segunda-feira, 6 de março de 2017

CARTA EM APOIO À MANUTENÇÃO DO TÉCNICO PAULO GRÜBLER NO CARGO DE GESTOR DO PARQUE EST. DE ITAPEVA



Of. Apedema N.  01/2017 
Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2017


À Sra. Ana Pellini, Secretária de Estado de Ambiente e Sustentabilidade do Rio Grande do Sul
À Sra. Dra. Patrícia Nuñez Weber – Procuradora Chefe da Procuradoria Geral da República (4ª Região) no Rio Grande do Sul
Ao Sr. Daniel Martini, Coordenador do Centro Operacional de Apoio do Meio Ambiente – CAOMA – Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul

Prezados(as) Senhores(as):
A Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, que reúne as entidades ambientalistas do Estado, e outras entidades que subscrevem este documento vêm solicitar esclarecimentos em relação à possível retirada e transferência do Biól. Paulo Carlos Grübler, gestor do Parque Estadual de Itapeva, (PEVA), Unidade de Conservação da Natureza de Proteção Integral (criada pelo Decreto Estadual n° 42.009 de 12 de dezembro de 2002), localizada no munícipio de Torres – RS. O Biólogo Paulo é um Técnico Ambiental, funcionário público da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (DUC/DBIO/SEMA-RS) que desempenha papel profissional destacado em prol desta UC, no RS. Esta decisão, se confirmada, será um enorme dano à excelente gestão exercida no PEVA e também abre espaço para outras intervenções políticas e econômicas nesta e nas demais Unidade de Conservação do Estado.
Também aproveitamos para expor nosso questionamento quanto ao fato de que estas recorrentes atitudes autoritárias e pouco recomendáveis de remoções e transferências de técnicos por parte da administração do atual órgão ambiental do Rio Grande do Sul não sejam, na realidade, retaliações políticas a quem exerce seu cargo técnico em prol das UCs, e contrapõem-se a interesses econômicos e políticos imediatistas, como será exposto a seguir. Causa estranheza que tanto o Departamento de Biodiversidade (DBIO) como a Divisão de Unidades de Conservação (DUC) não expuseram motivos para esta decisão de remoção do técnico comunicada verbalmente por meio de uma reunião (sem oficialização em documentos), na qual houve a convocação do gestor Paulo Grübler, no cargo exercido desde o ano de 2009, no dia 24 de fevereiro de 2017.
Tal reunião teria sido marcada (por telefone) em regime de urgência, realizada no dia 24 de fevereiro de 2017, na sede da referida secretaria em Porto Alegre. O fato deixa a comunidade gaúcha em estado de atenção quanto ao futuro do Parque Estadual de Itapeva.
A Diretora Técnica do Departamento de Biodiversidade (DBIO), Liana Barbizan Tissiani, por diversas vezes, evitou explicitar a justificativa pela eventual decisão e, mesmo sendo solicitada a responder a este fato ao técnico, reconheceu a qualidade técnica do trabalho do funcionário, mas evitou qualquer explicação, o que deixa margem para mais um fato que reforça à tendência de decisões políticas contra o serviço público que afetam negativamente a gestão das UCs do RS.
O Biólogo Paulo C. Grübler, na condição de funcionário amparado pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Complementar N° 10.098 de 03 de fevereiro de 1994), reivindicou seus direitos legais garantidos com a necessária formalização de um pedido por escrito que explicitasse a alegada decisão verbalmente manifesta pela diretora do DBio.  O funcionário manifestou contrariedade em sua transferência por comprometer o andamento de inúmeras atividades essenciais realizadas, bem como por razões familiares e domiciliares.
A transferência do atual gestor do Parque Estadual de Itapeva, se concretizada, compromete a continuidade das seguintes atividades essenciais à proteção desta área pública protegida, principalmente em relação a:
1)                  Revisão do atual Plano de Manejo do PEVA (portaria SEMA n°55/2007), a partir de Processo Administrativo (SEMA n° 004353-05.00/13-6), já iniciado em 2016 com previsão de conclusão no ano corrente em conformidade com o prazo legal e que se encontra em estágio avançado de elaboração (4ª etapa – Zoneamento), cabendo ressaltar que o atual gestor é membro do grupo de coordenação e avaliação do plano, cargo que requer amplos conhecimentos tanto da UC quanto de sua Zona de Amortecimento, o que dificilmente seria sanado por outra pessoa;
2)                  Elaboração do Plano de Uso Público do PEVA, também iniciado em 2016 com a participação do Ministério Público Estadual que destinou recurso oriundo de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC – IC 00914.00007/15-2PJT) cujo Parque consta como beneficiário no processo, onde o Instituto Curicaca (organização ambientalista não-governamental) foi contratado para serviços referentes ao TAC, sendo o atual gestor membro do grupo técnico de avaliação do cumprimento do mesmo;
3)                  Regramento do uso da faixa de praia concernente à Zona de Amortecimento do Parque, impedindo o acesso de veículos automotores na Praia de Fora conforme a Ação Civil Pública (N.5001438-76.2015.4.04.7121/RS) ajuizada pelo Ministério Público Federal em conformidade com a Licença da FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler, situação que deu resultados positivos inéditos à biodiversidade e à comunidade que é parceira desta UC, porém trouxe resistências políticas injustificadas por parte da prefeitura, legislativo e setores econômicos locais desconhecedores da legislação referente às Unidades de Conservação ;
4)                  Processo avançado de georreferenciamento e regularização fundiária, como demanda histórica da Unidade de Conservação, atividade complexa e prioritária no atual contexto e que requer conhecimento específico de cada propriedade e casos de sobreposição de matrículas, superando situação de incerteza desde a década de 1970, quando do primeiro decreto de criação desta UC;
5)                  Ações de educação ambiental inéditas desenvolvidas por meio de trilhas interpretativas abertas à população, com apoio de ONGs, associações, monitores voluntários da comunidade, atividade realizada em sua gestão em concordância com as diretrizes do Plano de Manejo elaborado em 2007.


