Reiteramos a
solicitação em Ofício da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio
Ambiente do RS (Apedema
- RS (Of. N. 1/2016), do dia 11 de fevereiro, junto com outras entidades do
Brasil para que o Ministério de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de Meio
Ambiente concedam maior prazo para a consulta pública e aumento da discussão
sobre a atual proposta que prevê a substituição das Resoluções 001/1986 e
237/1997 no tocante ao licenciamento ambiental. O prazo exíguo de somente 4 ou
5 dias úteis, neste período de férias e de Carnaval, prejudicou ainda mais as
contribuições de todos para a avaliação e aperfeiçoamento da nova Resolução.
Ficou evidente que a proposta em discussão no Grupo de Trabalho da Câmara
Técnica do Conama objetiva meramente a "agilização e simplificação"
do licenciamento ambiental (ver por ex. os Art. 28, 29 e 30).
Simplificar processos
que já são precários, desconsiderando que estamos comprometendo gravemente o
recurso água, associado à complexidade e integridade de nossos ecossistemas, em
perda crescente, e desconhecer que pesquisas internacionais dão conta de que
estamos à beira da Sexta Extinção em Massa é profundamente injustificável. Só
serve à velha visão imediatista de atividades econômicas a qualquer preço, que
vige no mundo e aqui também. Por exemplo, No Brasil, a Lista Oficial da Flora
Ameaçada aumentou 448% no número de espécies ameaçadas, entre 2008 e 2014. A
Lista Oficial da Fauna Ameaçada aumentou em 307 espécies (65%), entre 2003 e
2014. Os órgãos ambientais estão preparados para licenciar atividade e
empreendimentos, levando-se em conta os limites do estado de conservação das
espécies e de seus ecossistemas? E a qualidade de água de nossos rios e do ar
de nossas cidades, frente à poluição crescente, o que sabemos disso?
Porto Alegre, por
exemplo, apresenta há duas décadas e meia seu sistema de monitoramento do ar
praticamente sucateado e quase nunca funcionou. Por outro lado, concede
licenças para operação de liberação de efluentes aéreos e hídricos por parte de
uma das maiores empresas mundiais de celulose (para exportação), sem conhecer a
qualidade do ar da Região Metropolitana da Capital, que abriga 1/3 da população
deste Estado, com o agravante do mar de monoculturas de eucaliptos tomam conta
do Pampa, mesmo com as restrições impostas pelo Zoneamento Ambiental da Silvicultura.
No que se refere a
empreendimentos já licenciados, que atingem a biodiversidade, como no caso de
hidrelétricas, por que a maior parte dos monitoramentos de empreendimentos,
após as licenças, não são acompanhados e seus resultados não revertem em programas
ambientais? O Ibama, os órgãos estaduais e os municipais acompanham a contento
isso? Como prever licenciar com mais
“agilidade e simplificação” sem um mínimo de informação e sem programas de
gestão ambiental? Por que se substituiu a palavra gestão ambiental pelo
conceito reduzido à esfera cartorial, em Estados, no que se chama de “balcões
de licenciamentos ambientais”? Por que até hoje, passadas décadas, não existe a
realização de zoneamentos ecológico-econômicos nos biomas brasileiros? Por que não
se promove a biodiversidade e a vocação ecológica de cada região? O que se sabe
da capacidade de suporte dos ecossistemas inclusive em relação à poluição do
ar, dos corpos d´água, do solo e da biota nos estados, nos municípios e no
Brasil? Por que a explosão de monoculturas quimicodependentes e transgênicas de
soja seguem crescendo desde o bioma Pampa até a Amazônia, sem licenciamentos
ambientais e com resultados humanos desastrosos (contaminação de leite materno,
municípios campeões em homicídios na região do Arco de Desmatamento da
Amazônia)?
Como dar sequência a processos de licenciamento se não existem banco
de dados integrados, nem equipes em número suficiente e fortalecidas nos órgãos
ambientais, sem tempo e/ou vontade política dos governantes para a necessária
integração entre pastas e entre os âmbitos das diferentes esferas?
Vamos seguir avaliando
os impactos caso a caso? Por que não avançamos para as Avaliações Ambientais
Estratégicas e Integradas? Qual a legitimidade do licenciamento de
empreendimentos e do planejamento de atividades econômicas se não existe
interesse mínimo de parte dos órgãos ambientais e dos governos na implementação
das políticas públicas ligadas ao Mapa das Áreas Prioritárias para a
Biodiversidade (APBio, Port. N. 9, MMA, 2007)? Como explicar que 62% dos projetos de hidrelétricas estejam sendo
previstos pra as APBio e 25% deles atingindo área de categoria de Extrema
Importância? O Ministério de Meio Ambiente vai seguir ausentando-se de seu
papel nas diretrizes federais no limite de empreendimentos hidrelétricos por
bacias, em especial no Pantanal, na Amazônia, no Cerrado e Mata Atlântica? Os
estudos de impacto ambiental permanecerão com conflitos de interesse entre
empreendedor e equipe consultora, ao contrário do que previa o Art. 7 da
Resolução Conama 01/1986? Seus relatórios de impacto seguirão sendo peças de
propaganda enganosa?
O licenciamento, na
proposta atual, segue não prevendo garantir a existência de órgãos minimamente
estruturados e integrados, fragilizados diante das pressões econômicas e
políticas que desconsideram a viabilidade ambiental de seus projetos.
Dever-se-ia exigir uma estrutura compatível mínima, o que não é o caso hoje,
tanto nos órgãos municipais, estaduais e federais. É preciso passar a limpo as
situações absurdas, não raras vezes também alvo de ações de investigação por
parte da Polícia Federal, Ministério Público, em esquemas de corrupção, fraude
em licitações, cartel de empreiteiras e que são resultado do descontrole
inclusive também pela ausência de mecanismos de fiscalização externa. Aqui na
Metade Sul do Estado, nem as obras do PAC, das barragens de Jaguari e
Taquarembó, estiveram livres da investigação da Polícia Federal, após estudos
de impacto ambiental incompletos e tendenciosos. No Litoral do RS, a mesma
coisa, e a Operação Concutare, realizada pela PF em 2013, além de prender dois
secretários e meio ambiente (um estadual e um da Capital), além de um
ex-secretário estadual, descobriu um grande esquema de fraudes em licenças para
condomínios fechados. Situação que também ocorreu em Florianópolis e em muitas praias
do litoral brasileiro, onde parte da beleza paisagística sucumbe sob esquemas
de licenças irregulares e/ou frouxidão dos órgãos diante da ganância
imobiliária em grandes empreendimentos. E quando o Ministério Público é chamado
para atuar, muitas situações já foram consumadas e só restam os TAC (Termos de
Ajustamento de Conduta), de resultados nem sempre eficientes.
Flexibilizar o
licenciamento é também atender a guerra fiscal entre estados e municípios. Se
hoje a situação é de um verdadeiro apagão na área de gestão ambiental, sendo
ausentes ou escassas as necessárias informações ambientais, inexistindo zoneamentos
ambientais e tampouco avaliações conjuntas da sinergia de atividades e da
capacidade de suporte de empreendimentos por bacia, sem os controles externos
eficientes, estaremos aprofundando o corriqueiro processo de “Licenciamento no
Escuro”. A situação de inação deliberada é favorável ao poder das grandes
empresas degradadoras, da grande mídia que trabalha para elas, para não afetar
os negócios do crescimento econômico (a qualquer custo), com o aval de
governantes e as federações de empresas. Isso deve ter fim, entretanto, está
bem difícil vislumbramos esta preocupação na nova Resolução proposta pela ABEMA
(Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), no GT do
Conama, que pode se tornar mais uma peça da esquizofrenia da má gestão pública,
que anda a reboque da costumeira economia imediatista.
Manter este estado de
coisas, sem passar a limpo as falhas do licenciamento que o transformaram em um
“faz de conta”, e que resultou na maior tragédia ambiental de mineração no Brasil
- o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale/ BHP, em Mariana (MG) -
é algo inconcebível, vergonhoso e da esfera criminal. Da mesma forma, não dá
para esquecer o caso da fraude do EIA-RIMA da UHE Barra Grande (RS-SC), que
resultou na maior perda de Mata Atlântica conhecida no Sul do Brasil (6 mil
hectares de florestas com araucária). A responsabilidade é de quem? O Ibama,
neste último caso, declarou em 2005 que falhou, prometeu mudar para melhor o
licenciamento, mas não mudou, por força da Casa Civil, Ministério de Minas e
Energia, Ministério da Agricultura e outros setores que subverteram as
conquistas ambientais legais para manter os ganhos econômicos de sempre.
Estaremos gerando mais
e mais passivos ambientais e colapsos ecossistêmicos? Onde consta na presente
resolução a superação destes crônicos e graves problemas, se nos
“Considerandos” da atual proposta a palavra integração entre os órgãos (Resol.
237/1997) foi suprimida ou substituída por “harmonização”, que tem significado
menos categórico na gestão ambiental?
Para destacarmos uma
proposta objetiva na resolução, trazemos aqui a necessidade do retorno do Art.
7 da Resolução Conama N. 1 de 1986, que para evitar o conflito de interesses
entre empreendedor e equipe consultora, assinalava que "O estudo de impacto ambiental será realizado
por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente
do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados
apresentados." Ou seja, os estudos de impacto ambiental deveriam ser
realizados por equipes desvinculadas diretamente do empreendedor, sendo
selecionadas em edital e contratadas por órgãos de Estado, como os Conselhos de
Meio Ambiente, em uma Câmara Técnica específica e sob o acompanhamento dos
Ministérios Públicos respectivos. O Art. 10 da nova proposta mantém a aberração
do vínculo direto, que já tinha sido incluída na Resol. n. 237/1997. Assim, o
faz de conta continua.
Que o Conama assuma seu
papel de resguardar as conquistas importantes da Legislação Brasileira,
fortalecendo o SISNAMA, reafirmando o Principio da Precaução, que é um acordo
decorrente de compromissos internacionais do Brasil, após a Rio 92. Apelamos
também para o papel dos agentes públicos do Conama e do MMA, possibilitando à
sociedade brasileira que participe de uma nova proposta, verdadeira, que não represente
imediatismos ou retrocessos, garantindo o direito ao meio ambiente equilibrado,
como consta no Art. 225 da Constituição Federal do Brasil.
Paulo Brack (14-02-2016)
* professor do
Instituto de Biociências da UFRGS
Coordenador Geral do
InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais)