Tipo de
Hidrelétrica
|
Em Operação
(2022)
|
Planejadas (2022)
|
Em Construção
(2022)
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Total
(2022)
|
PCHs e GCHs (2022)
|
135
|
137
|
5
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277
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UHE (2022)
|
13
|
8
|
1
|
22
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Total (2022)
|
148
|
145
|
6
|
299
|
Tipo de
Hidrelétrica
|
Em Operação
(2025)
|
Planejadas (2025)
|
Em Construção
(2025)
|
Total
(2025)
|
PCHs e GCHs (2025)
|
213
|
192
|
6
|
411
|
UHE (2025)
|
14
|
9
|
0
|
23
|
Total (2025)
|
227
|
201
|
6
|
434
|
Estes números acima, que correspondem a um crescimento exponencial de
projetos hidrelétricos, provavelmente crescerão ainda mais se a sociedade não
questionar o Atlas
Hidroenergético no RS, elaborado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente
e Infraestrutura (SEMA), em parceria com empresas privadas, trabalho que desconsiderou
as Avaliações
Ambientais Integradas e o impacto sinérgico de tantos empreendimentos sobre
a biota e às comunidades ribeirinhas e outras também afetadas.
Ou seja, as construções de
hidrelétricas e outras barragens, incluindo aquelas voltadas à irrigação de
monoculturas ou para o abastecimento de água às cidades, e que também sofrem flexibilização no licenciamento ambiental, impactam diretamente
em ecossistemas de cursos de água de diferentes dimensões, interrompendo ou
alterando seu fluxo, com resultados muitas vezes desastrosos para a biota.
O desaparecimento de
peixes nativos - entre eles o dourado e o grumatã - já é uma realidade, via
eliminação da piracema ou alteração da qualidade de suas águas. Além disso, as
barragens provocam a destruição das matas ciliares e outros habitats,
eliminando também com centenas e milhares de espécies restritas aos cursos de
água do Brasil. Não raramente, os rios perdem sua oxigenação natural, pela
transformação de cursos de água com corredeiras (ecossistema lótico) em lagos
de águas quase paradas (ambiente lêntico), onde a alteração favorece a invasão
de espécies exóticas, como o mexilhão dourado e peixes como as carpas e
tilápias.

Não seria exagero se
afirmássemos a possibilidade, muito provável, da extinção em massa de espécies
de flora e fauna exclusivas dos cursos de água na bacia do rio Uruguai e do
Brasil. Em geral, os ambientes originais não se recuperam após a destruição das matas ciliares e dos cursos de água livres de represas, e que
abrigam centenas de espécies de peixes nativos do Estado e milhares de espécies no Brasil, entre outros
seres vivos, incluindo a flora
reofítica exclusiva de beira de rios. Ao
contrário, a faixa desnuda da outrora mata ribeirinha não reocupa as margens
dos lagos de represas, o que significa expor o solo sujeito à erosão e ao
assoreamento, fator que diminui o tempo útil das próprias hidrelétricas. A
triste ironia é que parte do que sobrou de florestas no Brasil está confinada às
margens dos cursos de água que estão, ou deveriam estar, protegidas nas Áreas
de Preservação Permanente (APP) (Lei Federal n. 12.651/2012), situação agora alvo de
destruição irreparável pelas represas de hidrelétricas, injustamente chamadas de “energia limpa”...
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Rio Guaporé, com corredeiras, ambientes que permitem a oxigenação da água dos rios, dimunuindo o potencial da poluição biológica pelo excesso de nutrientes. |
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Margens do rio Pelotas, sem matas ciliares, há cerca de 20 anos, afetadas pela represa de Barra Grande onde a usina encontra-se a cerca de 80 km abaixo deste ponto que cruza a ponte entre Vacaria (RS) e Lages (SC). |
A geração de energia não pode ignorar o atual e
dramático processo de Sexta Extinção em Massa, já que o limite de
suporte dos ecossistemas naturais já está sendo ultrapassado, levando à extinção de espécies e à perda de modos de vida das
comunidades ribeirinhas frente a tantos empreendimentos hidrelétricos. O setor
de geração de energia elétrica no Brasil não demonstra interesse no uso racional de
energia, ao contrário, e conta com lucros crescentes com a indução ao consumo
crescente. Infelizmente, o setor produtivo conta com apoios governamentais, o
que também incide no crescimento de outras fontes de
geração.
