2017, 66p. Dissertação deMestrado Profissional. Programa de Pós-Graduação em Saúde da Mulher – CCS/UFPI.RESUMO "O glifosato [o maior herbicida usado no Brasil, representando mais de 50% do volume de todos os agrotóxicos comercializados aqui] é o agrotóxico de maior risco potencial para a saúde humana por ser o mais comercializado no mundo, no Brasil e no Piauí.
Baseando-se nessa realidade, este estudo teve como objetivo avaliar a contaminação de leite materno pelo agrotóxico glifosato em puérperas (que recém deram a luz) atendidas em maternidades públicas do Piauí. Adotou-se um desenho de estudo correlacional descritivo e de corte transversal aplicado nos municípios de Teresina com 164 participantes, Oeiras com 27 e Uruçuí com 13 participantes. Foi desenvolvido um método de análise laboratorial das amostras de leite materno aplicado à técnica de cromatografia líquida de alta eficiência acoplada a fotodiodo de detecção por radiação ultravioleta [...]. A análise das amostras de leite materno limitou-se à detecção das duas substâncias. Analisou-se 62,5% das amostras coletadas em Oeiras e Uruçuí, detectando-se presença de glifosato ou ácido aminometilfosfônico em 64% delas. Ao desagregar por município, comprovou-se contaminação em 46,1% e 83,4% das amostras analisadas provenientes de Oeiras e Uruçuí, respectivamente. Conclui-se que foi alta a contaminação do leite materno pelo agrotóxico glifosato, comprovando-se sua gravidade e importância enquanto fator de risco à saúde da mulher e da criança."
domingo, 4 de novembro de 2018
sábado, 29 de setembro de 2018
Jardim Botânico de Porto Alegre completa 60 anos, sob iminente ameaça
Considerando
o aniversário de 60 anos do Jardim Botânico de Porto Alegre, da
Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, se completaram em 10 de setembro, porém a instituição tem destino incerto e sofre grande risco iminente;
Considerando
que o Plano Diretor do JBPA (2004) já estabelecia como um dos
principais objetivos “dar prioridade à conservação de espécies
raras, endêmicas, vulneráveis ou em perigo de extinção” e
“manter acessos diversos de cada espécie, buscando conservar os
recursos genéticos”;
Considerando
a Resolução do Conama 339/2003 que estabelece condição para a
manutenção atual da categoria A, obtida pelo Jardim Botânico de
Porto Alegre, entre outros quesitos, da existência de corpo técnico
especializado, da efetiva execução de atividades de pesquisa em
botânica, de programas de educação ambiental, da manutenção de
coleções vivas, da manutenção de bancos de germoplasma, do
oferecimento de cursos ao público externo e da manutenção de
programa de publicação técnico-científica, o que, até então,
vem sendo realizado com inúmeras dificuldades pelos profissionais
especializados do JB e, complementarmente, do Museu de Ciências
Naturais – MCN, fundamental ao JBPA;
Considerando
a decisão da Justiça, emitida em 31 de dezembro de 2017, e
reafirmada em despacho (Processo 1.17.0015169-0 ) de 03/04/2018,
proferido pelo Juiz Eugênio Couto Terra, que obriga a manter a
Categoria A ao Jardim Botânico da Fundação Zoobotânica, seguindo
a Resolução do Conama 339 de 25 de setembro de 2003;
Considerando
que o quadro
técnico-científico, necessário
para contemplar a
referida Resolução
e as decisões judiciais,
está sendo diminuído drasticamente,
pois, até
esta
data, não existe cargo
de Direção no Jardim Botânico, tendo
sido demitidos 3
pesquisadores, 6 jardineiros e uma secretária, com
a transferência de um
técnico florestal para
outro setor. E também,
cabe destacar,
todos os funcionários já receberam notificações de demissão ou
transferência e as
atividades
estão
em processo de cessamento;
Considerando
que, além da falta de direção técnica e administrativa, todos os
chefes de divisão e seção foram exonerados, sem substituição das
chefias e com a desocupação das salas da administração,
agregando-se a isso o comprometimento do viveiro da instituição, o
mais rico em espécies nativas raras e ameaçadas do Estado, o qual
não possui mais responsável técnico, sendo proibidas as excursões
necessárias para coleta de sementes de espécies nativas e
inviabilizadas permutas de mudas entre essas instituições;
Considerando
o deslocamento ou demissão de servidores que desempenham funções
essenciais ao manejo de plantas e sementes do JB e a demissão de
técnicos que atuam na pesquisa, curadoria, planejamento de
atividades, editoração e apoio especializado às atividades na área
de botânica compromete a qualidade e continuidade dessas atividades,
colocando em risco a manutenção da categoria A e a própria
condição de Jardim Botânico, conforme a Resolução 339/03 do
Conama;
Considerando
que não há mais administração do Jardim Botânico, a secretária
foi demitida, o chefe da Divisão de Pesquisa foi exonerado da chefia
em fevereiro e demitido em março, quando a sede da administração
foi esvaziada. Todas as divisões, seções e setores não têm mais
chefias. Além de não existir mais Direção no Jardim Botânico de
Porto Alegre, pois o último diretor foi exonerado em maio, sem
substituição, não há ninguém para coordenar os trabalhos ou
pessoal especializado em se responsabilizar por materiais e
equipamentos;
Considerando
que é iminente a perda de 10 coleções envasadas com 2094
exemplares de espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção
do estado do Rio Grande do Sul, constituindo-se em perda irreparável
ao bem público representado pelo patrimônio florístico único
mantido em conservação “ex situ”;
Considerando
que a iminente extinção da FZB e do respectivo CNPJ, com as
demissões de funcionários, gera a perda de qualidade da pesquisa
científica e encerramento definitivo de algumas delas, garantidas
por Lei (Constituição Federal, Constituição Estadual, Código de
Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, Decisões Judiciais) e
por acordos internacionais (Metas da Biodiversidade 2020, assinadas
em acordo entre o Brasil e mais de 190 países da Convenção da
Diversidade Biológica);
Considerando
que as
coleções estão sob
risco iminente
pela
negligência governamental
e procrastinação no atendimento às
decisões judiciais
e
necessidades
e demandas essenciais à manutenção das estruturas para
coleções especiais, como cactáceas, bromeliáceas e orquidáceas,
que exigem constante manutenção.
Muitos exemplares de coleção já estão morrendo, tanto pelo
descaso com a infraestrutura quanto pela ausência do técnico
florestal especializado. Cabe
destacar,
também, ser
inverossímil
qualquer plano de ação teórico que viesse a substituir as funções
da FZB, previsto em
Decreto, complementar à inconstitucional Lei 14.982/2017, para
um departamento hierarquicamente rebaixado e sem estrutura de pessoal
e condições físicas na SEMA.
Considerando
que a Resolução 339/2003 é bem clara em exigir a
manutenção
de
Publicações
Científicas (Revista Iheringia, sér. Botânica), agora sob ameaça
de solução de continuidade, pela demissão de pesquisadores
responsáveis pela mesma, bem como estar
comprometido a continuidade do cumprimento
do registro de banco
de germoplasma e publicação regular do Index
Seminum,
pois, no setor do Banco de Sementes, dois
técnicos com quase vinte anos de experiência em análise de
sementes foram demitidos, restando apenas dois técnicos que,
sozinhos, não
conseguirão
manter o funcionamento do banco de sementes, e
muito
menos publicar o Index
Seminum.
Assim,
neste Data tão importante, vimos denunciar a irresponsabilidade do
governo do Estado e parabenizar os técnicos e demais funcionários
do Jardim Botânico de Porto Alegre que lutam heroicamente para
evitar o grave risco de interrupção irreparável das atividades
essenciais e insubstituíveis deste patrimônio do Estado, em
especial da flora do Rio Grande do Sul, que justificam a
classificação do Jardim Botânico de Porto Alegre na categoria A,
exigida pela Justiça, e a essencial parceria com o Museu de Ciências
Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, sem a qual
este patrimônio não se sustentará.
Porto
Alegre, 10 de setembro de 2018
Ingá- Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais
APEDEMA
- Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS
MOGDEMA
- Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente
domingo, 23 de setembro de 2018
AS ELEIÇÕES VÃO ENCARAR O AGRO-NECRONEGÓCIO E O MINERO-NECRONEGÓCIO, NO CONE SUL EXPORTADOR DE COMMODITIES?
O Cone Sul, constituído pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, o que não é diferente dos demais países da periferia ou semiperiferia do sistema mundo, possui economias voltadas para a exportação de commodities. Commodity corresponde a uma mercadoria comercializada em bolsas de valores internacionais, em geral, matérias primas (soja, café, petróleo, ferro, alumínio e outros minerais, entre outros produtos). Exportam-se produtos sem agregação de valor, mas com valores monetários fora dos países de origem, muitas vezes em países industrializados e chamados desenvolvidos.(sugere-se ver trabalho do uruguaio Eduardo Gudynas, sobre o que ele chama de Novo Extrativismo).
No Cone Sul, o Império da Soja não para de crescer. Em compensação, em nosso país, importamos ou temos as áreas agrícolas reduzidas para a produção de feijão, arroz e trigo, enquanto as monoculturas de soja, com seus 35 milhões de hectares, alcançam dez vezes mais do que estas culturas alimentares. Em dez anos, desde 2007, a soja vem aumentando, quase sem parar, em mais de 70% sua área de plantio.
Com as monoculturas exportadoras, em especial os grãos ou farelo de soja ou a pasta de celulose de monoculturas de eucalipto, vimos nossos biomas com biodiversidade (em especial Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa) sucumbirem em paisagens de extrema uniformidade, o que a ativista ecológica e indiana Vandana Shiva atribui às Monoculturas da Mente. Na década passada, houve aumento de mais de 190% no uso de agrotóxicos no Brasil, sendo este aumento equivalente ao dobro do crescimento que ocorreu no mundo. Como resultado, nos tornamos o país que mais consome agrotóxicos, com o uso anual de mais de um bilhão de litros destes produtos na agricultura industrial, o que compromete a saúde humana, animal e ambiental, sem falar na perda de nossa sociobiodiversidade.
A hipertrofia do modelo sojeiro corresponde a um projeto econômico de ganância de parte de grandes transnacionais. Empresas que mandam nas áreas da agricultura, na pesquisa agropecuária, na economia e na política, utilizando-se em grande parte da venda casada de sementes e biocidas associados. A venda casada teoricamente é proibida em muitas economias, inclusive no Brasil. Trata-se de um processo de consumo crescente de insumos químicos e dependência dos agricultores presos ao modelo de exportação, o qual não necessariamente visa a produção de alimentos para os humanos. Produzem-se grãos que serão usados para alimentar animais em escala industrial, inclusive retirando-se gado solto no Pampa para produção destes grãos que alimentarão animais confinados em outros continentes, o que implica também em exportação de água, com a destruição de nossas diversas paisagens e modos de vida diversos.
Os gigantescos monopólios de sementes associados a monoculturas, que vendem no Brasil 45 bilhões de reais em biocidas (agrotóxicos), querem ter uma boa imagem, Daí, as propagandas de que o tal “Agro é Pop”. Entretanto, o setor não vai investir em tecnologias que reduzam o uso destes produtos, pois não aceitam redução de suas margens de lucro. Cabe destacar que os agrotóxicos são provenientes de armas químicas utilizadas na Segunda Guerra Mundial. É fantasia acreditar-se que as mesmas empresas que produziram o agente laranja (herbicida derivado do 2, 4 D), utilizado no desmatamento e morte de vietnamitas, na Guerra do Vietnã, na década de 1960, abandonem sua forma imediatista de lucrar e estanquem o atual círculo vicioso do mercado e dependência de insumos agrícolas. Em essência, não se importam com as pessoas, ao contrário, impõem esquemas de incentivo às monoculturas combatendo a sociobiodiversidade.
Temos, em um país megabiodiverso como o Brasil e demais países do Cone Sul, múltiplas alternativas na agroecologia, longe de monopólios de sementes e seu modo totalitário e homogeneizador de paisagens. Infelizmente o agronegócio, chamado “locomotiva da economia”, está se convertendo em “Titanic”, mas poucos políticos enxergam isso.
A exportação de commodities, em larguíssima escala, inclui também o megaextrativismo via megamineração espoliadora e destruidora, como ocorreu na quase morte do rio Doce, em Mariana (MG), quando do rompimento da barragem da empresa Samarco (que pertence à Vale e à BHP). Trocamos quase duas dezenas de vidas e um rio com quase mil quilômetros de extensão para a exportação de milhões de toneladas de minério de ferro, quase bruto, com isenções, situação que também ocorre com o alumínio que vai parar na Ásia, junto com a soja. Para isso, governos, parlamentares e grande mídia propagandeiam a infraestrutura pesada que aprofunda a megaespoliação sobre o Cone Sul e outras zonas de periferia e semiperiferia mundial. E muitas vezes obtêm financiamentos do Banco Mundial e/ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Para dar continuidade a seu poder, as grandes empresas do agronecronegócio (lembrando que necro significa morte) e da megamineração realizam doações bilionárias nas eleições, agora não mais por CNPJ (empresas), mas por CPF (pessoas físicas, utilizadas como “laranjas” doadoras desde empresas). Assim, tentam assegurar este esquema insustentável, por meio das bancadas dos agrotóxicos e do agrobusiness, o que chamamos de necroagronegócio, ou pela mineração pesada e espoliadora, o que também podemos chamar de mineronecronegócio.
Nesta condição, se agregarmos a questão da água, via privatização de seu uso ou imposição de megaobras de barragens de produção energética ou irrigação das monoculturas, poderemos falar em um processo anabolizante que nutre as bancadas desse poderoso agro-hidro-mineronegócio, que nos submetem à condição de reassumirmos um papel de colônias exportadoras, com isenções de impostos às grandes empresas de agrotóxicos e dos ramos de exportação de soja, celulose, minério de ferro, alumínio e petróleo.
O modelo também é Megaextrativista, não meramente extrativista, pois a escala de espoliação de matéria prima é gigantesca. O extrativismo, em si, nem sempre é negativo, se for utilizado em pequena escala local. Exemplos importantíssimos são a erva-mate (somando-se seus cultivos e extrativismo puro, o quer gera dois bilhões de reais ao País), as fibras que os povos originários utilizam para o seu sustento e venda de artesanatos, a madeira e lenha (para mercados locais e de forma sustentável), as frutas nativas, a polpa de frutas de palmeiras, como o açaí (defendido pelo cientista Carlos Nobre) e outras formas sociobiodiversas de extrativismo e produção, em escala compatível e em modelos diversos e sustentáveis.
As formas e os modelos da grande escala do sistema mundo, impostos aos países do Cone Sul, subjugam nossas economias a uma reprimarização galopante. Demandam-se pesadas infraestruturas, associadas a empreiteiras doadoras de campanhas, o que gera espoliação de matérias primas em nossos países exportadores. E as indústrias de manufaturados, fundamentais à nossa vida, são jogadas para outra parte do mundo, em grande proporção sobre outros povos também espoliados em sua dignidade de trabalho quase escravo. Chegamos ao cúmulo de importar produtos como panos de prato e chapéus de palha da China, a distâncias de mais de 10 mil quilômetros para prover bens que produzíamos aqui. Sem falar em nossas roupas que provêm da China, Índia e Bangladesh.
O Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estão entre os principais articuladores desta expropriação degradadora e concentradora de capital, mas que conta com parlamentares em portas giratórias entre o público e o privado.
O “Pré-sal” está mais acima da superfície, mas não enxergamos. Cabe aos setores da população potencialmente mais sensíveis à questão da perda de nossa Ecossoberania e aos governos eventualmente mais populares fazerem o contraponto ao Usual Mundo Impossível, para o Outro Mundo Possível e Necessário. Também cabe estarmos com os olhos bem atentos para este aprofundamento de um esquema lesivo a nossas soberanias e economias, buscando nossas vocações locais, nossa autonomia e autoafirmação com base em modos de vida mais sustentáveis, aliados da sociobiodiversidade latinoamericana.
O chamado Mercosul já nasceu com rótulo questionável. Tem seu prefixo “merco”, de mercado. Será esta nossa identidade, ademais imersos em mercados exportadores de matérias-primas? O Mercosul não se livrou de uma visão economicista dominante que ainda segue os modelos insustentáveis. No imaginário, inclusive de alguns setores da esquerda, a economia hegemônica acaba servindo como modelo de identidade e não às formas de vida latinoamericanas e de nossas lutas comuns de contracultura, onde estão em primeiro lugar as bandeiras de liberdade e soberania, as quais lembramos nas diferentes edições do Fórum Social Mundial, da década passada.
Há de se reconhecer que as matérias primas ou manufaturados que são exportados podem representar fatias importantes do PIB (Produto Interno Bruto). Porém, estamos queimando o forro de nossa casa para jogar lenha na lareira para aquecer uma falsa economia, o que o filósofo Aristóteles chamava de crematística, que lida com valores meramente monetários, superficiais. Isso já está acabando com a resiliência (capacidade de regulação) de nossos sistemas vivos (ecossistemas). Vivemos um modelo de esgotamento que compromete cada vez mais, inclusive, o recurso água, fundamental à vida. Lesivo à dignidade humana e à qualidade de vida das gerações atuais, futuras e ao restante da biodiversidade, esta sofrendo o processo chamado de Sexta Extinção em Massa. O Crescimento econômico, nesta lógica dominante, é uma bandeira, do BIRD, do BID e da OCDE, que está a nos levar ao abismo.
O capital, cada vez mais obsessivo pela forma mórbida de crescer, arrasta nossos governos e desgovernos para esse abismo, sem volta. Nossa biodiversidade do Cone Sul - e vamos nos limitar ao Pampa - está sendo muito bem aproveitada lá fora, gerando bilhões de dólares para empresas estrangeiras, pela biopirataria de nossos bens nacionais compartilhados, como no caso de: feijoa (goiabeira-serrana), levada para Nova Zelândia e Colômbia; dos butiás (jelly palm), levados para Inglaterra, Espanha e EUA; do nosso araçá, que foi plantado comercialmente com êxito na Austrália, levado há mais de 100 anos; as plantas ornamentais, como petúnias, verbenas, cactos e outras roubadas por empresas japonesas, norte-americanas e europeias, e comercializadas no mundo inteiro; dos venenos de serpentes, como a jararaca, levados por transnacionais norteamericanas para produção de medicamentos (Captopril); plantas medicinais, como a cancorosa, com substâncias patenteadas por empresas japonesas; forrageiras nativas do Pampa, utilizadas na África do Sul, Nova Zelândia e EUA, entre centenas de espécies roubadas do Cone Sul. Em contrapartida, em nossos territórios nos impõem a condição de servos exportadores de commodities derivadas de monoculturas biocidas e do MEGAEXTRATIVISMO.
O problema é que o sistema mundo, capitalista, espolia, prioritariamente, tanto as nações da periferia como da semiperiferia e de suas sociedades. E, se necessário, cria o caos socioeconômico e político, junto com o sistema financeiro, o que David Harvey chama de “Destruição Criativa”. Acabam-se com processos genuínos, criam-se golpes (agora parlamentares) nas débeis democracias (Paraguai, Honduras, Brasil), deixando os países sem muitas alternativas, gerando violência e medo, longe da soberania, civilidade, cidadania, dignidade, sociobiodiversidade.... A barbárie criada e o niilismo são caldos de cultura para o medo e a violência, que resulta em líderes e candidatos fascistas, ou com caminhos privatistas, de retrocessos na legislação ambiental (licenciamentos ambientais flexibilizados, pacote de Venenos, via Lei 6299/2002, entre outras) e social (contrareformas da previdência e trabalhista). Poderemos ter estes temas em nossa agenda para enfrentarmos os candidatos entreguistas e neofascistas?
Estamos no Brasil e no mundo vivendo a essência pura de um sistema capitalista de competição extrema e barbárie.
Surpreendentemente, a palavra competitividade segue na pauta dos políticos de diferentes matizes. O economista marxista Vito Letizia, falecido em 2012, e que cursou Biologia na UFRGS, preso pela ditadura militar em 1970, havia alertado para a finitude deste modelo adotado em parte pelo Brasil. Letizia afirmava: “A Destruição da Amazônia financia o crescimento brasileiro”. Aquilo que nosso imaginário pensava ser possível vivermos em um estado de bem estar social, com certo nacionalismo induzido pelo Estado ou megaobras e megainfraestrutura, sem enfrentarmos essa elite e esse sistema injusto e criminoso, parece ter demonstrado que está bem longe da realidade.
Tampouco é automaticamente garantido êxitos significativos na mudança de rumo caso a esquerda ou centro-esquerda ganhe as eleições de 2018 no Brasil. Se não houver pressão social e mudarmos o paradigma profundo desta economia de concentração, consumo exacerbado e descaso com a finitude dos recursos naturais, deixando livres o sistema financeiro e as elites econômicas que fazem girar o círculo vicioso do sistema atual, não teremos saída.
Para enfrentarmos esta pauta negligenciada, é necessária muita luta para inclusão destes temas nas eleições e possamos apoiar e eleger candidatos(as) que tenham coragem de revogar a EC (Emenda Constitucional) n. 95/ 2016, que congela recursos para a Educação e Saúde. Oxalá, consigam vencer os candidatos progressistas sobre a ala de neofascistas, muitos deles denunciados pelo sitio-e De Olho Nos Ruralistas. E que o neoliberalismo seja barrado, em um movimento de baixo para cima, além das eleições, na busca pela identidade latinoamericana e autoafirmação, na construção de sociedades solidárias, fraternas e ecologicamente sustentáveis, fortalecendo-se a ecossoberania. Há tempo de se buscar programas e candidatos deste campo, urgentemente! Uma pauta ambientalista se encontra no documento Transição Ecológica Necessária.
quarta-feira, 18 de julho de 2018
Posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia sobre o Pacote dos Venenos (PL 6.299/2002)
A
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia emite um
posicionamento contra o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados que
propôs modificações no sistema de regulação dos agrotóxicos. A
SBEM está preocupada com os riscos provocados pela decisão.
Posicionamento
da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia em
Relação ao Projeto de Lei 6.299/2002
Em 25 de junho de 2018 a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o texto que propõe modificações no sistema de regulação de agrotóxicos, seus componentes e afins. As alterações propostas flexibilizam essa regulação, negligenciando os riscos à saúde e ao meio ambiente que o uso indiscriminado destes compostos pode causar.
Propõe-se,
nesse texto, a substituição do termo “agrotóxico” por “produto
fitossanitário e de controle ambiental” com a clara intenção de
passar a idéia de uma falsa inocuidade desses produtos para a
população. Esta eufemização pode induzir ao uso indiscriminado
pelo agricultor, causando contaminação ou intoxicação.
Outra
alteração importante foi a exclusão definitiva da lista de
produtos que contenham ingredientes ativos de agrotóxicos, porém de
uso não agrícola, a exemplo dos inseticidas. Essa medida representa
uma banalização do uso destes produtos e outra negligência em
relação à exposição humana.
A
proposta de relaxamento do controle sanitário deste PL é confirmada
quando se deixa a cargo do Ministério da Agricultura a análise e
deliberação sobre os pleitos de registros de “produtos
fitossanitários” para os órgãos de saúde e meio ambiente.
Produtos com “risco aceitável” passam a ser permitidos e apenas
aqueles com “risco inaceitável” podem ser proibidos. Esta medida
é absurda e tendenciosa, pois além de retirar o poder de avaliação
de órgãos com competência técnica para as referidas análises (a
exemplo da ANVISA que aponta uma lista de 9 agrotóxicos proibidos
devido ao potencial cancerígeno, de desregulação endócrina, de
mutagênese e danos no aparelho reprodutor) coloca a população em
risco.
A
literatura médica apresenta mais de 600 estudos demonstrando o
potencial dos agrotóxicos de interferir nos sistemas endócrinos,
especialmente no desenvolvimento dos sistema reprodutivo masculino na
exposição intra-útero. Vale ressaltar aqui que as principais
janelas de vulnerabilidade à exposição dos desreguladores
endócrinos são a fase fetal, a infância e a adolescência e
que as possíveis alterações epigenéticas causadas pela exposição
aos agrotóxicos podem ser transmitidas para as futuras gerações.
Em
suma, baseada no “Princípio da Precaução” diante do potencial
risco à saúde, a SBEM se posiciona veemente contra esta proposta de
relaxamento do controle do uso de agrotóxicos, considerando grande
irresponsabilidade e descompromisso com a saúde da população.
Dr.
Fábio Trujilho
Presidente da SBEM Nacional - 2017/2018
Presidente da SBEM Nacional - 2017/2018
Dra. Elaine
Frade
Presidente da Comissão de Desreguladores Endócrinos - 2017/2018
Presidente da Comissão de Desreguladores Endócrinos - 2017/2018
domingo, 1 de julho de 2018
"A soja pode acabar com a economia gaúcha (e com muito mais)"
"Cresci com uma lavoura de soja que chegava quase à porta da minha casa. Grande parte dos meus familiares a cultivaram e ainda a cultivam. Sou oriundo de uma geração de agricultores e filhos de agricultores cujas identidades e representações de mundo estão profundamente associadas à soja. Identidades e representações que se perpetuaram. Peça para uma criança de algumas regiões do interior gaúcho representar o meio rural em uma imagem e haverá uma grande chance de que desenhe uma lavoura de soja.
É muito difícil para mim e para todos que cresceram com esta imagem da soja como modelo de progresso aceitar a ideia de que este grão pode acabar com a economia gaúcha (talvez brasileira). Vejo isto na face dos filhos de agricultores que chegam todo semestre às minhas aulas no curso de agronomia da UFRGS. A reação da maioria deles, sensata e esperada, é de completa incredulidade. Ora, quem ousaria afirmar que a soja, que supostamente ‘sustenta a agricultura do estado’, poderia ser, na verdade, o problema e não a solução? Tento lhes explicar minhas múltiplas razões. Aqui não tenho condições de explorar cada uma delas em detalhes. Vou apenas destacar as principais.
