segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

AS VEIAS ABERTAS DO BRASIL: REPRIMARIZAÇÃO E SISTEMA FINANCEIRO DESTRUINDO NOSSAS BASES DE SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

Paulo Brack (31-12-2024, atualizado em julho de 2025)


“Com tiros de arcabuz, golpes de espada e sopros de peste” 
– assim os conquistadores espanhóis avançaram sobre o território asteca no início do século XVI. “Como porcos famintos que anseiam pelo ouro”, foi como descreveu, em 1971, o escritor uruguaio Eduardo Galeano o processo que poderia ser considerado, com a devida relativização, o primórdio da sanha megaextrativista na América Latina." (Verena Glass, em Neodesenvolvimentismo Extrativista).

Exportação de recursos naturais do Brasil e nossas veias abertas
O modelo de "desenvolvimento" brasileiro segue transgredindo os limites da Ecosfera, como em outros países do mundo. Em nosso país, na pauta prioritária de incentivo aos bens primários, desponta o minério de ferro, a soja e o petróleo e seus derivados semitransformados. Quais impactos ambientais esse tipo de economia impõe ao país e ao mundo

O quadro de emergência climática global, com indicadores de colapso evidentes
Um grupo de pesquisadores, coordenado por William Ripple, da Universidade do Estado de Oregon (EUA, pela segunda vez, agora em 2024 (The 2024 state of the climate report: Perilous times on planet Earth), publicado no periódico BioScience, trouxe à tona cenários altamente preocupantes, além dos já registrados em 2023, quando foram constatadas médias recordes de temperatura da atmosfera do planeta, em 17oC, e de 25oC da temperatura do norte do Oceano Atlântico, entre 20 indicadores negativos em nível de Ecosfera.

Neste último trabalho de Ripple e colegas, são apresentados dados alarmantes adicionais ao do ano de 2023. Ou seja, 25 dos chamados 35 sinais vitais do planeta estão em níveis recordes críticos de deterioração, e em processos de piora previstos para os próximos anos. No estudo do ano de 2023, eram 20 os indicadores. Os dados apresentados abordam a temperatura atmosférica e a oceânica, medições do ritmo de degelo na Groenlândia e Antártida, desmatamento, perdas de biodiversidade, entre outros indicadores. São apontados níveis sem precedentes da concentração atmosférica dos principais gases de efeito estufa (dióxido de carbono, CO₂; metano, CH₄; e óxido nitroso, N2O). A taxa média atual de CO₂, já ultrapassou as 420 partes por milhão (ppm), 50% a mais do que no período pré-industrial (século XVIII). A emissão de metano também se acelerou nos últimos anos, assim como a temperatura média da atmosfera do planeta, que está no nível mais alto já registrado.

Outro aspecto importante, segundo a Organização Meteorológica Mundial[1], é o relacionado aos registros dos últimos oito anos, todos com temperaturas da atmosfera mais elevadas, entre 2015 e 2022, do que em anos anteriores.

O valor recorde de gás carbônico na atmosfera não teria existido pelo menos nos últimos 800 mil anos. A partir da elevação dos GEE, incrementam-se os eventos extremos, provocando destruição ambiental em cascata e gerando pelo menos 120 milhões de refugiados do clima, em nível mundial.

Como agravante, as condições socioambientais e a sustentabilidade ecológica não se limitam à Emergência Climática. Um grupo de pesquisadores de Estocolmo[2], liderado por Katherine Richardson (2024), alerta para o fato de que já foram ultrapassados seis limites planetários de resiliência (Figura 1), entre nove principais itens analisados (profusão de substâncias químicas estranhas à natureza, microplásticos, perda de biodiversidade, sobre-exploração de recursos do mar e da terra, excesso de nitrogênio e fósforo e quebra nos ciclos biogeoquímicos de elementos fundamentais da Ecosfera).


Figura 1. Limites planetários analisados pelo trabalho de Richardsosn et al. 2024.




Neste tema das calamidades climáticas e ambientais, nossa intenção é trazer ao debate alguns elementos que possam associar a matriz produtiva brasileira com a degradação de nossos biomas e o agravamento à Emergência Climática. É importante destacar que mais da metade dessa matriz está baseada na produção e exportação de matérias primas ou semimanufaturados, dentro do rol das commodities, com destino para os países industrializados ou “desenvolvidos”. Que benefícios supostamente sustentáveis isso traz ao Brasil?

Relatório Copérnicus
Em fevereiro de 2025 foi anunciado um relatório que demonstrou que a temperatura média está, no momento, acima de 1,5 graus centígrados. 
Entre os resultados destacados foi que janeiro de 2025 foi o mês mais quente da série do mesmo mês historicamente dno mundo, com uma temperatura média do ar na superfície de 13,23°C, com 0,79°C acima da média de janeiro de 1991-2020. Janeiro de 2025 foi 1,75°C acima do nível pré-industrial e foi o 18º mês nos últimos dezenove meses em que a temperatura média global do ar na superfície ficou mais de 1,5°C acima do nível pré-industrial. O último período de 12 meses (fevereiro de 2024 a janeiro de 2025) foi 0,73°C acima da média de 1991-2020 e 1,61°C acima da média estimada de 1850-1900 usada para definir o nível pré-industrial. 
No que toca aos oceanos, a Temperatura Média da Superfície do Mar (TSM) em janeiro de 2025, na faixa de 60°S–60°N, foi de 20,78°C, o segundo maior valor já registrado para o mês, 0,19°C abaixo do recorde de janeiro de 2024. 

Exportação de recursos naturais do Brasil e nossas veias abertas

Como assinalam Richardson et al. (2024), a produção primária interage com a funcionalidade da biosfera, sendo que a apropriação das atividades humanas da produção primária líquida seria uma variável de controle para a integridade funcional da vida no Planeta. Este limite também é um dos principais transgredidos.

No caso do Brasil, vamos trazer o tema da atividade de agricultura industrial e da megamineração, ambas de exportação, como elementos de transgressão de limites e de dependência econômica que comprometem a base da sustentabilidade ecológica e aprofundam a injustiça socioambiental brasileira.

A exportação do Brasil segue a pauta prioritária dos bens primários, despontando minério de ferro, soja e petróleo e seus derivados semitransformados (Figura 2), com impactos ambientais e econômicos ao país. Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDICS), em 2023, as exportações do Brasil alcançaram o valor de US$ 339,67 bilhões, enquanto as importações foram de US$ 240,83 bi, gerando um saldo positivo de recursos na balança comercial de US$ 98,8 bilhões. O crescimento das exportações correspondeu principalmente às matérias primas do Setor Agropecuário (9%) e da Indústria Extrativa ou Mineração (3,5%), enquanto as vendas totais da indústria de transformação diminuíram em 2,3%.


Figura 2 – Pauta de exportações do Brasil em 2023 (FOB = Free on Board). Fonte: ComexStat — Dados do Ano de 2023. 

Figura 3. Exportação dos 10 produtos em maior quantidade em 2024.

Em 2023, as exportações brasileiras do agronegócio atingiram US$ 166,55 bilhões, ou seja, 49% da pauta de exportação do Brasil. O país exportou diretamente 193,02 milhões de toneladas na forma de grãos. Uma quantidade 24,3% superior na comparação com os 155,30 milhões de toneladas de grãos exportados em 2022. O valor equivale a 60% dos grãos produzidos no país, na safra 2022/2023[3].

Em 2024 os três principais produtos de exportação no Brasil foram: 1) Petróleo e derivados ; 2) Soja; 3) Minério de ferro e derivados (Fgura 3). 

O Brasil teve outro recorde nas exportações de matérias-primas e produtos primários (de baixo valor agregado). Entre as 27 unidades da Federação, 25 correspondem à exportação de commodities, com liderança das mercadorias agrícolas (Figura 4).

