quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A crise ética e técnica do setor energético brasileiro. Entrevista especial com Célio Bermann

“Se a forma de submissão que nos caracteriza persistir, está claro que não existem outras alternativas”, avalia o pesquisador.
Projeção de como será a usina de Belo Monte. Fonte: Ministério do Planejamento
O setor energético brasileiro entrou janeiro imerso em crise, não somente ética, mas também técnica. Os dois problemas são históricos. O primeiro, relativo à ética, diz respeito aos impactos ambientais e sociais dos projetos de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, refletindo negativamente nas comunidades indígenas e ribeirinhas.
O segundo se refere ao planejamento técnico com relação a construção de tais hidrelétricas, em que nos períodos de estiagem a produção de energia se torna insuficiente. “É muito fácil para um governo que tem demonstrado absoluta incompetência na gestão energética, que relegue a ‘São Pedro’ seus problemas. Isso faz com que a população acabe entendendo que são problemas da natureza, que fogem do nosso controle”, aponta Célio Bermann em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Soma-se a isso o aumento das tarifas de energia elétrica, o corte seletivo no abastecimento de luz, cujas populações pobres são as mais afetadas, e a aposta do Estado no crescimento industrial do setor eletrointensivo, sob a justificativa de superar uma recessão econômica que vem sendo alardeada desde a nomeação do novo grupo de ministros. Frente a esse cenário, o professor não vê alternativas senão uma mudança de paradigma. “O nosso modo de consumo precisa ser reconsiderado. Isso exige do Brasil e do mundo um debate que ainda hoje não está devidamente estabelecido. Nós estamos discutindo o futuro do planeta, as dificuldades com os combustíveis fósseis em função das mudanças climáticas, e essa discussão toda tem pertinência, mas deve ser acompanhada pela questão de fundo que é o tipo de sociedade que a humanidade quer constituir e consolidar para as gerações futuras”, argumenta. “Continuarmos no mesmo barco que hoje estamos não tem saída. Não há alternativa sob o ponto de vista ecológico, econômico e ambiental”, completa.
“A qualificação do que está acontecendo com os povos indígenas, seja em função de obras hidrelétricas, com os Araras, com os Kaiapós, no Rio Xingu, e a ameaça que passa a ser irreversível para os Mundurukus na bacia do Tapajós, mostram que a qualificação pode ser etnocídio, genocídio, que são termos fortíssimos e que têm sido utilizado por lideranças indígenas com quem eu tive oportunidade de ouvir”, relembra Bermann. “Se a forma de submissão que nos caracteriza persistir, está claro que não existem outras alternativas”, enfatiza.

                   Fonte: ideiaweb.org
Célio Bermann (foto) é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. Também é autor de diversas publicações, entre as quais citamos Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Ed. Livraria da Física/FASE, 2002); e As novas energias no Brasil: Dilemas da inclusão social e programas de Governo (Rio de Janeiro: FASE, 2007).

Confira a entrevista.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Audiência Pública do MPF sobre a Hidrelétrica de Panambi, em Porto Mauá, diz não à barragem.


Na tarde do dia 3 de fevereiro de 2015 ocorreu em Porto Mauá, fronteira noroeste do RS, uma audiência pública (AP) sobre o licenciamento ambiental do projeto da usina hidrelétrica (UHE) Panambi (1048 MW), prevista para afetar um trecho de mais de 100 km do rio Uruguai. A atividade foi promovida pelo Ministério Público Federal com sede em Santa Rosa. A iniciativa partiu da Procuradora Letícia Carapetto Benrdt e tinha como objetivo oportunizar um espaço para colher opiniões e dúvidas por parte da população sobre o projeto.