A primeira e mais debatida no meio político tem a ver com o fato de que a soja é uma das commodities de exportação mais beneficiadas pela Lei Kandir. Em vigência desde 1996, esta lei desonerou as exportações de bens primários e semielaborados do pagamento de ICMS. Por causa dela, o RS acumula uma perda de arrecadação de quase R$ 50 bilhões. Cabe lembrar que a dívida pública do Estado chegou a R$ 67,6 bilhões no final de 2017.
Uma segunda razão é o efeito da expansão da soja em termos de especialização produtiva. Por um lado, isto aumenta a vulnerabilidade dos agricultores em face das oscilações do mercado internacional e das intempéries climáticas (todos se perguntando quando será a próxima seca). Por outro, repercute no modo como a soja substitui outros produtos de maior valor agregado, repercutindo em redução do potencial de crescimento econômico.
Na mesma extensão de área o cultivo de soja tem rendimento econômico inferior a vários produtos agrícolas. No entanto, o que se vê em toda parte são agricultores vendendo as vacas, arrancando os pomares e retirando até mesmo suas casas para plantar soja. Não impressiona, portanto, o aumento do preço dos alimentos nos supermercados, sobretudo das frutas, verduras e legumes.
A expansão da soja tem um efeito indireto, portanto, no poder de compra dos consumidores. Na medida em que os agricultores, desestimulados a plantar gêneros alimentícios básicos, se voltam para a soja, os consumidores não apenas vêem os preços dos alimentos aumentar, mas também são empurrados para uma parafernália de produtos industrializados baratos e ultraprocessados.
Aqui a discussão sobre os efeitos da sojicização vai longe. Poderíamos, por exemplo, associar a expansão da soja à crise de saúde pública decorrente do consumo destes produtos industrializados. E também poderíamos acrescentar nesta equação o fato de que a soja contribuiu decisivamente para tornar o Brasil o maior consumidor mundial de agrotóxicos (que, ademais, também se beneficia de redução de impostos).
Berço do processo de sojicização da economia gaúcha, a região noroeste do RS se destaca no que se refere ao problema dos agrotóxicos. Oriundo desta região, mas tendo migrado muito cedo, ainda hoje tenho uma memória olfativa do cheiro do veneno. O vento levava o produto da lavoura até a casa. Sabíamos que era melhor não ficar exposto. Mas ninguém dizia nada sobre colher e comer um pé de alface após a aplicação do veneno na lavoura que estava logo ao lado.
A expansão da soja também afetou outros cultivos tradicionais. Na última década a área de milho cultivada no RS foi reduzida pela metade. Os produtores de suínos, aves e leite já sentem os efeitos do problema. A especialização na produção de soja pode inviabilizar estas cadeias produtivas. Por conta disso, nos próximos anos empresas agroindustriais poderão reorientar seus investimentos para outros estados, mais próximos dos locais de produção desta matéria-prima.
Nos últimos anos a soja também invadiu as áreas de produção de arroz e carne. O pampa gaúcho, um bioma único no mundo, está ameaçado pelo monocultivo da soja. Apenas isto já seria uma razão suficiente para nos preocuparmos e regularmos o uso das terras agrícolas. Mas, se isto não bastar, preocupe-se ao menos com a origem, a qualidade e o preço da carne que você consumirá nos próximos anos.
No caso do arroz, item básico da dieta alimentar brasileira, a entrada da soja se dá em um contexto de crise da produção rizícola. Fala-se na rotação de cultivos entre soja e arroz como solução para a crise. O risco, contudo, é a substituição. E a pergunta que todos se fazem é porque as políticas públicas apoiam mais a soja do que o arroz e o feijão (que, aliás, estamos importando). Mesmo dentre as políticas para a agricultura familiar, como o PRONAF, a soja abocanha mais da metade do crédito de custeio agrícola.
Por que não apoiar outras cadeias de maior valor agregado como leite e derivados, frutas e hortaliças, queijos e vinhos? Muitos dirão que os agricultores plantam soja porque já não existe mão de obra no meio rural para outras atividades. É verdade. Mas talvez também tivéssemos que considerar a possibilidade de que já não existe mão de obra no meio rural porque se incentivou a especialização produtiva e a concentração da terra. Pergunte a um agricultor ou um trabalhador rural se ele teria intenção de sair da terra se ele tivesse condições de ali permanecer de maneira diga, com acesso a bens e serviços. Ou seja, a falta de mão de obra é a conseqüência e não a causa do problema.
Mesmo assim, provavelmente alguém vai dizer: o preço da soja está muito alto, ou seja, não existe alternativa mais rentável. O preço da soja não está alto. O que está alto é o dólar. Na verdade, o preço caiu nos mercados internacionais. Depois da explosão de 2008, repetida em 2012, o preço despencou nas bolsas de valores internacionais. Os agricultores brasileiros somente seguem recebendo um valor muito elevado porque a taxa de câmbio compensa esta queda.
No entanto, o câmbio também fez aumentar o preços dos insumos, das sementes ao óleo diesel. Se somarmos a isso o preço da terra e a remuneração do trabalho dos agricultores, não será difícil perceber que a maioria dos sojicultores opera com uma rentabilidade por área relativamente baixa (o que demanda aumento contínuo da escala). Muitos destes agricultores sabem que estarão endividados se, por exemplo, uma nova estiagem atingir o RS durante a safra. Assim como os governadores, apenas rezam para que não haja uma grande seca.
Nos pequenos municípios do interior do estado crescemos ouvindo a máxima de que ‘a cidade vai bem quando a colônia vai bem’. Também é verdade. A dinâmica econômica dos pequenos municípios é muito pautada pela produção agropecuária. Mas isto não se sustenta se a renda agropecuária estiver concentrada nas mãos de poucos e grandes produtores. A expansão da soja está expulsando as pessoas do meio rural, aumentando a concentração da terra e da renda. Os pequenos municípios não tardarão a sofrer as conseqüências deste processo.
Enfim, a expansão desenfreada da soja não apenas coloca a economia gaúcha em sérios riscos, mas também reproduz a ideia de um mundo rural sem gente. Não estamos apenas substituindo arroz, carne e leite por soja. Estamos substituindo as pessoas. Estamos acabando com a ideia do rural como um espaço de vida, de sociabilidades, de patrimônios culturais e alimentares.
Não cabe culpar os produtores de soja – embora um deles em particular, aquele que está sentado na cadeira do Ministro da Agricultura, mereça algum crédito por isso tudo. A maioria está amarrada a uma complexa rede econômica que envolve empresas, bancos, assistência técnica, comerciantes e propaganda. Não é fácil se desvencilhar desta rede e encontrar outras alternativas.
