e Mariana (MG), e outros descaminhos das demais matérias primas exportadas sem valor agregado.
Ou discutimos o plano B necessário, e buscamos uma economia verdadeira, obviamente dentro de outra política, que respeite os ciclos da natureza, sem queimadas, megaempreendimentos como hidrelétricas e mineração, ou vamos seguir no canto da sereia da chamada "retomada do crescimento". O tão propalado Polo Naval de Rio Grande talvez siga no imaginário da região ou do Estado. Mas, seria, na realidade, justamente a peça desta engrenagem da mundialização da economia, e com o agravante da retomada das mesmas empreiteiras do cartel das hidrelétricas e que foram responsáveis pelo maior crime sobre a Mata Atlântica no sul do Brasil: a Hidrelétrica de Barra Grande, que destruiu com 6 mil hectares de floresta com araucária e expulsou milhares de agricultores de suas terras. E o Polo Naval produzia  plataformas e equipamentos para a exploração de petróleo, combustível fóssil da máquina energívora do modelo de esgotamento a que estamos submetidos, mesmo que por empresas nacionais. Vale a reflexão. Pra quem serve o Polo Naval?
Segundo Vito Letizia (2011), em "Enfrentar a Grande Crise":

Exporta-se e importa-se destrutivamente. Destrói-se ramos de atividade industrial inteiros num lugar qualquer para recriá-los na outra extremidade do planeta, sempre trocando mais lucros por menos salários e menos direitos trabalhistas, isto é, aumenta-se o custo humano dos produtos, para baixar seu custo para o capital. Monta-se produtos com partes fabricadas nos mais variados confins miseráveis do mundo, graças ao rebaixamento dos fretes a um nível próximo de zero, obtido com a destruição das velhas marinhas mercantes nacionais, que foram substituídas por frotas com bandeiras de aluguel baratas e com tripulações multiétnicas, raspadas no limo deixado por antigas marinhas periféricas de cabotagem mortas. Ou, por exemplo, importa-se bolas de couro a preços imbatíveis do Paquistão, fabricadas com trabalho infantil, embora se possa fabricá-las de modo decente e a preços razoáveis em qualquer país que tenha gado e curtumes. E, no caso da agricultura, a disseminação da moto-serra e do trator de lagartas vem permitindo arrasar facilmente florestas inteiras para cultivar algo exportável, com mão de obra em condições de trabalho regressivas. Quer dizer, perde-se floresta virgem e ganha-se mais miséria, em troca de dólares.

