Em uma das atividades do Fórum Social Mundial, nos dias 23 e 24 de janeiro de 2023, denominada Povos Contra os Agrotóxicos Na "República Sojeira", realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grand do Sul, um movimento de Assentados(as) do MST, Produtores Agroecológicos Atingidos pela Pulverização Aérea por Agrotóxicos, em Nova Santa Rita e Região (RS), elaborarou e divulgou um documento denunciando sua situação dramática e um caso de contaminação de agrotóxicos (herbicidas altamente tóxicos) decorrentes de fazendas vizinhas de produção de arroz sobre comunidades humanas, produção agroecológica e meio ambiente, cobrando a tomada de medidas urgentes em relação ao tema invisibilizado e alvo de descasos governamentais.
Os assentados partem, principalmente, de uma situação que ocorreu em novembro de 2020 e em outras ocasiões, quando um grande produtor de arroz realizou a pulverização aérea de herbicidas e suas derivas (espalhamento no ar), sobre comunidades assentadas de Nova Santa Rita. Os herbicidas afetaram a saúde de agricultores, moradores, culturas orgânicas, animais e agroecossistemas locais. Surgiu, a partir daí, um movimento que exige maior fiscalização, a elaboração de áreas de exclusão de uso destes produtos, em um primeiro momento, e reparação de danos e garantias para a continuidade de suas atividades na produção agroecológica e orgânica, entre outras reivindicações.
O documento teve o apoio de mais de 40 entidades (InGá e demais ONGs ambientalistas ou ligadas à causa da agrobiodiversidade, da justiça socioambiental e de movimentos socioambientais, etc.) e segue recebendo apoios, a fim de mostrar a inviabilidade da vida digna no campo, com agrobiodiversidade, se houver a continuidade de pulverização de venenos e suas derivas sobre povos, comunidades, natureza e em quem investe numa vida de produção de alimentos saudáveis a toda a população.
Os atingidos pelos agrotóxicos também tiveram a participação, no evento do FSM, de movimentos de afetados por venenos agrícolas da Província de Santa Fé, Argentina, com situações semelhantes, e se discutiu a construção futura de um Movimento dos Atingidos pela Pulverização de Agrotóxicos, com vários perfis, destacando-se a produção agroecológica, e em vários âmbitos ou regiões.
Para tanto, os atingidos buscam espaço de diálogo com o governo federal e estadual para o atendimento das reivindicações, com agendamento de reuniões e interlocução com ministros e secretários das diferentes pastas, com pautas específicas, e com perspectivas de compromissos dos governos ao seu atendimento em prazos acordados, além de se construir um movimento mais amplo estadual, nacional e latino-americano que viabilize políticas públicas e a agroecologia e lute contra este modelo agrícola de morte que cerca as comunidades do campo e da cidade dos países do Cone Sul Exportador de Commodities.
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Carta dos(as) Assentados(as)
Produtores(as) Agroecológicos(as) Atingidos(as) pela Pulverização Aérea por
Agrotóxicos em Nova Santa Rita e Região, no RS
Em novembro de 2020, muitas dezenas
de agricultores(as) agroecológicos(as), moradores(as) dos assentamentos de
reforma agrária Itapuí, Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha foram atingidos pela deriva de agrotóxicos
pulverizados por aviões agrícolas utilizados por grandes produtores de arroz
convencional do município de Nova Santa Rita, Rio Grande do Sul. Os
herbicidas afetaram a saúde de agricultores, moradores, culturas orgânicas,
animais e agroecossistemas locais, como consequência de voos rasantes de aviões
com agrotóxicos sobre e nas proximidades das áreas dos assentamentos, onde se
concentram também algumas das áreas de
maior produção de arroz orgânico da América Latina.
O caso trouxe à tona inúmeras
irregularidades na atividade e uma imensa vulnerabilidade e ausência de
fiscalização, controle das pulverizações aéreas de venenos agrícolas e suas
derivas resultantes, ademais, sobre assentamentos, áreas de produção
agroecológica e orgânica e povoamentos. Dezenas de produtores não puderam
comercializar seus produtos durante meses, a partir de notificações do setor de
certificação do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Vários órgãos públicos federais,
estaduais e municipais, ligados à agricultura e meio ambiente, e também o
Ministério da Agricultura e Pecuária, foram acionados em suas responsabilidades
na averiguação do acontecido. Constatou-se demoras e ausência de estrutura de
fiscalização e falta de agilidade na obtenção de provas, elementos essenciais
para uma ação na justiça. As provas visuais eram fartas, mas as estruturas de
fiscalização eram, e seguem sendo, insuficientes ou mesmo inexistentes.
Os prejuízos da pulverização levaram
o caso à Justiça Federal, Ministério Público Estadual, Secretaria Estadual de
Meio Ambiente e Infraestrutura, Secretaria da Agricultura e Pecuária,
Ministério da Agricultura, entre outros agentes públicos, a fim de garantir que
os responsáveis pela pulverização sejam proibidos de utilizar estes produtos
nas proximidades dos assentamentos e também nas áreas de entorno, onde se situa
o Parque Estadual do Delta do Jacuí.
Neste período, de mais de dois anos,
os atingidos passaram por inumeráveis circunstâncias de constrangimento,
ameaças, impactos na saúde física e danos psicológicos. Torna-se flagrante a
situação absurda que reflete o descontrole quase total do uso de venenos na
grande produção agrícola do RS, alguns nem autorizados, ausência de regramentos
claros, fiscalização e coibição de danos à saúde humana e ambiental, o que
também compromete a renda e a produção de quem luta para produzir alimentos
sadios à sociedade. A sociedade como um todo também é afetada pela menor oferta
de produtos orgânicos e agroecológicos, inclusive em decorrência da diminuição
do número de agricultores que desistem da atividade frente à contaminação das
derivas de agrotóxicos pulverizados e a respectiva incompatibilidade de se
poder conviver com a agricultura convencional dependente de biocidas
sintéticos.
Os Atingidos pela Pulverização Aérea
requerem punição exemplar, reparação dos danos - tanto à saúde das pessoas bem
como às perdas da produção agrícola orgânica e agroecológica, além dos custos
ambientais de ecossistemas frágeis e necessários, que a deriva de agrotóxicos
afetou, e exigem garantia de que casos como esse não se repitam e que o poder
público cumpra com sua função de acompanhar, fiscalizar, monitorar e
identificar (com análises céleres os agrotóxicos eventualmente usados) e
promover áreas de exclusão de pulverização aérea e redução e eliminação
progressivas do uso de agrotóxicos em todo o país.
As lutas dos produtores agroecológicos
atingidos são coletivas e fruto da organização dos assentados, do apoio do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e também das entidades
ambientalistas parceiras da causa. Entre os avanços, destacam-se uma lei
municipal (Nova Santa Rita), as liminares obtidas na Justiça Federal e um
parecer do Ministério Público Estadual recomendando, no mínimo, a limitação de
pulverizações aéreas, por meio de zonas de exclusão da realização destas
práticas.
Cabe destacar que a própria licença
ambiental proíbe o uso de pulverização aérea de agrotóxicos em áreas que
pertencem a Área de Amortecimento do Parque Estadual e da Área de Proteção
Ambiental do Delta do Jacuí. Entretanto, como em outras situações semelhantes
no Brasil, até agora a proposta da SEMA não respeita nem a área de
amortecimento do Parque e diminuiu a área de exclusão necessária de para se
evitar deriva ou mesmo a proibição de pulverização aérea nas comunidades e nas
culturas das famílias de agricultores. Tampouco há alguma iniciativa de
reparação dos prejuízos sofridos.
Reiteramos as recomendações da
Promotoria de Justiça de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual do RS que
encaminhou pedido para a SEMA estabelecer poligonais
de exclusão para pulverização aérea de agrotóxicos em toda a extensão que
pudesse afetar os mananciais de captação de água para abastecimento e demais
recursos hídricos da região, as áreas situadas em proximidades das povoações,
cidades, vilas, bairros, de população e mananciais de água, moradias isoladas e
agrupamentos de animais. A Promotoria do MPE também declarou a necessidade de
que a abrangência das poligonais de exclusão atingisse as áreas dos
assentamentos inclusive as que permeiam a Zona de Amortecimento do Parque do
Delta do Jacuí, além de toda a zona urbana do município de Nova Santa Rita. O
órgão recomendou ainda restrições de pulverização aérea nas licenças de
operação de todas as empresas de aviação agrícola que atuam ou pretendem atuar
na região, inclusive nas licenças vigentes, com proibição de sobrevoo de aeronaves
para aplicação de agrotóxicos com princípios ativos herbicidas, inseticidas e
fungicidas, na área de exclusão.
Assim, considerando os enormes
riscos resultantes da possível reincidência de contaminação por agrotóxicos por
que passam os(as) PAAPAA nesta e em outras regiões do país, apoiados pelas entidades e movimentos que
aqui subscrevem este documento, vimos
assinalar a necessidade de serem adotadas medidas concretas para o controle,
identificação e a eliminação não só da pulverização aérea local de agrotóxicos
que vem afetando a saúde na região, mas a reparação e a eliminação progressiva
destes venenos que afetam a saúde, a produção orgânica e o meio ambiente no
Brasil. Assim, listamos abaixo nossas reivindicações aos governos federal,
estadual e municipal de Nova Santa Rita, em dois
âmbitos: Específico e Geral/Nacional
I - Reivindicações específicas:
1. Estabelecimento de poligonais ou
zonas de exclusão de pulverização aérea de agrotóxicos;
2. Implantação de uma infraestrutura
de fiscalização, monitoramento e condições de análise célere de identificação
dos agrotóxicos por meio de laboratórios públicos;
3. Controle permanente de parte de
órgãos de agricultura e meio ambiente de voos aéreos, condições de voo, vento e
produtos agrotóxicos;
4. Reparação imediata pelos danos da
deriva de agrotóxicos nos PAAPAA; a partir da apresentação de laudos técnicos
de perdas.
5. Apoio ao desenvolvimento de
Programa de vigilância em Saúde de populações expostas aos Agrotóxicos de forma
a melhorar o diagnóstico, a atenção a saúde e desenvolvimento de ações de
Promoção da Saúde e proteção do território, com incremento de processos participativos
em Saúde e Ecologia de Saberes.
6. Restringir o uso de aviação agrícola
para fins de pulverização aérea (especialmente agrotóxicos e adubos,
principalmente os líquidos plausíveis de ser misturados com fungicidas) no
entorno de Áreas que fazem parte das poligonais de exclusão de pulverização
aérea.
II - Reivindicações Gerais:
1. Banimento total do PL dos venenos
(PL 1459/2022)
2. Aprovação do PL do PNARA -
Política Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos; Projeto de Lei (PL) 1.459/2022 — que revoga a atual Lei dos
Agrotóxicos e altera as regras de aprovação e comercialização desses produtos
químicos
3. Restrição à pulverização aérea e
incorporação de polígonos de exclusão de uso de agrotóxicos, considerando
escolas, áreas urbanas, assentamentos, terras demarcadas indígenas,
quilombolas, unidades de conservação...;
4. Retomada do Programa Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) e Planos Estaduais similares;
5. Garantia de fomento à pesquisa, à
produção, ao armazenamento e à distribuição de sementes crioulas, com
prioridade a povos indígenas, comunidades tradicionais, assentamentos;
6. Exclusão de agrotóxicos banidos
ou sem registros em seus países de origem; por serem altamente tóxicos para a
saúde humana e o ambiente.
7. Retomada bianual do Programa de
Análise de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos, pela Anvisa e Programa de
Reavaliação de Registros de Agrotóxicos pela Anvisa;
8. Inclusão de condicionantes de
financiamentos públicos à agricultura que incluam a necessidade do CAR, e não
impliquem em conversão de ecossistemas naturais em monoculturas e que não
incidam em Áreas Prioritárias para a Biodiversidade e a Sociobiodiversidade
9. Estrutura de Fiscalização
(pessoal, equipamentos e recursos) compatível com o atual uso de agrotóxicos.
10. Estruturação de laboratórios
licenciados e cadastrados no MAPA, plausíveis de realização de laudos técnicos
ágeis e que possuam os princípios ativos (padrão de análise) de todos os
agrotóxicos autorizados no Brasil.
11. Restringir e criar regulamentações
sobre Aviação agrícola (incluindo drones), em especial atividades como
pulverização aérea de agrotóxicos e outros.
● Não
funcionamento de aviões em dias e horários que tem restrições na fiscalização
efetiva (exemplo: fins de semana e feriados).
● Implementação
de GPS nos aviões autorizados para realização de pulverização aérea.
●
As informações dos planos de voo devem ser precisas,
com receituário agronômico, descrição da área a ser pulverizada, composição e
quantidade do produto utilizado, etc. assim como, também, que a informação deva
estar disponível em Portal da transparência oficial.
12.
Incremento à produção regional e local de mudas de plantas nativas respectiva
de cada bioma para agroflorestas e agroecologia.
13. Reavaliação do funcionamento da
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) responsável pela liberação
dos transgênicos, já que atualmente vem aumentando a quantidade e a toxicidade de
agrotóxicos associados aos OGMs.
14. Questionamento do Acordo
Comunidade Europeia – Mercosul, no que se refere aos reflexos sobre a
agricultura familiar, agroecológica e orgânica, bem como a potenciais desequilíbrios
de comércio e soberania alimentar e socioambiental nas comunidades dos países
do Cone Sul.
Nova Santa Rita, 24 de
janeiro de 2023
Produtores(as)
Agroecológicos(as) Atingidos(as) pela Pulverização Aérea de Agrotóxicos
(PAAPAA)
Apoiadores:
- Amigos da Terra Brasil
- Articulação Nacional de Movimentos e
Práticas de Educação Popular em Saúde – ANEPS
- Assembleia Permanente de Entidades em
Defesa do Meio Ambiente – APEDEMA-RS
- Associação Cultural José
Martí do RS
- Associação de Amigos, Usuários e Familiares da Rede de
Atenção Psicossocial de Uruguaiana - AFURP
- Associação de Produtores da Economia Solidária Contraponto
- Associação de Usuários de Serviços de Saúde Mental de
Pelotas – AUSSMPE
- Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN
- Associação Grupo Erval - AGE
- Associação Ijuiense de
Proteção ao Ambiente Natural - AIPAN
- Associação Mães e Pais pela
Democracia – AMPD
- Associação Vida e Justiça em
Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19
- Centro de Estudos Ambientais
- CEA
- Centro Regional de Cuidados Paliativos – Cuidativa/UFPel
- Coletivo de Capoeira Angola
Gira Ginga
- Coletivo Martha Trindade - Santa Cruz - Rio de Janeiro/RJ
- Coletivo Povaréu Sul e Fronteira Oeste
- Comissão de Produção Orgânica do Rio Grande do Sul –
CPOrg-RS
- Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas – GESP
- Grupo Viveiros Comunitários – GVC-UFRGS
- Federação dos Trabalhadores (as) Assalariados Rurais no Rio
Grande do Sul - FETAR-RS
- Fórum Gaúcho de Saúde Mental - FGSM
- Frente pela Vida – RS
- Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá
- Instituto MIRA-SERRA
- Instituto Preservar
- Marcha Mundial das Mulheres
- Movimento Ciência Cidadã – MCC
- Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos -
MTD
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST-RS
- Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM
- Movimento pela Saúde dos Povos – MSP
- Movimento Popular de Saúde - MOPS
- Pro-Eco Grupo Ecologista (Tucumán - AR)
- Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP
- Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul - SERGS
- Sindicado dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul - SINDIFARS
- Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Superior do Estado de
Amazonas - SINTESAM
- Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município do Rio
Grande – SINTERG
- Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e
Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul -
SINDIÁGUA
- Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruguaiana
- União Protetora do Ambiente Natural – UPAN