Mas cabe arguir quando e como o Estado vai criar incentivos para os produtores de alimentos, de leite, de arroz, de carne, de frutas etc.? Quando vai apoiar a pequena e a média indústria do modo como apóia as commodities agrícolas? Quando vai ter políticas de apoio à diversificação econômica, a qual sempre foi o principal esteio do desenvolvimento gaúcho? Quando vai criar alternativas para os agricultores que querem escapar dos riscos da soja?
O momento para discutir estas questões é agora. Às vésperas das eleições, será importante saber o que os candidatos pensam à respeito."
(*) Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As opiniões emitidas nesta coluna são de responsabilidade do autor. E-mail: pauloniederle@gmail.com
Mais direitos, menos veneno: pela rejeição do PL 6299/02 (OBHA- Fiocruz)
Prato do dia – 14/05/2018
Mais direitos, menos veneno: pela rejeição do PL 6299/02*
"Desde o final de abril a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei nº 6299/02, conhecido como “Pacote do Veneno”, voltou a funcionar. Amanhã, 15 de maio, ela irá se reunir para decidir se este projeto segue para o plenário da casa, após a apresentação do substitutivo do Deputado Luis Nishimori, relator da matéria. Caso o PL seja aprovado, o Brasil deixará ainda mais débil sua capacidade de regular o uso e a comercialização de venenos que impactam as diferentes etapas do processo alimentar, escancarando as portas para novas violações de direitos humanos como alimentação, saúde e meio ambiente.
A desculpa utilizada historicamente para justificar o uso excessivo dos agrotóxicos nos sistemas agroalimentares de todo o mundo foi a suposta preocupação com a quantidade de alimentos produzidos frente ao aumento da população. Isto se deu sem a devida atenção aos riscos representados por esses produtos e, portanto, sem que houvesse a preocupação com a qualidade e a distribuição da alimentação no mundo, ou com outros fatores ambientais e de saúde pública. Exemplificando os males de longo prazo causados pelos agrotóxicos, o primeiro Levantamento nacional brasileiro de contaminantes emergentes na água potável, publicado em 2016, indicou que o herbicida atrazina estava presente em 75% das amostras de água coletadas em todo o país, sendo a segunda substância que mais apareceu na pesquisa – atrás somente da cafeína.
O mercado mundial de agrotóxicos é extremamente concentrado e o Brasil é um dos principais clientes. Cerca de 80% desse mercado, que movimenta ao redor de USD 48 bilhões por ano, está nas mãos de poucas grandes transnacionais: Syngenta, Bayer – que comprou a Monsanto, DowDuPont Inc. e BASF. Em 2008, o Brasil, deixando para trás os Estados Unidos, passou a ser o maior mercado mundial de agrotóxicos, troféu que representa riscos e violações a direitos de toda a população brasileira.
Segundo a pesquisadora Larissa Bombardi (USP), autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, considerando a subnotificação dos casos de contaminação por agrotóxicos, podemos chegar a cerca de 1,25 milhão de casos de contaminação no Brasil no período dos últimos 7 anos. E quem nos contamina? Os mapas da pesquisadora também mostram que a concentração dos casos de intoxicação se sobrepõe às regiões onde se dão as monoculturas do agronegócio no Brasil – como, por exemplo, a soja, o milho e a cana de açúcar no Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
Riscos à saúde e ao meio ambiente, gerados pelos agrotóxicos, são fartamente documentados. A ABRASCO, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, lançou em 2015 o Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. O documento sistematiza muita informação a respeito do assunto e denuncia que os agrotóxicos provocam desde sintomas agudos como cólicas e enjoos, até doenças mais graves como câncer, más-formações congênitas, distúrbios mentais e mortes.
Apesar disso tudo, as autoridades brasileiras, em vez de regular de maneira efetiva o uso de agrotóxicos, têm aberto cada vez mais a porteira para seu uso e comercialização. Um exemplo disso é o Decreto nº 7.660/11, que concede isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) aos agrotóxicos, bem como o Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que permite a redução da base de cálculo do ICMS incidente sobre os agrotóxicos em até 60% nas operações interestaduais. Mesmo em época de austeridade fiscal, que implicou congelamento de gastos sociais por 20 anos, não houve movimentação do Executivo ou do Congresso Nacional para acabar com as isenções que deixam de gerar receita para o Brasil e ainda incentivam o uso e a comercialização de um produto que afeta o meio ambiente e a saúde da população. Vale registrar que a indústria dos agrotóxicos no nosso país, só em 2014, faturou R$ 12 bilhões. A pergunta que fica é: e o Brasil, desde que vem concedendo essas isenções, quanto deixou de faturar?
A mais recente investida a favor dos agrotóxicos é a votação do PL nº 6299/02 nos próximos dias. No Brasil existe um vasto quadro legal que dispõe sobre a experimentação, a pesquisa, a embalagem, a comercialização, a propaganda, o registro, o controle e a fiscalização, entre outros, dos agrotóxicos. Esse quadro legal tem sofrido inúmeros ataques com o propósito de flexibilizar a regulamentação dos agrotóxicos. É nesse contexto que se apresenta o PL 6299/02 e seus apensos.
E quais são as ameaças apresentadas pelo PL 6299/02? A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida denuncia que caso este pacote letal de PLs seja aprovado, os “agrotóxicos” passarão a se chamar “defensivos fitossanitários”; a avaliação de novos agrotóxicos deixará de considerar os impactos à saúde e ao meio ambiente, ficando sujeita apenas ao Ministério da Agricultura e aos interesses econômicos do agronegócio; será admitida a possibilidade de registro de substâncias comprovadamente cancerígenas, sendo estabelecidos níveis aceitáveis para isto; a regulação específica sobre propaganda de agrotóxicos irá acabar; será permitida a venda de alguns agrotóxicos sem receituário agronômico e de forma preventiva, favorecendo ainda mais o uso indiscriminado de tais substâncias; e ainda, estados e municípios ficarão impedidos de terem regulações mais restritivas, embora estas esferas tenham o dever constitucional de proteger seu patrimônio natural.
Por essas e outras razões a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida tem mobilizado a sociedade para estancar essas propostas que violam direitos, assim como para impulsionar agendas positivas, como a Agroecologia. Ainda, vale destacar que vários/as pesquisadores/as e organismos da ONU têm se posicionado contra os agrotóxicos e a favor da agroecologia como um modelo de produção de alimentos sustentável – capaz, portanto, de alimentar o planeta sem destruí-lo.