Para quem servem as áreas de mineração de carvão e outros recursos minerais neste círculo vicioso? Não temos outras saídas econômicas que não sejam megaprojetos com megaimpactos, como superportos, transposição e trem bala? Por que se recicla menos de 10% de tudo o que se produz no Brasil e no mundo? 
Existiria um mercado de reciclagem ou reaproveitamento mais genuínos com tecnologias sociais, como o sabão feito de óleo de fritura descartado feito por comunidades das Ilhas do Delta do Jacuí. A criação de Cinturões Verdes Agroecológicos nas Regiões Metropolitanas e nas cidades, começando pelo reconhecimento desta vocação da maior produção de arroz orgânico da América Latina justamente na RMPA, no berço do Fórum Social Mundial. As universidades estão tendo de incrementar seu papel social nestas tecnologias de quem mais precisa.
Temos que dar visibilidade e problematização desses conflitos e do sequestro (des)econômico a que estamos submetidos por parte dos negócios hegemônicos que seguem flexibilizando os limites de exploração ambientais e sociais. Outra pauta é retirarmos os subsídios às exportações de matérias primas e combatermos a guerra fiscal que rebaixa a legislação ambiental, inclusive com o tal de autolicenciamento, como fizeram infelizmente BA e MG, em governos supostamente de esquerda. O que mudou? 
Mudou que a população foi induzida a votar no pior projeto, mas temos também que considerar nossa responsabilidade nesta guinada para a direita, com políticos que beiram a delinquência galopante e encabeçam a guerra contra a natureza e os movimentos sociais.
O buraco é mais embaixo, mas falar disso de forma mais profunda incomoda inclusive o imaginário neodesenvolvimentista, que chegou a estar em cheque no FSM, e que nos levou para outro beco sem saída, como foi o PAC, onde em seus projetos e relatórios a palavra ambiente era mais utilizada como "ambiente de negócios" (os documentos estão disponíveis na internet e esta afirmação pode ser conferida). Foram trazidas a Copa do Mundo e as Olimpíadas que deram exponencial crescimento as empreiteiras que financiaram as campanhas eleitorais (os financiamentos privados de campanha alcançaram mais de 5 bilhões de reais em 2014, ver tabelas Excel na pg.-e do TSE).
A saída passa, além da reflexão dos descaminhos pós-FSM, da retomada da resistência ao neoliberalismo da ultradireita e do mercado, e em buscarmos entender a Economia Ecológica e a necessidade de decrescimento, e, neste caso, a partir dos países ricos, mas com o olhar para o conceito de bem viver que ganhou espaço em países da América Latina, como Equador e Bolivia. 
Trazer à tona a Economia Ecológica, que surgiu com a Bioeconomia de Georgescu-Roegen, matemático romeno, que foi forçado ao exílio nos EUA, mas foi execrado pelos economistas de mercado, para não ganhar o Prêmio Nobel em Economia, na década de 1970. Esta nova economia, real, emerge, ainda em forma tímida, neste contexto de urgência, também não imune às tentativas desvios profundos por parte do agronegócio. A Bioeconomia em parte caiu nas graças do "Agro é Pop". Mas tem que ser retomada como conceito não reducionista a que está sendo imposta.
Georgescu-Roegen, Matemático e economista, criou as bases para a Economia Ecológica
Existem saídas se valorizarmos iniciativas de resistência e lutas dos movimentos, de baixo pra cima, e com a colaboração de acadêmicos. Recomendamos aqui materiais de leituras, grande parte na internet, de Vandana Shiva, Yayo Herrero, Oscar Carpintero Redondo, Ailton Krenak, Carlos Taibo, António Turiel, Jorge Riechmann, Robert Costanza, Herman DalySilvia Ribeiro, Joan Martinez Alier, Eduardo Gudynas, Alberto Acosta, Serge Latouche, Manfred Max Neef, Michael Lowy, Philip Fearnside, João Luis Homem de Carvalho e outros tantos, sem esquecer também de nosso José Lutzenberger (Fim do Futuro, 1976) da bióloga norteamericana Rachel Carson, com sua obra prima Primavera Silenciosa (1962), que começou a luta contra os agrotóxicos, que segue presente na base do ecologismo e do questionamento do modelo de esgotamento atual. Temos que buscar a transição urgente que preze a Agroecologia, as energias alternativas ou sustentáveis e todas as formas de vida digna local comunitária e solidária, com desapego, dentro dos limites do Planeta, em outro paradigma fora do crescimento econômico e do modelo hegemônico de desenvolvimento.

Em complemento, seguem para reflexão as palavras de Vito Letizia (2011) quanto a duas "religiões" opostas que buscam seguir o modelo desastroso de crescimento da economia:

"Atualmente vive-se um surto de religiosidade capitalista, dividida em duas grandes correntes. A mais importante entoa salmos a um estranho livre mercado regulado, onde há empresas privadas de serviços públicos e instituições financeiras que exercem poderes de Estado impondo taxas e encargos arbitrários e onde há lucros pré-determinados por agências reguladoras tidas como portadoras de uma justiça sobrenatural. A outra corrente, bem menor, prostra-se ante um intervencionismo estatal mais ou menos miraculoso, tido como capaz de desenvolver a economia indefinidamente, além dos limites de qualquer modo de produção imaginável. Aparentemente as duas religiões vivem em estado de hostilidade, porém, no fundo, se complementam".

