Constata-se, mais uma vez, um episódio vexatório e indignante em que o
Prefeito Municipal de Porto Alegre leva a COP 30, em Belém do Pará, um Plano de
Ação Climática desconsiderando o cenário das enchentes, o que implicaria,
obrigatoriamente, em uma REVISÃO do tal Plano, onde não houve nenhum tipo de
discussão com a população de Porto Alegre.
Também denunciamos a não discussão da pauta climática no Conselho
Municipal de Meio Ambiente (COMAM), órgão central da política ambiental
municipal, além da ausência de rodadas de debates presenciais, principalmente
em locais de populações mais vulneráveis atingidas pela calamidade. Este plano
sequer esteve aberto a propostas na Conferência Municipal de Meio Ambiente
ocorrida no início de 2025.
Apesar das enchentes inéditas e de calamidade, com causas climáticas
antropogênicas, não houve a possibilidade de participação da sociedade em tempo
suficiente para debates, que não fosse pela iniciativa feita em setembro de
2024, por meio do Youtube da Prefeitura (sem chat), prejudicando a interação de
ideias e o recebimento de comentários.
Tal postura se revela ainda mais indigesta e pouco democrática se
levarmos em conta que é a população mais vulnerável – a rigor aquela com menor
poder aquisitivo – a que mais sofrera com os resultados do negacionismo da
administração de Sebastião Melo.
Documentos internos do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae)
vieram à tona no dia 20 de maio de 2024 comprovando que, após a cheia de
novembro de 2023, a prefeitura de Porto Alegre tinha sido comunicada sobre
problemas em quatro estações de bombeamento de águas pluviais. Duas delas no
Centro Histórico, uma no Menino Deus e uma no Sarandi.
Diante do aviso, o prefeito Sebastião Melo preferiu a desfaçatez
do negacionismo. Uma escolha infeliz e que custou muito caro
para milhares de porto-alegrenses. Afinal, naqueles bairros o prejuízo material
e humano foi gigantesco, visto que foram duramente alagados, talvez
especialmente o último, onde mais de 20 mil pessoas tiveram que deixar suas
residências e permaneceram por muitos meses desassistidas e sem voz.
O flagrante servilismo da atual administração de Porto Alegre, que há
bastante tempo privatiza – ou entrega – a cidade aos interesses financeiros de
um pequeno punhado de empresas e/ou corporações (em detrimento do bem-estar
coletivo), destacando-se a recente aprovação da privatização do DMAE, revela-se
ainda mais excludente em seu afã gentrificador, cuja aporofobia se reforça na
forma pela qual foi desenhado o suposto Plano de Ação Climática (Plac), sem
discussões nos territórios mais afetados, e, portanto, com o silenciamento
daquelas pessoas que mais deveriam ser ouvidas.
Além disso, é um ato de desinteligência – para não dizer cinismo – levar
adiante um plano de mudanças climáticas esvaziado das necessárias mudanças,
visto que construído com base em um cenário pré-calamidade, calcado em dados
defasados e que não levou em conta o quadro de emergência climática que
atravessamos.
O Plano de Ação Climática da atual Prefeitura de Porto Alegre, o tal
PLAC, não passa de mera retórica, não avança para além do terreno das
aparências e é incapaz de atingir a raiz dos problemas que enfrentamos.
Desafortunadamente, tal plano revela a face de uma administração pouco
comprometida com os bens públicos essenciais da população porto-alegrense.
Isto, num contexto de grandes críticas ao enfraquecimento da Secretaria de Meio
Ambiente atropelada por um Urbanismo Insustentável, e a um processo de
arboricídio cotidianamente denunciado, inclusive em áreas verdes de parques
públicos transformados em atividades comerciais e de negócios, como está na
pauta do novo Plano Diretor de Negócios Insustentáveis .
O Plano de Ação Climática da administração Sebastião Melo atende a um
programa de privatização dos espaços públicos que marca uma perspectiva
reducionista de mercantilização da vida, mas também um processo excludente e
elitista, pelo qual se forja uma plutocracia na cidade de Porto Alegre.
Trata-se, assim, de mais uma engrenagem de um projeto que vai na contramão da
história, pelo qual a violência e a cizânia social grassam em franco desfavor
das reais e urgentes necessidades da população porto-alegrense, em especial da
parcela que mais carece de uma cidade verdadeiramente democrática, includente,
ambientalmente sustentável e que privilegie não os interesses privados de
poucos, mas o Bem Comum e o Bem Viver.