Agrotóxicos são tóxicos, por isso se chamam assim. O que intoxica, não alimenta. Nesse momento em que o Brasil engata a marcha à ré em relação ao direito à alimentação e outros direitos, o que precisamos nos nossos pratos são mais direitos e menos veneno. Para saber como se somar a essa luta, acesse http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/ ."
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*Valéria Burity, Secretária Geral da FIAN Brasil; Lucas Prates, Assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil; Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
quinta-feira, 22 de março de 2018
‘Combinação totalitária entre agronegócio e hidronegócio ameaça direito à água’, diz biólogo
A Organização das Nações Unidas definiu 22 de março como o Dia Mundial da Água, recurso natural que vem sendo crescentemente cobiçado pelo setor privado, dando origem a conflitos sociais e ambientais. A Assembleia Geral da ONU reconheceu, em 2010, o acesso a uma água de qualidade e a instalações sanitárias como um direito humano. O texto aprovado “declara que o direito a uma água potável própria e de qualidade e a instalações sanitárias é um direito do homem, indispensável para o pleno gozo do direito à vida”. Passados cerca de oito anos, o texto aprovado em 2010 representa mais uma declaração de intenções do que uma norma que oriente políticas públicas no mundo inteiro. Pelo contrário, o que se vê é uma permanente ofensiva do setor privado sobre os recursos hídricos e serviços de abastecimento e saneamento.
Esta tensão entre o acesso a um recurso natural como direito universal e a transformação deste recurso em mercadoria esteve presente, na última semana, em Brasília, que sediou o Fórum Mundial da Água e o Fórum Alternativo Mundial da Água, um contraponto de organizações da sociedade civil ao primeiro, apontado por elas como com um encontro de governantes, empresários e grandes corporações como Nestlé e Coca-Cola. A agenda da privatização da água que, até bem pouco tempo, parecia algo distante no Brasil, ganhou um grande impulso com o governo Temer. “Temos, hoje, uma combinação totalitária entre o agronegócio e o hidronegócio, envolvendo temas como hidrelétricas, abastecimento, saneamento, e apropriação de fontes de água, gerando conflitos relacionados à irrigação em áreas rurais, contaminação e falta de água”, diz o biólogo Paulo Brack, professor do Departamento de Botânico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em entrevista ao Sul21, Paulo Brack fala sobre algumas das ameaças que pairam sobre a concretização da intenção da ONU de definir a água como um direito humano universal. Essas ameaças, adverte, tornaram-se mais concretas no Brasil e no Rio Grande do Sul com a aliança entre os governos Temer e Sartori com setores empresariais interessados em ampliar seus negócios no “mercado da água”. “Em nível mundial, mais de 180 grandes cidades, em mais de 30 países, que tinham privatizado o serviço de abastecimento de água, mudaram de opinião e passaram de novo esse serviço para o controle de empresas públicas. No Brasil, estamos seguindo o caminho no inverso. Aqui no Rio Grande do Sul, o governo do Estado já deu sinais de que pretende privatizar a Corsan, o que seria algo bastante grave”, assinala Brack.
Entre os problemas que já atingem diretamente o Estado, ele destaca a contaminação da água consumida pela população, o agravamento das situações de seca e de crise de abastecimento em função do avanço do agronegócio e da alteração do regime de chuvas, a destruição de matas ciliares e nascentes, além da deterioração da biodiversidade.
Sul21: O Dia Mundial da Água, no Brasil, está sendo marcado, entre outras coisas, pela realização de dois grandes fóruns, um de caráter governamental (o Fórum Mundial da Água) e outro organizado pela sociedade civil como um contraponto ao primeiro (Fórum Alternativo Mundial da Água). O que a realização desses encontros representa no debate atual sobre a utilização da água no Brasil e no mundo?
Paulo Brack: A realização deste fórum alternativo é muito importante para os governos e os mercados não se apropriarem desta temática. O processo de mercantilização da água, infelizmente, vem avançando bastante. Os movimentos sociais e socioambientais estão ligados nesta temática e representam um importante elemento de resistência para não permitir que determinados setores econômicos privatizem o abastecimento de água, o tratamento de esgotos e outros serviços envolvendo esse recurso natural. A indústria de água mineral está hoje, em grande medida, nas mãos da Nestlé e da Coca Cola. Há lugares em que não há alternativa a não ser consumir água engarrafada por estas grandes transnacionais.
Lembro que nas primeiras edições do Fórum Social Mundial já se falava destes temas, mas eles ainda estavam um pouco distantes, não tinham a dimensão que estamos vivendo hoje. Há uma combinação totalitária entre o agronegócio e o hidronegócio, envolvendo temas como hidrelétricas, a apropriação de fontes de água mineral, conflitos relacionados à irrigação em áreas rurais, contaminação e falta de água. Estamos vivendo agora um grave problema aqui no Rio Grande do Sul, na região do bioma Pampa, onde no verão as reservas de água baixam muito. Com o avanço da soja e do eucalipto no bioma Pampa estamos tendo uma crise hídrica ainda maior.
Sul21: Como a cultura da soja contribui para agravar esse quadro de crise hídrica?
Paulo Brack: A compactação do solo, a destruição de mananciais hídricos com o aterro de nascentes e banhados, além do desmatamento. A cada ano, as máquinas estão tirando as fatias que restam de matas ciliares. Mais de 50% das matas ciliares dos nossos rios desapareceram. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, cerca de 70% das áreas de preservação permanente estão sob plantios ou atividades que trazem impacto ambiental. Ou seja, temos menos de um terço de áreas de preservação permanente com vegetação nativa na Região Metropolitana. Esse quadro acentua o potencial de conflitos. Recentemente, tivemos um problema muito grande no rio Gravataí envolvendo plantações de arroz, que foi alvo de intervenção do Ministério Público. Com a mudança do Código Florestal, tornou-se permitido manter uma quantidade de exóticas em áreas de preservação permanente. É o caso do eucalipto, por exemplo, que bombeia muita água, afetando o lençol freático destas áreas.
Temos muitos conflitos também envolvendo a atividade de mineração, como se viu no episódio de Mariana e, mais recentemente, no Pará. Esses conflitos estão diretamente relacionados à uma grande ofensiva de grandes capitais, envolvendo a apropriação de territórios e de recursos naturais e atingindo comunidades tradicionais que vivem nestes territórios.