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Mina Guaíba: um empreendimento de altíssimo impacto ambiental e lobby da indústria dos combustíveis fósseis. Entrevista (IHU) com Paulo Brack


Entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos, realizada pela jornalista Patricia Fachin | 10 Junho 2019

O projeto de abrir uma mina a céu aberto em uma área de quatro mil hectares nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas “para trazer à tona 166 milhões de toneladas de carvão mineral para uso em gaseificação, termoelétricas a carvão, ou mesmo em um Polo Carboquímico”, proposto pela Copelmi Mineração, ainda não foi “explicitado e esclarecido à sociedade gaúcha”, adverte o biólogo Paulo Brack. Segundo ele, apesar de a região concentrar as maiores reservas de carvão do Rio Grande do Sul, o projeto da Mina Guaíba “surge a reboque do desejo de uma exploração mineral que representa o lobby da indústria dos combustíveis fósseis e por setores da economia imediatista, negacionistas das mudanças climáticas”, mas vai na contramão das orientações internacionais sobre a crise climática.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Brack informa que o licenciamento ambiental da Mina Guaíba “está em fase de análise de viabilidade que consta no processo necessário para a emissão de Licença Prévia pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – Fepam”. Entretanto, pontua, “um dos maiores problemas do projeto é a sua localização, que consideramos incompatível, pois consiste em um empreendimento de altíssimo impacto ambiental, que exigiria a supressão total de mais de dois mil hectares de vegetação, flora e fauna, rebaixamento de lençol freático e alteração de cursos de água, justamente na Área de Amortecimento do Parque Estadual do Delta do Jacuí”. De acordo com ele, a mina de carvão mineral também impactará a produção de arroz de 72 famílias de agricultores, que compõem um dos maiores centros de produção agroecológica da América Latina.

Paulo Brack é Professor do Instituto de Biociências da UFRGS, mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Representa o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS – Consema/RS.


Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que consiste o projeto da Mina Guaíba? Por que e em que contexto surge essa proposta?
Paulo Brack - O projeto, apresentado pela empresa Copelmi, consiste em uma mina a céu aberto em área de mais de quatro mil hectares, localizada nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, para trazer à tona 166 milhões de toneladas de carvão mineral para uso em gaseificação, termoelétricas a carvão, ou mesmo em um Polo Carboquímico, ainda não explicitado e esclarecido à sociedade gaúcha. Consta, também, a possibilidade de uso de areia e cascalho na área minerada. Cabe lembrar que a área apontada para o empreendimento também está localizada em uma imensa planície úmida na Área de Amortecimento de uma Unidade de Conservação, no caso o Parque Estadual e a Área de Proteção Ambiental do Delta do Jacuí, que faz parte da Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.

Delta do Rio Jacuí (Foto: skyscrapercity.com)

Projeto Mina Guaíba. 

Charqueadas, RS (Foto: Wikipedia)
Talvez o grande desejo de minerar é decorrente da existência das maiores reservas de carvão justamente nesta região, já que o Rio Grande do Sul possui mais de 85% das reservas potenciais do país. E surge a reboque do desejo de uma exploração mineral que representa o lobby da indústria dos combustíveis fósseis e por setores da economia imediatista, negacionistas das mudanças climáticas. No projeto, a empresa e o governo abstraem o contexto mundial ambiental relativo à elevação nunca vista de gases de efeito estufa - GEE na atmosfera. Neste item, está o principal fator responsável pelas mudanças climáticas, entre as maiores preocupações da ONU e dos 195 países que, em 2015, assinaram o Acordo de Paris, incluindo o Brasil. Da mesma forma, somado ao tema anterior, ignora-se a aguda perda da biodiversidade, hoje denominada pelos cientistas como a Sexta Extinção em Massa, itens importantíssimos fora da agenda econômica atual.
O contexto em que estamos imersos incorpora a lógica da supremacia pelo ambiente de negócios e investimentos sobre o meio ambiente e a saúde das pessoas, situação que resultou na “desidratação” da Sema, agora tutelada, ainda mais, pela infraestrutura, na atual Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura - Semai, criada já de início pelo governo de Eduardo Leite.