O Autoritarismo
e grandes interesses econômicos no planejamento de empreendimentos
hidrelétricos no Brasil
Célio Bermann,
professor do Pós-Graduação do Instituto
de Energia e Ambiente da USP, sempre denunciou a origem autoritária do
planejamento de empreendimentos de geração de energia, em especial as
hidrelétricas. Infelizmente sofremos grandes retrocessos ambientais, apesar do avanço dos marcos legais e de acordos internacionais
que dão amparo à manutenção da sociobiodiversidade, com destaque aqui à Constituição
Federal de 1988, cujo Artigo 225 proibe que se provoque a extinção de
espécies de flora e fauna. Da mesma forma, deveríam ser cláusulas pétreas os avanços ambientais na Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal n. 6938/1981), nas Resoluções Conama n. 01/1986 e n. 237/1997, ou mesmo no acordo internacional da Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Bermann destacou, ainda, que setores chamados
eletro-intensivos, de materiais semimanufaturados para a exportação, como as
produções de alumínio, minério de ferro, pasta de celulose e cimento, consomem grande
quantidade da energia elétrica e geram baixo valor agregado em produtos, sendo, em
geral, enviados para a exportação. Além disso, o professor alerta para a ausência de programas de uso
eficiente e racional de energia.
Desde a primeira década de 2000, várias obras de hidrelétricas foram resgatadas do
portfólio do regime militar da década de 1970, como o caso
das hidrelétricas de Belo Monte (rio Xingu), Jirau e Santo Antônio (rio
Madeira), Teles Pires (rio Tapajós), entre outras, sem sequer obedecer os
acordos internacionais de consulta prévia aos povos originários e às
comunidades tradicionais potencialmente
atingidas, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional doTrabalho (OIT).
No caso da Amazônia, segue a tendência de expansão da
fronteira de construção de hidrelétricas devastadoras de ecossistemas e de
modos de vida em meio à floresta, associadas a grandes empreiteiras e, mais
recentemente, com investimentos de fundos de pensão de trabalhadores. Os impactos não são somente diretos, mas também secundários, no que se refere à atração de milhares de
migrantes e empreendedores do minero-negócio e do agronegócio depredador sobre este
e outros biomas brasileiros.
A destruição de 6 mil hectares de
floresta com araucária pela UHE Barra Grande fará 20 anos em 2025
O rio Uruguai, desde seus rios tributários (rios Pelotas
e Canoas), já foi alvo de sete hidrelétricas e dezenas de milhares de hectares
de florestas ribeirinhas destruídas e rios com corredeiras e piracema
transformados em lagos, com proliferação de cianobactérias e invadidos por peixes e moluscos
exóticos invasores. Há 20 anos, entre os
anos de 2004 e 2005, aqui no sul do Brasil, fomos testemunhos da maior
destruição de florestas com Araucária, no rio Pelotas, em uma formação da Mata
Atlântica, em um dos maiores corredores ecológicos para a Floresta Estacional
Decidual do vale da bacia do rio Pelotas-Uruguai. Foram devastados 6 (seis) mil
hectares, com a morte de mais de 5 milhões de árvores (um milhão de metros cúbicos
de madeira), perdendo-se mais de 200 mil araucárias, engolidos por uma hidrelétrica chamada
de Barra Grande, no norte do Estado, entre os municípios de Pinhal da Serra
(RS) e Anita Garibaldi (SC). O licenciamento ambiental desta maior obra de
destruição da Mata Atlântica no Sul do Brasil esteve associado a denúncias
comprovadas de graves omissões e fraudes imputadas à empresa ENGEVIX,
responsável pelo EIA-RIMA considerado fraudado, resultando na emissão de licenças ambientais ilegais. Como consequência, também, cerca de 1200 famílias de pequenos agricultores familiares e ribeirinhos
foram expulsos de suas terras devido a este empreendimento, pertencente ao consórcio Barra
Grande (Alcoa, Camargo Correa, CPFL, CBA Energia e Participações, DMEE).

Ironicamente, neste dia 14 de março, consultando a página
eletrônica da BAESA
apareceu uma frase em primeiro plano: “Uma
História de Sucesso!” É um sucesso que milhares de espécies de flora e
fauna tenham desaparecido irreversivelmente em mais de 9 mil hectares do lago
de Barra Grande? É importante lembrar também de uma espécie endêmica de
bromélia (Dyckia distachya) que gerou
polêmica, pois perdeu seus últimos habitats naturais de beira de rios, estando
em situação crítica de ameaça de extinção após este empreendimento, o que
contradiz o Artigo 225 da Constituição Federal que proíbe que se provoque
extinção de espécies de flora e fauna.