A mesa foi composta pelas procuradoras Letícia Benrdt (MPF) e Ana Maria Marchesan (MPE), pelo representante da FEPAM (Luis Fernando Perelló), além da presença de prefeitos e demais autoridades locais e também de representantes da província de Misiones (Argentina). Cerca de mil pessoas estavam presentes, em sua maioria formada por moradores de Porto Mauá e de cidades potencialmente atingidas pelo projeto. Apesar de convidadas, tanto a Eletrobrás, a Engevix e outras empresas responsáveis pelo projeto e estudos associados não se fizeram presentes. O Ibama, com sede em Brasília, que acompanha estes processos de licenciamento binacionais, apesar de convidado, também não esteve presente.
O evento também contou com a manifestação de mais 30 pessoas, previamente inscritas, representando entidades e setores, como o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), membros de entidades e movimentos ambientalistas (Agapan, Ingá, Mogdema, Apedema), representantes de igrejas, sindicatos, câmara de vereadores, balneários, entre outros. A grande maioria dos pronunciamentos foi contrária ao empreendimento. Foram poucas as falas favoráveis às hidrelétricas, vindo de prefeituras e setor empresarial, pelas supostas oportunidades de negócios nestes empreendimentos. 
A audiência ocorreu após o encaminhamento de uma ação civil pública, com pedido de liminar, ajuizada no  mês de janeiro, pelo MPF em Santa Rosa, em conjunto com o MPE, contra o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Eletrobrás. A ação teve como intuito evitar as ameaças da UHE Panambi (que faz parte do complexo binacional Garabi-Panambi, Brasil e Argentina), com cota altitudinal de inundação prevista para 130 metros, o que atingiria o Parque Estadual do Turvo, bem como o Salto do Yucumã, considerado a maior queda d’água longitudinal do mundo. A ação civil exigiu a imediata paralisação do processo de licenciamento ambiental por se tratar de uma unidade de conservação que não permite estes impactos. A obra implicaria no comprometimento de zona intangível do Parque do Turvol, podendo causar também a extinção de espécies ameaçadas de fauna (onça, anta, dourado, entre outras) e flora (espécies restritas às margens dos rios). O Juiz Federal de Santa Rosa, Rafael Lago Salapata, acatou a liminar e proferiu sentença no dia 27 de janeiro, proibindo a expedição de licença prévia, suspendendo o processo de licenciamento ambiental para a Usina Hidrelétrica Panambi.

Em fevereiro de 2014, o InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) tinha encaminhado denúncia ao Ibama, Ministério Público Federal e Estadual sobre os riscos ambientais negligenciados no andamento do processo de licenciamento das hidrelétricas Garabi e Panambi. O único a não dar respostas foi o Ibama.
Foto da ZH, disponível na Internet
Na audiência, os ambientalistas expressaram suas preocupações sobre questões ligadas à capacidade de suporte do rio Uruguai já estar comprometida com seis outros grandes barramentos realizados no rio Uruguai (Itá, Machadinho, Barra Grande, Foz do Chapecó, Campos Novos, Garibaldi) nas últimas duas décadas, além de outras dezenas de médias e pequenas hidrelétricas em seus tributários. Além da preocupação com o Parque do Turvo, foram destacadas as pendências de impactos de outros empreendimentos, entre estes a não continuidade do processo de Avaliação Ambiental Integrada, que deveria ter tido sequência pelo Ministério de Meio Ambiente, bem como a  necessidade, com base em estudos técnico-científicos isentos, de se manter rios sem barramentos, nas suas condições originais. As corredeiras desempenhariam papel fundamental para a oxigenação das águas, evitando o atual processo de comprometimento da qualidade as águas dos rios e a extinção de espécies restritas às águas correntes, como já ocorre em reservatórios a montante do trecho previsto para barramento.
Levantaram também a questão social, conjuntamente às falas do MAB, que estes projetos atingiriam diretamente pelo menos 20 mil pessoas em mais de 90 mil hectares de áreas alagadas. Isso traria diretamente a enorme perda para agricultores e pescadores e suas famílias que vivem destas atividades no rio Uruguai. Pelo menos 3 mil pescadores perderiam seu sustento com base em peixes de piracema, os quais desapareceriam com estas obras, sendo o caso do dourado, o surubim e a bracanjuva, todos ameaçados de extinção.
Foi falado que a região, fora do vale dos rios, já está destituída de florestas, e que estas restringem-se à margem do rio Uruguai e seus afluentes. O movimento ambientalista, por meio das entidades presentes, colocou-se a disposição para lutar pela sociobiodiversidade do rio Uruguai, apoiando os moradores da costa do rio e demais potenciais atingidos, alertando para as manobras do setor das hidrelétricas que joga com desinformação, tráfico de influências, venda de falsas promessas ligadas a estes grandes empreendimentos. Questionaram os verdadeiros custos socioambientais destes megaempreendimentos, com as perguntas: “Energia para quê? Energia para quem?” 
Lembraram de outras alternativas energéticas (eólica, solar bioenergia) e também o caso de que nestas megaobras quem ganha são empreiteiras como a Engevix, uma das responsáveis pelos estudos do Complexo Garabi-Panambi, entre as maiores envolvidas no caso da Operação Lava Jato, cujo vice-presidente está preso pela Polícia Federal, há mais de dois meses. Esta empresa tem um histórico de irregularidades, sendo o caso mais conhecido ligado à construção da UHE Barra Grande, que, com base em informações falsas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), causou a destruição de mais de 6 mil hectares das últimas florestas com araucária no rio Pelotas, principalmente entre Vacaria (RS) e Lages (SC), em 2005.