O empenho do gestor no trabalho de regularização do PEVA é amplamente reconhecido pela comunidade de Torres preocupada com o meio ambiente e também por parte de entidades ecologistas do Estado do Rio Grande do Sul. Entretanto seu empenho parece ter desagradado alguns setores da política e da economia do município, especialmente aqueles ligados à especulação imobiliária e à construção civil indiscriminada que avança sobre o Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Port. MMA n. 9, de 23/01/2007) do Litoral Norte, curiosamente setores estes denominados por alguns como “pilares da economia na região” (Jornal A Folha de Torres, 13/01/2017, p. 9).
A notícia da retirada e transferência do Biólogo Paulo Grübler da gestão do PEVA coincide com seu empenho em cumprir a ordem judicial de regramento do acesso de veículos automotores em um trecho de 3,5 Km da Praia de Fora, Zona de Amortecimento desta Unidade de Conservação por meio de Ação Civil Pública (N.5001438-76.2015.4.04.7121/RS), ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o município de Torres. Esse processo foi objeto de agravo por parte do prefeito Carlos Souza que se manifestou publicamente contra a decisão (Jornal A Folha de Torres , 6/01/2017, p.9 e em 13/01/2017, p. 4), recurso este que lhe foi negado pelo juiz que analisou a causa, com base no argumento de que sem um uso adequado (o que vinha acontecendo) não há como garantir a inexistência de danos ambientais à fauna da região (algumas das quais ameaçadas de extinção listadas pelo Decreto Estadual 51.797/2014) e à flora ameaçada (Decreto Est. 52.109/2014).
A faixa de praia foi fechada por ordem judicial no dia 16 de janeiro do ano corrente. Imediatamente, alguns vereadores iniciaram um abaixo assinado contra a determinação do MPF, bem como desencadearam uma campanha atribuindo o fechamento à presença do diretor Paulo C. Grübler. O vereador Deomar Goulart (PDT) chegou a formalizar pedido de transferência do funcionário junto à SEMA, taxando-o de “perseguidor de Torres” (Jornal A Folha de Torres, 20/01/2017, p. 9). O vereador Ernando Elias da Silveira (Rede) declarou em plenária da Câmara: Ainda bem que o prefeito vai trabalhar para derrubar o decreto de Lei que criou o Parque, pois se não agirmos, Torres irá sumir por conta desta área de amortecimento do PEVA que pode proibir tudo na cidade” (idem, grifo nosso).
Fica difícil interpretar de que se trata de coincidência a tentativa de retirada e transferência do técnico gestor do PEVA, mas tal fato fortalece a tese do incremento das tentativas de intervenção política desses setores empresariais e políticos que, reiteradamente, fazem oposição às conquistas e avanços na proteção da Unidade de Conservação. Estes mesmos setores não escondem seus interesses, em manifestações públicas a favor da retirada do status de UC estadual, alegando interesse na “municipalização” do parque (Jornal A Folha de Torres, 25/09/2015, p.4 e edição de 25/09/2015, matéria de capa), com lobby evidente pró-construção de uma autoestrada em Área de Preservação Permanente (APP) no interior do Parque (alegando ser a continuação da Av. Interpraias).
Pelo menos desde o ano de 2015, alguns vereadores, alinhados aos interesses econômicos, desconsiderando as muitas dezenas de espécies ameaçadas protegidas nesta UC, têm manifestado também interesse no rebaixamento da categoria da UC de proteção integral para de uso sustentável, no caso  uma Área de Proteção Ambiental (APA), categoria profundamente mais branda de Unidade de Conservação, situação que foi objeto de contestações legais da parte do atual gestor que denunciou a “pregação pela desconstituição da Unidade de Conservação por determinados setores sociais” (Jornal A Folha de Torres, 25/09/2015, p. 4).
Vimos, portanto, apelar para a SEMA-RS e para a Justiça no sentido de se estancar a infeliz e recorrente ingerência política da administração do órgão ambiental do Estado na área técnica, interrompendo a prática rotineira de troca de cargos, transferências e deslocamentos dos gestores e do corpo técnico da Secretaria, a exemplo das recentes mudanças efetuadas na Aérea de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande, no Parque Estadual do Delta de Jacuí, no Parque Estadual do Turvo (demissão sumária do gestor em 2015, por estar de acordo com a proteção do Parque frente ao risco da hidrelétrica de Panambi), entre outros.
Os gestores técnicos são frequentemente realocados por interesses evidentemente políticos e econômicos, sem nenhuma justificativa técnica que ampare tais decisões. Isso tem que ser interrompido, pois deixa margem ao assédio moral e político a quem tenta desempenhar seu ofício em defesa do interesse público, nas funções de Estado, e não a interesses meramente de governos, passageiros e pouco sensíveis às causas do meio ambiente.  Em geral, os técnicos gestores de UCs após permanecem cerca de 1 a 2 anos no cargo, são obrigados a se transferir, o que traz uma série de problemas de solução de continuidade nos serviços essenciais.
Essa prática política tem fragilizado a continuidade das políticas públicas e de gestão ambiental das UC’s. Neste caso, o Biólogo Paulo C. Grübler é o gestor mais longevo à frente de uma Unidade de Conservação Estadual, permanecendo desde 2009 à frente do PEVA (7 anos no cargo de gestor). O atual gestor é reconhecido e admirado por visitantes, estudantes, particulares, moradores locais e conservacionistas pela qualidade de seu trabalho. Seu trabalho inédito e seu empenho público contínuo foram determinantes para os avanços na regularização do Parque bem como na qualidade da relação com a comunidade do entorno do PEVA.
Considerando as ameaças recentes a sua atuação, que contraria interesses econômicos e políticos locais, várias entidades manifestaram-se em ofício intitulado CARTA DE APOIO AO PARQUE ESTADUAL ITAPEVA encaminhado aos(as) senhores(as) por meio do of. 01/2017, bem como os manifestos de apoio a gestão do parque redigidos por uma série de entidades, quais sejam: a) carta da Sociedade Amigos do Balneário Itapeva Norte (2016); b) CARTA DE ITAPEVA elaborada pelos Estudantes de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande Do Sul (2016); c) carta elaborada pelo Coletivo Dimensão Ecológica (2016); d) carta da Organização Não-Governamental Onda Verde (2016);  e) ofício N°28/2016 da COMPHAC – Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico de Torres; f) ofício 019/2016 da AST – Associação dos Surfistas de Torres; g) ofício 28/2016 do COMMAM – CONSELHO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE TORRES (documentos em anexo). Citamos ainda as diversas manifestações de particulares em jornais locais e mídias sociais em apoio ao trabalho do gestor Paulo Grübler.
Diante do exposto, repudiamos as recorrentes pressões políticas exercidas para seu afastamento, apelando para o bom senso da DUC/DEBIO, SEMA, e acompanhamento do MPF, MPE e CRBio solicitando os seguintes esclarecimentos:
1)                  Justificativa técnica em relação à remoção de cargo de gestor do Parque Estadual de Itapeva, do Técnico Ambiental, Biól. Paulo C. Grübler, situação que favorece o interesse político e econômico de fragilização do PEVA;
2)                  Qual o destino que resultará da revisão do Plano de Manejo e da elaboração do Plano de Uso Público do PEVA, ambos em andamento e coordenados pelo atual técnico gestor e que não deveriam ter prejuízos em sua implementação?
3)                   Que destino será dado às dezenas de processos de regularização fundiária em andamento, sob a coordenação do Biólogo Paulo C. Grübler?
4)                  Qual o destino previsto e justificativa quanto a possibilidade de remoção e transferência do atual gestor do PEVA por parte da SEMA e que tipo de exemplo será dado aos demais gestores de UCs quando da tomada de medidas fortes em defesa das Unidades de Conservação ?
Ressaltamos nossa preocupação quanto à continuidade das políticas de gestão desenvolvidas no PEVA, Unidade de Conservação localizada em Área Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica da UNESCO e, portanto, prioritárias para a conservação mundial da biodiversidade, repudiando os interesses político-econômicos que recorrentemente fragilizam a gestão das Unidades de Conservação do RS.
Por Itapeva, pela Mata Atlântica, pela Gestão Pública Técnica de Qualidade, em nome de nossos filhos, pelo fim das ingerências político-econômicas em nossas Unidades de Conservação, nos posicionamos por meio deste documento.
Atenciosamente
Coordenação da Apedema

