domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Licenciamento Ambiental deve ser passado a limpo e fortalecer os instrumentos de Gestão Ambiental.

Reiteramos a solicitação em Ofício da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (Apedema - RS (Of. N. 1/2016), do dia 11 de fevereiro, junto com outras entidades do Brasil para que o Ministério de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de Meio Ambiente concedam maior prazo para a consulta pública e aumento da discussão sobre a atual proposta que prevê a substituição das Resoluções 001/1986 e 237/1997 no tocante ao licenciamento ambiental. O prazo exíguo de somente 4 ou 5 dias úteis, neste período de férias e de Carnaval, prejudicou ainda mais as contribuições de todos para a avaliação e aperfeiçoamento da nova Resolução. Ficou evidente que a proposta em discussão no Grupo de Trabalho da Câmara Técnica do Conama objetiva meramente a "agilização e simplificação" do licenciamento ambiental (ver por ex. os Art. 28, 29 e 30).


Simplificar processos que já são precários, desconsiderando que estamos comprometendo gravemente o recurso água, associado à complexidade e integridade de nossos ecossistemas, em perda crescente, e desconhecer que pesquisas internacionais dão conta de que estamos à beira da Sexta Extinção em Massa é profundamente injustificável. Só serve à velha visão imediatista de atividades econômicas a qualquer preço, que vige no mundo e aqui também. Por exemplo, No Brasil, a Lista Oficial da Flora Ameaçada aumentou 448% no número de espécies ameaçadas, entre 2008 e 2014. A Lista Oficial da Fauna Ameaçada aumentou em 307 espécies (65%), entre 2003 e 2014. Os órgãos ambientais estão preparados para licenciar atividade e empreendimentos, levando-se em conta os limites do estado de conservação das espécies e de seus ecossistemas? E a qualidade de água de nossos rios e do ar de nossas cidades, frente à poluição crescente, o que sabemos disso?

Porto Alegre, por exemplo, apresenta há duas décadas e meia seu sistema de monitoramento do ar praticamente sucateado e quase nunca funcionou. Por outro lado, concede licenças para operação de liberação de efluentes aéreos e hídricos por parte de uma das maiores empresas mundiais de celulose (para exportação), sem conhecer a qualidade do ar da Região Metropolitana da Capital, que abriga 1/3 da população deste Estado, com o agravante do mar de monoculturas de eucaliptos tomam conta do Pampa, mesmo com as restrições impostas pelo Zoneamento Ambiental da Silvicultura.

No que se refere a empreendimentos já licenciados, que atingem a biodiversidade, como no caso de hidrelétricas, por que a maior parte dos monitoramentos de empreendimentos, após as licenças, não são acompanhados e seus resultados não revertem em programas ambientais? O Ibama, os órgãos estaduais e os municipais acompanham a contento isso?  Como prever licenciar com mais “agilidade e simplificação” sem um mínimo de informação e sem programas de gestão ambiental? Por que se substituiu a palavra gestão ambiental pelo conceito reduzido à esfera cartorial, em Estados, no que se chama de “balcões de licenciamentos ambientais”? Por que até hoje, passadas décadas, não existe a realização de zoneamentos ecológico-econômicos nos biomas brasileiros? Por que não se promove a biodiversidade e a vocação ecológica de cada região? O que se sabe da capacidade de suporte dos ecossistemas inclusive em relação à poluição do ar, dos corpos d´água, do solo e da biota nos estados, nos municípios e no Brasil? Por que a explosão de monoculturas quimicodependentes e transgênicas de soja seguem crescendo desde o bioma Pampa até a Amazônia, sem licenciamentos ambientais e com resultados humanos desastrosos (contaminação de leite materno, municípios campeões em homicídios na região do Arco de Desmatamento da Amazônia)? 

Como dar sequência a processos de licenciamento se não existem banco de dados integrados, nem equipes em número suficiente e fortalecidas nos órgãos ambientais, sem tempo e/ou vontade política dos governantes para a necessária integração entre pastas e entre os âmbitos das diferentes esferas?

Vamos seguir avaliando os impactos caso a caso? Por que não avançamos para as Avaliações Ambientais Estratégicas e Integradas? Qual a legitimidade do licenciamento de empreendimentos e do planejamento de atividades econômicas se não existe interesse mínimo de parte dos órgãos ambientais e dos governos na implementação das políticas públicas ligadas ao Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (APBio, Port. N. 9, MMA, 2007)? Como explicar que 62%  dos projetos de hidrelétricas estejam sendo previstos pra as APBio e 25% deles atingindo área de categoria de Extrema Importância? O Ministério de Meio Ambiente vai seguir ausentando-se de seu papel nas diretrizes federais no limite de empreendimentos hidrelétricos por bacias, em especial no Pantanal, na Amazônia, no Cerrado e Mata Atlântica? Os estudos de impacto ambiental permanecerão com conflitos de interesse entre empreendedor e equipe consultora, ao contrário do que previa o Art. 7 da Resolução Conama 01/1986? Seus relatórios de impacto seguirão sendo peças de propaganda enganosa?

O licenciamento, na proposta atual, segue não prevendo garantir a existência de órgãos minimamente estruturados e integrados, fragilizados diante das pressões econômicas e políticas que desconsideram a viabilidade ambiental de seus projetos. Dever-se-ia exigir uma estrutura compatível mínima, o que não é o caso hoje, tanto nos órgãos municipais, estaduais e federais. É preciso passar a limpo as situações absurdas, não raras vezes também alvo de ações de investigação por parte da Polícia Federal, Ministério Público, em esquemas de corrupção, fraude em licitações, cartel de empreiteiras e que são resultado do descontrole inclusive também pela ausência de mecanismos de fiscalização externa. Aqui na Metade Sul do Estado, nem as obras do PAC, das barragens de Jaguari e Taquarembó, estiveram livres da investigação da Polícia Federal, após estudos de impacto ambiental incompletos e tendenciosos. No Litoral do RS, a mesma coisa, e a Operação Concutare, realizada pela PF em 2013, além de prender dois secretários e meio ambiente (um estadual e um da Capital), além de um ex-secretário estadual, descobriu um grande esquema de fraudes em licenças para condomínios fechados. Situação que também ocorreu em Florianópolis e em muitas praias do litoral brasileiro, onde parte da beleza paisagística sucumbe sob esquemas de licenças irregulares e/ou frouxidão dos órgãos diante da ganância imobiliária em grandes empreendimentos. E quando o Ministério Público é chamado para atuar, muitas situações já foram consumadas e só restam os TAC (Termos de Ajustamento de Conduta), de resultados nem sempre eficientes.

Flexibilizar o licenciamento é também atender a guerra fiscal entre estados e municípios. Se hoje a situação é de um verdadeiro apagão na área de gestão ambiental, sendo ausentes ou escassas as necessárias informações ambientais, inexistindo zoneamentos ambientais e tampouco avaliações conjuntas da sinergia de atividades e da capacidade de suporte de empreendimentos por bacia, sem os controles externos eficientes, estaremos aprofundando o corriqueiro processo de “Licenciamento no Escuro”. A situação de inação deliberada é favorável ao poder das grandes empresas degradadoras, da grande mídia que trabalha para elas, para não afetar os negócios do crescimento econômico (a qualquer custo), com o aval de governantes e as federações de empresas. Isso deve ter fim, entretanto, está bem difícil vislumbramos esta preocupação na nova Resolução proposta pela ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), no GT do Conama, que pode se tornar mais uma peça da esquizofrenia da má gestão pública, que anda a reboque da costumeira economia imediatista.

Manter este estado de coisas, sem passar a limpo as falhas do licenciamento que o transformaram em um “faz de conta”, e que resultou na maior tragédia ambiental de mineração no Brasil - o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale/ BHP, em Mariana (MG) - é algo inconcebível, vergonhoso e da esfera criminal. Da mesma forma, não dá para esquecer o caso da fraude do EIA-RIMA da UHE Barra Grande (RS-SC), que resultou na maior perda de Mata Atlântica conhecida no Sul do Brasil (6 mil hectares de florestas com araucária). A responsabilidade é de quem? O Ibama, neste último caso, declarou em 2005 que falhou, prometeu mudar para melhor o licenciamento, mas não mudou, por força da Casa Civil, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Agricultura e outros setores que subverteram as conquistas ambientais legais para manter os ganhos econômicos de sempre. 

Estaremos gerando mais e mais passivos ambientais e colapsos ecossistêmicos? Onde consta na presente resolução a superação destes crônicos e graves problemas, se nos “Considerandos” da atual proposta a palavra integração entre os órgãos (Resol. 237/1997) foi suprimida ou substituída por “harmonização”, que tem significado menos categórico na gestão ambiental?

Para destacarmos uma proposta objetiva na resolução, trazemos aqui a necessidade do retorno do Art. 7 da Resolução Conama N. 1 de 1986, que para evitar o conflito de interesses entre empreendedor e equipe consultora, assinalava que "O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados." Ou seja, os estudos de impacto ambiental deveriam ser realizados por equipes desvinculadas diretamente do empreendedor, sendo selecionadas em edital e contratadas por órgãos de Estado, como os Conselhos de Meio Ambiente, em uma Câmara Técnica específica e sob o acompanhamento dos Ministérios Públicos respectivos. O Art. 10 da nova proposta mantém a aberração do vínculo direto, que já tinha sido incluída na Resol. n. 237/1997. Assim, o faz de conta continua.

Que o Conama assuma seu papel de resguardar as conquistas importantes da Legislação Brasileira, fortalecendo o SISNAMA, reafirmando o Principio da Precaução, que é um acordo decorrente de compromissos internacionais do Brasil, após a Rio 92. Apelamos também para o papel dos agentes públicos do Conama e do MMA, possibilitando à sociedade brasileira que participe de uma nova proposta, verdadeira, que não represente imediatismos ou retrocessos, garantindo o direito ao meio ambiente equilibrado, como consta no Art. 225 da Constituição Federal do Brasil.

Paulo Brack (14-02-2016)

* professor do Instituto de Biociências da UFRGS
Coordenador Geral do InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais)


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Quanto vale a vida de um sem-terra assassinado? Para uma Câmara do TJRS, uma ninharia

"A morte do Elton Brum da Silva não foi considerada suficiente para encher o poço das lágrimas e do grande sofrimento dos seus familiares e companheiras/os", 
Por Jacques Távora Alfonsin*

A companheira, a filha e o pai do agricultor Elton Brum da Silva, assassinado pelas costas por um policial militar, durante a execução judicial de um mandado de reintegração de posse, no dia 21 de agosto de 2009, em São Gabriel, ajuizaram uma ação de indenização contra o Estado do Rio Grande do Sul, com base na responsabilidade civil deste, prevista em lei, pelas ações dos seus servidores públicos. 
A sentença reconheceu o direito em causa e condenou o Estado a pagar uma indenização por dano moral sofrido por essas pessoas, no valor de R$100.000,00 para cada uma. Para a filha, o mesmo julgado reconheceu o direito de ela receber uma pensão de um salário mínimo regional.
No dia 29 de janeiro passado, a 9ª Câmara cível do Tribunal de Justiça do RS, reformou a sentença, e o fez em reexame necessário (processo nº 70067526939), já que nem as/os familiares do Elton, nem o Estado  vencido na ação, interpuseram qualquer recurso contrário à dita sentença.
Sublinhe-se isso: nem o Estado vencido recorreu da referida sentença. Por unanimidade, mesmo assim, com parecer favorável do Ministério Público atuante naquele processo, a Câmara entendeu que o valor da indenização por dano moral deve  ser fixado em “R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), para cada uma das autoras (companheira e filha do falecido), e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para o pai da vítima, diante das particularidades do caso em concreto, especialmente à condição econômica das partes, a extensão do dano, a punição ao ofensor e a busca do caráter pedagógico da indenização.