Resultado da hidrelétrica de Barra Grande, no rio Pelotas, onde foram perdidos mais de 6 mil hectares de florestas, com morte de mais de 22 mil araucárias e mais de 5 milhões de árvores entre centenas de espécies vegetais e milhares de espécies animais que pereceram com esta fonte de "energia limpa". Foto de Márcio Repenning
A privatização do sistema elétrico brasileiro segue se aprofundando atualmente. Tampouco, infelizmente, a Eletrobrás
esteve preocupada com questões socioambientais. Mas a privatização visa retirar
qualquer papel de soberania e de controle social, entregando-se a energia
elétrica concentrada ao lucro das empresas privadas, em grande parte
transnacionais.
E o risco do Complexo Hidrelétrico
Garabi-Panambi e demais hidrelétricas?
Quanto às hidrelétricas do rio Uruguai, que não tiveram
disponibilizados seus dados na ANEEL, as maiores obras previstas para o rio
correspondem ao chamado Complexo de UHEs de Garabi e Panambi, na fronteira com
a Argentina. Juntas formariam dois lagos que alcançariam uma área de quase 99
mil hectares, ou seja, o dobro da área e lago da Usina de Belo Monte, no Pará,
a segunda maior do Brasil, depois de Itaipu. Este complexo formado por duas
grandes hidrelétricas atingiria, só do lado brasileiro, mais de 19 municípios
gaúchos.
O chamado complexo hidrelétrico Garabi-Panambi, de
responsabilidade da Eletrobrás (Brasil), com a participação das empresas
Engevix (Brasil) e Ebisa (Argentina), causaria o maior desastre no rio Uruguai.
Entretanto, por sorte, teve seu processo paralisado desde 2015, por meio de uma
liminar na Justiça
Federal. Em abril de 2021, o processo foi julgado, no Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4), a partir de uma ação de parte dos Ministério
Público Federal e Estadual, com a colaboração, via amicus curiae, de parte de advogados representando entidades
ambientalistas, obtendo decisão favorável à manutenção da interrupção em levar
adiante o Projeto da Hidrelétrica de Panambi, por parte da Eletrobrás, prevista
para o município de Alecrim, na fronteira com a Argentina. Em termos práticos, a
possibilidade de alagamento de parte do Parque Estadual do Turvo impediu os
estudos do Complexo Hidrelétrico Garabi-Panambi.
Esperamos que a Eletrobrás,
o IBAMA e a União (AGU) arquivem este projeto e desistam de apelar para o STJ e ao STF para dar continuidade ao processo de licenciamento do Complexo de
hidrelétricas Garabi-Panambi.
Cabe lembrar que pelo
menos 7 (sete) hidrelétricas (UHE) na bacia do rio Uruguai (rio Canoas, rio
Pelotas e rio Uruguai) já alteram significativamente a vazão do rio Uruguai, modificando
a dinâmica hídrica, inclusive o que afeta o Salto do Yucumã, no Parque Estadual
do Turvo (RS), ocorrendo o encobrimento do Salto quando da abertura das
comportas da UHE Foz do Chapecó.
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Salto do Yucumã, Parque Estadual do Turvo, rio Uruguai, culo local estaria comprometido parcialmente com a hidrelétrica de Panambi, caso viesse a ser cnstruida à jusante deste ponto
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Atualmente, além do impedimento na justiça à Eletrobrás de levar a cabo o atual projeto da UHE Panambi, que afetaria o Parque Estadual do Turvo, a
relação entre os governos do Brasil e da Argentina não são os melhores, principalmente
pelo comportamento do presidente Javier Milei, avesso a acordos com o Brasil.
Caso sejam levados adiante estes dois grandes
empreendimentos, teríamos ainda maiores riscos à sociobiodiversidade, já que as
últimas matas ciliares da região do Noroeste do RS estão desaparecendo. Há que
se destacar que as corredeiras do rio Uruguai, que também desapareceriam com
estes empreendimentos, têm papel fundamental à oxigenação do rio e à manutenção
da vida deste ecossistema lótico.
A piracema do dourado e de outras tantas espécies
de peixes são processos biológicos e ecológicos de milhões de anos de evolução,
que podem estar interrompidos, para sempre, em poucas décadas.
