sábado, 22 de novembro de 2025

A APROVAÇÃO DO PL 332/2025 AMEAÇA AINDA MAIS O PAMPA

O Projeto de Lei nº 332/2025, do Deputado Carlos Búrigo (MDB), foi aprovado na Assembleia Legislativa nesta terça-feira, 18 de novembro, em modificação à Lei 14.961/2016 que trata da silvicultura no Estado, trazendo a isenção de licenciamento ambiental à atividade de lavoura de árvores, chamada equivocadamente de “florestas plantadas”.

Foram 37 votos a favor e somente dois votos contrários. O argumento maior do autor deste PL é que, em nível nacional, as Leis Federais nº 15.190/2025 (do PL da Devastação) e nº 14.876/2024 (exclusiva às tais “florestas plantadas”) desobrigava esta atividade à necessidade de licenciamento. Entretanto, essa isenção é inconstitucional, como veremos a seguir.

A Constituição Federal, artigo 225, § 1°, Inciso IV determina "exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade". Não há como esconder que a silvicultura e a agricultura moderna causam significativa degradação ambiental, estando entre as principais causas da extinção de espécies de flora e fauna no Rio Grande do Sul e no Brasil, conforme as listas oficiais dos Decretos Estaduais 51.797/2014 e 52.109/2014 e da Portaria n. 148/2022 do Ministério do Meio Ambiente. Outrossim, a Constituição, neste mesmo artigo e parágrafo, define ainda a obrigatoriedade de se manter os processos ecológicos de cada bioma (Inciso I), a diversidade genética ou biológica (Inciso II) e proíbe que se provoque extinção de espécies (Inciso VII).

Os deputados que aprovaram esse PL argumentam que será mantido o Zoneamento Ambiental da Silvicultura e um cadastro, entretanto provavelmente no órgão não ambiental (Secretaria da Agricultura), em vez da SEMA, o que corresponderia a um tipo de autolicenciamento que vem na linha do “PL da Devastação”, também sem amparo constitucional e recentemente aprovado em nível nacional. Os retrocessos também atingem em cheio a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981), flexibilizando sem limites uma legislação que foi modelo mundial de proteção, há 43 anos.

Tais leis de flexibilização, como essa da retirada da silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras ou que causem alterações ambientais, ameaçam ainda mais o Pampa. No Rio Grande do Sul, as monoculturas arbóreas de eucalipto, pinus e acácia-negra já alcançam quase 1 milhão de hectares. Estes maciços de monoculturas arbóreas vêm afetando os Campos Sulinos, em especial o Pampa, de uma maneira exponencial, junto com a soja e outras monoculturas, principalmente sobre campos nativos biodiversos, em diminuição em mais de 100 mil hectares a cada ano. Segundo a rede de organizações de pesquisadores que monitoram os biomas do Brasil e da América do Sul, o Mapbiomas, o crescimento da silvicultura no Pampa foi de 1.641% entre 1985 e 2022.



Entre 1985e 2021 o bioma perdeu 3,4 milhões de hectares, ou seja, 29,5% de sua cobertura original, estando entre os com menor área de unidades de conservação (3%). 

No Rio Grande do Sul, uma das maiores causas da inclusão de grupos taxonômicos nas Listas Oficiais de Espécies Ameaçadas de Extinção, com destaque a centenas de espécies de flora (cactáceas, bromélias de campo, etc.) e fauna (répteis, anfíbios, aves, mamíferos, etc.), provém desses desertos verdes que se espalham por muitos biomas brasileiros, em grande parte para a exportação de celulose, para produzir papel, papelão e outros derivados em outros países. Paradoxalmente, centenas de espécies de plantas do Pampa foram levadas ao exterior, ou mesmo alvo de biopirataria, como ornamentais (verbenas, petúnias, cactos, etc.), medicinais (espinheira-santa) ou alimentícias (butiás, araçá e goiabeira-serrana).