IHU On-Line - Como está o projeto de licenciamento da Mina Guaíba?
Paulo Brack - O licenciamento está em fase de análise de viabilidade que consta no processo necessário para a emissão de Licença Prévia pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler - Fepam. Um dos maiores problemas do projeto é a sua localização, que consideramos incompatível, pois consiste em um empreendimento de altíssimo impacto ambiental, que exigiria a supressão total de mais de dois mil hectares de vegetação, flora e fauna, rebaixamento de lençol freático e alteração de cursos de água, justamente na Área de Amortecimento do Parque Estadual do Delta do Jacuí. É difícil conceber a aprovação de uma licença ambiental a um empreendimento que representa a maneira mais agressiva de intervenção em ecossistemas e uma forma de geração de energia elétrica que está sendo abandonada no mundo.
Infelizmente, a audiência ocorreu, mesmo tendo as entidades obtido uma liminar na justiça federal favorável a seu pleito. Infelizmente, a liminar acabou sendo derrubada, após as 17h, por uma decisão de um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF 4, devido ao governo do Estado ter recorrido contra a liminar. Muitas pessoas acabaram não comparecendo à audiência.
Com base no problema criado e em consequência da importância do tema para Eldorado do Sul e Região Metropolitana de Porto Alegre, os Ministérios Públicos Estadual e Federal solicitaram outra audiência à Fepam, que acabou acolhendo o pleito reivindicado também pelas entidades ambientalistas. A nova audiência, chamada em Edital pela Fepam, será realizada às 18h do dia 27 de junho, em Eldorado do Sul.

IHU On-Line - Alguns ambientalistas têm se posicionado contrários ao projeto da Mina Guaíba, alegando que ela pode causar problemas ambientais. Que problemas são esses? Quais são os riscos envolvidos nesse projeto?
Paulo Brack - Cabe destacar que o empreendimento representaria a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil. A área envolve pelo menos dois mil hectares para serem minerados, em covas em faixas paralelas de cerca de 90 metros de profundidade, com imenso impacto nos recursos hídricos. Além da localização incompatível, afetando, mesmo que indiretamente, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, a área impacta diretamente populações locais e com enorme risco à população de Porto Alegre e Região Metropolitana.
Os ambientalistas, da mesma forma como os cientistas mais renomados da Ecologia, encaram esta forma de geração de energia como a pior fonte, já que se trata de um combustível fóssil, que gera CO2 e outros gases de efeito estufa. A própria ONU alerta para o Acordo de Paris, para que seja reduzido o uso do carvão como fonte de energia, devido aos GEE e às mudanças climáticas, que vêm trazendo catástrofes em frequência e intensidade nunca registradas.
Por outro lado, a poluição do carvão mineral promove a liberação de muitos poluentes. Inicialmente, temos as águas ácidas (drenagem ácida da mina) que inviabilizam a vida dos rios, decorrentes do contato do enxofre com a água, bem como o gás sulfúrico, gases de nitrogênio, poeiras finas e particulados, metais pesados tóxicos, como mercúrio, cádmio e chumbo, que trazem problemas ao sistema respiratório humano, sistema nervoso e problemas cardíacos, entre outros. No mundo, segundo dados da ONU, morrem mais de sete milhões de pessoas devido à poluição atmosférica, onde parte desta poluição é proveniente do carvão, como no caso de particulados finos, gases de nitrogênio e ozônio, por exemplo.