O principal destino dos produtos brasileiros, no ano passado, foi a China. As exportações para este país asiático alcançaram US$ 105,75 bilhões, ou seja, quase um terço da venda no exterior, representando ainda um valor inédito. Em 2023, o continente asiático foi também o maior comprador dos produtos brasileiros. De acordo com o MDICS, a comercialização para aquele continente ocorreu principalmente por meio de produtos agropecuários ou de mineração, como soja, milho, açúcar, minério de ferro e óleos brutos de petróleo.

A extração de minérios e a produção de grãos, de forma convencional e predominantemente para exportação (Figura 3), não gera quase impostos, já que temos aqui a Lei Kandir, que isenta de taxas a exportação de matérias-primas. O baixo retorno, pela ausência de valor agregado aos produtos exportados, incrementa a grande escala de expansão destas atividades sobre os diferentes biomas brasileiros, com alguns municípios possuindo mais de 50% de sua área ocupada por produção, principalmente, de soja (HETTWER, 2023). Nesse contexto surge o termo “maldição dos recursos naturais” ou, em alguns casos, definido como o “paradoxo da abundância” (PAMPLONA e CACCIAMALI, 2017).

Figura 4 – Produtos exportados por cada Estado e Distrito Federal. Fonte Poder 360, 2023, com base nas informações do Ministério de Desenvolvimento, Industria, Comércio e Serviços.

Agricultura hegemônica na contramão da sustentabilidade socioambiental

O país campeão da megadiversidade mundial segue sendo submetido à hegemonia de monoculturas predatórias do ponto de vista socioambiental para prosseguir seu papel colonial de exportar matérias primas ou commodities. Atualmente, a contribuição da agricultura industrial, em especial ao complexo da soja e o avanço da fronteira agrícola nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, no território das monoculturas, encontrou um território de oportunidades (e desmatamentos), denominado de Matopiba, cujo nome é derivado das iniciais (acrônimos) dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Segundo relatórios da Conab (2024), a produção de grãos no ano de 2023/24 ocupou 79,82 milhões de hectares, com safra total de 298,41 milhões de toneladas, sendo a soja responsável por quase a metade deste total (147,38 milhões de toneladas).

Quadro 1 – Plantio de grãos 2023/24 (Conab).

Cultura

Área plantada 1976/1977

(Milhões de hectares)

Área plantada 2023/2024

(Milhões de hectares)

Evolução

%

Soja

6,95

45,26

+551 %

Milho

11,80

21,02

+78 %

Arroz

6,00

1,57

-74 %

Feijão

4,54

2,78

-39 %

Trigo

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O DIA INTERNACIONAL DE LUTA CONTRA OS AGROTÓXICOS (03/12) E OS 40 ANOS DO TRÁGICO CRIME DE BHOPAL

        O Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos, 3 de dezembro, foi estabelecido a fim de lembrar a data do ano de 1984, ou seja, há cerca de 40 anos, onde houve o vazamento de mais de 27 mil toneladas de isocianato de metila, na fábrica da empresa norte-americana Union Carbide, na cidade de Bhopal, Índia. Cerca de 2 mil pessoas morreram imediatamente, e a contaminação seguiu matando mais de 8 mil pessoas, com mais de 150 mil intoxicados. Outras centenas de milhares de pessoas também sofreram contaminações deste evento ao longo de anos.




Filme “Bhopal 84: o maior crime industrial da história” - https://www.youtube.com/watch?v=xy2qOtcr1q4&t=11s&ab_channel=BrasildeFato

        Os primeiros agrotóxicos surgiram a partir de armas químicas, para matar pessoas, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sendo desenvolvidos e aprimorados na Segunda Guerra Mundial. A partir do desenvolvimento destes produtos, finalizadas as grandes guerras, os biocidas foram aproveitados e desenvolvidos como armas para matar insetos (inseticidas) ou outros organismos “pragas”, que se alimentam de plantas de uso agrícola (nematoides, fungos, etc.), e ervas indesejáveis ou equivocadamente chamadas de “daninhas” (herbicidas).

    A partir da década de 1960, com a chamada “Revolução Verde”, esses produtos foram sendo aprimorados e usados massivamente com o desenvolvimento de monoculturas agrícolas, com muitos insumos externos associados, por parte de grandes empresas agroquímicas. A palavra Agrotóxico foi legalmente aceita a partir do Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 7.747/1982) e depois no país (Lei n. Federal 7.802/1989, a chamada Lei dos Agrotóxicos). Entretanto, o nome surgiu em 1977, com base em uma publicação ("Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções") do Dr. Adilson D. Paschoal (1979), da Esalq/ USP, falecido em 2023. A denominação incorpora prioritariamente os efeitos nefastos desses produtos à saúde humana e ao meio ambiente, já denunciados de forma pioneira pelo livro publicado, em 1962, pela bióloga norte-americana Rachel Carson (Primavera Silenciosa). Na época, na legislação do Rio Grande do Sul (também pioneira) e do Brasil contribuíram, com destaque, os engenheiros agrônomos e ambientalistas, ligados à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), José Lutzenberger e Sebastião Pinheiro (Franco & Palaez, 2017).

Mercado de agrotóxicos   

        Hoje, o mercado de agrotóxicos chega a cerca de 80 bilhões de dólares anuais, sendo controlado, em mais de 70%, por um oligopólio de cerca de meia dúzia de empresas[1] (Syngenta, Bayer, Basf, Corteva, UPL, FMC), com crescente (mais de 50% do mercado) na mão de empresas chinesas. No Brasil, este mercado faz girar a comercialização de mais de 13 bilhões de dólares/ano, 78 bilhões de reais(!) onde empresas vendem sementes (no caso de soja, milho, algodão e recentemente trigo) dependentes do uso de seus agrotóxicos, principalmente herbicidas, o que se constitui em venda casada, que deveria ser proibida pela legislação comercial. No Brasil, a contaminação registrada, em pelo menos 10 mil pessoas/ano, em geral sendo agricultores(as), é subnotificada em cerca de 50 vezes.


        A comercialização de agrotóxicos em nosso país já chega a mais de 800 mil toneladas de ingredientes ativos, segundo os registros do Ibama, mais recentes, para o ano de 2022. 


O herbicida glifosato desponta entre os mais comercializados. O aumento do uso destes produtos (herbicidas, inseticidas, fungicidas, nematicidas, etc.), entre 2002 e 2022, subiu 445%, apesar de que o advento dos transgênicos, alegadamente por parte de seus defensores, traria diminuição de seus usos. Os dez ingredientes ativos mais comercializados no país, em toneladas, foram: Glifosato e seus sais (herbicida); 2,4-D (herbicida); Atrazina (herbicida), Mancozebe (fungicida); Clorotalonil (fungicida) Acefato (inseticida), Dibrometo de Diquat (herbicida), Glufosinato – Sal de Amônio (herbicida), Clorpirifós (inseticida) e Metomil (inseticida).

Limites?

        Cerca de 30% dos agrotóxicos no Brasil não são permitidos na União Europeia, por sua toxicidade elevada, seja aguda ou crônica. Em nosso país, o glifosato tem limites permitidos na água em valor 5 mil vezes maior do que na UE. Entretanto, curiosamente a população europeia talvez não saibam que nossas exportações levam contaminação para seus países.







Contaminação

A contaminação de agrotóxicos é extraordinária no Brasil, com destaque ao Estado do Mato Grosso, onde o médico e pesquisador Wanderley Pignati desenvolve pesquisas sobre esta contaminação na saúde humana. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, ABRASCO, inúmeros trabalhos científicos confirmam que existem vários efeitos prejudiciais decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos, como os casos de infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.