O ciclo da água está sendo alterado de modo geral, envolvendo diretamente a Amazônia, uma grande fábrica de chuvas no Brasil. Segundo estudos de vários pesquisadores, entre eles Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), cerca de um terço das chuvas no sul do Brasil provém da evapo-transpiração da Amazônia. No verão, esse percentual aumenta, chegando a mais de 50%. A quantidade de água nestes chamados rios voadores é tão grande quanto a quantidade de água nos próprios rios da bacia amazônica. Hoje, está sendo verificado que, em áreas de intenso desmatamento, como nos estados de Tocantins, Goiás e Mato Grosso, houve alterações significativas no ciclo de chuvas.
Sul21: Nos últimos anos, vêm crescendo muito o debate sobre a ameaça da privatização da água. O que é mesmo que está no alvo desses interesses privatizantes?
Paulo Brack: Há projetos de lei no Congresso que pregam uma lógica de mercado para os serviços de abastecimento de água e de tratamento de esgoto. Cerca de 48% dos municípios brasileiros não têm tratamento de esgoto, o que é visto pelo setor privado como uma grande oportunidade. Com o golpe e o estabelecimento do governo Temer, elas estão tentando aproveitar o que puderem, até o final do ano, para se apropriar destes serviços. O Aqüífero Guarani também está sendo alvo destas grandes empresas.
É importante destacar que, em nível mundial, mais de 180 grandes cidades, em mais de 30 países, que tinham privatizado o serviço de abastecimento de água, mudaram de opinião e passaram de novo esse serviço para o controle de empresas públicas. Cidades como Paris e Berlim chegaram à conclusão de que a escolha pela privatização encareceu muito o serviço, sem garantir a qualidade e a segurança necessária para a população. No Brasil, estamos seguindo o caminho no inverso. Aqui no Rio Grande do Sul, o governo do Estado já deu sinais de que pretende privatizar a Corsan, o que seria algo bastante grave.
O exemplo do que ocorreu em São Paulo, com a privatização da Sabesp, é muito ilustrativo. A empresa passou a ter ações na Bolsa de Valores, o que teve implicações nos serviços oferecidos à população, como ficou evidente na grave crise hídrica que esse Estado sofreu recentemente. A questão é que não vale a pena para o capital reduzir o consumo de água para evitar ou diminuir crises de abastecimento. Isso significaria, no caso das empresas, reduzir a lucratividade. Essa foi a lógica que orientou as escolhas do governo Alckmin que não quis reduzir o consumo, quando deveria ter feito isso. Não interessa para essas grandes empresas e para os governos associados a elas tentar restabelecer as condições hídricas de uma determinada bacia, recompondo nascentes e matas ciliares, entre outras medidas. Isso não faz muito sentido para eles, dentro da lógica imediatista que os orienta.
Na década passada, tivemos levantes populares na Bolívia e no Equador contra projetos de privatização da água, que chegaram a derrubar governos. No Brasil vamos ver até que ponto eles vão conseguir avançar sem que a população se rebele contra essa grande expropriação de recursos. Além disso, temos problemas crescentes de contaminação da água em várias regiões do país. Aqui em Porto Alegre, segue o problema do gosto ruim da água captada no Guaíba e consumida pela população. Empresas foram autuadas pela Fepam, mas nunca se soube direito o que aconteceu. Há uma caixa preta em relação ao que está acontecendo com a água.
Sul21: Esse problema da água em Porto Alegre está associado a que problemas, na sua opinião?
Paulo Brack: Um dos fatores é que, dentro do processo de degradação ecológica, temos um florescimento muito grande de cianobactérias, que são algas que liberam toxinas com potencial para afetar o fígado humano. Há alguns estudos que mostram que, no médio e longo prazo, poderiam inclusive causar câncer.
Sul21: Essas cianobactérias estão presentes no Guaíba hoje?
Paulo Brack: Sim. É um fenômeno novo que está associado, entre outros fatores, à poluição orgânica, à falta de tratamento dos esgotos na Região Metropolitana como um todo. Dos dez rios mais poluídos do Brasil, três estão no Rio Grande do Sul (Sinos, Gravataí e Caí). Isso é uma vergonha para o Estado e denota uma falta de gerenciamento dos nossos recursos hídricos. A poluição desses três rios implica a poluição do Guaíba também. Essas algas se alimentam do excesso de fósforo principalmente e de muitos nutrientes do esgoto doméstico e da agricultura. Quando chove menos, esses nutrientes ficam mais concentrados e elas têm uma explosão. Esse gosto que a gente sente na água tem a ver com as substâncias liberadas por esses organismos.
Em um contexto de crescente suspeita sobre a qualidade dessa água fornecida para a população, a água mineral torna-se um grande negócio. Paradoxalmente, essa combinação de um quadro de crise hídrica e de contaminação de recursos hídricos favorece os negócios dessas empresas. É um quadro bem grave.
O fato é que estamos vivendo um período de mudanças climáticas globais causadas por atividades econômicas que estão destruindo o que resta da natureza. Essas mudanças, por sua vez, provocam uma série de fenômenos como, por exemplo, a salinização de rios. Aqui no Brasil, isso está acontecendo de modo preocupante no rio São Francisco. Com a redução do caudal do rio, as águas do São Francisco, algumas vezes, nem conseguem mais chegar ao mar que acaba avançando rio adentro. Isso trará problemas de abastecimentos para as populações que moram perto da desembocadura do rio. Esse fenômeno está acontecendo em vários rios do mundo.
Sul21: Qual o espaço que a sociedade civil tem hoje aqui no Estado para debater esses temas relacionados à gestão de recursos hídricos? Os comitês gestores de bacias estão funcionando?
Paulo Brack: Estamos desprotegidos. Estamos recorrendo ao Ministério Público e fazendo denúncias internacionais apontando a falta de gestão dos recursos hídricos aqui no Estado e no Brasil como um todo. Os comitês de bacia, infelizmente, estão sob predomínio de agentes do setor econômico. Isso também acontece no Conselho Estadual do Meio Ambiente onde, infelizmente, as organizações não governamentais estão em minoria. O capital e os governos têm maioria no Conselho e nos comitês de bacia. É muito difícil reverter esse processo hoje. Mas há alguns comitês que funcionam muito bem como o do rio Tramandaí, que tem uma ampla participação popular e não sofre pressões econômicas tão fortes que outros comitês sofrem, especialmente os de bacias situadas em regiões do agronegócio.
Os ambientalistas e os sindicatos relacionados ao tema deveriam fazer uma lista dos políticos inimigos dos recursos hídricos, dos que querem privatizar a água e flexibilizar as leis para ampliar o uso de agrotóxicos para que não sejam mais eleitos. O governador do Estado é um dos expoentes dessa lista, mas também há uma série de deputados favoráveis a essa agenda privatista. É uma tarefa cidadã entender quem são esses atores.
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