IHU On-Line - Segundo notícias da imprensa, o local onde a Copelmi pretende instalar a Mina Guaíba é ocupado pela área de maior produção de arroz orgânico da América Latina. O funcionamento da mina pode atrapalhar a produção de arroz?
Paulo Brack - A vida dos assentados e demais moradores da área de produção de arroz depende de um ambiente com qualidade ambiental e sem riscos. O atual assentamento, criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, contempla 72 famílias, distribuídas numa área de quase mil hectares. Cerca de 3/4 das famílias se dedicam ao cultivo de arroz orgânico e agroecológico e outras culturas. Trata-se de um dos centros de maior produção de arroz orgânico da América Latina. Parte dos assentados planta e comercializa hortaliças, frutas e outros produtos nas feiras orgânicas da capital.
A água é um recurso fundamental à orizicultura, à agricultura e ao abastecimento humano e animal. O projeto Mina Guaíba alteraria profundamente o curso de dois arroios e causaria o rebaixamento do lençol freático em muitas dezenas de metros, contaminando irremediavelmente aquíferos e cursos de água adjacentes. A poeira do carvão, a ser retirado, transportado e moído, e as consequentes águas ácidas com metais pesados tóxicos (cádmio, chumbo, mercúrio, arsênio etc.) comprometeriam a produção de arroz e qualquer outro cultivo agrícola.

IHU On-Line - Quais são os argumentos daqueles que são favoráveis e daqueles que são contrários a este projeto?
Paulo Brack - O argumento dos que defendem o uso do carvão mineral é o mesmo da economia convencional que teima em não reconhecer a crise ecológica, o que está a nos levar a situações dramáticas já relatadas. Estamos reféns do velho argumento pelo crescimento econômico que não deseja enxergar limites. Vivemos em um ambiente político que, com base na vã e efêmera criação de empregos, abstrai a precaução e os limites necessários.
Para piorar a situação, foi aprovada a Lei Estadual 15.047/2017, que criou, sem discussão com a sociedade, a Política Estadual do Carvão Mineral e o Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul. A Lei prevê incentivos fiscais para o uso deste combustível fóssil altamente poluidor. Falam em carvão “limpo” e outras impropriedades. Esse combustível está sendo abandonado em vários países, com destaque a 20 países que fazem parte da Aliança para o Abandono do Carvão, até 2030, que incluem, por exemplo, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Holanda, Itália, México, Portugal, Reino Unido e Suíça. A Alemanha se comprometeu a fechar as últimas termoelétricas a carvão em 2038. Cabe destacar que o Secretário geral da ONU, António Guterres, afirmou que não é possível o planeta manter um futuro baseado em combustíveis de origem fóssil, assinalando que “em 2016, foram investidos US$ 825 bilhões em combustíveis de origem fóssil e setores de alta emissão de gases do efeito estufa, mas essas emissões são as que provocaram efeitos catastróficos no planeta”.
Os defensores do carvão, hoje, talvez poderiam ser comparados com aqueles que, no Brasil do século XIX, defendiam a manutenção da escravatura para não “quebrar a economia” do país. Importantes setores políticos no parlamento e no legislativo, juntamente com os setores econômicos que os financiam nas campanhas eleitorais, estão nos afundando em um quadro de vergonha internacional. A mina de carvão, pelos seus múltiplos vetores de poluição de grande monta, vai de encontro ao direito ao meio ambiente equilibrado, garantido pelo Art. 225 da Constituição Federal. Possuímos um conjunto grande de fontes de energias alternativas, mais baratas e mais sustentáveis, em especial a energia eólica, a solar e os biocombustíveis não derivados de monoculturas. Além disso, a energia é um bem que deve ser tratado de forma racional, sem o esbanjamento usual, ao gosto do mercado.

IHU On-Line - O senhor tem informações de como o projeto tem repercutido entre a população da região?
Paulo Brack - Localmente, a maioria das pessoas potencialmente afetadas de modo direto, que teriam que ser deslocadas de seus lares e formas de vida, e muitos moradores de áreas adjacentes do empreendimento, em Eldorado do Sul e Charqueadas, são contrários a este empreendimento. Infelizmente, nos chegam relatos de que a empresa está promovendo promessas e muitas benesses a quem se dispor a sair da área prevista para o projeto. Mas temos que considerar que a atividade atinge mais pessoas, pela incontornável contaminação do ar da Região Metropolitana de Porto Alegre e do rio Jacuí, que desemboca no Guaíba e abastece de água milhões de pessoas.
IHU On-Line - Como o governo do Estado tem se pronunciado em relação às manifestações contrárias à mina?
Paulo Brack - O governo tem uma Secretaria Estadual de Meio Ambiente que, desde o início do ano, surpreendentemente, incorporou a área de Infraestrutura. Coincidentemente, ou não, a nova configuração imposta pelo governo tem o ex-secretário de Minas e Energia do governo Sartori, Artur Lemos, na chefia da Semai. Tal condição acaba deixando margem à tutela da área ambiental aos interesses econômicos da área do carvão mineral.
Outro sinal negativo foi o governo do Estado ter tomado a iniciativa de derrubar o pedido de liminar, de parte das entidades Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - Ingá, Agapan e União pela Vida - UPV, que impedia a audiência pública em Charqueadas, o que deixa com muita dúvida quanto à necessidade de isenção para manter um ambiente técnico livre de ingerências políticas para o processo de licenciamento ambiental.
Temos que estar vigilantes, denunciando o conflito de interesses entre a infraestrutura inviável, fomentada por setores do governo, e a área ambiental, que necessita independência!

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Paulo Brack - Acredito que o Rio Grande do Sul, que teve a criação de sua Secretaria Estadual de Meio Ambiente há 20 anos, possui muita tradição em manter um licenciamento ambiental de qualidade, inclusive amparado pelo conhecimento técnico da Fundação Zoobotânica, hoje quase extinta. Essa tradição de avanços ocorreu, em grande parte, pelo trabalho incansável do quadro técnico dessa Secretaria, pelas entidades ambientalistas e por outras organizações e movimentos de uma sociedade sempre vigilante que, em muitos casos, teve que apelar inclusive para o Ministério Público.
Lembro das conquistas do Zoneamento Ambiental da Silvicultura e da Avaliação Ambiental Integrada, inéditos no país, para formatar diretrizes e limites para empreendimentos como hidrelétricas e parques eólicos. O ex-presidente da Fepam, o engenheiro químico Nilvo Silva, fez um excelente trabalho de resgate do órgão em 2014, eliminando a possibilidade de ingerência política no licenciamento, colocando técnicos de carreira nas chefias, com um plano de cargos que fortaleceu o setor. Infelizmente, desde o governo passado, principalmente por meio da secretária Ana Pellini, houve imensos retrocessos por parte da chefia da pasta, que não tinha formação na área ambiental, mas, mesmo assim, acabou acumulando a presidência da Fepam.
A partir das primeiras iniciativas deste atual governo, ficamos ainda mais apreensivos pela opção pelo carvão e pela incorporação da pasta da Infraestrutura nesta Secretaria, por Lei de iniciativa do executivo, sem nenhuma discussão com a sociedade. A nova configuração da Semai possui o propósito inconfessável de submeter o processo de licenciamento, que deveria ser tecnicamente autônomo e independente, aos interesses do modelo convencional de infraestrutura econômica. As declarações e ações do governo seguem no sentido de “agilizar licenças”, ignorando os limites planetários negligenciados por agentes econômicos e governamentais, obsessivos pela competitividade dos negócios convencionais e insustentáveis.
Temos que resistir a um modelo que está batendo no teto da insustentabilidade. E, por outro lado, celebrar a vanguarda mundial de crianças e adolescentes que, em recentes manifestações, lutam pelo Planeta longe da ameaça de se ultrapassar o aumento de 2ºC da atmosfera, nos piores cenários possíveis dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.