Leite materno contaminado com agrotóxicos

Em pesquisa coordenadas pelo Professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, com destaque a tese de Danielly Palmaforam coletadas amostras de leite materno em mais de 60 mulheres do município de Lucas do Rio Verde (MT), uma das capitais da soja, a fim de se constatar a presença de agrotóxicos. Em 100% das mulheres foi encontrado, pelo menos, um tipo de princípio ativo desses produtos. Entre os resíduos dos produtos encontrados, a maioria correspondia a inseticidas organoclorados, substâncias altamente tóxicas, com alta capacidade de dispersão e permanência tanto no corpo humano como no ambiente. Em algumas mulheres, foram encontrados até seis tipos de agrotóxicos no leite materno.

 


Água da torneira contaminada com agrotóxicos. No caso de Porto Alegre, ocorrem 27 tipos de agrotóxicos.


As terminologias ligadas ao racismo biológico (especismo)

        Etimologicamente, entretanto, verificamos inadequações profundas no que se tenta chamar os agrotóxicos de "defensivos agrícolas" ou "pesticidas". Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra PESTE refere-se a: "1. Doença contagiosa transmitida pela pulga do rato. 2. Qualquer epidemia mortal. 3. Pessoa má". Outros dicionários também associam o termo Peste a doenças, em geral, contagiosas ou que causam infecção humana ou animal. PESTICIDA, portanto, reúne os termos PESTE (=doença) + CIDA(=matar). De forma similar, o termo PRAGUICIDA está associado a matar "PRAGAS", mesmo que atinjam, em maior número, outros organismos que não se inserem como "pragas" (plantas espontâneas indesejáveis e insetos fitófagos, etc.).

        Os termos “peste” ou “praga”, portanto, induzem à associação a doenças, reforçando uma concepção antropocêntrica e injusta que se enquadra como ESPECISMO (uma forma de racismo contra outros seres que não os humanos), de maneira quase binária (seres "prejudiciais" x "uteis") reforçada pela cadeia de insumos agroquímicos e os laboratórios de pesquisa a eles associados. A condição de juízo de valor pejorativo e anticientífico também é milenar e já naturalizada (como exemplo a expressão " o joio e o trigo"). Infelizmente, terminologias desqualificadoras, relacionadas a seres "prejudiciais", acabam ganhando espaço hegemônico e favorecendo a agricultura convencional quimicodependente.

            Por outro lado, cabe destacar outra visão de contra-argumento às mal faladas "plantas daninhas" ou "plantas invasoras", também chamadas popularmente de "inços" ou "matos" no Brasil. As plantas nativas ou espontâneas alimentícias, muitas vezes, resgatam culturas alimentares de povos indígenas e de comunidades tradicionais, que conhecem e convivem com a biota que os cerca há séculos ou milênios, sem o especismo das culturas "modernas".

            A partir da década de 1990, vários autores - entre eles podemos citar alguns pioneiros como Cida Zurlo e Mitzi Brandão (1990), Eduardo Rapoport (1998), Rapoport & Ladio (1999) e Valdely Kinupp (2007- vêm chamando a atenção para o resgate da importância das hortaliças não convencionais nativas ou exóticas espontâneas (que nascem sozinhas), chamadas de PANCmas que no setor agrícola convencional são consideradas como "daninhas" ou "infestantes".

Banimento dos agrotóxicos
         Infelizmente o Congresso do Brasil aprovou no final de 2023 o PL dos venenos, que enfraqueceu o papel da ANVISA e do IBAMA na análise dos agrobiocidas sintéticos. No RS, justamente no dia 3 de dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um Projeto de Lei que fortalece a pulverização aérea de agrotóxicos. Por 31 votos a 12, a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei (PL) 442/2023, proposto pelo deputado Marcus Vinícius (PP) e mais 23 parlamentares, declarando a aviação agrícola (leia-se de pulverização de agrotóxicos) como uma atividade de “relevante interesse social, público e econômico” no Rio Grande do Sul.

Os agrotóxicos estão associados às monoculturas de exportação, que não pagam impostos e que dependem de uma série de agroquímicos em um círculo vicioso de biocidas sintéticos e fertilizantes químicos. Esta agricultura ultrapassou limites e não deve mais ser financiada, pois destrói a sociobiodiversidade, os cilclos da natureza, a saúde humana e estrangula a economia e aumenta a dependência de commodities. ZERO FINANCIAMENTO À AGRICULTURA QUE DESTRÓI E VIOLA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 



        É necessário ser realizado o investimento em agroecologia, fazer com que o Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, e o banimento de TODOS os biocidas agrícolas sintéticos, dominados por empresas da quimiodependência na agricultura, pois já estamos comendo venenos de sobra e já temos técnicas agrícolas agroecológicas e orgânicas que demonstram a incompatibilidade destes produtos com a vida diversa, saudável e digna para todos os organismos. Exemplo deste Outro Mundo Possível e Necessário está associado à agroecologia e à produção orgânica, com destaque à maior produção de Arroz Orgânico da América Latina, realizada pelo MST, na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS.



terça-feira, 10 de setembro de 2024

Prestando contas de nossa luta em prol do Jardim Botânico de Porto Alegre e do Museu de Ciências Naturais, da ex-FZB

(2015, IHU) Governo gaúcho e a extinção da Fundação Zoobotânica. Um 'grande apagão' no conhecimento da biodiversidade. Entrevista especial com Paulo Brack https://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/545663-governo-gaucho-propoe-a-extincao-da-fundacao-zoobotanica-um-grande-apagao-no-conhecimento-da-biodiversidade-entrevista-especial-com-paulo-brack


Pacote de medidas de ajuste fiscal para o Rio Grande do Sul pode extinguir a Fundação Zoobotânica, responsável por diversas pesquisas e institutos no estado.Fim da Fundação Zoobotânica põe em xeque a conservação de espécies no RS

Pacote de medidas de ajuste fiscal para o Rio Grande do Sul pode extinguir a Fundação Zoobotânica, responsável por diversas pesquisas e institutos no estado.



Ambientalistas vão acionar Ministério Público contra precarização, que traz prejuízos à pesquisa e ao patrimônio (Cleber Dioni Tentardini)
Extra Classe | 03 de novembro de 2021

Previsão é de que edital de licitação seja publicado até o fim de junho

(2022, Sul 21) Concessão do Jardim Botânico de Porto Alegre: falta de transparência e desvio de função (por Paulo Brack)
Processo de concessão exposto no Edital do dia 4 de outubro de 2022 não teve transparência e não atende às finalidades de um Jardim Botânico

(2023, Jornal Já) Tag: Paulo Brack (2023)
Justiça proibe “contratos ou acordos” que alterem a destinação do Jardim Botânico

(2024, O ECO)  Sem a Fundação Zoobotânica, RS completa 10 anos sem divulgar lista de espécies ameaçadas

Sob críticas de ambientalistas e sem interessados, governo do estado insiste na concessão privada das instituições que eram coordenadas pela FZB



terça-feira, 20 de agosto de 2024

Prestação de contas de nossas contribuições sobre o tema das enchentes no RS (2023-2024)

Foto - NELSON ALMEIDA / AFP
Artigos:

1) Reflexões frente ao desastre climático-ambiental das cheias do rio Taquari-Antas (por Paulo Brack e Eduardo Luís Ruppenthal) (14 de setembro de 2023)

https://sul21.com.br/opiniao/2023/09/reflexoes-frente-ao-desastre-climatico-ambiental-das-cheias-do-rio-taquari-antas-por-paulo-brack-e-eduardo-luis-ruppenthal/ 

2) Tragédia climática e ambiental no Rio Grande do Sul em 2024. Artigo de Paulo Brack (24-05-2024)

https://ihu.unisinos.br/categorias/639766-tragedia-climatica-e-ambiental-no-rio-grande-do-sul-em-2024-artigo-de-paulo-brack

3) Reconstrução socioambiental no Rio Grande do Sul (por Eduardo Ruppenthal e Paulo Brack) (5 de junho de 2024)

https://sul21.com.br/opiniao/2024/06/reconstrucao-socioambiental-no-rio-grande-do-sul-por-eduardo-ruppenthal-e-paulo-brack/

4) As enchentes e a devastação na Bacia do Guaíba, em maio de 2024, vão ser esquecidas e naturalizadas? (22 de julho de 2024)

https://viabiodiversa.blogspot.com/2024/07/as-enchentes-e-devastacao-na-bacia-do.html 

 Entrevistas e notícias onde constam nossa contribuição técnica e política sobre as enchentes

1) Programa Fronteira da Ciência (Radio UFRGS) "Enchentes catastróficas no Sul: a conta chegou? (outubro 2023)

https://open.spotify.com/episode/3gW23b2LnmRaBN9sd9u4vV 

2) Desmatamento e menos controle: como gestão Leite impactou cheias no RS… (15/05/2024)

https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2024/05/15/mudancas-gestao-eduardo-leite-enfraqueceram-protecao-meio-ambiente.htm?cmpid=copiaecola

3) Heavy flooding in Brazil’s south creates havoc for residents

https://theworld.org/stories/2024/05/06/heavy-flooding-in-brazils-south-creates-havoc-for-residents

4) “They’re Making It up as They Go”: Inside the Response to Brazil’s Deadly Floods

https://nacla.org/brazil-floods-rio-grande-sul

5) Prefeitura e ambientalistas divergem sobre enchentes em reunião de comissão da Câmara de Porto Alegre (09/07/2024) https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/prefeitura-e-ambientalistas-divergem-sobre-enchentes-em-reuni%C3%A3o-de-comiss%C3%A3o-da-c%C3%A2mara-de-porto-alegre-1.1510958 

6) Comissão avalia sistema de proteção contra enchentes da Capital

https://www.camarapoa.rs.gov.br/noticias/comissao-avalia-sistema-de-protecao-contra-enchentes-da-capital

7) Fórum Socioambiental do RS encaminha recomendações para reconstrução do estado

https://www.brasildefato.com.br/2024/06/13/forum-socioambiental-do-rs-encaminha-recomendacoes-para-reconstrucao-do-estado

domingo, 18 de agosto de 2024

5 ANOS DA SEMA (29/07/1999).

Ocorreu na Assembleia Legislativa do RS, na noite de 5 de agosto de 2024, uma importantíssima comemoração da Frente Parlamentar pró-Unidades de Conservação, referente aos 25 anos da criação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (SEMA - RS), em atividade coordenada pelo deputado estadual Jeferson Fernandes,, sob a organização da bióloga Andréia Carneiro.


Lá estiveram o então governador Olivio Dutra (1989-2002), o primeiro secretário de meio ambiente, Claudio Langone, o deputado Miguel Rossetto, além das associações de técnicos da Sema, Fepam, Ibama, entidades ambientalistas, entre outros.

Destacou-se a importância da necessidade de uma secretaria independente e autônoma, o que resultou na separação, na época, da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente. Langone lembrou da dificuldade desta criação, que implicava em obter garantia política para a sua aprovação na Assembleia Legislativa do RS, e encontrar espaço e estrutura entre as demais pastas, o que não foi nada fácil, segundo o então secretário. O agronegócio, já forte no parlamento gaúcho, e o setor empresarial industrial, também muito influente, além da grande mídia patrocinada por estes setores, eram refratários à ideia de uma pasta de meio ambiente e tinham receio das "travas" que uma pasta desta área poderia representar para o chamado "desenvolvimento" dos seus negócios no Estado.

Nós, do InGá, recordamos o momento de alegria e a grande emoção expressada por ambientalistas, quando do momento da aprovação da Lei que criou a SEMA na Assembleia (29/07/1999).

Langone destacou que estávamos muito à frente de nosso tempo, e que o RS estava inaugurando um processo de incluir a temática ambiental no centro das políticas, inclusive do que é chamado de desenvolvimento sustentável. O Estado gaúcho teve pioneirismos no Pró-Guaíba, no Zoneamento Ambiental do Litoral Norte, na Avaliação Ambiental Integrada de projetos hidrelétricos por bacias, na criação do Conselho Estadual de Meio Ambiente, com votação para sua presidência (perdida em 2009), concurso para guardas-parques, a estruturação do Parque Estadual de Itapuã, entre tantos avanços para a época. O InGá e outras entidades ambientalistas da Apedema reconheceram as melhorias substanciais.

Entretanto, também, consideraram a falha ou lacuna na Lei da criação da SEMA-RS, onde foram criados somente 3 cargos, não tendo sido realizados concursos para a adoção de uma necessária estrutura de cargos e salários, em uma secretaria de tanta importância. Ou seja, em nosso ponto de vista, a SEMA era uma excelente e urgente iniciativa, mas não tinha sido preparada para enfrentar o desafio muito além de seu tempo, retomando a expressão de Cláudio Langone. Passados governos decentes, o "castelo de areia" (SEMA-RS sem estrutura forte de Estado) foi sendo desmoronado por governos neoliberais e de uma direita obscurantista e negacionista como poucas no Brasil.

E assim, infelizmente, a avaliação da SEMA-RS atual, no evento de comemoração de sua criação, foi de grande tristeza, pra não dizer estarrecimento. A partir de 2003, a Secretaria foi sendo enfraquecida, com mudanças anuais de secretários(as), e favorecimentos aos setores econômicos que dominam a política e a economia do RS.

Todavia, no período do governo Tarso Genro (2011 a 2014) houve alguns avanços, interrompendo o enfraquecimento deliberado da SEMA, entre 2003 e 2010. Por exemplo, a Fundação Zoobotânica se fortaleceu, conquistando um plano de cargos e salários. A Fepam, a partir da direção de Nilvo Silva, que retornou em 2013, ao cargo que ocupara entre 1999 e 2002, obteve uma importante retomada, como no caso da reestruturação e fortalecimento de seu quadro técnico, desvinculando a possibilidade de que profissionais não concursados, em cargos políticos, pudessem emitir licenças ambientais. Reconhecemos que em 2013 houve a Operação Concutare, traumática para a então gestão da Sema, sendo desvendados vícios de muitos anos na área de licenças para empreendimentos. Mas isso não vinculou o governo da época com as irregularidades focadas em alguns técnicos de um setor, e tampouco retirou os méritos de avanços importantes nos projetos Mata Atlântica, RS Biodiversidade, o Programa Estadual de Produção Orgânica e Agroecológica do RS, e, inclusive, o que ficou de bom do RS Rural, da época do governo Olivio Dutra, que mantinham temas estratégicos para a sociobiodiversidade do Estado.

Lamentavelmente, os governos neoliberais de José Ivo Sartori e Eduardo Leite, superando os retrocessos de Germano Rigotto e Yeda Crucius, destruiram profundamente as políticas ambientais e a independência conquistada pela Sema, em 1999.

Sartori extinguiu a FZB, a FEE, a Cientec, a FEPPS, mantendo o Irga, de interesse do agronegócio, entre outros retrocessos. Na sequência, veio o não cumprimento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o descumprimento da Lei do Código da Vegetação Nativa (Código Florestal) no Pampa, em não reconhecer a Reserva Legal, emitiu decreto que retirava o reconhecimento das listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção marinhas, tirou o poder que tinha a FZB tinha para a atualização das Listas de Espécies Ameaçadas de Flora e Fauna, atrasando este proceso até os dias atuais, começou a entregar as áreas do Parque Zoológico e Horto Balduino Rambo para setores empresariais.

O governo de Eduardo Leite, por sua vez, impôs a incorporação e a supremacia da pasta de INFRAESTRUTURA sobre a área de meio ambiente, resgatando a tutela da área ambiental à outra pasta econômica, na criação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura. Deste modo, desmontou e enfraqueceu, ainda mais, o que sobrou da SEMA, subjugando a área ao interesse das Federações do Agro, da Indústria e de outros setores da economia imediatista, concentradora, associados a um parlamento negacionista das mudanças climáticas, responsável pela calamidade ainda maior das consequências das enchentes. 