Assim, para um debate mais genuíno referente ao tema mais emergencial da
atualidade, na cidade que já foi a Capital do Fórum Social Mundial e, mais
recentemente, o centro de maior calamidade climática no cenário mundial vista
nos últimos anos, seguem algumas de nossas críticas para o enfrentamento
verdadeiro do problema:
1) o Plano (PLAC) não foi discutido no Comam e nem houve debate com a população
de Porto Alegre, ainda mais depois da enchente de maio de 2024, tornando-se uma
propaganda de marketing evidente ligada a uma ONG internacional paga para fazer
greenwashing aos municípios;
2) o PLAC desconsidera o quadro de corte indiscriminado de arvores atual
na cidade, inclusive transformação de áreas verdes públicas dos parques
transformadas em concreto e asfalto (ex. Parque Harmonia), incluindo obras
privadas e construções imobiliárias que afetam a Orla do Guaíba;
3) o PLAC desconsidera a vulnerabilidade e a desproteção do município
(falhas graves na drenagem, com ausência de conservação de bombas, comportas,
muros, diques) e qualquer preparo para enfrentar as consequências das
inundações decorrentes de enxurradas e de mudanças climáticas;
4) o PLAC desconsidera qualquer preparo da administração municipal à
população de Porto Alegre, para o enfrentamento das enchentes, o que teve como
resultado dezenas de milhares de pessoas desabrigadas na cidade, e milhares de
toneladas de entulhos sem local de descarte. Muito entulho representa materiais
perdidos, risco de poluentes, e sem possibilidade de reaproveitamentos.
5) o PLAC desconsidera o aumento vertiginoso de painéis
luminosos nas principais vias de Porto Alegre, que constituem-se em
propaganda de negócios e em aumento ainda maior de consumo de energia não
essencial, representando poluição visual, indução ao consumo (via propaganda
inserida nesta forma de propaganda), entraves à circulação (no caso de totens
em calçadas), o que representa maior liberação de Gases de Efeito Estufa (GEE)
que são os responsáveis maiores da crise climática;
6) o PLAC desconsidera a precarização do transporte coletivo público,
o que induz o transporte privado, e maior liberação de GEE;
7) o PLAC desconsidera a flexibilização do Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), agora um tal Plano Diretor sem o
termo ambiental e incorporando uma sustentabilidade vazia e fake, incrementando
a urbanização de áreas naturais e rurais, principalmente nas zonas sul, extremo
sul, leste, representando maior perda de biodiversidade em áreas sem
infraestrutura urbana, o que requer mais energia, asfalto, cimento, aterro,
postes, encanamento, infraestrutura de comércio, etc. Ex. Empreendimento Arado
Velho;
8) o PLAC desconsidera que o estímulo da construção de
empreendimentos nas zonas sul e extremo sul provoca maior deslocamento de
automóveis particulares destes bairros até a zona mais central da cidade e
vice-versa, onde se concentram as atividades de trabalho, o que provoca maior
consumo de combustíveis, desgaste de automóveis e liberação de GEE;
9) o PLAC desconsidera que Porto Alegre possui mais de 100 mil
imóveis vazios, e que a população diminuiu 5% desde 2010, mas vê o aumento da
construção civil, inclusive na maior altura de prédios, o que impõe
mais materiais, maior quantidade de concreto, mais ilhas térmicas e maior
gasto energético, e maior liberação de GEE;
10) o PLAC desconsidera a ausência de efetiva coleta
seletiva, sem contêineres de resíduos separados (secos, orgânicos, sem
possibilidade se reaproveitamento), com a fragilização dos galpões de
reciclagem de resíduos e a perda de mais de 95% de resíduos, de milhares de
toneladas diárias destes, deslocados a 100 km de distância e que poderiam ser
em parte reaproveitados ou reciclados, além de destruir a coleta feita pelas
cooperativas de catadores e um projeto social (não de mercado) de reintegração
social necessária destes(as) trabalhadores(as);
11) o PLAC desconsidera a necessidade de apoio às construções
mais autônomas em energia, água e pré-tratamento descentralizado de esgotos
domésticos. Não há incentivo de IPTU a quem possui áreas verdes, nem mesmo à
construção decentralizada de painéis solares, cataventos domésticos, cisternas, etc.
12) o PLAC desconsidera a necessidade da reincorporação da área
rural de Porto Alegre, e da necessidade de incentivo à produção local de
alimentos, de forma agroecológica, a necessidade de redução de IPTU às
propriedades com áreas naturais, e com incentivo às nascentes e à gestão de
microbacias com drenagem que mantenha a permeabilidade do solo e a infiltração
de água e menos escoamento superficial, erosão e entupimento da drenagem de
rede de esgotos pluviais subterrâneos.
Assim, além dos argumentos acima existiriam outros tantos que definem
uma prefeitura que trabalha contra os conselhos de representação da sociedade
(CMDUA, COMAM, etc.) e desconsiderou sua responsabilidade decorrente de seu
descaso nas cheias de 2024. Fica evidente que esta investida na COP 30 é uma jogada
de propaganda enganosa, mas que vai sair caro para os cofres da prefeitura.
Reivindicamos a retomada de um Plano de Ação Climática com base na
discussão com a sociedade, exigindo um amplo debate público, incorporando a
participação legítima da sociedade organizada, em diferentes espaços,
prioritariamente nas comunidades mais afetadas pela enchente de 2024.
Observação: Este texto foi inicialmente elaborado há um ano pelo InGá e Frente
Popular de Resistência às Mudanças Climáticas, atualizado no dia 13 de novembro
de 2025.