domingo, 22 de março de 2015

O Dia da Água e a Vegetação: o que temos a ver com isso?


O dia da Água, 22 de março, no Brasil, talvez nunca tenha tido tanto significado como tem agora, depois das secas históricas na Região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo. E, mais uma vez, cresce o alerta, que não é de hoje, relacionando o aumento das secas (mais intensas e prolongadas) com a destruição paulatina da vegetação natural, sejam florestas, banhados ou mesmo campos.

As florestas têm importância na formação de chuvas?
O papel da vegetação florestal nativa têm ganho destaque. O pesquisador Antônio Nobre, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), defende a tese dos chamados “Rios Voadores”. Ou seja, gigantescas quantidades de água da atmosfera da Região Amazônica (via nuvens) - inclusive maiores do que o volume de águas dos próprios rios amazônicos - escoam para o sul e sudeste do País, por uma “calha atmosférica”, de noroeste para sul e sudeste. 

Estes Rios Voadores percorrem o Cerrado, o Chaco, a Mata Atlânica e contribuem com pelo menos 30% das chuvas que caem aqui no RS, de acordo com o ecólogo Philip Fearnside do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Melhor dizendo, as chuvas frequentes e intensas que caem no norte do Brasil, primariamente, são originadas no norte do Oceano Atlântico, e depois vão dar origem ao ciclo da água, aquele que estudamos na Escola, gerando evapo-transpiração nas florestas da Amazônia, que vão alimentar parte das chuvas em várias regiões, entre elas a Região Sul e Sudeste. Resumindo, por mais que saibamos que o Oceano Atlântico regule e seja a fonte de origem da maior parte das chuvas aqui no Sul, as massas de ar continentais tem íntima relação com as florestas e demais vegetações. 

Só as florestas são importantes para a água?
Além das florestas, os banhados, os campos e outros tipos de vegetação natural  têm imensa relação com a infiltração e o armazenamento de água do subsolo, lenções freáticos e das nascentes, mantêm o microclima mais úmido, ou menos seco, nos verões. Sem vegetação natural, teremos menos fonte de água, menos recarga dos aquíferos e podemos sofrer mais as consequências dos períodos de estiagem, cada vez mais comuns, inclusive com as mudanças climáticas que têm origem nas atividades humanas. A ausência de vegetação natural, e mesmo as grandes monoculturas, diminuem a infiltração da água no solo, deixam a atmosfera local mais seca e impedem o “efeito-esponja” de banhados e campos úmidos na alimentação da água das cabeceiras dos rios e reservatórios.  As agroflorestas e os sistemas agroecológicos também têm importante função na infiltração da água da chuva e, com sua massa vegetal e seu manto de folhas que caem das copas de árvores até o solo, mantêm mais umidade relativa do ar, em épocas secas, e mais umidade no solo. A conversão de sistemas ecológicos diversos em monoculturas elimina o manto de folhas que guarda umidade no solo e deixa o ar mais seco e sujeito a pioras dos efeitos de estiagens de verão. É importante lembrar que cada vez mais as cidades da região Centro-Oeste do Brasil, onde existiam cerrados e se perdeu  vegetação natural  para as culturas de soja ou pastagens artificiais, a atmosfera fica cada vez mais sujeita a índices baixíssimos de umidade relativa do ar, abaixo de 30 ou 20%, causando problemas à saúde da população. 
Os administradores públicos estão preocupados com a relação entre vegetação e água?
Infelizmente, a Ciência avança, mas não consegue contribuir para a realidade das políticas públicas no Brasil. Já no século XIX,  José Bonifácio, conhecido como o "Patriarca da Independência"  percebeu a relação entre vegetação e água. Convenceu D. Pedro II a  implementar um plano de reflorestamento do Morro da Tijuca, no Rio de Janeiro, para proteger as nascentes e garantir o fornecimento de água à população do Rio de Janeiro. Mas, no Brasil, parece que neste século XXI ainda não aprendemos isso. Em 2012, a bancada ruralista conseguiu implementar um novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) - considerado muito mais um código do agronegócio - diminuindo a proteção das florestas e demais formas de vegetação, em especial das Áreas de Preservação Permanente (APPs) (nascentes, topos de morro, matas ciliares, encostas íngremes), favorecendo as monoculturas  voltadas à exportação de grãos e anistiando desmatadores. A vegetação natural e biodiversa de Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e demais biomas brasileiros segue perdendo espaço para um modelo imediatista que desconstrói a sustentabilidade baseada na agrobiodiversidade e no papel estratégico da vegetação que alimenta à água e a melhor qualidade de vida para os brasileiros. 

A própria ONU, em um relatório desta semana, alertou para a possibilidade de que 40% das reservas hídricas do mundo desapareçam até 2030. E culpa, inclusive, a destruição dos rios também pelas  grandes represas hidrelétricas pelo que chama de “estresse ambiental”, processo de alteração que acaba gerando perda de qualidade e quantidade das águas. 

Quem sabe, o papel pedagógico destas recentes secas na região Sudeste, e que também se refletem em outonos cada vez mais secos no RS e Sul do Brasil, possa ser o sinal de alerta para a reversão deste processo? Por que não recompormos as nascentes e matas ciliares? Por que não plantarmos mais árvores nativas que dão mais sombra, frescor e alimentos? Por que não apelarmos para a responsabilização dos parlamentares e governantes que são omissos ou cúmplices em não aceitar a Ciência que demonstra que sem vegetação e sem diversidade ficaremos sem  nossos recursos mais vitais que são a água e a diversidade da natureza

Ingá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, Feira Agroecológica, Grupo Viveiros Comunitários (GVC), Associação Agroecológica

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