segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Nota do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos Sobre Relatório PARA – Anvisa 2016



NOTA DO FÓRUM GAÚCHO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS SOBRE O RELATÓRIO DO PROGRAMA DE ANÁLISE DE RESÍDUOS DE AGROTÓXICOS EM ALIMENTOS (PARA/2013-2015) DIVULGADO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA — ANVISA

O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos - PARA cumpre um papel importante, oferecendo à população acesso à informação sobre a presença de resíduos de agrotóxicos nos alimentos que chegam à mesa. Em 2010, por exemplo, soubemos pelo PARA que em 37% dos alimentos não foram encontrados resíduos de agrotóxicos. Esse número caiu para 22% em 2011, e depois voltou a 35% e 37% nas duas edições de 2012.
Com relação ao Relatório 2013-1015, o que chama atenção é a forma de apresentação dos dados, dando especial destaque ao indicador de risco agudo de intoxicação, o que não condiz com a realidade, na medida em que o mais importante quando avaliamos impactos à saúde da população que ingere estes resíduos nos alimentos diz respeito aos efeitos crônicos. Qual o impacto de ingerirmos alimentos contaminados de forma continuada?
Normalmente os efeitos agudos são raros e discretos, podendo incluir náuseas, diarreia e cefaleia até quadros mais graves, como o caso de um menino que foi a óbito após comer couve com grandes quantidades de acefato (caso investigado pelo Ministério da Saúde).
Portanto, pensar que em 1,1% das amostras analisadas (conforme consta no relatório) podemos correr o risco de intoxicação aguda não pode ser considerado um risco aceitável e, sim, deve ser considerado um risco grave.
Estudos têm demonstrado que a exposição crônica aos agrotóxicos está associada a efeitos como desregulação endócrina (alteração de fertilidade, puberdade precoce, alterações hormonais), neurotoxicidade (depressão, neuropatias periféricas, Parkinson), teratogenicidade, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, alergias, câncer etc.
Além disso, existem muitas lacunas de conhecimento quando se trata de avaliar a exposição múltipla a agrotóxicos. A grande maioria dos modelos de avaliação de risco e estudos toxicológicos que são usados como base para os cálculos dos valores das IDAs (Ingestão Diária Aceitável) servem apenas para analisar a exposição a um princípio ativo individualmente, enquanto que no mundo real as populações estão expostas a misturas de produtos tóxicos cujos efeitos sinérgicos são desconhecidos.
Ainda, a incerteza torna-se maior quando verificamos que grande parte das irregularidades apontadas nas análises dos alimentos referem-se ao uso de agrotóxicos não autorizados para a cultura, os quais não são considerados para avaliação do impacto na IDA.
Também precisamos considerar que não somos expostos apenas aos resíduos de agrotóxicos nos alimentos, mas também provenientes de outras fontes, como inseticidas domésticos, deriva de pulverização aérea e terrestre, resíduos na água e solos contaminados.
Entendemos que a forma de divulgação dos dados do relatório, dando especial destaque ao indicador de risco agudo de intoxicação, induz a opinião pública à percepção da inexistência de risco relevante na exposição dietética a agrotóxicos. Contudo, analisando o relatório verifica-se que 19,7% de amostras estavam irregulares, 38,3% com resíduos dentro do LMR e 42% sem resíduos detectados, dentro do escopo de ingredientes analisados (foram analisados até 232 Ingredientes Ativos - IA de um universo de mais de 400 IA registrados).
Outro ponto frágil que merece destaque no relatório é que não contempla Ingredientes Ativos de grande consumo, como o 2,4-D e o glifosato[1] (que representa mais de 50% , não permitindo assim a conclusão anunciada de que 99% dos alimentos analisados não apresentam perigo à saúde humana.
Por que somente para 2017 é apontada a necessidade de realizar análises de glifosato — considerado pelo IARC/OMS como provável cancerígeno - nos alimentos, se desde 2013 é de conhecimento público que este é o agrotóxico mais usado no país?
Além disso, o universo de amostras em relação ao número de IA pesquisados por cultura nos anos de 2013 a 2015 não é padronizado, impedindo uma análise estatística adequada dos dados e, por conseguinte, conclusões seguras sobre os mesmos.
Outra informação divulgada de que a lavagem de alimentos e/ou a retirada da casca pode ser uma solução para retirada de resíduos transmite a falsa ideia de proteção, pois quase a totalidade dos agrotóxicos possui ação sistêmica, não se limitando à superfície dos vegetais.
Considerando que o Brasil que é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, com milhares de intoxicações, centenas de mortes e contaminações ambientais, é imprescindível que o PARA tenha continuidade e seja aprimorado, e que os resultados sejam divulgados em tempo oportuno para a tomada de decisão e planejamento. Destaca-se também a necessidade de reavaliação da forma de comunicação do risco, a fim de que a ANVISA cumpra seu papel institucional de promoção e proteção da saúde da população.

