Hoje se
comemora no mundo o Dia da Biodiversidade. Pouca gente sabe ou se lembra. Os
governos muito menos. Só se fala - principalmente no Brasil - na “crise
econômica” e na “retomada do crescimento”, como se o crescimento infinito fosse
possível em um planeta finito, e como se estas crises cíclicas não fossem
previsíveis, já que são inerentes ao próprio sistema econômico. Um sistema
hegemônico imediatista que vem paulatinamente destruindo as bases de
sustentação da vida na Terra, como bem sentencia a ecofeminista Yayo Herrero: “A obsessão pelo crescimento econômico e a
acumulação tem declarado guerra contra os corpos e os territórios”. Uma verdadeira economia de guerra contra o
futuro, para engordar o patrimônio de alguns poucos.
No Brasil, podemos trazer como eixos temáticos da biodiversidade tanto a
situação legal como o estado de conservação de nossos biomas. Segundo o IBGE,
portanto oficialmente, temos seis biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata
Atlântica, Pantanal e Pampa. Porém o parágrafo 4 do Art. 225 da Constituição
Federal de 1988 considerou como patrimônio nacional, pelo menos teoricamente,
três deles: Amazônia, Mata Atlântica (agregando a Zona Costeira e a Serra do
Mar) e Pantanal.
A condição de patrimônio nacional, no Brasil, não garante, mas ajuda.
Entretanto, de forma injustificável, faltou considerar, no mesmo plano de
importância, a Caatinga, o Cerrado e o Pampa. Para sanar esta dívida ambiental,
existem Projetos de Emenda Constitucional (PEC), desde uma ou duas décadas para
cá, para transformar os demais biomas também em patrimônio da Nação. A PEC 115/1995 do Cerrado e da Caatinga tem 20 anos de tramitação no Congresso Nacional. No que toca ao Pampa,
temos a PEC 237/2008, também
esquecida nas gavetas da Câmara. Enquanto isso, a soja (quimicodependente)
avança sobre o que resta de nossos biomas, do Pampa até a Amazônia, com
financiamentos governamentais.
Estas PEC pretendem
corrigir a omissão quanto ao reconhecimento da importância dos demais biomas
brasileiros. Com o status devido, de patrimônio nacional, é mais fácil
construir políticas públicas mais consistentes, demonstrando, inclusive
externamente, que o nosso país valoriza a sua riqueza natural, considerada
única no mundo. E cabe lembrar que as culturas das populações que dependem e fazem
uso tanto da flora como da fauna, de forma sustentável e em pequena escala,
estão mais associados à biodiversidade. Ou seja, seres humanos, culturas e a
biodiversidade são indissociáveis.
No que toca ao Pampa, o menor de todos e, no Brasil, exclusivo do Rio
Grande do Sul, em 3 de agosto de 2011 houve uma notícia alvissareira, veiculada por um deputado
federal do Rio Grande do Sul, que dava conta de que haveria uma ofensiva do
Ministério de Meio Ambiente junto à Câmara dos Deputados para acelerar a
análise e a aprovação tanto da PEC do bioma Pampa como das demais destinadas a
proteger a Caatinga e o Cerrado. Passados quase quatro anos, praticamente nada mais foi dito sobre o assunto.
Esta demora não é de
agora. É
importante notar que a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006) levou
14 anos para ser aprovada, mesmo diante da perda crescente dos seus
remanescentes (90% perdidos). Da mesma forma, a Lei 13.123/2015, que trata basicamente do acesso e
repartição de benefícios dos recursos da biodiversidade, foi sancionada somente
esta semana, depois de 15 anos da MP 2.186/16,
de 2000, e ainda por cima sem a consulta devida aos povos indígenas e comunidades
tradicionais.
No que se refere à Política Nacional de
Biodiversidade, há quase 13 anos, o Decreto 4.339/2002 não
avançou para o status de Lei, carecendo de conclusão e implementação.
Poderíamos falar também da Portaria do MMA n. 09 de 23/01/2007, que
cria as Áreas Prioritárias para a Conservação e Uso Sustentável da
Biodiversidade, atropelada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (70% das
hidrelétricas previstas estão nestas áreas), pelo agronegócio da exportação de
commodities (império da soja e da pecuária na Amazônia), entre outros. Poucos
anos após o lançamento desta portaria, quem entrasse no MMA poderia encontrar o
Mapa oficial das áreas prioritárias, anteriormente usado em eventos como banner
em lona resistente, servindo como forração (reciclada) em assentos da
biblioteca, perdendo sua nobre serventia. Estamos literalmente sentados em cima
da biodiversidade negligenciada, sem saber dela e de sua importância.
Passaram-se 8 anos, e qual o papel do
Ministério de Meio Ambiente na defesa das áreas prioritárias da biodiversidade?