As águas paradas estão facilitando o fenômeno de explosão de cianobactérias, algas que liberam substâncias tóxicas, em corpos de água praticamente sem movimento. A
proliferação de espécies exóticas invasoras, como o mexilhão-dourado,
que prejudica 40% das hidrelétricas no Brasil, é um fenômeno que se
aprofunda após estas alterações das condições originais do rio, agregando-se a
poluição decorrente da suinocultura, sem controle de parte dos órgãos de meio ambiente,
o que traz contaminação ao rio Uruguai e seus tributários. A bacia do rio Uruguai pode
estar morrendo pelos barramentos, pela eutrofização decorrente da agricultura
que joga alta carga de nutrientes nos lagos das barragens e também pelos
agrotóxicos.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/02/capivaras-ficam-manchadas-de-verde-na-margem-argentina-do-rio-uruguai-veja-fotos.shtml O que deveria ser feito?
A geração de
energia elétrica deveria ser descentralizada e diversificada, além de prezar pela
busca de diálogos verdadeiros e o reconhecimento dos direitos dos atingidos, situação
até hoje não resolvida de todo.
O fortalecimento
do IBAMA e da FEPAM, com o rigor necessário, inclusive para reavaliar os
empreendimentos. Cabe destacar que o parecer técnico do Ibama em 2012, relativo
à hidrelétrica de Paiquerê, em projeto previsto para ser implantado no rio Pelotas,
entre Bom Jesus e São Joaquim, pede reavaliação de todos os empreendimentos nas
cabeceiras do rio Pelotas. Entretanto dezenas de PCHs estão sendo previstas
para esta porção do território do Planalto das Araucárias
A retomada das
Avaliações Ambientais Integradas (AAI) é uma imposição necessária. Da mesma
forma, seria obrigatória a retirada de financiamento do BNDES ou do BRDE para
obras que impactem as Áreas Prioritárias para a Biodiversidade. A produção de
energia elétrica requer o cumprimento da legislação ambiental, ainda não
violada de todo em nosso país, e mecanismos de planejamentos, via zoneamentos e
monitoramentos da condição de conservação dos ecossistemas e modos de vida, entre
outros aspectos de interesse público, já que energia é um recurso essencial,
como também é a sociobiodiversidade das áreas potencialmente atingidas.
A realização de AAI é fundamental para se
considerar a capacidade de suporte de tantos empreendimentos de forma a manter
as matas ciliares, evitando-se a extinção de espécies de peixes como o dourado,
o grumatã, o surubim ou mesmo outras mais de uma centena de espécies ameaçadas
de extinção de flora e fauna na bacia. Deter a expulsão de milhares de pequenos agricultores, pescadores e ribeirinhos, de suas terras, em decorrência de empreendimentos hidrelétrico, pois seus modos de vida diversos são
fundamentais à própria biodiversidade.
A revisão de todos os licenciamentos de empreendimentos
na bacia do rio Uruguai e em todo o Estado do Rio Grande do Sul é fundamental, além
do questionamento do conteúdo do Atlas Hidroenergético elaborado pelo governo do Estado.
Agrega-se a este problema o risco de barragens se romperem a partir do aumento
extraordinário e muito rápido de chuvas, dadas as mudanças climáticas, fato que
ocorreu na Hidrelétrica 14 de Julho, no rio Taquari-Antas, em maio de 2024.
Rever a
privatização do setor de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica,
em especial a Eletrobrás e a CEEE, pois, do contrário, torna-se praticamente inviável
enfrentar a necessidade do uso racional ou mesmo redução de consumo supérfluo ou
não essencial de energia elétrica. A reestatização das empresas de geração
elétrica, com o controle da sociedade e o cumprimento da legislação ambiental e
dos acordos internacionais de proteção à biodiversidade e de direitos humanos, seria um caminho de reversão do processo atual de perdas socioambientais.
Seguem nossos lemas: Por Rios Livres de Barragens! Pelas Águas e Natureza como Bens
Públicos! Pelas Populações Ribeirinhas e Toda sua Sociobiodiversidade. Por
Outro Modelo Energético, descentralizado, onde não haja espaço para Megaobras e
concentração de Capital! Por Outro Modelo de Economia que atenda às Pessoas, compatível
com a Sustentabilidade dos Processos da Vitais do Planeta!
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* Paulo Brack é professor do Departamento de Botânica, do Instituto de
Biociências da UFRGS, membro da coordenação do Instituto Gaúcho de Estudos
Ambientais (InGá).
** Eduardo Luís Ruppenthal é biólogo, professor da rede pública estadual,
especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em
Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS), militante do coletivo Alicerce e da
Setorial Ecossocialista do PSOL/RS.
*** Ismael Verrastro Brack é biólogo, Doutor
em Ecologia e Pós-doutorando na Universidade da Flórida, EUA.