Porto Alegre, 2 dezembro de 2016.


Ana Paula Carvalho de Medeiros
Coordenadora

Noedi Rodrigues dá Silva
Coordenador-Adjunto




[1] De acordo com os dados do Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit), dentre os dez agrotóxicos mais consumidos no Brasil, por princípio ativo, no ano de 2013, o glifosato aparece na primeira posição, correspondendo a 411.343.703 kg, http://dados.contraosagrotoxicos.org/dataset/3630e63b-35a3-4e78-9287-6d2e2a387b4c/resource/6d148329-91a7-4378-a60a-dacfaaf18da3/download/agrotoxicosoticasistemaunicosaudev1t.1.pdf

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

InGá solicita providências em relação ao Decreto Est. 52.109 de 01/12/2014 - Lista da Flora Ameaçada do RS



Of. 21/2016
Porto Alegre, 01 de dezembro de 2016

Ao Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. José Ivo Sartori
Com cópia para:
A Secretária Estadual de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Sra. Ana Maria Pellini
Ao Ministro de Meio Ambiente, Sr. José Sarney Filho
Ao Coordenador de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, Dr. Daniel Martini
Ao Setor de Meio Ambiente do Ministério Público Federal, no RS, Dr. Fábio M. Coimbra   

            Prezados(as) Senhores(as),

            O Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, entidade não governamental que atua na área ambiental, devidamente cadastrada sob o CNPJ nº. 03.535.467/0001-24, e que faz parte da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente – RS (APEDEMA-RS), vem solicitar por parte do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, da Secretaria Estadual de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA), do Ministério de Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal providências em relação ao Decreto Estadual 52.109 de 01 de dezembro de 2014, que lista a Flora Ameaçada do Rio Grande do Sul, e também à Portaria do Ministério deMeio Ambiente n. 443 de 17 de dezembro de 2014, que Lista Oficial da Flora Ameaçada de Extinção no Brasil, com suas repercussões no Estado.  Nos reportamos ao Art. 225 da ConstituiçãoFederal, que determina a vedação de atividades que venham a provocar  a extinção de espécies e que os processos ecológicos e a diversidade biológica devem ser mantidos nos ecossistemas do Brasil. Desconhecemos iniciativas concretas e providências para fazer frente a esta questão que também é tema de acordos internacionais do Brasil com outros países da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), em especial nas Metas Globais da Biodiversidade 2020 (20 Metas de Aichi 2020).
Infelizmente, tal situação de proteção da flora e fauna, prevista na Constituição, está a demonstrar o fracasso das políticas de proteção à biodiversidade em nível de Estado e País, por ausência de planos e programas na área (ver Relatório em Anexo), já que a perda de áreas originais do bioma Pampa (64%) e Mata Atlântica (92,1%) continua crescendo no Rio Grande do Sul, situação não diferente em outros biomas brasileiros. Esta condição de perda crescente também se reflete, por exemplo, no número de espécies da Flora Ameaçada do RS, que cresceu  de 607 espécies em dezembro de 2002 (Decreto 42.099/2002) para 804 espécies em 1º de dezembro de 2014, elevando-se, portanto, em 32,5% (quase um terço) em doze anos. O contexto mundial é dramático, de declínio da biodiversidade, tendo como origem antrópica infelizmente sem êxitos, o que vem sendo chamado o fenômeno de Sexta Extinção em Massa. Por sua vez, as atividades econômicas continuam sendo, de forma hegemônica, quase nada sustentáveis.
            Nosso pleito baseia-se, portanto, na situação de que passados dois anos da data de 1º de dezembro de 2014, a SEADS não tomou nenhuma providência no sentido de cumprir o referido Decreto, aqui no Estado do Rio Grande do Sul e, como agravante, o governo ademais apresenta o PL 246 que extinguiria a Fundação Zoobotânica, órgão responsável, com equipe de especialistas únicos no Estado, a coordenar as revisões previstas para 2018 das Listas de Flora (Decr. 52.109/2014) e Fauna (Decreto51.797/2014). Lembramos que as coleções vivas (CONSERVAÇÃO EX SITU) representada por centenas de espécies que estão sendo mantidas por TRABALHO DOS MAIORES ESPECIALISTAS NA ÁREA, que trabalham no Zoológico e no Jardim Botânico, bem como o banco de dados destas espécies no Museu de Ciências naturais, estão agora em risco de serem eliminados de todo pelo PL 246/2016 que extingue esta instituição mais preparada e essencial para dar curso a Conservação da Biodiversidade no Estado do Rio Grande do Sul.