"Golpe de Estado na Biosfera: os Ecossistemas a Serviço do Capital", Yayo Herrero

“As sociedades capitalistas se construiram de costas para as bases materiais que sustentam a vida. A obsessão pelo crescimento econômico e a acumulação tem declarado guerra contra os corpos e os territórios.
A vida humana, como o resto da vida, depende da biosfera, de seus bens e de seus processos, e também da quantidade enorme de trabalho e energia que envolve lidar com os corpos vulneráveis. As sinergias entre duas visões heterodoxas da economia, a economia ecológica e a economia feminista, contribuem para dar luz a outro paradigma que coloca o bem-estar de todas as pessoas e a conservação da vida humana e natural no centro do interesse.” Yayo Herrero, 2012. "Golpe de estado en la biosfera: los ecosistemas al servicio del capital".
"De acordo com o PNUD (2008), os fenômenos naturais atingirão mais fortemente as regiões e as pessoas mais pobres. As mulheres pobres serão as mais afetadas pelas mudanças climáticas, já que são elas as encarregadas ​​pela administração de alimentos, combustíveis e, em algumas regiões, forragem e água. Os efeitos negativos das mudanças climáticas são mais fortes nas comunidades com maior pobreza, onde a maioria da carga social recai sobre as mulheres. A maior vulnerabilidade das mulheres à mudança climática não é uma condição natural é um resultado do funcionamento de dinâmicas sociais, econômicas e culturais. É possível realizar ações específicas para transformar esta situação e dar um papel maior para as mulheres nos planos de ação de mitigação e adaptação às alterações climáticas nos estados, municípios e localidades."


https://revistas.ucm.es/inde…/…/article/viewFile/38612/37337