O novo Código Ambiental, aprovado em regime de urgência no final de 2019, foi a maior violação já vista no processo de destruição da legislação ambiental. Foram mudanças em mais de 400 artigos, parágrafos, incisos, para deixar na insegurança ambiental e fortalecer o que argumentam ser segurança jurídica para os negócios. Foram também anulados, pela nova Lei n.15.343, 14 artigos do Código Florestal Estadual de 1992. Volta-se a permitir o corte indiscriminado de figueiras nativas majestosas, pra não impedir empreendimentos.

O Rio Grande do Sul, que sediou o Fórum Social Mundial, na época da verdadeira SEMA, que nasceu em 1999, e agora segue mais refém de uma economia de fim de mundo: privatiza a água, a a energia; aumenta os incentivos econômicos e legais às monoculturas de exportação (grão de soja e celulose de eucalipto), que não pagam impostos, nem pelo uso de agrotóxicos; promove a derrubada de lei inédita de 1982, que limitava o uso no RS de agrotóxicos proibidos em seus paises de origem; sufoca a finalização do Zoneamento Ecológico Econômico do Estado, desde 2019, que custou 9 milhões de reais; atrasa a atualização das Listas Oficiais de Flora e Fauna Ameaçadas que deveriam ter sido publicadas já em 2018; submete à ingerências governamental e política na área técnica, e altera trabalho técnico dos funcionários da Fepam, sem suas autorizações, no ZEE do Litoral Norte; praticamente privatiza e elitiza o acesso aos parques estaduais, com maquiagem de concessões; abandona os guardas-parques; desestrutura a autonomia e a independência técnica de seus funcionários que atuam em licenciamento ambiental; traz investimentos predatórios, com capitais concentrados em gigantes parques eólicos previstos para a Laguna dos Patos; reduz a área de APPs, facilitando projetos de irrigação em áreas de significativa importância ecológica; etc.etc.

Em suma, somos testemunhas do agravamento da submissão ilegal, perversa e naturalizada da proteção do meio ambiente equilibrado, assegurado pelo Artigo 225 da Constituição Federal, aos interesses econômicos imediatistas responsáveis, em parte, pelas consequências calamitosas das enchentes e pelo avanço voraz de negócios que causam a degradação ambiental no Estado e no País. 

Temos pouco tempo para mudar, e não mais votar em políticos que são negacionistas e lenientes à situação pré-colapso ecológico, sem volta, em que estamos entrando.

sábado, 10 de agosto de 2024

PASSANDO A LIMPO OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS DE PORTO ALEGRE

(Paulo Brack, 11 de agosto de 2024)

1. Relembrando um túnel do tempo virtuoso

Porto Alegre teve um histórico de ineditismos na área ambiental, a partir das lutas dos movimentos ecologistas da década de 1970, encabeçadas principalmente pela Agapan. Assim, numa época de despertar para a causa do meio ambiente, em 1976, foi criada a primeira secretaria municipal nesta área no Brasil, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM). Um ano antes, tinha surgido também a Reserva Biológica do Lami, a primeira do gênero no país. 

Figura 1a. Os Morros, os campos, as nascentes e arroios, as áreas urbanas. Fonte da foto: Secretaria Municipal de Meio Ambiente (2008)


A partir do início da Administração Popular, em 1989, com a chegada do então prefeito Olívio Dutra, houve a ênfase na democratização das políticas de Estado e no protagonismo político da sociedade, por meio do Orçamento Participativo (OP), que visava a decisão mais democrática dos investimentos na infraestrutura urbana de maior alcance social, com a criação do Conselho do OP, com plenárias e indicação de delegados, situação com ênfase na habitação popular e mais acessível à população. Na mesma época, foi criado o Programa Guaíba Vive, avançando no desenvolvimento de políticas de integração entre diferentes pastas.  A SMAM teve vários(as) secretários(as) comprometidos com os compromissos, acima de tudo, com a melhoria da qualidade ambiental naquele período (Figura1).

Figura 1b. Os diferentes secretários de Meio Ambiente durante a Administração Popular. https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smam/usu_doc/secretarios_galeria_secretariamunicipaldomeioambiente.pdf

No desenvolvimento do Programa Guaíba Vive (1989-2004), as administrações tinham como proposta de eixo transversal a integração deste programa entre as diferentes secretarias, com um dos principais focos o saneamento e a volta da balneabilidade das praias do Lami, Belém Novo e Ipanema. Em 1994, foi criado também o Parque Natural Municipal Morro do Osso, com 127 hectares, pela primeira vez uma UC em um dos mais de 40 morros de Porto Alegre.

Em 2014, foi criado o Refúgio da Vida Silvestre Morro São Pedro, ao lado do bairro Restinga, a partir de uma consulta pública, e como parte como um Programa Integrado Socioambiental (PISA), e Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) no bairro Serraria, finalizado em 2014, mas já previsto nos governos da Administração Popular. A ETE Serraria recebeu recursos do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal, e impulsionou a criação do RFS do Morro São Pedro, como forma de compensação ambiental dos mais de 200 hectares de banhados e outras áreas úmidas de planície transformados em lagoas de tratamento de esgotos domésticos, reunindo a maior parte dos dejetos líquidos de toda a cidade (80% a 85%). (Figura 2).


Figura 2. Volumes e percentuais de tratamento de esgotoss em Porto Alegre entre 2013 e 2020. Fonte da imagem: https://gauchazh.clicrbs.com.br/ (30/05/ 2022)

No que se refere, às Unidades de Conservação de Porto Alegre, amparadas pela Lei Complementar no 679/2011 do Sistema Municipal de Unidades de Conservação (SMUC), ocorrem quatro UCs (Reserva Biológica do Lami J. Lutzenberger, Refúgio da Vida Silvestre Morro São Pedro (Figura 3), Parque Natural Morro do Osso (Figura 4) e parcela restante do Parque Saint-Hilaire (130 hectares dentro de Porto Alegre, no que sobrou de um área anterior de mais de 1000 ha, 85% doada à Viamão,) prevendo-se corredores ecológicos (que já constam no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, mas ainda não implantados), além de 10 Parques Urbanos. A RBL, originalmente possuía 77 hectares, sendo ampliada, nas últimas décadas, para 204 hectares, principalmente no período da recebendo o nome RBL José Lutzenberger.

Figura 3. Refúgio da Vida Silvestre Morro São Pedro  https://prefeitura.poa.br/smamus/refugio-de-vida-silvestre-sao-pedro


Figura 4. Parque Natural Municipal Morro do Osso (Jornal do Comércio, (6/6/2017) 
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/06/politica/566832-area-no-morro-do-osso-e-o-maior-precatorio-de-porto-alegre.html

 No aspecto da gestão local, existiam técnicos administradores lotados em cada uma das UCs e dos principais parques (naturais ou urbanos) de Porto Alegre (Redenção, Moinhos de Vento, Marinha do Brasil, Harmonia, Mascarenhas de Moraes, etc.), mantendo-se uma gestão local descentralizada e, pela proximidade, com diálogo próximo às comunidades, já que as sedes de administração conviviam com problemas e necessidades locais cotidianas junto à população.

No ano de 1989, com a posse do Secretário Caio Lustosa, durante o governo Olívio Dutra, a SMAM desencadeou uma série debates internos e participativos com seus servidores para reestruturar o organograma da Secretaria. No que se refere às áreas naturais, a SMAM desenvolveu na década de 1990 a Coordenação do Ambiente Natural que também atuava, em conjunto com a Secretaria de Planejamento Municipal (SPM) e outras pastas, buscando a compatibilização das propostas de conservação e estrutura urbana mais ecologicamente sustentável e resiliente.

O Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), o Departamento de Limpeza Urbana (DMLU), entre outros setores, inclusive planejando a cidade com base na visão e gestão das microbacias hidrográficas junto aos arroios, como um avanço na gestão urbana, evitando-se desregramentos e construções irregulares, destacando-se um dos projetos, chamado “Arroio Não é Valão”.

Ainda na década de 1990, houve avanço no fortalecimento do Fundo Municipal de Meio Ambiente (FUNPROAMB), que arrecada recursos de compensações de empreendimentos que implicam em corte de árvores ou supressão de vegetação, para investimentos em projetos, programas e atividades essenciais diferenciadas, além de disponibilizar, até 2016, 10% de seus recursos para projetos ambientais, sob Editais de concorrência por qualidade, para entidades ambientalistas. Entidades como InGá, Econsciência, Amigas da Terra obtiveram recursos para projetos, em concorrência, via editais, porém a partir de 2016 foram interrompidas estas modalidades. O InGá desenvolveu os projetos Frutas Nativas de Porto Alegre e Cinema na Escola.

No final da década de 1990 e início dos anos 2000, foi elaborado o primeiro um Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU) do país, por meio de iniciativa dos técnicos da SMAM, aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Resolução COMAM n. 5 de 2006). Tivemos, também, na SMAM, quatro Zonais de arborização urbana e gestão de praças (Norte, Leste, Sul e Centro), com infraestrutura humana formada por equipes de pessoal capacitado, formadas por técnicos, auxiliares-administrativos, capatazes, jardineiros, operários, além de equipamentos para plantios, podas e manejo da vegetação urbana. Os programas de arborização eram realizados de forma descentralizada, além de plantios com as comunidades, havia manejo de vegetação e manutenção de praças e parques. As comunidades cuidavam das mudas plantadas em integração entre as zonais e a população dos bairros, reduzindo a perda (morte das mudas) a índices baixíssimos. Durante algumas décadas, ocorreu o tombamento de árvores, via decretos, que garantia um olhar diferenciado. Foram quase mil árvores tombadas, em sua maioria em vias públicas. No Governo de Nelson Marchezan Jr., houve a tentativa de derrubada destes decretos, iniciativa interrompida na justiça.

Neste patrimônio invejável da SMAM, a experiência de seus técnicos contribuiu para dar origem à Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), sendo os mesmos os seus principais fundadores. A SMAM já teve mais de 500 funcionários, situação que se reduziu drasticamente nos dias atuais.

Em 1998, foi elaborado o Atlas Ambiental de Porto Alegre, coordenado pelo professor Rualdo Menegat, da UFRGS, com apoio da SMAM e Prefeitura de Porto Alegre, constituindo-se em uma obra inédita, de extraordinária importância no entendimento da paisagem natural e urbana, além da geobiodiversidade de Porto Alegre, auxiliando a gestão ambiental do município. Em 2008, outra publicação importante, o Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre, coordenado pelo professor Heinrich Hasenack, também da UFRGS, mapeou e descreveu aspectos geológicos e da cobertura vegetal e os aspectos urbanos de Porto Alegre.

A experiência acumulada de um órgão de Estado, independentemente de governos, manteve técnicos e demais funcionários em uma secretaria que gerenciava parques, praças, além de um Viveiro Municipal, com mais de 50 funcionários experientes envolvidos na produção de dezenas de milhares de mudas nativas por ano, com coletas de sementes, marcação de matrizes arbóreas com mais vitalidade.

Cabe destacar também que outras secretarias, além da SMAM, atuaram em conjunto às políticas ambientais, como a Secretaria Municipal de Educação (SMED), neste caso em Educação Ambiental formal, com a equipe de professores das escolas municipais, que eram valorizados até cerca de 15 anos atrás. A Secretaria de Educação dispunha de dois ônibus da Carris (Smedinhos) para conduzir estudantes a conhecer diferentes áreas da cidade, entre elas, as áreas verdes dos parques e a Reserva Biológica do Lami.

O Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) também realizava estudos sobre a qualidade das águas do Guaíba, possuindo equipe de técnicos qualificados, em integração com especialistas em algas, pertencentes à então Fundação Zoobotânica (hoje extinta), tendo ênfase ao plâncton, entre os aspectos avaliados incluem os fenômenos de floração excessiva de cianobactérias tóxicas nas águas do Guaíba.

O Departamento de Limpeza Urbana (DMLU) possuía um programa inédito e prioritário na Coleta Seletiva e Reciclagem de resíduos urbanos, com apoios aos galpões e centros de triagem de resíduos sólidos. A educação ambiental relacionada a isso era uma prioridade até os governos da Administração Popular.

O transporte público também teve preocupação em incorporar pela Companhia Carris a qualidade de motores menos poluentes, situação que foi perdendo qualidade nos últimos governos, resultando na recente privatização total do transporte da cidade, com menos qualidade, opções de trajetos, horários de linhas e menor conforto. Com efeito, parte da população desistiu do transporte coletivo e busca menos dificuldades por meio de veículos particulares, taxi e aplicativos, o que implica em mais poluição do ar e mais engarrafamentos.


A Administração Popular teve muitas outras iniciativas de cunho socioambiental, porém a grande imprensa gaúcha sempre fez questão de não dar visibilidade necessária.

2.  A desestruturação das políticas socioambientais em Porto Alegre

Os desmontes das políticas ambientais na administração municipal começaram a partir de 2005, com o fim do período de quatro gestões da Administração Popular, se aprofundando entre 2017 e 2024, desde o governo de Nelson Marchezan Jr. até o atual governo Sebastião Melo. Há quatro anos, já havíamos analisado e colaborado na elaboração do documento denominado Dar Visibilidade à Temática Ambiental nas Eleições Municipais de Porto Alegre.

Na gestão atual, do prefeito Sebastião Melo, a SMAM foi substituída por SMAMUS, sem ter havido nenhuma discussão com a sociedade, incorporando-se, portanto, os dois nomes: Urbanismo e Sustentabilidade. Quanto ao primeiro, praticamente foi motivo para extinguir a Secretaria de Planejamento Municipal (SPM), misturando um conceito de urbanismo, de interesses de mercado e sem política clara de planejamento, com o tema da proteção ambiental, esvaziado na prática, em áreas que nunca tiveram integração e agora tendem a refletir conflitos de interesses.

O urbanismo foi incluído na estrutura da SMAM, mas destituído de um contingente em número suficiente de técnicos que viessem a dar prosseguimento ao planejamento racional da cidade, e que mantivesse a expertise histórica de secretaria anterior. O segundo conceito, no que chamam de sustentabilidade, é incompatível com a progressiva precarização do órgão ambiental e das políticas de transporte, saneamento, drenagem, abastecimento de água, tratamento de resíduos, via privatização dos serviços públicos. O termo sustentabilidade tornou-se muito mais um conceito vazio, de propaganda enganosa, e profundamente contraditório com a realidade de uma cidade que não têm planejamento de ocupação, pois o mercado é quem dita as regras.

Nessa visão imediatista, onde os negócios pesam mais do que a qualidade de vida da maioria da população, tanto a Secretaria de Planejamento Municipal como a Coordenação do Ambiente Natural não interessavam aos últimos governos municipais neoliberais, por isso desapareceram. No organograma atual da SMAMUS, a CAN não existe mais e o termo biodiversidade tampouco consta. No tema da biodiversidade, a SMAM, nas gestões de Nelson Marchezan Jr e Sebastião Melo, houve a tentativa de arquivamento da iniciativa do InGá, em propor o reconhecimento oficial das espécies ameaçadas da flora do RS com ocorrência natural em Porto Alegre, situação revertida, por nossa iniciativa, que resultou na Resolução Comam n. 02/2024 que reconhece, prioritariamente nas políticas públicas relativas à proteção da biodiversidade, a existência de 80 espécies de plantas ameaçadas no território do município.