Da mesma forma, estamos solicitando também ações do Ministério de Meio Ambiente no sentido de cobrar de cada Estado a efetivação de políticas em prol da Biodiversidade, garantindo a manutenção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul articulada com ICMBio e Ibama, lembrando aqui a Portaria MMA 443/2014, reivindicando a articulação de ações necessárias entre os órgãos estadual e federal, já que todas as Listas Oficiais de Espécies Ameaçadas no RS e no Brasil, a fim de se buscar o tão falado Desenvolvimento Sustentável e o cumprimento da Constituição Federal e dos acordos que o Brasil assinou com outros países da CDB.
Segue Documento síntese do Seminário Flora Ameaçada do Rio Grande do Sul: desafios e estratégias (12 de junho de 2015), no qual o Ingá teve participação junto com a FZB e outras entidades.
Atenciosamente

Paulo Brack
Coordenador Geral do Ingá; paulo.brack@ufrgs.br; (51) 991423220 


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (Ministério da Saúde, 2016)

(Publicação do Vol. 1 do Relatório do Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. – Brasília: Ministério da Saúde, 2016). Segue a Introdução deste trabalho, transcrita abaixo.

“A política agrícola de modernização no campo adotada pelos governos brasileiros a partir da década de 1960, denominada ‘revolução verde’, baseava-se na monocultura e no uso intensivo de agrotóxicos, incentivada por meio de isenções fiscais cedidas às indústrias químicas formuladoras de agrotóxicos. Esse modelo de desenvolvimento vem gerando impactos sociais e ambientais de curto, médio e longo prazos, os quais são custeados por toda a população por meio de gastos públicos com recuperação de áreas contaminadas, prevenção, diagnóstico e tratamento de intoxicações agudas e crônicas, afastamentos e aposentadorias por invalidez de trabalhadores rurais e até mortes por utilização dessas substâncias, sem que haja a socialização desses custos de responsabilidade direta das indústrias químicas. Em 2014, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) anunciou o aumento de 13% nas vendas de agrotóxicos no Brasil, com um faturamento líquido de US$ 12,2 bilhões (R$ 25 bilhões), contra US$ 11,5 bilhões (R$ 22 bilhões) em 2013, segundo dados aportados pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). Enquanto isso, o Brasil figura entre os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e os prejuízos à saúde humana e os perigos e acidentes envolvidos na sua manipulação são creditados ao seu “uso incorreto” e não à toxicidade das formulações e à imposição generalizada do modelo agroquímico de produção no País. (ABREU, 2014; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA QUÍMICA, 2014).
Entre 2007 e 2013, a relação de comercialização de agrotóxicos por área plantada aumentou em 1,59 vezes (59%), passando de 10,32 quilos por hectare (kg/ha) para 16,44 kg/ha1. Nesse período, o quantitativo de agrotóxicos comercializados no País passou de, aproximadamente, 643 milhões para 1,2 bilhão de quilos, e a área plantada total aumentou de 62,33 milhões para 74,52 milhões de hectares. Isso representa um aumento de 90,49% na comercialização de agrotóxicos e uma ampliação de 19,5% de área plantada. Segundo o relatório da Anvisa e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2012), o mercado nacional de agrotóxicos cresceu 190% entre 2000 e 2010, superando o crescimento mundial de 93%.
De acordo com os dados do Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit), dentre os dez agrotóxicos mais consumidos no Brasil, por princípio ativo, no ano de 2013, o glifosato aparece na primeira posição, correspondendo a 411.343.703 kg, conforme a Tabela 1. O glifosato é um herbicida amplamente utilizado na agricultura brasileira e recentemente classificado como provavelmente cancerígeno para humanos (Grupo 2A) pela International Agency for Research on Cancer (IARC). (INTERNACIONAL AGENCY...; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).

