sexta-feira, 8 de maio de 2020

O QUE SOBRARÁ DA ECONOMIA, PÓS-PANDEMIA?

O momento não é muito oportuno para se falar em economia, em meio à tragédia humana e do sistema de saúde em colapso pelo agravante vírus devastador. Mas, infelizmente, o assunto da economia está na pauta, e às vezes ganha mais espaço. Lamentavelmente, o assunto veio enviesado, pelas reiteradas falas do presidente, que opôs saúde x economia, como de resto faz com o tema meio ambiente x economia, como se fossem assuntos incompatíveis. Evidentemente, tal situação reflete a tentativa de confundir ou de eliminar qualquer assunto relacionado a políticas públicas seja tratado com ciência ou racionalidade. A prática corriqueira é semear obscurantismo, crença, desqualificação e medo.

Torna-se óbvio que a tranqueira das atividades econômicas pela pandemia afeta principalmente os mais vulneráveis. A preocupação em se retomar trabalho que gere renda é importante para o bolso e para o estômago de milhões de pessoas, mas isso depende, hoje, de cuidados que não estão sendo adotados. As massas e a própria economia (infelizmente ainda muito imediatista) necessitam retomar trabalho, produção e renda.

Mas o termo "retomar a economia" tem um quê de seguir o paradigma atual de esgotamento, via megaextração de recursos naturais, exportação de commodities (ex. Minério de ferro da Vale em Brumadinho e Mariana; grãos de soja, em monoculturas do Pampa à Amazônia; celulose com base em mares de eucalipto, destruindo os campos biodiversos e de vocação à pastagem na região Sul, e pra fazer papel lá fora, etc.), com muita sobretransformação da natureza e agravamento da crise climática. Uma economia que gera elevação para 410 ppm de CO2 e outros gases de efeito estufa. Uma economia que promove concentração de renda e é responsável por muita poluição aérea e hídrica, contaminação de alimentos, crise de água, desaparecimento da biodiversidade, seca, êxodo rural, acumulação e desigualdade, perda de qualidade de vida, entre outros efeitos colaterais ecocidas.

Enfim, vivemos um um imaginário de economia baseado no crescimento econômico infinito, em um planeta finito. Uma economia que sonega o óbvio, e estamos sentindo na carne o descaso com a natureza, com a aparição de um vírus mortal que tem origem e disseminação decorrente de maus modos humanos.

O projeto Pró-Brasil, lançado recentemente pelo ministro da Casa Civil, Braga Neto, admoestado pelo ministro ultra-neoliberal Paulo Guedes, foi, em parte, bem visto por contingente expressivo de economistas mais à esquerda. Por certo, virtuosamente, rompia com o austericídio neoliberal, e dava margem em se pensar em um projeto com um certo desenvolvimento do país, em meio ao caos e à perversidade das políticas pró-sistema financeiro e entreguismo de recursos nacionais. Alguns dizem que representava uma tentativa de ressuscitar o PAC, como se este programa fosse, em essência, sustentável do ponto de vista socioambiental. Mas, ao que parece, o novo programa não recebeu o apoio do presidente, que acaba nem mesmo tendo tempo em pensar no país, como um chefe de Estado, pois está, a todo momento, tentando se livrar de encrencas que ele mesmo criou e com os que lhe rodeiam.

Existe um imaginário de virtuosidade na palavra "infraestrutura". Mas, cá pra nós, que infraestrutura? Pra quem? Pra quê e como? Ferrovia Norte-sul ou Leste-oeste para escoar a soja desde a Amazônia ou Cerrado para portos, com lei Kandir (isenção de impostos para exportação), e exportação de minério de ferro e alumínio para a China? Mineração e usinas térmicas a carvão mineral? Gigantescas hidrelétricas a sofrer paralisia frente a secas constantes? Triste situação em que nos encontramos, em que não se pensa em converter a economia em trilhos sustentáveis para vida atual e futura. Por que não sermos um polo mundial de produção de equipamentos de saúde? Por que insistimos na produção de armas e não equipamentos para salvar vidas? A última viagem do presidente e sua a comitiva aos EUA, no início da pandemia,  foi justamente para garantir parceria na produção de armas, revigorando a indústria bélica e militar brasileira. Enquanto isso, a China desponta em dar ênfase a produção em massa de painéis solares e equipamentos de energia eólica, dos quais particulares brasileiros importam, pois aqui não existe apoio para energias sustentáveis, o que perdemos em empregos e desenvolvimento industrial.

A retomada de uma verdadeira economia, no Brasil e fora daqui, depende de se caminhar em aliança obrigatória com a biodiversidade, eliminando-se industrias que geram poluição. Atualmente, morrem por ano no mundo 8,8 milhões de pessoas em decorrência da poluição aérea, da máquina produtiva de nossa moderna economia.

Também não podemos esquecer que TODOS os recursos econômicos foram e são extraídos e transformados com base na NATUREZA. Dela dependemos para tudo. E cabe lembrar que os cientistas nos alertam para a finitude da Biosfera, que está há muito com seus limites de capacidade de suporte ultrapassados. Deveríamos recriar OUTRA ECONOMIA, baseada na divisão equitativa dos recursos econômicos, em bens não supérfluos, com limites à acumulação de capital e à propriedade. É mister que possamos ver o investimento necessário em indústrias verdadeiramente compromissadas com a vida, sem exploração do homem e da natureza.

Por que não converter nosso parque fabril em indústrias de equipamentos de energia eólica, solar térmica e fotovoltaica, bioenergia de policulturas, vestuário sem moda descartável, e que seja produzido aqui e não na China? Por que não investir em veículos de transporte coletivo com energia elétrica e em veículos individuais diversificados, com baixíssima poluição? Seguiremos vendo a produção de massiva de automóveis com obsolescência planejada e com incentivos de IPI reduzidos? Por que não se sobretaxa ou se proíbe o investimento em supérfluos e equipamentos com obsolescência programada? É importante um novo programa de construção civil, que promova cooperativas de construção de habitações MINHA CASA, MINHA VIDA SUSTENTÁVEL em áreas já antropizadas, com mutirões e com recursos públicos para viabilizar a captação de energia solar e água da chuva, eliminando-se empreiteiras atravessadoras. Uma economia virtuosa se faz com um PAA (Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar) com alimentos orgânicos, constituição de cinturões verdes de hortifruticulturas agroecológicas nas zonas rurais das cidades, como freio à especulação imobiliária.

Mas tudo isso também depende de menor apego ao consumo, mais investimento em transporte público, retomada de trens para passageiros e de mercadorias dentro do país, em um mercado consumidor interno de bens duráveis e sustentáveis. É urgente que abandonemos gradativamente os combustíveis fósseis, desestimulando o transporte privado e promovendo transporte público multimodal, que não gere a poluição descontrolada como antes da pandemia.

É claro, vai ser difícil, ainda mais como o atual avanço neoliberal de rapina em países periféricos como no caso do Brasil. Requer investimento em saúde, educação, ciência, Auditoria Cidadã da Dívida e moratória de pagamentos dessa dívida injusta e criminosa ao sistema financeiro.
Mas, se estivermos mais e mais pessoas conscientes de que não será mais possível e desejável a tal "retomada do crescimento" teremos dado um passo importante pós-tragédia humana desta pandemia e quando o inferno politico passar... Ou mudamos a ECONOMIA, que se reconecte com a ECOLOGIA, ou sucumbiremos!

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