“Existem abordagens contraditórias. De um lado há
unanimidade quanto à importância dos avanços científicos e do potencial
da engenharia genética para o futuro da humanidade. De outro lado, há
uma grande divisão relativamente aos resultados obtidos até o presente
momento”, pontua o engenheiro agrônomo.
Confira a entrevista. (IHU)
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520591-a-transgenia-esta-mudando-para-pior-a-realidade-agricola-brasileira-entrevista-especial-com-leonardo-melgarejo
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Foto: direitodeconsumir.wordpress.com |
Após retornar de uma série de reuniões sobre o desenvolvimento dos transgênicos no Brasil na CTNBio,
Leonardo Melgarejo concedeu a entrevista a seguir à
IHU On-Line
por e-mail. Nela questiona o que chama de “decisões polêmicas” tomadas
pelo colegiado que tem a finalidade de prestar apoio técnico ao governo
federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional
de Biossegurança relativa aos Organismos Geneticamente Modificados -
OGM. De acordo com ele, entre os temas em pauta estava o sigilo sobre
informações referente “à performance agronômica das
lavouras transgênicas”.
Ele explica: “Há um entendimento, entre os membros da maioria, de que
até mesmo as informações sobre o rendimento das lavouras transgênicas
devem ser mantidas em sigilo. Aliás, o entendimento é de que todas as
informações obtidas nos ensaios de campo devem ser sigilosas. Há dois
anos isso não era assim. De lá para cá, na opinião da minoria crescem as
evidências de efeitos colaterais e, ao mesmo tempo, crescem os receios -
das empresas - de que ocorra divulgação destes efeitos. Possivelmente,
as campanhas de
marketing seriam prejudicadas pelas evidências
de campo caso isso se tornasse de conhecimento público. Assim, algumas
empresas pedem sigilo sobre todos ou quase todos os resultados de boa
parte de seus estudos. Alegam que o registro de novas cultivares só será
possível na medida em que todas as informações sobre estas cultivares
sejam sigilosas, desconhecidas, completamente inéditas”.
Melgarejo também chama atenção para uma nova agenda que está sendo trabalhada pelas empresas, referente à introdução de
novas espécies transgênicas no mercado,
como cana, sorgo, laranja e eucalipto. “Atualmente estão sendo criadas
regras para testes de campo dessas culturas, que são etapas necessárias à
posterior comercialização. Se tomarmos como exemplo soja, milho e
algodão, a experiência mostra que esses milhares de experimentos
realizados, sobretudo no centro-sul do país, geraram pouquíssimos dados
sobre os potenciais impactos dessas plantas modificadas no ambiente e
sobre a saúde. Até agora não há indicativo de que o quadro mudará para
essas novas espécies. Como preocupação neste caso, temos a expectativa
triste de que deverá se repetir a tendência de geração de dados
agronômicos de interesse das empresas, mas que oferece escassa ou mesmo
nula utilidade para as análises de biossegurança, que - afinal de contas
- correspondem à razão de ser da CTNBio”, lamenta.
Leonardo Melgarejo
(foto abaixo) é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor
em Engenharia de Produção pela Universidade de Santa Catarina - UFSC. É
membro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra,
no Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a transgenia tem mudado a produção agrícola brasileira?
Leonardo Melgarejo – Esta tecnologia sem dúvida tem
sua atratividade. Ela promete grandes resultados em termos de produtos
melhores e mais saudáveis. Também promete menor impacto ambiental, maior
produtividade e lucratividade para produtores grandes e pequenos, com
menores riscos para os consumidores. E ainda joga com esperanças muito
complexas: promete plantas resistentes à seca, plantas tolerantes a
solos ácidos, plantas que curam doenças, entre outros sonhos da
humanidade. Infelizmente nada disso tem se confirmado. Até o presente,
essas afirmações continuam restritas às campanhas de
marketing e às manifestações de apoiadores da tecnologia.
É verdade que
lavouras tolerantes a herbicidas
trazem, inicialmente, facilidades técnicas. Trazem de fato
simplificações ao processo de gestão, que são importantes e facilitam o
trabalho do agricultor. Assim como é verdade que plantas inseticidas,
que matam as lagartas que tentam mastigar suas folhas, durante algum
tempo permitem economizar em inseticidas e facilitam o controle de
determinados insetos. Mas isso só tem se mostrado válido no curto prazo.
No médio prazo, o que tem sido observado é o oposto: há uma necessidade
de uso de agrotóxicos mais fortes e mais tóxicos, com maior frequência e
em maior intensidade, ampliando os custos e reduzindo a rentabilidade
das lavouras. Para que se tenha ideia: segundo a imprensa, nesta safra,
com o ataque de lagartas que deveriam ser controladas pelas lavoura Bt, o
custo de produção da soja, na Bahia, passou de US$ 100 para US$ 200 por
hectare. No caso do algodão, os gastos passaram de US$ 400 para US$ 800
por hectare (
Valor Econômico, 12-03-2013). Segundo a
imprensa, agricultores que até 2012 usavam 70 ml do inseticida Prêmio,
da DuPont (produto mais recomendado e utilizado na região), com
expectativa de restringir em 90% a população da Helicoverpa, lagarta que
deveria ser morta no contato com plantas Bt, nesta safra, mesmo
utilizando 150 ml, obtiveram resultados de apenas 70%. Os prejuízos, na
Bahia, são estimados em R$ 2 bilhões .