Seguirá sendo subjugado por pastas da Agricultura e do Ministério de Minas e
Energia, onde transitam ministros declaradamente contra o meio ambiente?
Surpreendentemente, em 2014, nem tudo estava
perdido em biodiversidade. No final do ano passado o executivo acabou
publicando, depois de muita demora, as listas oficiais da flora e fauna ameaçadas
(Portarias MMA 443, 444 e 445, de 17 de dezembro de 2014). Êxito relativo. A
portaria dos peixes (445), no que se refere aos marinhos, já foi detonada em
2015, pelo setor pesado da indústria de pesca, com apoio do Ministério da
Pesca. O governo do Rio Grande do Sul, via a pauta atual de desconstrução,
típica da contadora e secretária de meio ambiente, Ana Pellini, fez o papel de
vanguarda em se contrapor juridicamente à portaria dos peixes ameaçados de
extinção na zona marinha. E, de quebra, para ilustrar também que a conservação
atrapalha, a secretária de meio ambiente do RS demitiu no mês passado, sem
justificativa, o gerente do Parque Estadual do Turvo (Derrubadas, RS), biólogo
com mestrado, que lutava bravamente junto ao Conselho Gestor da UC para que a
biodiversidade do parque não fosse afetada pela hidrelétricabinacional de
Panambi (Complexo Hidrelétrico Garabi-Panambi).
Como se vê, os instrumentos ou propostas que
dão algum status de proteção aos nossos biomas e ecossistemas, decorrentes de
lutas de grupos abnegados em prol da natureza, acabam morrendo tanto nos órgãos
de governo como no Congresso. Ou esquecidos ou sufocados. As bancadas
financiadas pelo agronegócio e pela indústria pesada de construção
(empreiteiras) devem saber muito bem os motivos destas demoras. E tentam dar curso
máximo à flexibilização no que toca aos instrumentos de proteção ambiental,
para dar “competitividade” ao país. A derrubada do Código Florestal (Lei
4771/1065), substituído pela Lei 12651/2012 (Código da “Flexibilização”), foi o
grande lance para dar maior “crescimento” à economia. E seguem o código da
Mineração, a PEC 215, entre outras. Infraestrutura de vida ou de morte? A
megainfraestrutura de exportação que ganha cada vez mais tecnototalitarismo
governo-empresarial é a grande arma contra a biodiversidade. Mas, para seguir a
lógica colonial (Brasil exportador de commodities) nossos políticos são muito
bem pagos. E as empresas que investem em tecnociência reducionista financiam
pesquisas para a sobrevida do modelo competitivo alheio à natureza que está,
pelo menos moralmente, falido.
E se destruírem com as nascentes, as matas
ciliares, os principais mananciais, incluindo os lençóis freáticos (agora, via
faturamento hidráulico, ou fracking, na busca de combustíveis não
convencionais), nas leis de mercado, a demanda de água vai crescer! E a oferta
vai diminuir! Nenhuma novidade para a lucratividade crescente de empresas como
a SABESP que tem ações na Bolsa de Chicago. E o que a proteção dos biomas tem a
ver com isso? O Cerrado é chamado de “Caixa d’Água do Brasil”, pois as bacias
hidrográficas de grande parte do nosso território nascem por lá. Mas o Cerrado
sem vegetação e sem as chuvas da Amazônia pode secar. O Pampa já está secando,
no outono, por falta de chuvas provenientes dos Rios Voadores, que escoam da Amazônia para o Sul
e o Sudeste.
Enfim, a situação de descaso com nossa
biodiversidade não tem mais palavras que possam ilustrar. Gostaríamos de ter
dado notícias boas neste dia 22 de maio, mas, na linha do que disse Yayo
Herrero, estamos em meio a uma guerra contra a natureza e contra os povos e a
todos aqueles que não querem se submeter à logica neoliberal dos mercados
globais e competitivos.
Seguiremos resistindo e nos auto afirmando, celebrando a natureza como nossa mãe e nossa arma. Pesquisas socioambientais engajadas, Agroecologia, ações de denúncia inclusive na justiça, mobilizações, articulações, leituras, estudos e ecoativismo. Neste quadro, não temos outra solução que seguir lutando. A inação é a pior solução. Em busca do nexo coletivo e com a biodiversidade.
Seguiremos resistindo e nos auto afirmando, celebrando a natureza como nossa mãe e nossa arma. Pesquisas socioambientais engajadas, Agroecologia, ações de denúncia inclusive na justiça, mobilizações, articulações, leituras, estudos e ecoativismo. Neste quadro, não temos outra solução que seguir lutando. A inação é a pior solução. Em busca do nexo coletivo e com a biodiversidade.
Paulo Brack (22 de maio de 2015)
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