Um exemplo da inversão de prioridades foi o que ocorreu na Ponta do Arado, em Belém Novo, frente ao estímulo da prefeitura para a construção do Empreendimento Arado Velho, prevendo-se imenso aterro de banhados da margem do Guaíba, mobilizando a população local, tanto na defesa dos direitos dos Mbya-Guarani nesta área como na defesa em um de áreas naturais da orla. Fato semelhante, por estímulo da prefeitura, ao empreendimento Loteamento Ipanema, da então empresa Maiojama em um dos maiores remanescente de Mata Atlântica do bairro de mesmo nome. Tal ameaça fez surgir o Movimento Preserva Arroio Espírito Santo, em Ipanema, além do Movimento Preserva Zona Sul, contra a construção de mais de uma dezena de edifícios e ruas num bairro tradicionalmente de lazer e turismo a toda a população.

A Equipe de Fauna está hoje muito desfalcada, sendo que originalmente possuía três técnicas, há mais de 30 anos, consta com somente uma técnica para dar conta de toda a cidade, com mais de 1000 atendimentos só no ano de 2023. Ou seja, não há equipe e tal situação denota desinteresse político em fortalecer uma equipe fundamental para tratar da fauna de Porto Alegre e suas interações com a população. Tal sobrecarga, à semelhança do que ocorre na arborização, constitui-se em desestímulo para uma função importante, destacando-se aqui as mortes de bugios-ruivos, espécie ameaçada de extinção, alvo de choques elétricos na fiação (sem cuidados) nas áreas naturais das zonas sul e extremo sul de Porto Alegre. Na orla do Guaíba, cabe destacar a presença de quelônios (tartarugas) que depositam seus ovos em área hoje em urbanização, promovida pela prefeitura, com ameaças a estes locais, como no caso do Anfiteatro Pôr do Sol.

No que se refere ao Orçamento Participativo na realização de obras demandas da população, houve um crescimento em 1989, mas uma redução drástica a partir de 2005, como mostra a Figura 5. A participação da sociedade também foi definhando e a captura de lideranças por parte da prefeitura no OP foi flagrante.  

No caso da Educação, segundo o Vereador Jonas Reis (PT), o prefeito Melo desmontou o Conselho Municipal de Educação (Lei Complementar n° 953/22), reduzindo a participação da sociedade civil, ao mesmo tempo que ampliou a participação de empresas privadas da educação. Segundo o vereador, o governo e o setor patronal das escolas privadas têm a maioria no conselho, sendo excluídas as representações dos funcionários das escolas, do movimento comunitário, dos orientadores educacionais e dos supervisores educacionais.

Figura 5 Investimentos da Administração Municipal, a partir do Orçamento Participativo. Da democracia participativa à desdemocratização na cidade: a experiência do Orçamento Participativo em Porto Alegre (https://www.scielo.br/j/cm/a/kwSGSgGLdWLVBh6yHLKqSYq/#ModalFigf08).

Como agravante do aumento dos interesses privado na cidade, na gestão atual foi criada a Secretaria Municipal de Parcerias (SMP), dirigida pela contadora Ana Pellini, que tem histórico e expertise na flexibilização da legislação ambiental (Sema e Fepam) e na agilização da transferência de espaços públicos, como os parques da Orla, para espaços privatizados, agora chamados, pela prefeitura, de “Trechos” submetidos às concessões privadas de áreas de grande interesse à população como a orla do Gasômetro, do Parque Harmonia (Maurício Sirotsky Sobrinho), Parque Marinha do Brasil, Anfiteatro Pôr do Sol, etc..

O Parque da Redenção, que teve ameaça de construção de um estacionamento subterrâneo para mais de 500 automóveis, também sofreu a intrusão de um espaço de comércio de gastronomia, chamado Refúgio do Lago (Figura 6), apelidado pelo Coletivo Preserva Redenção como "Refugo do Lago". Sua localização foi estabelecida onde estava historicamente o Orquidário Municipal, desativado e demolido pelo governo anterior, sendo a área submetida a cortes de árvores, perdendo-se área verde direcionadas para finalidades comerciais, prejudicando a fauna local. Neste caso, os gambás (que pertencem à fauna original do local) foram alvo de armadilhas ilegais para captura e soltura destes animais em outro município por parte da empresa permissionária deste espaço. Houve protestos também por parte do Coletivo Preserva Redenção Tampouco existia projeto de tratamento de esgotos no local, o que gerou protestos e uma infeliz facilitação de parte da Prefeitura. 

Parque Harmonia foi o que mais sofreu (Figura 7) com a retirada de sua vegetação, a partir da ausência de um licenciamento ambiental necessário para empreendimentos de tal magnitude, com o planejamento de instalação de dezenas de prédios e equipamentos que substituíram áreas verdes, além da autorização de supressão de 432 árvores, e derrubada de mais de uma centena de árvores, com aterros prejudiciais e destruição de vegetação de gramados e ambientes que representavam abrigo para 85 espécies de aves, por exemplo. Cumpre lembrar que a substituição de áreas verdes por asfalto teve como intenção de abrir uma ampla área de estacionamento para mais de 1.500 vagas de automóveis.

  Figura 6.  O Orquidário foi demolido no ano de 2018, sendo posteriormente ocupado e ampliado para uso comercial em gastronomia, no local denominado Refúgio do Lago. Faz parte de um rol de desvios de finalidade e privatização de nossas áreas verdes públicas. Já houve a perda da metade da área do Parque Farroupilha/Redenção, desde sua origem, quando ultrapassava 70 hectares, e hoje possui cerca de 37 hectares. (Foto Paulo Brack). 

Figura 7. Parque Harmonia (Parque Maurício Sirotsky Sobrinho) parcialmente devastado em junho de 2023. Fonte da imagem: Gabriel Poester. 

Paulatinamente, no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) as áreas rurais foram sendo substituídas por áreas urbanas, perdendo a prioridade de se manter a produção de hortigranjeiros, frutas e pecuária, estimulando-se a urbanização em espaços de ocupação mais rarefeita e sem vocação para o urbanismo, a partir da elevação dos valores do Imposto Territorial Rural (ITR) para Imposto Territorial Urbano (IPTU). Diferentes artimanhas foram direcionadas ao PDDUA, com a intenção contínua de favorecer empreendimentos imobiliários, com a concomitância da flexibilização das áreas naturais e rurais de Porto Alegre. Apesar de mais de 1/3 de áreas com vocação de manter a Zona Rural, que foi reduzida a menos de 8% dos 49 mil hectares do município.

Quanto aos programas, como o Programa Guaíba Vive, lamentavelmente, não houve mais nenhum projeto similar, e as praias do Guaíba não avançaram no controle da poluição, e a Orla do Guaíba, na administração do Prefeito Sebastião Melo, transformando-se, nos chamados “Trechos da Orla” em espaços para eventos, gastronomia, estacionamentos para automóveis particulares, etc., em um ritmo sem fim de perdas de áreas verdes públicas para concessões privadas e atividades que geram eventos, gastronomia e outros negócios destoantes das finalidades das áreas verdes, onde a contemplação da natureza foi substituída pela contemplação ao consumo.

No tema arborização, a partir de 2017, a administração do prefeito Nelson Marchezan Jr. fechou as zonais da SMAM, retrocedendo na atuação de técnicos lotados nos bairros. No que se refere ao tombamento de árvores de importância para a cidade, no que resulta em maiores restrições à supressão, o governo do então prefeito Marchezan Jr. tentou derrubar todos os decretos de tombamento de árvores em Porto Alegre, porém a Justiça, a por iniciativa do MPRS, reverteu a tentativa do então prefeito realizados por prefeitos anteriores.

