quinta-feira, 14 de agosto de 2014

QUE RIO GRANDE DO SUL QUEREMOS, NA ÁREA AMBIENTAL?


*Paulo Brack (11-08-2014)

A convite da AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), trazemos aqui alguns apontamentos como contribuição para os debates dos programas ambientais, inclusive neste ano eleitoral de 2014, mesmo levando-se em conta a crise política e de representatividade em que vivemos. Não podemos nos ausentar destes debates, mesmo que tenhamos dúvidas quanto à legitimidade do processo que permite, por exemplo, que partidos utilizem-se, injustamente, de financiamentos privados de campanha por parte de empresas – em geral gigantes - que degradam o meio ambiente e comprometem a democracia. Atualmente, a sociedade está em grande parte descrente do processo político institucional, pois a maior parte dos partidos não possui base eleitoral representativa e democrática, e estes não representam mais do que os seus interesses pessoais. Assim, uma reforma política profunda é urgente para que se possa retornar aos preceitos éticos elementares e a moralidade administrativa, refletindo os avanços que a sociedade impõe, via bem comum, sobre os interesses de grupos econômicos gananciosos e de políticos profissionais. Mas a vanguarda disso não pode cair de novo na mão de partidos. Neste aspecto, a sociedade deve estar atenta, acompanhando, cobrando e refutando a sensação de “normal” aos descaminhos da política e dos atuais retrocessos ambientais[1].

Seguem nossas avaliações e propostas, dentro de algumas prioridades e também dentro doas temas que mais acompanhamos, nos quase oito anos de Consema (Conselho Estadual de Meio Ambiente), por parte de nossa representação pelo Ingá, entidade indicada pela Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema-RS). Em 2010, pudemos participar junto com a Apedema, o Mogdema (Movimento Gaucho em Defesa do Meio Ambiente) e com outros ativistas ambientais da plataforma[2] para aquelas eleições.

 

1. Fortalecimento da SEMA

Quanto à situação ambiental do Rio Grande do Sul, do ponto de vista do papel do Estado na gestão e regulação do Meio Ambiente, em primeiro lugar, o ponto crucial é resgatar-se o lugar devido constitucionalmente à SEMA (Secretaria Estadual  de Meio Ambiente), resgatando-se sua infraestrutura e sua forma de gestão e relação com as demais pastas e a situação dos órgãos ambientais no Estado. Esta secretaria teve um longo e progressivo “apagão ambiental” a partir de 2003, com a saída de muitos funcionários. Do ponto de vista da chefia da pasta, nos últimos 12 anos, tivemos três governos e não menos do que 12 secretários. Em um dos governos (2003-2006), nos três primeiros anos, três candidatos a deputados, não eleitos, de um mesmo partido, turnaram-se como secretários de meio ambiente[3]. Os três, nas eleições de 2006, receberam doações de campanha de empresas licenciadas pela FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental Luiz Roessler), no caso do setor da celulose[4], o que pode se caracterizar como potencial conflito de interesses que deveria ser absolutamente vedado, já que, do ponto de vista ético, estes agentes não se importavam com esta situação por demais vergonhosa. Somente houve uma preocupação maior com o rumo da FEPAM, sem maior ingerência política, e com uma mínima reestruturação emergencial, a partir da Operação Concutare[5], desencadeada pela Polícia Federal, em 29 de abril de 2013. Esta operação resultou, entre outras consequências, a prisão de 18 pessoas, sendo, em nível estadual, o então secretário e o ex-secretário de meio ambiente, ambos com forte perfil político-partidário, envolvidos em irregularidades em licenças ambientais. O ocorrido deixou desnudada uma prática que mistura irregularidades, tráfico de influências e loteamentos políticos. Estas práticas deveriam ser eliminadas, com a indicação necessária de pessoas que, além de estarem ligados aos temas ambientais, com perfis técnicos necessários, precisariam compor um projeto de gestão pública e não um projeto político partidário ou pessoal para a área. A FEPAM, em sua essência, deveria ser um modelo para o licenciamento, já que o Diretor técnico é eleito – apesar de isso não ter sido respeitado em vários governos - pelo quadro de funcionários. Quem sabe, em um futuro não tão distante, venhamos a adotar um modelo de gestão mais adequado, com órgãos licenciadores autônomos, de Estado, e não de governos, inclusive em todo o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).  Estes órgãos ou agencias autônomas não sofreriam as costumeiras ingerências políticas, pois em todos os quadros, inclusive a chefia, seriam técnicos de carreira (concursados), controlados de perto pelo Ministério Público e pela sociedade, a fim de evitar conflitos de interesse, quando de licenciamentos de empreendimentos de interesse dos próprios governos.

