Paulo Brack
Plantas e animais
dependem do ciclo diário (circadiano) de luz e escuridão que regem os
comportamentos que sustentam a vida, como reprodução, migração, nutrição, sono
e proteção contra predadores. Evidências científicas comprovam que a luz
artificial à noite tem efeitos prejudiciais e até mortais em muitas criaturas, com
destaque a anfíbios, répteis, aves, mamíferos, insetos e plantas. A intensa luminosidade artificial decorrente de atividades
antrópicas representa efeitos negativos ao ciclo circadiano dos animais,
implicando em alteração do comportamento e possibilidade de aumento de mortes
de animais atraídos pela luz, o que pode ser enquadrado como poluição luminosa.
A poluição luminosa, de acordo com Longcore
e Rich (2004), pode ser dividida em “poluição luminosa astronômica”, que
obscurece a visão do céu noturno, atingindo de uma forma dispersa, e “poluição luminosa ecológica”, que
altera os regimes de luz natural em ecossistemas terrestres e aquáticos. Segundo
estes autores, algumas das consequências catastróficas da luz para certos
grupos taxonômicos (espécies de flora, fauna, etc.) são bem conhecidas, como mortes
de aves migratórias em torno de postes iluminados e de tartarugas marinhas
recém-nascidas desorientadas pelas luzes em suas praias para nidificação.
A poluição luminosa, ou também fotopoluição, é causada principalmente pela iluminação pública de ruas, parques, edifícios e pelas luzes dos veículos (Longcore e Rich 2004). De acordo com documento de Henrique Paranhos Sarmento Leite (2021), a poluição luminosa se caracteriza pelo "uso excessivo ou indevido da iluminação artificial, em níveis capazes de causar efeitos adversos à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações, suas atividades sociais e econômicas ou à biota". Quanto aos impactos à biodiversidade, centenas de estudos vem demonstrando que a poluição luminosa causa um conjunto diverso de perturbações sobre respostas biológicas como nos casos de padrões migratórios, seleção de habitats, comunicação animal, reprodução, ritmo circadiano, fuga de predadores, fenologia ads plantas.
Para se conhecer os efeitos do excesso de luminosidade nos ecossistemas há que se levar em conta os efeitos em muitos organismos que possuem vida noturna em florestas e em outros ambientes naturais. Infelizmente, os seres humanos, que vivem em ambientes urbanos profundamente artificializados, não se dão conta de que os ecossistemas naturais estão desaparecendo, por sua influência, e com eles cresce a ameaça de extinção de espécies. O Painel Internacional de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, em inglês), ligado a ONU, estima a existência de cerca de 1 milhão de espécies ameaçadas de flora e fauna no mundo[1]. No RS, existe uma lista oficial de 280 espécies de fauna ameaçada (Decreto Est. n. 51.797/2014)[2] e 804 espécies da flora nestas condições (Decreto Est. n. 52.109/2014)[3]. A fragilidade é evidente, então cabe seguirmos o Princípio da Precaução que não agrave a situação de nossa biodiversidade. A expansão sem limites de iluminação artificial noturna pode não causar, sozinha, a extinção de espécies, mas agrava a situação.
A expansão de urbanização
traz consigo o impacto da poluição luminosa associada ou não a outros impactos,
como poluição sonora e outras modalidades de poluição. A região do RS que mais
vem crescendo em urbanização, com oscilação de população maior no verão, é o
Litoral Norte (BRACK, 2006). É importante destacar que existem ecossistemas bem
ricos em diversidade biológica no Litoral Norte[4], e que
estão em estado crítico tanto no Rio Grande do Sul[5] como também
é o caso do Litoral Sul de Santa
Catarina. Estes ecossistemas pertencem às Zonas Costeiras, consideradas como
Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988, fazendo parte da Lei da
Mata Atlântica (Lei Federal n. 11.428/2006) [6],
caracterizadas no mapa do IBGE (2004), como Formações Pioneiras, englobando
diferentes habitats, não somente florestais. Dunas e diferentes tipos de
vegetação de restingas (complexo de ecossistemas sobre a Planície Costeira)
possuem comunidades animais e vegetais em equilíbrio ecológico ou próximos
deste equilíbrio. Alguns animais mais comumente conhecidos em nossas matas são
noturnos ou predominantemente de hábitos noturnos, como gambás, gatos-do-mato, corujas-buraqueiras,
morcegos (destacando-se os frugívoros dispersores de sementes), bacuraus,
sapos, pererecas, invertebrados, entre outros, alvos da poluição luminosa. Há que se considerar que animais
diurnos dormem durante a noite, sendo que a iluminação artificial noturna tem
impacto ao período de sono ou descanso dessas espécies.