Até o final da década de 1990, ou mesmo no início deste milênio, o planejamento do plantio de árvores era realizado pela Secretaria, em geral pelas Zonais. Desde mais de uma década para cá, com a aposentadoria de técnicos e demais funcionários, a prefeitura vêm destinando a terceirização dos serviços públicos a empresas, entretanto sem a experiência acumulada pelos funcionários mais antigos.

Em 2020, denunciamos o descaso com a arborização, já que está havendo um arboricídio em Porto Alegre (Figura 8). Segundo uma matéria do veículo O Matinal, o corte de árvores em Porto Alegre está crescendo desde 2012, a partir da terceirização do serviço de remoções, sendo que a média anual passou de 2.419 remoções, entre 2007 e 2011, para quase 4 mil no período entre 2012-2016.

Figura 8. A desfiguração da arborização foi drástica, a partir das podas, supressões e intervenções, para "desobstruir" a fiação elétrica aérea, realizada pela empresa CEEE-Equatorial, com aval da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Supremacia de um modelo caduco de transmissão de energia sobre a saúde das árvores, o verde da cidade e a paisagem (fotos Paulo Brack).

A partir de 2017, houve o abandono do Viveiro Municipal, depois de um problema de fornecimento de luz ao espaço por mais de três anos, com a tentativa de fechamento do mesmo por parte do então secretário da SMAM, Maurício Fernandes (Figura 9). Tal situação gerou indignação e uma ação na justiça por parte do InGá e apoio do Ministério Público do Rio Grande do Sul, no sentido de obrigara a sua retomada, o que foi feito a partir de 2022. Foram gastos mais de 2 milhões de reais para sua reestruturação, com recursos do FUNPROAMB. Caso não existisse a ação na justiça, o viveiro não existiria mais.

    Figura 9. Viveiro Municipal abandonado entre 2017 e 2021 (foto Paulo Brack, 2020)

Quanto ao DMAE, hoje está profundamente desfalcado com menos de 40% do contingente existente há cerca de duas ou três décadas. Os resultados desastrosos das enchentes em Porto Alegre têm relação estreita com a desestruturação do DMAE.

No que se refere ao Fundo Municipal de Meio Ambiente (FUNPROAMB), os recursos de 10% previstos para projetos pelas entidades ambientalistas tiveram seus editais cancelados a partir de 2017 e com a retirada do FUNPROAMB da SMAMUS, centralizado agora pela prefeitura, a partir de junho de 2024, com a alegação de serem usados em emergências para atendimento aos danos provocados pelas enchentes.

Lembramos que as enchentes catastróficas em vários bairros da cidade (Figura 10), onde dezenas de milhares de pessoas perderam tudo, são também resultado do abandono e profunda precarização da estrutura e do sistema de proteção às cheias (dique, muro, comportas e bombas), como um projeto que visa o esvaziamento e substituição do DMAE por contratação de serviços por empresas privadas. Cabe lembrar que o prefeito e vários vereadores de sua base eram favoráveis à derrubada do Muro da Mauá.

Durante mais de um mês, vários entulhos de móveis e outros materiais e resíduos permaneceram abandonados nas calçadas de bairros mais afastados do Centro, no caso Sarandi e Humaitá, sem recolhimento, gerando foco de vetores de doenças e maior prejuízo às populações já desassistidas. 

Figura 10. Entulhos decorrentes das enchentes em Porto Alegre. Permaneceram por mais de um mês sem serem retirados, a não ser em zonas mais centrais, ficando, portanto, abandonadas as áreas de bairros mais afastados, neste caso o bairro Sarandi, e a população já precarizada em serviços e condições de vida. (Foto Isabelle Rieger, Sul 21).

Uma das últimas “cerejas do bolo” da desestruturação das políticas públicas na administração de Porto Alegre foi a extinção de fundos públicos de várias áreas, entre elas o da ambiental. Após a calamidade climática-ambiental de maio de 2024, o governo de Sebastião Melo obteve uma lei que retira e centraliza os recursos dos diferentes Fundos, inclusive retirando recursos do FUNPROAMB, via Decreto n. 22.647/2024 e Lei Complementar n. 1014 de 21 de junho de 2024.

Um dos pontos marcantes do retrocesso foi o caso da retirada de seus administradores dos Parques de Porto Alegre, técnicos da SMAM, sendo, portanto, desativada a gestão local, que antes era existente. Em lugar deles, o prefeito nomeia “prefeitos de parque”, sem nenhum processo democrático, republicano ou impessoal, o que resulta, em sua maioria, uma indicação que gera tendência a alinhamento político ao prefeito e descompromisso em possuir gestores técnicos, da secretaria de meio ambiente, em número suficiente para uma gestão ambiental pública e defensora do meio ambiente.

Quanto ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), houve um enfraquecimento da participação democrática das entidades, a partir de 2017. Em meados daquele ano, o então Secretário da SMAMS elaborou, de forma unilateral, um edital que excluía a representação das entidades ambientalistas no Conselho, de forma autônoma, via Apedema, o que ocorria, anteriormente, há mais de 20 anos. Esta situação se aprofundou, a partir de 2020, incluindo sorteio, em vez de uma eleição, no caso da existência de mais de entidades por vagas.

Quanto ao tema climático, a prefeitura de Porto Alegre contratou uma ONG internacional de nome ICLEI, que recebe recursos como consultoria, para elaboração de um Plano de Mudança Climático que é irreal para uma cidade que facilita a ocupação urbana por parte de grandes condomínios de classes alta e média sobre as áreas naturais e rurais da zona sul e leste, destrói áreas verdes, fragiliza o transporte coletivo público, promove aumento de consumo desnecessário de energia elétrica (Figura 11) o que implica em mais liberação de gases de efeito estufa, como exemplo em painéis luminosos, e também de propagandas que induzem maior consumo dispensável, incrementando a poluição visual. Isso tudo, justamente, na recente capital da calamidade climática mundial.

Figura  11. A prefeitura de Porto Alegre promove que sejam espalhadas milhares de totens luminosos na cidade, refletindo o esbanjamento de energia elétrica e o consumo, que resulta na crescente liberação de Gases de Efeito Estufa, justamente na capital da calamidade climática do mundo, ocorrida em maio de 2024 (Fotos Paulo Brack). 

3. A retomada da resistência e das lutas de entidades e movimentos para a interromper o processo e transformar a cidade em empreendimentos de negócios

Há muita história de construção de políticas ambientais em Porto Alegre, com base nas mobilizações da sociedade e no período de 16 anos da Administração Popular. Deve-se barrar as muitas iniciativas de parte dos governos neoliberais em destruir conquistas socioambientais.

A calamidade climática-ambiental que destruiu lares e condições de vida ainda mais precarizadas pela enchente em Porto Alegre é resultado do abandono do sistema de proteção às cheias (comportas emperradas no muro da Mauá, casa de bombas de drenagem com vários danos de falta de manutenção, diques fragilizados, et.). Existe uma responsabilidade evidente de uma administração municipal no agravamento desta calamidade que, pela lógica do “Estado Mínimo”, esfacelou o serviço público e privilegiou empresas que visam ao lucro acima de tudo.

Apesar do contexto de retrocessos, o ambientalismo se renova em nossa cidade, com movimentos vivos em vários cantos. O momento das eleições de outubro de 2024 constitui-se em uma das grandes oportunidades, sem dúvida a mais importante, para a reflexão e a busca do restabelecimento de políticas ambientais de reconstrução de estruturas e ações mais perenes para as garantias socioambientais, já asseguradas pela Constituição Federal de 1988.

Estamos neste movimento há décadas e nos sentimos na responsabilidade de contribuir para esclarecer o histórico dos processos atuais para a mudança de cenário, para melhor, em prol da natureza e da qualidade de vida da maioria da população de Porto Alegre.