Quanto à estrutura da FEPAM e do DEFAP (Departamento de Florestas e Áreas Protegidas), órgãos centrais da gestão de meio ambiente, o que consta é que, desde a criação da Secretaria, em 1999, estiveram, na maior parte do tempo, com menos da metade dos técnicos necessários. O DEFAP, criado naquele ano, só teve criadas três vagas, até 2002, justamente de chefes de setores. A área profissional - e isso se amplia para a FZB (Fundação Zoobotânica), instituição que é responsável pela pesquisa da biodiversidade e por manter acervos de flora e fauna ”ex-situ” - foram sendo paulatinamente desvalorizados e aviltados politicamente. Por sorte em 2014 houve, enfim, concurso e contratação de técnicos para a Fundação Zoobotânica, situação que não ocorria há, pelo menos, uma década e meia. Situação semelhante espera-se para a FEPAM, onde existe uma promessa de concurso para 2014. Um dos pontos mais graves nestes anos foi a instituição ser submetida a ingerências políticas[6] em licenças ambientais. Não se pode aceitar que uma decisão política prescinda de embasamentos técnicos que avaliem a biocapacidade dos sistemas naturais, o que configura como irregularidade, e que possa representar uma análise isenta sobre a viabilidade ou não de empreendimentos. A Presidência da FEPAM, via oficio 122/2007, chegou a admitir ao Ibama, contrariamente aos pareceres técnicos da casa, que era favorável ao projeto de hidrelétrica de Pai Querê, em Bom Jesus (rio Pelotas), o qual inundaria 4 mil hectares de florestas com araucária (cerca de 180 mil araucárias adultas) para produzir 290 MW, o equivalente ao Parque Eólico de Osório, usando o simples argumento: “do ponto de vista sócio-econômico, por sua importância estratégica e fortalecimento da matriz energética, abstraídas as questões técnico-ambientais levantadas, somos favoráveis ao empreendimento” (grifo nosso). Outras situações absurdas, como a montagem de práticas meramente cartoriais para situações ambientais altamente complexas fez com que a FEPAM incrementasse o que se chamou de “balcões de licenciamentos”. Isso deveria ser imediatamente superado pela busca da visão do todo, via Avaliações Ambientais Estratégicas, não mais licenciamentos “caso a caso”, por meio de diretrizes e subsídios mais sólidos e gerais, como aqueles representados pelas Avaliações Ambientais Integradas para empreendimentos hidrelétricos, no caso da bacia do rio Taquari-Antas, realizadas pela própria FEPAM em 2001, e que conseguiu sobreviver com recentes ajustes.

2. Diagnósticos Necessários nos âmbitos da qualidade ambiental (ar, água, solo)

Em segundo lugar, a SEMA e os demais secretarias, com apoio de instituições de pesquisa, deveriam responsabilizar-se por realizar diagnósticos periódicos da situação ambiental do Estado. Sem se saber minimamente sobre a realidade ambiental que nos cerca – que tudo indica ser dramática - não há forma de gestão inteligente do meio ambiente. Este aspecto depende de mudanças de cultura em todos os âmbitos. Hoje, ainda desconhecemos a capacidade de suporte dos sistemas vivos e do crescente incremento sinérgico de atividades degradatórias. As políticas ditas econômicas desconhecem esta realidade. Não se conhece o nível de comprometimento dos ecossistemas e da degradação ambiental sobre eles e sobre a saúde humana. O Princípio da Precaução[7] (assinado na Rio 92 entre o Brasil e outros países) deveria ser seguido se quisermos conceber as inúmeras incertezas do funcionamento ambiental frente a atividades de alto risco ambiental. O diagnóstico da situação é fundamental. Um médico quando analisa um paciente, com problemas complexos, pede vários exames. Da mesma forma, deve-se avaliar profundamente a situação e, com isso, buscar as causas e os resultados dos processos que causam disfunções ecológicas, tanto em nível estadual como mundial[8], [9]. É necessário que se tenha clareza da dificuldade de existir vontade política em trazer a realidade ambiental para o cenário de decisões econômicas, pois afetaria os grandes setores que mandam na economia e comandam os governos, com seus interesses corporativos mais imediatistas.

Esta realidade, via diagnósticos periódicos da qualidade ambiental do Estado, dever-se-ia trazer, prioritariamente, o quadro da qualidade das águas das principais bacias do RS. Exemplo disso é o rio Gravataí, um dos mais comprometidos e que na página da FEPAM poderia apresentar dados atualizados sobre sua situação[10]. No que toca à qualidade das águas, o abastecimento de água potável é cada vez mais comprometido pela falta de projetos corretos de tratamento de efluentes líquidos.

Cabe levantar ainda a questão do abastecimento de água, que se mantenha como um serviço publico! Infelizmente, o município de Uruguaiana e outros do RS e do Brasil tentam privatizar o serviço de água. A água é elemento fundamental à vida e deve estar acessível, obviamente de forma racional, a todos que dela necessitam. Igualmente o saneamento não pode ser privatizado, pois tanto a água como o tratamento de esgotos domésticos não pode ser privilégio e nem uma mercadoria. Outra questão é se eliminar o uso indiscriminado dos poços artesianos, com cadastramento de usuários, não permitindo que empresas privadas se apropriem de fontes de água mineral, como hoje ocorre inclusive com grandes transnacionais como a Coca Cola e a Nestlé.

Da mesma forma do que ocorre com a qualidade da água, a situação de conhecimento da qualidade do ar está ainda descoberta devido ao crônico sucateamento do sistema de monitoramento da qualidade do ar da FEPAM, desde o início da década passada, apesar das tentativas recentes de se superar a comprometedora situação via recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente (FEMA), já que os recursos da SEMA são escassos. Há muitos anos, verifica-se que uma das principais áreas mais poluídas de Porto Alegre e da Região Metropolitana, a Estação de Monitoramento do Centro-Rodoviária, não está funcionando conforme assinala a própria página da FEPAM[11], fato semelhante ocorre com áreas de maior concentração industrial. No que se refere às áreas industriais, acreditamos que o monitoramento não pode ser simplesmente realizado pelas próprias empresas e que o controle da poluição deva também ter controle social.

Nesta caso, chama a atenção para o fato de que as termelétricas a carvão mineral, em especial aquelas localizadas em Candiota, em que tanto o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) como a FEPAM dependem dos dados emitidos pelas empresas de geração de energia. E a situação é altamente preocupante, conforme afirmam representantes do Ministério Publico Federal[12]. Tanto a FEPAM como o Ibama deveriam dar apoio suficiente ao seu corpo técnico para a aquisição de equipamentos e condições para o monitoramento da qualidade do ar. Quanto ao uso, inerentemente insustentável, do carvão mineral, a APEDEMA do RS apresentou um documento ao Consema (Conselho Estadual de Meio Ambiente) alertando os danos diversos da poluição gerada por esta fonte de energia fóssil inviável[13].

Entre os demais impactos, insere-se aqui a avaliação e publicização dos resultados periódicos sobre a contaminação do solo e da água pelas atividades agrícolas (uso de agrotóxicos e outros insumos contaminantes), bem como a contaminação do solo e da água por atividades industriais, além de outros aspectos relacionados à erosão do solo e da mineração.

3. Qual a Situação da Biodiversidade do Rio Grande do Sul?

Necessitamos de monitoramentos periódicos do que ainda resta de remanescentes originais bem como do que se perde de ecossistemas naturais regionalmente nos biomas Pampa e Mata Atlântica.

No caso do Pampa, não existem dados recentes e tampouco do ritmo real de comprometimento da conversão dos ecossistemas para atividades agrícolas. Os dados mais recentes são de mais de meia década, e dão conta (MMA, 2010) que restavam 36% de remanescentes naturais dos campos do Pampa. Entretanto, como demonstram os dados de crescimento das áreas de lavouras de grãos (mais de 7 milhões de hectares no RS) e de monossilviculturas (entre 800 mil a 1 milhão de hectares) de eucalipto, pinus e acácia-negra seguem crescendo sobre áreas recentemente de ambientes naturais. O pior cenário é, sem dúvida, a expansão de lavouras empresariais (monoculturas) de soja e de outras culturas sobre os campos sulinos. A soja já alcança 4,9 milhões de hectares no Estado[14], concorrendo com várias culturas e expandindo-se de forma ilimitada. Quanto ao Pampa, no final do ano passado, entidades fizeram uma avaliação crítica das políticas públicas relativas ao bioma[15]. Neste caso, destacaríamos a necessidade de se fortalecer o programa RS Biodiversidade, preferencialmente sem a tutela do Banco Mundial, pois o Estado deve prover recursos próprios para seus programas.

Ainda, no que se refere ao Pampa, recomenda-se, entre outras demandas, a criação de um Comitê Estadual do Bioma Pampa à semelhança com o Comitê da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA). Um dos pontos mais emergenciais é a implementação da Reserva Legal no bioma bem como o avanço no Zoneamento Ambiental da Silvicultura, com a atualização de dados de plantios, monitoramento e nunca seu retrocesso como desejam setores da megassilvicultura, da madeira, com base em monoculturas arbóreas, erroneamente denominados de “Setor Florestal”.

Com relação à Mata Atlântica, patrimônio definido pela Constituição Federal do Brasil, destacaríamos que a RBMA, que também é patrimônio da UNESCO, reconhecida em lei por mais de duas décadas aqui no RS deve ter protegida sua Zona Núcleo, não sendo permitidos empreendimentos de alto impacto na mesma, nem mesmo licenciamentos municipais que prevejam supressão de vegetação em estádios médios e avançados da Mata Atlântica, bem como de matas primárias, fato que deve somar-se ao mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Port. MMA, n. 9/2007)[16].

No que se refere à biodiversidade em áreas protegidas, destacaríamos a situação precária e de indefinição necessidade quanto a unidades de conservação. O RS possui (incluindo UCs federais e municipais) somente 2,6%[17] de UCs, ficando atrás da maioria dos Estados do Brasil. Deste total, não mais do que 0,7% são de proteção integral e o restante pertence ao uso sustentável. Neste milênio não conhecemos a criação de nenhuma UC em nível estadual ou mesmo federal. Para piorar a situação, a bancada ruralista, financiada por grandes setores do agrobusiness, segue forçando o retrocesso nesta área, via PEC 215, que tiraria do executivo a criação de UCs, áreas indígenas e quilombolas. Cabe destacar que o Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC) nunca avançou por falta de técnicos e de vontade política de parte dos governos. Necessita-se de estrutura humana, equipamentos e de recursos financeiros. O orçamento para a área deve prever valores que não sejam simplesmente aqueles dependentes de “compensações ambientais” decorrentes de empreendimentos que realizam EIA-RIMA (Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental), como frequentemente ocorre. A gestão destes recursos é precária e nem sempre cumpre as funções que deveria. Situação semelhante acontece com mais de 30 milhões de reais em multas ambientais não pagas no Estado[18]

Também cabe incluir a sociobiodiversidade, com respeito às populações tradicionais, indígenas e quilombolas, por meio de reservas extrativistas, com acompanhamentos e apoios técnico de instituições governamentais e não governamentais.

No que toca a uma das causas de perda de biodiversidade sobre os rios e ecossistemas associados, que são os grandes empreendimentos hidrelétricos, é necessário que se reavalie a situação denunciada por especialistas[19] e ambientalistas[20]. É importante destacar que as hidrelétricas sobre o rio Uruguai, em especial Panambi e Garabi, estão já ultrapassando a biocapacidade de suporte dos rios. Temos muitas alternativas de geração de energia verdadeiramente sustentáveis[21]. Por rios livres de barragens![22]

4. Superar a síndrome do crescimento econômico e resgatar a economia integral e os processos ecológicos

A questão das mudanças climáticas de origem antrópica, fartamente reportadas pelo IPCC[23], é um dos grandes resultados, agora em nível global, da crise sistêmica que aflige muitas partes do mundo. No caso do RS e do País, as causas se entrelaçam aos perversos processos econômicos mundiais, onde se deve denunciar a hegemonia da atual economia parcial, ou Hemieconomia e seus fatores políticos, seus agentes, que nos últimos anos e décadas que levaram a essa realidade. A busca fundamentalista pelo Crescimento Econômico, inerentemente sem limites, segue sendo uma das causas fundamentais da degradação ambiental, como assinala Vandana Shiva[24].

Há de se ter em conta o papel que joga o Estado e o País no cenário de mundialização econômica. Que setores mandam na economia (rural, industrial, etc.). O RS, como muitos estados do Brasil, é predominantemente fornecedor de matéria prima (grãos, celulose, etc.) para a China e países do chamado primeiro mundo. Deve-se tornar o Estado de frente (e não de costas) à sua sociobiodiversidade e buscar-se autonomia, soberania e emancipação, com base em vocações locais, renegando-se o interesse internacional de megacorporações e países que querem nos manter como periferia, fornecedora de matérias primas. Como destaque, trazemos aqui o polêmico, para não dizer desastroso, caminho pela expansão dos projetos de celulose[25] no Rio Grande do Sul liderada por empresas estrangeiras. Da mesma forma ocorre com a expansão sem limites das monoculturas de soja nos campos sulinos.

Também é preciso entender que os processos econômicos, em nível de grandes programas, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o governo concentrara seus esforços em megaobras de infraestrutura. Assim, a infraestrutura agrícola agrupa-se fundamentalmente na exportação de grãos, baseados em monoculturas, em sua maioria transgênicas e altamente quimicodependentes. O Programa Troca-Troca de sementes de milho transgênico[26], por parte do governo do Estado, com distribuição de sementes geneticamente modificadas, vai de encontro com o conhecimento que já se tem se que o uso destes organismos também representa poluição transgênica[27] e incremento de uso de agrotóxicos[28], e deve ser interrompido. A transgenia na agricultura pode ser enquadrada como poluição genética[29], com resultados perversos para o meio ambiente, para a saúde humana[30] e para o agricultor[31]. O retrocesso é tal que a agricultura convencional, regada por OGMs (das seis grandes empresas que controlam a sementes do mundo) não satisfeita com o crescimento do uso do herbicida glifosato[32] força o uso agora do 2,4 D[33], mais tóxico ainda, e um dos componentes do agente laranja usado na Guerra do Vietnam, décadas de 1960 e 1970.

5. Um Outro Rio Grande do Sul é Necessário

As políticas ambientais não podem ser silenciadas. A SEMA não deve atuar de forma isolada e tampouco se curvar a outras secretarias. Os demais setores têm que respeitar os limites da biocapacidade dos ambientes, e, para isso, a atribuição pertence aos órgãos ambientais. O Consema deveria ter um papel preponderante a não chancelador de práticas e interesses governamentais e de setores que representam poder econômico no Estado. Não foi por nada que a Agapan se retirou do Conselho[34] A Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) tem papel importante e vem desenvolvendo iniciativas interessantes, mas deve se empenhar em não permitir a distribuição de sementes transgênicas de milho no programa Troca-Troca. É necessário que as demais secretarias e o próprio núcleo do governo do Estado incorporem outro paradigma, que não o meramente produtivista, com políticas de desenvolvimento que coloquem no centro, como estratégia, a biodiversidade, o respeito às Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade, a questão das espécies ameaçadas de fauna e flora, os povos tradicionais, indígenas, quilombolas, a agricultura familiar, sempre com políticas afirmativas, diferenciadas, com recursos facilitados a este desenvolvimento. Cabe destacar aqui também a importância do ZAS (Zoneamento Ambiental da Silvicultura) - mérito dos técnicos da FEPAM, FZB, das demandas das entidades ambientalistas e de cientistas envolvidos com a conservação da biodiversidade. Da mesma forma, devemos cobrar dos governos Federal e Estadual a Criação do Corredor Ecológico Aparados da Serra - Rio Pelotas, obrigação do Termo de Compromisso da UHE Barra Grande[35], empreendimento que causou a perda de 6 mil ha de florestas com Araucária e perda irrecuperável de biodiversidade[36].

Do ponto de vista político, cabe sempre lembrar as louváveis iniciativas e inéditas de marcar aqui, em 2000, o território do Fórum Social Mundial, talvez, agora, buscando-se outras formas de articulações, mais descentralizadas, autônomas, independentes de governos e partidos, e com a combatividade que tenha como exemplo a Guerra pela Água, na Bolívia[37] e que se avance para patamares de autogestão dos bens comuns. Resgatar o protagonismo que teve o Orçamento Participativo (OP), com as comunidades locais, avançando-se em um desenvolvimento participativo, longe dos projetos verticais atuais.

Com base em estudos ecológicos independentes que façam a aferição dos danos das atividades que representam alto risco de impactos ambientais não deveriam receber financiamentos públicos ou privados, como monoculturas, uso de térmicas a carvão mineral, grandes hidrelétricas, mineração, grandes empreendimentos urbanos sobre remanescentes naturais, entre outros. Antes que o controle e a fiscalização de empreendimentos, é importante a prevenção, de caráter econômico, na fase de planejamento e análise de possível financiamento, como forma de vedar estes tipos de atividades, diminuindo-se o imenso ônus de controlá-las após sua implementação.

A oportunidade de se avançar na agroecologia e na biodiversidade, com destaque ao uso sustentável de nossa flora[38], [39] deve ser prioridade. Mas para isso, a produção de mudas nativas[40] é fundamental. As espécies alimentícias nativas devem ter seu espaço, e aqui lembramos, pelo menos, 200 espécies de plantas frutíferas nativas do RS e outras centenas de hortaliças nativas e espontâneas que são negligenciadas – muitas destas tratadas como daninhas – na agricultura empresarial ou convencional, que deveria ser superada pela agroecologia. Destacaríamos a necessidade de incentivos a programas com erva-mate, araucária, juçara, entre outras espécies. Para isso, é necessário maior apoio, via políticas públicas diferenciadas aos guardiões da agrobiodiversidade, ou seja, a agricultura familiar e campesina. Mas, para atingir estas metas elementares, deve-se pensar em uma política justa, de limite à propriedade. O acúmulo de terras por só um proprietário ou grupo econômico representa desequilíbrio, ou melhor, é eminentemente antiecológico. A limitação de uso da Faixa de Fronteira e a vedação de venda de terra para grupos estrangeiros devem ser mantidas. Mas, para tudo isso, é importante garantir que não haja retrocessos também no Código Estadual de Meio Ambiente, denunciando-se também os políticos e grupos financiados por empresas para combater a emancipação de povos tradicionais[41] e causar retrocessos ambientais.

Quanto aos demais caminhos, para enfrentarmos, coletivamente, o quadro de crise ecológica e política, seguem sugestões de leituras, como a do documento Transição Ecológica Necessária[42], e outros materiais de pensadores, como Michael Lowy[43], Vandana Shiva[44], Serge Latouche[45], Jorge Riechmann[46], [47], Eddy Sánches[48], Óscar Carpintero[49], David Harvey[50], entre outros, que vêm buscando uma transição pós-capitalista, já que o sistema hegemônico atual é a principal causa da degradação ambiental e da desigualdade social.
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* Biólogo, professor do Dep. de Botânica, do Instituto de Biociências da UFRGS, membro da coordenação do InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais), representando a entidade no COMAM de Porto Alegre, CONSEMA-RS. Ex-Membro do CONAMA, juntamente com Adv. Marcelo Mosmann pelo pela Região Sul. Ex-membro da CTNBio, indicado pela sociedade (2006-2009). Fez parte da concepção e da organização de diferentes edições dos Fóruns Sobre Impacto das Hidrelétricas I[51],, II[52] e III[53] , I Encontro de Viveiros de Plantas Nativas do RS[54], I Seminário sobre Espécies Frutíferas do Rio Grande do Sul[55], SOS Biodiversidade: a Flora de Porto Alegre[56], e participação no Livro Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial Plantas para o Futuro – Região Sul[57].





[1] Carta do Encontro do FBOMS (20-05-2014).



[3] Mais informações sobre estes candidatos no Capítulo “Os grandes projetos de silvicultura e o choque de indigestão na área ambiental do estado do Rio Grande do Sul”, In Althen Teixeira Filho, 2008. – Eucalipitais – Que Rio Grande do Sul desejamos.  Disponível em: http://www.inga.org.br/wordpress/wp-content/uploads/eucalipitais.pdf.


[5] Ver “Carta Aberta da Apedema e do Mogdema sobre a Operação ‘Concutare’, em  http://apedemars.wordpress.com/2013/04/30/carta-aberta-da-apedema-e-do-mogdema-sobre-a-operacao-concutare/




[8] Cardinale et al. 2012 - Biodiversity loss and its impact on humanity. Disponível em: http://www.nature.com/nature/journal/v486/n7401/full/nature11148.html


[9] Na iminência de uma nova extinção?  - Dados indicam que a Sexta Extinção em Massa de espécies que habitam a Terra já começou. E o ser humano é o principal responsável por esse declínio, dizem pesquisadores. Ver em: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/07/na-iminencia-de-uma-nova-extincao




[12]Usina termelétrica de Candiota é questionada pelo Ministério Público e por ambientalistas.”. Diponível em:  http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-02-13/usina-termeletrica-de-candiota-e-questionada-pelo-ministerio-publico-e-por-ambientalistas



[15] Bioma Pampa: um Presente com que Futuro? Documento do Mogdema e Projeto de Extensão Construindo Consciência Crítica – UFRGS Disponível em: http://rsurgente.wordpress.com/2013/12/17/bioma-pampa-um-presente-com-que-futuro/





[19] Brack et al. (2011). As hidrelétricas do rio Uruguai e o confronto à legislação que protege a sociobiodiversidade brasileira – X Congresso de Ecologia do Brasil – Sociedade de Ecologia do Brasil. Disponível em:  http://www.seb-ecologia.org.br/xceb/palestrantes/79.pdf


[21] Artigo de opinião de P. Brack, publicado na Ecoagencia: “A energia elétrica e o horário de verão: economia ou subeconomia?” http://www.ecoagencia.com.br/?open=artigo&id===AUUF0dVtWOHNlRaNVTWJVU


[23]  IPCC- Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - http://www.ipcc.ch/

[24]  Ver artigo de Vandana Shiva, “Como o Crescimento Econômico virou anti-vida”em:  http://imediata.org/?p=4194

[25] Celulose Riograndense: redenção ou Síndrome de Detroit? - http://www.ecoagencia.com.br/?open=artigo&id===AUWZFdWxGZHNlRaNVTWJVU

[26] Entidades ambientalistas podem entrar na Justiça contra o troca-troca transgênico- Ecoagencia (2013) http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRlVONlUsRmdX1GeXJFbKVVVB1TP

[27] Zanoni e Ferment (2011) Transgênicos para quem? Disponível em: http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2011/06/Transgenicos_para_quem.pdf
















[43]  Caros Amigos: Michael Löwy critica Rio+20 e a propaganda da ‘economia verde’ - http://terradedireitos.org.br/2012/04/09/caros-amigos-michael-lowy-critica-rio20-e-a-propaganda-da-economia-verde/


[44]  Vandana Shiva, 2003. Monoculturas da Mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. Ed. Gaia - http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/estante/estante_431778.shtml

[45] Serge Latouche, o precursor da teoria do decrescimento, defende uma sociedade que produza menos e consuma menos - http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523299-serge-latouche-o-precursor-da-teoria-do-decrescimento-defende-uma-sociedade-que-produza-menos-e-consuma-menos


[46]  10 caracteres do Ecossocialismo, segundo Jorge Riechmann – http://outraesquerda.blogspot.com.br/2013/02/10-caracteres-do-ecossocialismo-segundo.html

[47]  Como pensar las transiciones pós-capitalistas? – Jorge Riechmann - https://www.youtube.com/watch?v=UMhPgMW-s9s

[48]  Eddy Sánchez: Ecosocialismo, programas de transición y democracia económica y ecológica https://www.youtube.com/watch?v=ZaG1GibXeW4


[49] Óscar Carpintero: Estrategias de política económico-ecológica para avanzar en la transición https://www.youtube.com/watch?v=GM5Gwu3O6Lk










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