Athen Teixeira Filho* e Antonio Libório Philomena**
Gradativamente as questões ambientais assumem as
manchetes que há muitas décadas a imprensa lhes devem, temas sempre relegados à
espaços de "curiosidades" e não de centralidade da subsistência da
própria espécie humana.
71% da superfície terrestre é coberta por água
salgada. Para além, temos somente 3% de água doce, da qual 2% encontram-se em
geleiras e 1% em rios, lagos e lençóis subterrâneos. Deste todo, somente 0,65%
é potável mas ainda a desfrutamos com princípios e lógicas medievais como um
bem inesgotável.
Há décadas tem-se imagens do agreste nordestino
mostrado em pessoas na extrema pobreza, precocemente envelhecidas, crianças
famintas e tendo que caminhar quilômetros para conseguir um mínimo de água. A
política de perfuração de poços só serviu como tática eleitoreira e para
beneficiar espertalhões.
Mesmo com evidentes sinais e sintomas da falência
ambiental, governos sempre foram medíocres ou irresponsáveis e a crise hídrica
de hoje tem uma severidade que alcançou Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo. Agora políticos, que sabiam da proporção deste gravíssimo problema há mais
de dez anos, esboçam alguma ação e, pior, sempre de forma tardia e equivocada.
Salienta-se que em 4 de setembro de 2014 a humanidade já havia consumido tudo o
que lhe competia para aquele ano, sendo que o usufruto até 31/12/2014 foi do
que pertenceria aos nossos filhos e netos.
Crises hídricas não são problemas
"regionais". Hoje sabe-se de cursos de água atmosféricos ("rios
voadores"), massas de ar carregadas de vapor de água e propelidas por
ventos. A dinâmica de distribuição desta água na atmosfera é 10 mil vezes mais
rápida que as correntes oceânicas, manifestando-se em forma de chuva, neve,
granizo e nevoeiro. Invisíveis e já tremendamente alterados, tais
"rios" sobrevoam nossas cabeças mostrando como a Bacia Amazônica está
"aqui ao lado", pois é desta que trazem a umidade que ajuda a irrigar
o Sudeste, Centro-Oeste e nosso Sul do Brasil. Ou seja, é ilusório pensar que
não nos impacta o criminoso desmatamento da Floresta Amazônica.
Para além, a "potabilidade" é fundamental,
ou seja, água livre de agentes que possam ocasionar doenças e possível de ser
bebida por homens e animais. Para o nosso Bioma Pampa tem-se publicação da
Embrapa, informando a "presença de glifosato em lavouras de arroz
irrigado com água proveniente da Lagoa Mirim em concentrações acima de 7
microgramas por litro". Adiante cita que "na planície costeira
externa e fronteira oeste do Rio Grande do Sul, no período 2007/2008,
encontraram resíduos de 3 hidroxi-carbofurano, clomazona, cialofope butílico,
2,4-D, azoxistrobina, bentazona, difenoconazol, edifenfós, etoxissulfurom,
fipronil, glifosato, imazetapir, mancozebe, oxadiazona, oxifluorfen,
penoxsulam, propanil, tebuconazol, tetraconazol, tiabendazol, tiobencarbe".
Não existe qualquer razoabilidade ou bom senso na aplicação de venenos agrícolas
que degradam e roubam a potabilidade hídrica. No RS 85% dos rios mostram
problemas por conta de barragens, desvios de curso, hidrelétricas, projetos de
irrigação, hidrovias e, na listagem dos dez rios mais poluídos do Brasil, temos
três maus exemplos (Caí, Gravataí e Sinos). Sequer aborda-se aqui a
contaminação de águas subterrâneas, como do nosso Aquífero Guarani.
Relatório da ONU desta sexta-feira (20) afirma
que, ser nada for feito, as reservas hídricas do mundo podem encolher 40% até
2030; que 748 milhões de pessoas no planeta não têm acesso a fontes de água
potável; e que o Brasil está entre os países que mais registram estresse
ambiental devido a alterações do curso natural de rios (como nas barragens).
Pelotas, a "Veneza do Sul", deve se
debruçar e discutir este gravíssimo problema que já é nosso, tanto pela perda
de potabilidade quanto pela escassez que pode nos alcançar de forma brusca.
Discutir quando o problema estiver ocorrendo será ilógico, irresponsável e quem
vai "pagar a conta" como sempre, será a desinformada e desprevenida
população.
*
Professor da UFPEL ** Professor da FURG