Os resultados concretos mostram que, de forma geral, é possível
afirmar que a transgenia tem oferecido para alguns, durante algum tempo,
facilidades de manejo em função da homogeneização de processos
decisórios relacionados ao controle de herbicidas e de algumas pragas.
Porém, isso tem reflexos muito severos para os demais envolvidos. E
mesmo para os que se beneficiam no curto prazo, os resultados de médio e
longo prazo não permitem otimismo. Vejamos: a agricultura brasileira se
vê diante da ampliação de custos produtivos e percebe uma alteração no
tamanho mínimo viável para lavouras tecnificadas de milho, soja e
algodão. Com isso, pequenos estabelecimentos se tornam inviáveis, o que
resulta em aceleração da exclusão de pequenos produtores. Isso significa
que, na prática, a transgenia tem acelerado uma espécie de reforma
agrária às avessas no rural brasileiro. A expansão das lavouras
transgênicas também acelera a simplificação das matrizes produtivas
regionais.
Círculo vicioso
Ao reduzir o número de produtores e o leque de produtos ofertados, a
expansão da monocultura
e o avanço das lavouras transgênicas provocam um círculo vicioso, que
amplia as dificuldades de permanência das famílias no campo. Perceba:
exigindo economia de escala e sendo deletéria para a agricultura
familiar, esta tecnologia leva à redução da população rural e acaba
inviabilizando a prestação de serviços que são fundamentais para a vida
no campo. As escolas, os postos de saúde, as linhas de coleta de leite
se tornam inviáveis quando a população se faz rarefeita. Então, é
possível afirmar que a expansão dos transgênicos se associa à tendência
de fragilização do tecido social necessário para a permanência do homem
no campo. Além de reforçar o esvaziamento do campo e refrear o avanço de
políticas que apostam em processos de desenvolvimento rural, “com
gente”, a transgenia ameaça a qualidade de vida dos que permanecem no
campo, ampliando o volume de agrotóxicos utilizados. Tanto é que o
Brasil se tornou o país que mais usa agrotóxicos no mundo. Para o
agronegócio não é ruim: sugere um maior volume de negócios, permitindo
mapear uma expansão do PIB e da contribuição do setor para a economia
nacional.
Mas isso não é do interesse da sociedade, sob o ponto de vista da
maioria da população. Não apenas porque contraria o senso comum, mas
também porque reforça um círculo vicioso. O maior volume de agrotóxicos,
além dos problemas de saúde, está provocando o surgimento de plantas
tolerantes a herbicidas, demandando expansão no uso de venenos. E não é
apenas isso: o maior uso de venenos se associa à necessidade de venenos
mais perigosos.
Perceba: os primeiros transgênicos liberados no Brasil
eram resistentes ao Roundup, um herbicida à base de glifosato, que é
classificado pela Anvisa como sendo de baixa toxicidade. Ele está
comprovadamente associado à presença de alguns tipos de câncer, a
problemas reprodutivos e neurotóxicos, entre outros, mas é classificado
como de baixa toxicidade. Pois os transgênicos em avaliação pela CTNBio,
atualmente, e que substituirão aqueles primeiros, que já não funcionam
bem, serão tolerantes ao 2,4-D. E este é de alta toxicidade.
Possivelmente, em breve estará sendo aplicado de avião, talvez em
milhões de hectares. Podemos esperar que este veneno caia apenas sobre
as lavouras? É importante observar que uma planta, que não morre quando
toma um banho de veneno com ação hormonal, carregará consigo parte
daquele veneno. Será consumida com resíduos do veneno. Por que os
transgênicos tolerantes ao glifosato estão sendo substituídos? Porque a
natureza produziu plantas que já não morrem quando aquele veneno é
aplicado sobre elas.
A transgenia está mudando a realidade agrícola brasileira
No caso das plantas inseticidas, que matavam as lagartas que atacavam
seus grãos, raízes e folhas, está ocorrendo algo semelhante. A natureza
está produzindo lagartas que não morrem quando comem plantas que
carregam aquelas toxinas. As perdas nesta safra levaram o governo a
decretar estado de emergência fitossanitária e a autorizar a importação e
aplicação de inseticidas novos. Um deles, o benzoato de emamectina, é
condenado pela Anvisa. Trata-se de produto comprovadamente neurotóxico,
que não era utilizado no país e que agora, graças à transgenia, passa a
ser incorporado aos pacotes tecnológicos do agronegócio brasileiro.
Enfim, essa pergunta é muito ampla, permite uma conversa de horas.
Talvez de uma maneira muito simplificada, possamos afirmar apenas que a
transgenia está mudando para pior a realidade agrícola brasileira.
Os impactos negativos são de ordem socioeconômica, de ordem
estrutural, de ordem ambiental, de ordem sanitária e fitossanitária.
Cresce e piora o quadro do uso de agrotóxicos, com seus reflexos sobre a
saúde humana e ambiental. Insetos que eram pragas irrelevantes se
tornam pragas importantes carecendo de inseticidas novos. A
biodiversidade se reduz. O desequilíbrio ecológico aumenta. As sementes
crioulas se contaminam com transgenes veiculados pelo pólen que chega a
todos os locais, carregado por insetos e pelo vento, com impactos
relevantes no futuro da nação. Isso estende os direitos das
multinacionais detentoras das patentes daqueles transgenes, sobre os
estoques de sementes guardadas há gerações, pelos agricultores de todo o
país, reduzindo nossas perspectivas de autonomia, segurança e soberania
alimentar.