No caso de plantas, o
fotoperíodo que as afeta, definido pela relação de horas de escuro/claro, vai
determinar o período do ano de fenômenos fenológicos (eventual queda biológica
de folhas, florescimento, formação de frutos). O fotoperíodo altera a
fenologia, acelerando ou alterando o período de florescimento, frutificação e queda de folhas, por exemplo, segundo Bennie et. al. (2016).
No caso de insetos, ocorre
a atração em massa de diferentes organismos pelos holofotes em áreas próximas
ao seu habitat. Alguns morcegos seguem em grandes quantidades os insetos
voadores, principalmente na proximidade de lâmpadas. Sapos também são atraídos
para busca de insetos junto a lâmpadas. De certa maneira, a luminosidade em
áreas predominantemente urbanas tem efeito mais restrito, até porque a
diversidade de fauna é baixa. Mas, mesmo assim, aves, como o sabiá (Turdus rufiventris), em áreas urbanas
com iluminação artificial, vêm cantando em horas mais cedo do que o normal,
como a partir das 3h ou 4 h da manhã[7]. Situações
como essa alcançam outras aves, mas faltam estudos sobre o tema, atualmente.
Animais noturnos dormem durante o dia e são ativos
durante à noite. A poluição luminosa altera radicalmente seu ambiente noturno,
transformando a noite em dia. De acordo com o pesquisador Christopher Kyba,
para os animais noturnos, “a introdução
da luz artificial provavelmente representa a mudança mais drástica que os seres
humanos fizeram em seu ambiente”[8]. Segundo
o Sítio-e Dark Skies Ranger, onde é citada a fala de Christopher: “próximo das cidades, o céu nublado é
centenas ou milhares de vezes mais brilhante do que há 200 anos. Este fato pode
ter um efeito drástico na ecologia noturna, por exemplo ao favorecer os animais predadores que usam a luz para
caçar e ao prejudicar as espécies que usam a escuridão para se esconder” (grifo nosso).
A iluminação artificial intensa e
crescente nas circunvizinhanças de ambientes naturais provoca imensa alteração
no ciclo circadiano de vários animais. No caso do Litoral, onde cresce a urbanização de uma
forma descontrolada e desenvolvem-se múltiplas iniciativas para atrair turistas
e veranistas, há que se considerar que determinados impactos ambientais,
inclusive a poluição múltipla decorrente de atividades de turismo crescente em remanescentes
de ecossistemas naturais, como as matas de restinga, dunas e diferentes formas de
vegetação com flora e fauna nativas.
Qualquer iniciativa que implique desenvolvimento de
empreendimentos públicos ou particulares que envolvam projetos de iluminação
artificial, principalmente durante o veraneio, em que animais estão em mais
intensa atividade, poderá ter impactos ambientais múltiplos com alteração no
comportamento ou mesmo aumento de risco de desaparecimento de espécies raras e ameaçadas
extinção. A implantação ou incremento de iluminação artificial poderá
afugentar, diminuir a reprodução ou causar mudanças radicais no comportamento
de espécies que estão em declínio populacional no litoral, inclusive pelo
avanço urbano nos balneários. Ou seja, evitar-se o aumento de fontes luminosas é também auxiliar a proteger a natureza.
O astrônomo Falchi Fabio (https://www.ecycle.com.br) afirma que os níveis da luminosidade artificial podem ser milhares de vezes mais elevados se comparados com o ambiente noturno sem lâmpadas. Essa luminosidade, principalmente proveniente de centros urbanos, vem afetando processos naturais de acasalamento, migração, alimentação e polinização das espécies, sem que elas tenham tempo de se adaptar.
A iluminação noturna altera comportamentos de
animais silvestres, inclusive em processos fundamentais ligados à regeneração
da vegetação, como no caso da dispersão de sementes por aves, morcegos, gambás,
cuícas e demais marsupiais, além de outros animais. Da mesma forma, a poluição
luminosa altera comportamentos e prejudica animais silvestres considerados
predadores de insetos, como no caso de sapos, répteis, aranhas, etc. Polinizadores,
com estaque a lepidópteros e himenópteros poderão ser atraídos pela luz
artificial e também prejudicar o êxito na fecundação das flores e reprodução de
vegetais. A defaunação ou desaparecimento ou diminuição drástica de fauna de
florestas e demais ecossistemas é um fenômeno cada vez mais atual, provocado
por impactos de atividades humanas, que deixa florestas e outros ecossistemas naturais vazios em fauna.
É
importante destacar que aves do litoral, como no caso de garças, que costumam
ter hábitos gregários (juntas) se abrigam à noite na copa de árvores, e de dia
são vistas pescando junto ao mar ou em enseadas de sangradouros, arroios ou mesmo
rios que desembocam no mar.
Muitos
pássaros, também atraídos pelas luzes artificiais, saem do seu curso migratório
e morrem ao colidirem com construções humanas, como por exemplo, os outdoors luminosos,
que também matam milhares de insetos.
Segundo o Projeto Tamar, a implantação
de luz artificial principalmente nas praias, acompanhada pela expansão urbana descontrolada
sobre o litoral, vem prejudicando tartarugas marinhas em seu processo de
desova, atingindo assim fêmeas e filhotes. As fêmeas acabam por alterar seus
locais de desova, devido à iluminação inadequada nas praias. E no caso dos
filhotes, podem ficar desorientados logo após a eclosão dos ovos, e saírem de
seus ninhos. Comumente, em vez de seguirem para o mar, guiados pela
luminosidade natural do horizonte, acabam rumando para o continente, atraídos
pela iluminação artificial. Também, na sequência, muitas vezes são alvo de
atropelamento, pisoteio não intencional ou mesmo sendo devorados por predadores
como cães que vagueiam sem dono nestes locais.
O que fazer?
Tanto no que se refere à fotopoluição atronômica
como para a poluição luminosa ecológica, segundo declaração do professor Enos
Picazzio[9], do
Departamento de Astronomia da USP, duas frentes são fundamentais para mudar o
cenário de fotopoluição no Brasil: a
educação e a legislação, criando-se regras obrigatórias, com punições para quem
infligir as mesmas. Entretanto, o professor salienta que o processo precisa
contar com o diálogo entre sociedade, setores técnicos, econômicos e ambientais,
além da participação do governo.
Também, em relação à fauna e flora, evitar ao
máximo a poluição luminosa, mantendo áreas naturais protegidas e desenvolvendo
estudos que avaliem o problema e indiquem as melhores condições de habitat para
as espécies, prioritariamente, aquelas ameaçadas de extinção.
BENNIE,
J., DAVIES, T. W., CRUSE, D., & GASTON, K. J. Ecological effects of
artificial light at night on wild plants. Journal
of Ecology. 104, 611–620, 2016.
BRACK,
Paulo. Vegetação e Paisagem do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: patrimônio
desconhecido e ameaçado. In: Encontro Socioambiental do Litoral
Norte do RS: ecossistemas e sustentabilidade. Livro de Resumos. Imbé: Ceclimar-
UFRGS, p. 46-71, 2006.
DAVIES, Thomas;
SMYTH, Tim. Why Artificial Light at Night should be a Focus for Global Change
Research in the 21st Century. Global
Change Biology, v. 24, Issue 3, p. 872-882, 10 Nov. 2017. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/gcb.13927
. Acesso em: 20 out. 2020.
DIAS,
Karina Soares; DOSSO, Elisa Stuani; HALL, Alexander S.; SCHUCH, André Passaglia; TOZETTI, Alexandro
Marques. Ecological light pollution affects anuran calling season, daily
calling period, and sensitivity to light in natural Brazilian wetlands. The Science of Nature 106: 46, 2019.
GALLAWAY, Terrel.
On Light Pollution, Passive Pleasures, and the Instrumental Value of Beauty. Ecological Economics, v. 69, n. 3, p.
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LEITE, Henrique P. Sarmento. Poluição luminosa: seus impactos sobre a saúde, a segurança, a economia e o meio ambiente – e propostas para a sua regulação no Brasil. Brasília: Câmara de Deputados, 2021. 39 p.
LONGCORE, T.,
RICH, C. (2004) Ecological light pollution. Front
Ecol. Environ. (4):191–198. https://doi.org/10.1890/1540-9295(2004)002[0191:
ELP]2.0.CO;2
[1] https://brasil.un.org/pt-br/90967-relatorio-das-nacoes-unidas-alerta-para-perda-de-biodiversidade-sem-precedentes-na-historia#:~:text=O%20relat%C3%B3rio%20%C3%A9%20lan%C3%A7ado%20enquanto,e%20da%20degrada%C3%A7%C3%A3o%20dos%20ecossistemas.
[5] https://www.yumpu.com/pt/document/read/38376777/vegetacao-e-paisagem-do-litoral-norte-do-rio-grande-do-sul-