Estes plantios homogêneos, em milhares de hectares, além de desestruturar a sociobiodiversidade, em campos com vocação à pecuária familiar, impactam diretamente a flora e a fauna dos campos nativos que ainda restam. Em relação à fauna, estudo denominado “Local Extinction of Tropidurus catalanensis caused by plantation forestry in the Pampas of Brazil” (KELLERMAN et al, 2021), realizado por pesquisadores do Laboratório de Herpetologia da UFRGS, concluiu diversos impactos da silvicultura de eucalipto sobre populações de um lagarto de campos rochosos no Pampa. Houve a redução e até desaparecimento de populações desta espécie, com o crescimento destes plantios. Contatou-se, ao longo de sete anos, uma diminuição gradual do número de registros mensais de lagartos adultos e uma tendência de diminuição da massa corporal, condição que prejudicou a sobrevivência dos que restaram. Além disso, houve alteração da dieta do animal, com maior frequência de abelhas no conteúdo estomacal e menor frequência de formigas, que correspondem ao item mais abundante de sua dieta em populações naturais. Estudos similares, realizados por pesquisadores do mesmo laboratório, verificaram situação semelhante de perda abrupta de população do lagartinho-pintado (Contomastix vacariensis), “How close is danger? Relationship between the distance from an exotic tree plantation and occupancy of an endemic lizard” (OLIVEIRA et al. 2022), réptil de campos de altitude, em decorrência de plantios de pinus a distâncias de até 1,5 km destes.

Além disso, cabe estacar que o Pampa possui mais de 200 espécies de plantas ameaçadas de extinção de ambientes abertos, algumas delas endêmicas de um só local de um município, estando a silvicultura na categoria de uma das principais ameaças, em decorrência do sombreamento que inviabiliza a vida de organismos adaptados há milhões de anos à condição de campos, principalmente rochosos.

A Ciência nunca teve tantos argumentos para demostrar a situação de perda sem precedentes de biodiversidade, mas o negacionismo segue dobrando a aposta na inconstitucionalidade por estes pagos. Além disso, os Decretos Estaduais referentes ao tema das espécies ameaçadas no Estado, publicados em 2014, estão defasados em onze anos, quando deveriam ter sido atualizados em 2018. Como agravante, cabe destacar que dezenas de espécies de flora e fauna estão sendo descobertas e descritas como novas para a ciência no RS, muitas em locais restritos, preenchendo todos os requisitos para inclusão nas novas listas a serem revisadas. Entretanto, essas novas espécies estão desprotegidas no licenciamento ambiental, justamente pela ausência desta atualização, sem falar que o governo do Estado não cria ou amplia as escassas Unidades de Conservação no Pampa, que mal chegam a atingir 3% do território total do bioma 193.836 km2 no Brasil.

Fica a pergunta: o órgão ambiental estadual, por competência, no caso a FEPAM, seguirá exigindo o monitoramento de espécies ameaçadas de extinção e também o monitoramento dos impactos nos recursos hídricos e o controle de agrotóxicos usados nestes plantios? Estes monitoramentos, se constatarem situações de maior gravidade à biodiversidade em decorrência de projetos de silvicultura comercial, controlarão estes impactos, como determina a Constituição e os fundamentos da legislação ambiental obrigatoriamente protetiva, reorientando os planos ambientais necessários?

Portanto, surge assim uma série de incertezas, não havendo nenhuma base técnico-científica que justifique a retirada da silvicultura das categorias de atividades a serem licenciadas. Ao contrário, contrasta com a inegável Sexta Extinção em Massa no que se refere à perda da biodiversidade mundial. E a retomada da análise destes projetos pelos órgãos ambientais, já que o setor da silvicultura pretende ampliar ainda mais seus plantios sobre os campos nativos, também deveria ser seguida por outras atividades que impliquem em monoculturas, como no caso da soja, que já atinge no Rio Grande do Sul 6.8 milhões de hectares, o que equivale a mais de três vezes o território do Estado de Sergipe.

Aceitar o não licenciamento ambiental da silvicultura ou outra atividade que provoque considerável alteração ambiental, porque uma Lei Federal isentou injustificavelmente estas atividades conflitando com a Constituição Federal, é assinar embaixo do processo sem limites de negacionismo ambiental e de ataques inconstitucionais a toda a legislação que protege o meio ambiente, o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida no estado e no Brasil.


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