Entre as inúmeras atividades que utilizam agrotóxicos, destacam-se a agropecuária, a produção industrial, as madeireiras, a silvicultura, o manejo florestal, a preservação de estradas, a saúde pública, o controle de algas, a desinsetização e a desratização. Desse modo, a utilização de agrotóxicos não se restringe ao meio rural e afeta, também, o meio urbano. A região do Brasil que apresenta a maior comercialização de agrotóxicos é a Sudeste, com destaque para o estado de São Paulo, seguida da Região Centro-Oeste, com destaque para o estado do Mato Grosso. Com o aumento do uso de agrotóxicos no País, o risco de exposição da população a partir do trabalho e da contaminação do meio ambiente, da água e dos alimentos também vem aumentando. Devido a sua toxicidade intrínseca, os agrotóxicos produzem efeitos deletérios à saúde humana que variam de acordo com o princípio ativo, a dose absorvida, a forma de exposição e as características individuais da pessoa exposta. As consequências descritas na literatura compreendem alergias; distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos; neoplasias; mortes acidentais; e suicídios (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010).
Além disso, os grupos mais suscetíveis a esses efeitos são trabalhadores, crianças, gestantes, lactentes, idosos e pessoas com problemas de saúde. Segundo a Portaria MS nº 1.271, de 6 de junho de 2014, a intoxicação por agrotóxicos faz parte da Lista de Notificação Compulsória (LNC) do Sistema Único de Saúde (SUS) e deve ser notificada semanalmente por meio da ficha de 15 intoxicações exógenas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)2 por médicos, outros profissionais de saúde ou responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde que prestam assistência ao paciente; pelos responsáveis por estabelecimentos públicos ou privados educacionais, de cuidado coletivo, além de serviços de hemoterapia, unidades laboratoriais e instituições de pesquisa. Em 2013, a incidência de intoxicações exógenas por agrotóxicos no País foi de 6,23 casos por 100 mil habitantes. No período de 2007 a 2014, houve um aumento de 87%3 dos casos notificados, sendo que o total acumulado no período alcançou 68.873 casos.
Entretanto, para garantir a identificação e notificação dos casos, bem como as estratégias de prevenção e de assistência, é imprescindível a organização e o fortalecimento das ações de Vigilância em Saúde Ambiental no âmbito dos estados e dos municípios.
Para tanto, é importante produzir e difundir protocolos diagnósticos e terapêuticos, qualificar profissionais e aprimorar os mecanismos e fluxos de registro e análise das informações. A exposição humana a agrotóxicos representa, portanto, um problema de saúde pública. Em face disso, a Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA) busca efetivar ações integradas de prevenção, promoção, vigilância e assistência à saúde de populações expostas ou potencialmente expostas a esses produtos."

1- Agrofit – Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
2- A notificação deve ser imediata até 24 horas quando ocorrer acidente de trabalho grave, fatal e em crianças e adolescentes.
3- Dados parciais de intoxicação exógena por agrotóxicos notificados no Sinan em 2014.

Tema relacionado: CULTURAS GENETICAMENTE MODIFICADAS, GLIFOSATO E A DETERIORAÇÃO DA SAÚDE NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA)