O dia da Água, 22 de março, no Brasil, talvez nunca tenha tido tanto significado como tem agora, depois das secas históricas na Região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo. E, mais uma vez, cresce o alerta, que não é de hoje, relacionando o aumento das secas (mais intensas e prolongadas) com a destruição paulatina da vegetação natural, sejam florestas, banhados ou mesmo campos.
As
florestas têm importância na formação de chuvas?
O papel da vegetação
florestal nativa têm ganho destaque. O pesquisador Antônio Nobre, do INPE
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), defende a tese dos chamados “Rios Voadores”. Ou seja, gigantescas
quantidades de água da atmosfera da Região Amazônica (via nuvens) - inclusive
maiores do que o volume de águas dos próprios rios amazônicos - escoam para o
sul e sudeste do País, por uma “calha atmosférica”, de noroeste para sul e sudeste.
Estes Rios Voadores percorrem o Cerrado, o Chaco, a Mata Atlânica e contribuem
com pelo menos 30% das chuvas que caem aqui no RS, de acordo com o ecólogo
Philip Fearnside do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Melhor
dizendo, as chuvas frequentes e intensas que caem no norte do Brasil,
primariamente, são originadas no norte do Oceano Atlântico, e depois vão dar
origem ao ciclo da água, aquele que estudamos na Escola, gerando evapo-transpiração
nas florestas da Amazônia, que vão alimentar parte das chuvas em várias
regiões, entre elas a Região Sul e Sudeste. Resumindo, por mais que saibamos
que o Oceano Atlântico regule e seja a fonte de origem da maior parte das
chuvas aqui no Sul, as massas de ar continentais tem íntima relação com as
florestas e demais vegetações.
Só as
florestas são importantes para a água?
Além das florestas, os banhados,
os campos e outros tipos de vegetação natural têm imensa relação com a infiltração e o
armazenamento de água do subsolo, lenções freáticos e das nascentes, mantêm o
microclima mais úmido, ou menos seco, nos verões. Sem vegetação natural,
teremos menos fonte de água, menos recarga dos aquíferos e podemos sofrer mais
as consequências dos períodos de estiagem, cada vez mais comuns, inclusive com
as mudanças climáticas que têm origem nas atividades humanas. A ausência de
vegetação natural, e mesmo as grandes monoculturas, diminuem a infiltração da
água no solo, deixam a atmosfera local mais seca e impedem o “efeito-esponja”
de banhados e campos úmidos na alimentação da água das cabeceiras dos rios e
reservatórios. As agroflorestas e os
sistemas agroecológicos também têm importante função na infiltração da água da
chuva e, com sua massa vegetal e seu manto de folhas que caem das copas de
árvores até o solo, mantêm mais umidade relativa do ar, em épocas secas, e mais
umidade no solo. A conversão de sistemas ecológicos diversos em monoculturas
elimina o manto de folhas que guarda umidade no solo e deixa o ar mais seco e
sujeito a pioras dos efeitos de estiagens de verão. É importante lembrar que
cada vez mais as cidades da região Centro-Oeste do Brasil, onde existiam
cerrados e se perdeu vegetação
natural para as culturas de soja ou
pastagens artificiais, a atmosfera fica cada vez mais sujeita a índices
baixíssimos de umidade relativa do ar, abaixo de 30 ou 20%, causando problemas
à saúde da população.
Os
administradores públicos estão preocupados com a relação entre vegetação e
água?
Infelizmente, a Ciência
avança, mas não consegue contribuir para a realidade das políticas públicas no
Brasil. Já no século XIX, José
Bonifácio, conhecido como o "Patriarca da Independência" percebeu a relação entre vegetação e água.
Convenceu D. Pedro II a implementar um
plano de reflorestamento do Morro da Tijuca, no Rio de Janeiro, para proteger
as nascentes e garantir o fornecimento de água à população do Rio de Janeiro.
Mas, no Brasil, parece que neste século XXI ainda não aprendemos isso. Em 2012,
a bancada ruralista conseguiu implementar um novo Código Florestal (Lei 12.651/2012)
- considerado muito mais um código do agronegócio - diminuindo a proteção das
florestas e demais formas de vegetação, em especial das Áreas de Preservação
Permanente (APPs) (nascentes, topos de morro, matas ciliares, encostas
íngremes), favorecendo as monoculturas voltadas à exportação de grãos e anistiando
desmatadores. A vegetação natural e biodiversa de Amazônia, Cerrado, Mata
Atlântica, Pampa e demais biomas brasileiros segue perdendo espaço para um
modelo imediatista que desconstrói a sustentabilidade baseada na
agrobiodiversidade e no papel estratégico da vegetação que alimenta à água e a
melhor qualidade de vida para os brasileiros.
A própria ONU, em um
relatório desta semana, alertou para a possibilidade de que 40% das reservas
hídricas do mundo desapareçam até 2030. E culpa, inclusive, a destruição dos
rios também pelas grandes represas
hidrelétricas pelo que chama de “estresse ambiental”, processo de alteração que
acaba gerando perda de qualidade e quantidade das águas.
Quem sabe, o papel
pedagógico destas recentes secas na região Sudeste, e que também se refletem em
outonos cada vez mais secos no RS e Sul do Brasil, possa ser o sinal de alerta
para a reversão deste processo? Por que não recompormos as nascentes e matas
ciliares? Por que não plantarmos mais árvores nativas que dão mais sombra,
frescor e alimentos? Por que não apelarmos para a responsabilização dos
parlamentares e governantes que são omissos ou cúmplices em não aceitar a
Ciência que demonstra que sem vegetação e sem diversidade ficaremos sem nossos recursos mais vitais que são a água e a diversidade da natureza?
Ingá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, Feira
Agroecológica, Grupo Viveiros Comunitários (GVC), Associação Agroecológica
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