Para o pensionamento da filha menor “fixar a quantia de um salário mínimo nacional, reduzido o percentual de 1/3, levando-se em conta que se presume que 1/3 dos rendimentos seria utilizado para a própria manutenção do falecido.”
Não faltaram argumentos de muito peso em favor dessa drástica redução, lembranças doutrinárias e acórdãos até de Tribunais sustentando  “legalmente” que, em casos tais, deve-se evitar um tal “locupletamento”, garantindo-se esse “caráter pedagógico da indenização”. 
O julgado todo, se for minimamente considerada a causa pela qual o Elton foi assassinado, escandaliza, cria uma indignação mais do que justificada nos familiares do Elton e a quem quer que seja dotado de um sentimento mesmo rudimentar de justiça. 
Não se lê uma palavra sequer, no acórdão da 9ª Câmara Cível, referindo, por exemplo, o fato de o país testemunhar com muita e triste frequência, decisões judiciais determinando desapossamento de terra, terminarem como aquela que acabou com a vida do Elton. 
Também ali não se lê nada sobre o fato notório de a vida desse pobre jovem agricultor ter sido interrompida pelo criminoso atraso dos Poderes Públicos em efetivar a reforma agrária, a que têm direito milhões de pobres sem-terra do Brasil, desde que o latifúndio aqui se implantou matando índias/os, quilombolas, grilando terras, desrespeitando posses centenárias, comprando registros, manipulando leis, corrempendo funcionários, montando CPIS em favor de seus privilégios, manipulando a mídia, enganando o povo, cercando e humilhando gente pobre sem defesa e apoio.    
Algum/a das/os nossas/os leitoras/es recorda ter havido nesses casos  o reconhecimento administrativo ou judicial do locupletamento ilícito, esse sim, dessa barbárie covarde dever indenizar os danos patrimoniais e morais que ela causou, causa e continuará causando às/aos sem-terra e ao país? Alguém tem alguma notícia de os Tribunais brasileiros recomendarem educação “pedagógica” para dar um fim nessa injustiça historicamente repetida? 
Pelo contrário, o que mais se ouve é o louvor do mérito desbravador dos bandeirantes no passado, feito à custa de milhares de Eltons, agora imitado por uma determinação judicial de que o próprio dano moral por eles/as sofridos com a morte de um parente “não exagere” na mensuração do valor dessa tragédia e, mais, isso sirva de lição para elas/es e outras/os vítimas da mesma injustiça social pela qual continuem morrendo. 
Com muito raras exceções, algum/a juiz/a se atreveu a reconhecer nessas violências a cumplicidade do Estado com a covardia inspiradora dessas violências, dessas agressões à dignidade humana, desses mandados próprios dos Estados de exceção, inconstitucionais não só por ferirem a letra dos direitos sociais de gente pobre que a obriga a ocupar terra para fazê-los valer, mas principalmente pela desumanidade própria das suas execuções, uma delas responsável por esse assassinato.  
A morte do Elton não foi considerada suficiente para encher o poço das lágrimas e do grande sofrimento dos seus familiares e companheiras/os.   A Nona Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu de direito e de justiça lhes acrescentar não só a diminuição dos valores com que a sentença mal e mal tentara compensar o que nenhum dinheiro é capaz de pagar, como ainda advertiu-os de que, assim o fazendo, contribui com a educação deles e de todas/os quantas/os brasileiras/os, na sua mesma condição reivindicatória, ousarem, no futuro, se socorrer do Judiciário para “fazer lucro” (?!) em cima da morte de um parente.
Um verdadeiro despropósito. É de se imaginar a vibração e o entusiasmo das/os inimigos das/os sem terra e da reforma agrária com esse julgamento: “Bem feito! Aí está mais um julgado, como muitos outros, forrados por doutas opiniões doutrinárias, para empoderar mais ainda o domínio crescente que temos sobre administradores públicos, leis e tribunais.” 
Como outros antecedentes jurisprudenciais, com pretensão “docente” como esse, pode-se fazer uma idéia precisa das razões pelas quais as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais valem tão pouco como o valor aqui julgado justo para quem confiou no Judiciário, pretendendo ver  minimamente reparada a morte desse agricultor.  A poderosa influência das/os inimigas da reforma agrária - pretenda ou não o acórdão desse reexame necessário - vai tirar o maior proveito desse julgamento. Vai-se locupletar ilicitamente com a reforma da sentença, baseada na circunstância de o valor da indenização devida pelo Estado, por força de um assassinato como o sofrido pelo Elton, é tão insignificante que uma Câmara de Tribunal de Justiça corta fundo os valores da indenização  devida aos seus familiares e ainda justifica essa  redução pelo razão de, mantidos os  valores fixados na sentença, eles acabarem lucrando com isso. 
Não se sabe se, na 9ª Câmara Cível do TJRS, alguém tinha conhecimento de que o sangue do Elton fecundou a terra de onde o mesmo Poder Judiciário determinou a sua saída, assim provocando a sua morte e provando o injusto e infeliz propósito dela. A famosa Fazenda Southall de São Gabriel, por trágica ironia do seu destino, é hoje um assentamento de agricultoras/es com direito a reforma agrária, testemunhando não ter sido em vão a sua morte se somado a tantas/os outras/os sem-terra assassinados por defenderem esse direito. 
Não serve de nenhum consolo para os familiares do Elton esse martírio, mas ele comprova, por mais uma trágica vez, quão diferentes são  as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais quando comparadas com os patrimoniais. A rapidez com que o mandado judicial de reintegração de posse acabou por assassiná-lo, levou-o para o túmulo no dia seguinte ao da sua morte, acompanhado por multidão de sem-terras, movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos e apoiadoras/es do MST.  Já o processo crime que apura a responsabilidade do policial militar que o matou, não tem a mesma pressa. Há quase seis anos vai tramitando ao ritmo do desinteresse habitual e costumeiro com que o Poder Judiciário caminha, honrosas exceções a parte. Daqui a pouco prescreve e o nosso chamado Estado de direito dá por cumprida mais uma das suas injustas atuações. Como a história ensina, a esperança de esse cortejo fúnebre ter seu fim não morre no coração de quem, como Elton Brum da Silva, ressuscita em cada ocupação de terra usurpada pelo poder do latifúndio atestando ser ela mãe, fonte de vida comum, acessível a todas/os as/os suas/seus filhas/os, e não propriedade exclusiva de quem dela abusa, explora e mata como matou o Elton.
* Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

CARTA DA APEDEMA-RS AO CONAMA E MMA, PEDINDO AMPLIAÇÃO DA CONSULTA PÚBLICA REFERENTE AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Porto Alegre, 11 de fevereiro de 2016
Excelentíssima Senhora
Izabella Mônica Vieira Teixeira
Ministra do Meio Ambiente
Presidente do CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente
Brasília - DF

Prezada Senhora Ministra:
            A Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (APEDeMa-RS), com base nos princípios constitucionais e internacionais do direito ambiental e administrativo, vem requerer à Direção do CONAMA e ao Ministério de Meio Ambiente o que segue.
            Solicitamos que seja disponibilizado um prazo razoável (90 dias) para a consulta pública relativa à atualização das Resoluções CONAMA Nº 01, de 23 de janeiro de 1986, que “dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a Avaliação de Impacto Ambiental”, e Nº 237, de 19 de dezembro de 1997, que “dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o Licenciamento Ambiental” (Processo nº 02000.001845/2015-32, do MMA), por iniciativa da ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente). 
            Consideramos profundamente exíguo o prazo disponibilizado para a consulta (de 04 a 14 de fevereiro), configurando menos do que cinco dias úteis, entremeados ao período do Carnaval, inviável para uma participação orgânica, tanto de nossas entidades como de vários setores da população, que poderiam e deveriam participar e contribuir para o aperfeiçoamento do tema.
            A questão do licenciamento é por demais importante e complexa, necessitando levar em conta, neste período de três décadas, um balanço das conquistas expressas nas duas resoluções bem como uma profunda análise das causas das falhas e desvirtuamentos - que não são poucos - relativas à implementação do processo, nos diferentes âmbitos.
            Para exemplificarmos, na década passada, o Rio Grande do Sul foi testemunha de um caso dos mais graves relacionados a irregularidades conhecidas nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA). Foi o caso dos estudos para o licenciamento da UHE Barra Grande, no qual a própria justiça reconheceu que foram omitidas informações, causando a maior perda de remanescentes da Floresta com Araucária conhecida até então (seis mil hectares de florestas), justamente na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Passados mais de 10 anos das irregularidades constatadas, a principal empresa envolvida nunca pagou a multa imputada pelo IBAMA (10 milhões de Reais) e a maioria dos itens do Termo de Compromisso, assinado entre os órgãos federais, justiça e o consórcio responsável pelo empreendimento, nunca foi cumprido. 
            Passado esse período, desde a primeira resolução, o nível de perda de biodiversidade aumentou imensamente em todos os biomas brasileiros, constatando-se ausência de monitoramentos, zoneamentos e programas integrados que fizessem frente a essa perda, visando resguardar ecossistemas remanescentes em cada região do Brasil. Da mesma forma, é crescente a vulnerabilidade de populações tradicionais e demais populações associadas mais intimamente à biodiversidade, bem como se aprofunda o comprometimento das condições ambientais no campo e nas cidades. Por outro lado, a criação e a efetivação de novas Unidades de Conservação praticamente estancaram nos últimos anos, principalmente fora da Amazônia, e tampouco os órgãos ambientais - em sua maioria desestruturados - realizaram esforços no sentido de efetivação de politicas públicas de proteção e promoção das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Portaria MMA, n. 9, de 23 de janeiro de 2007).
            Consideramos insuficientes, ademais, as justificativas de maior “eficiência” apresentadas para a atualização das referidas resoluções, supostamente para adequação à Lei Complementar nº 140/2011, pois acreditamos as políticas públicas devam envolver elementos muito mais além do “licenciamento e fiscalização ambiental”, como aparece na chamada da consulta pública.
            Percebemos, na justificativa da proposta, a ausência da palavra gestão ambiental, inclusive, contraditoriamente, não constam na mesma os itens a fiscalização e o monitoramento, que carecem de implementação a contento no País, sendo estes elementos essenciais das fases após o deferimento de licenças. Qualquer proposta de avanço no processo de licenciamento ambiental deve resgatar o caráter técnico, com visão do todo e embasamentos consistentes, que levem em consideração os zoneamentos – em geral inexistentes - e a avaliação da capacidade de suporte de atividades, com base em bacias e ecorregiões. A necessária aferição da condição de sinergia de impactos de atividades e empreendimentos tampouco aparece na presente proposta, correndo-se o risco de se manter a análise caso a caso, o que pode seguir retroalimentando o descompasso e a separação crônica entre as politicas de desenvolvimento econômico e as políticas de meio ambiente, em um país com vocação à promoção de sua megabiodiversidade associada à qualidade de vida de nossa população.
            Acreditamos fundamental que superemos a visão limitada, reducionista e predominantemente cartorial no processo de licenciamento no Brasil. Apelamos, portanto, para que se trate de forma mais holística e com tempo hábil para o necessário e devido aprofundamento técnico e democrático de tema de tal envergadura, envolvendo também os aspectos científicos, os planejamentos regionais, os zoneamentos, as avaliações ambientais estratégicas e integradas, as populações direta ou indiretamente atingidas – todos estes itens ainda não implementados – o que fragiliza o bom processo de licenciamento.
            Levando-se em conta os argumentos acima expressos, reiteramos, portanto, que a Presidência do CONAMA e o Ministério de Meio Ambiente ampliem este exíguo prazo para a consulta pública e permitam uma discussão maior deste tema tão vital e estratégico para o Brasil.
            Nestes termos, solicitamos deferimento.

Cordialmente,

Paulo Brack
p/Coordenação da APEDeMa-RS
Ingá - Mira Serra - Upan
apedemars@gmail.com