Of. Apedema
N. 01/2017
Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2017
À Sra. Ana
Pellini, Secretária de Estado de Ambiente e Sustentabilidade do Rio Grande do
Sul
À Sra. Dra.
Patrícia Nuñez Weber – Procuradora Chefe da Procuradoria Geral da República (4ª
Região) no Rio Grande do Sul
Ao Sr.
Daniel Martini, Coordenador do Centro Operacional de Apoio do Meio Ambiente –
CAOMA – Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul
Prezados(as)
Senhores(as):
A
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do
Sul, que reúne as entidades ambientalistas do Estado, e outras entidades que
subscrevem este documento vêm solicitar
esclarecimentos em relação à possível retirada e transferência do Biól. Paulo
Carlos Grübler, gestor do Parque Estadual de Itapeva, (PEVA), Unidade de
Conservação da Natureza de Proteção Integral (criada pelo Decreto Estadual n°
42.009 de 12 de dezembro de 2002), localizada no munícipio de Torres – RS. O
Biólogo Paulo é um Técnico Ambiental, funcionário público da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (DUC/DBIO/SEMA-RS) que
desempenha papel profissional destacado em prol desta UC, no RS. Esta decisão,
se confirmada, será um enorme dano à excelente gestão exercida no PEVA e também
abre espaço para outras intervenções políticas e econômicas nesta e nas demais
Unidade de Conservação do Estado.
Também
aproveitamos para expor nosso questionamento quanto ao fato de que estas
recorrentes atitudes autoritárias e pouco recomendáveis de remoções e
transferências de técnicos por parte da administração do atual órgão ambiental
do Rio Grande do Sul não sejam, na realidade, retaliações políticas a quem exerce
seu cargo técnico em prol das UCs, e contrapõem-se a interesses econômicos e
políticos imediatistas, como será exposto a seguir. Causa estranheza que tanto o
Departamento de Biodiversidade (DBIO) como a Divisão de Unidades de Conservação
(DUC) não expuseram motivos para esta decisão de remoção do técnico comunicada
verbalmente por meio de uma reunião (sem oficialização em documentos), na qual
houve a convocação do gestor Paulo Grübler, no cargo exercido desde o ano de
2009, no dia 24 de fevereiro de 2017.
Tal
reunião teria sido marcada (por telefone) em regime de urgência, realizada no
dia 24 de fevereiro de 2017, na sede da referida secretaria em Porto Alegre. O
fato deixa a comunidade gaúcha em estado de atenção quanto ao futuro do Parque
Estadual de Itapeva.
A
Diretora Técnica do Departamento de Biodiversidade (DBIO), Liana Barbizan
Tissiani, por diversas vezes, evitou explicitar a justificativa pela eventual
decisão e, mesmo sendo solicitada a responder a este fato ao técnico, reconheceu
a qualidade técnica do trabalho do funcionário, mas evitou qualquer explicação,
o que deixa margem para mais um fato que reforça à tendência de decisões
políticas contra o serviço público que afetam negativamente a gestão das UCs do
RS.
O
Biólogo Paulo C. Grübler, na condição de funcionário amparado pelo Estatuto dos
Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Complementar N°
10.098 de 03 de fevereiro de 1994), reivindicou seus direitos legais garantidos
com a necessária formalização de um pedido por escrito que explicitasse a
alegada decisão verbalmente manifesta pela diretora do DBio. O funcionário manifestou contrariedade em sua
transferência por comprometer o andamento de inúmeras atividades essenciais
realizadas, bem como por razões familiares e domiciliares.
A
transferência do atual gestor do Parque Estadual de Itapeva, se concretizada,
compromete a continuidade das seguintes atividades essenciais à proteção desta
área pública protegida, principalmente em relação a:
1)
Revisão
do atual Plano de Manejo do PEVA
(portaria SEMA n°55/2007), a partir de Processo Administrativo (SEMA n°
004353-05.00/13-6), já iniciado em 2016 com previsão de conclusão no ano
corrente em conformidade com o prazo legal e que se encontra em estágio
avançado de elaboração (4ª etapa – Zoneamento), cabendo ressaltar que o atual
gestor é membro do grupo de coordenação e avaliação do plano, cargo que requer
amplos conhecimentos tanto da UC quanto de sua Zona de Amortecimento, o que
dificilmente seria sanado por outra pessoa;
2)
Elaboração
do Plano de Uso Público do PEVA,
também iniciado em 2016 com a participação do Ministério Público Estadual que
destinou recurso oriundo de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC – IC
00914.00007/15-2PJT) cujo Parque consta como beneficiário no processo, onde o
Instituto Curicaca (organização ambientalista não-governamental) foi contratado
para serviços referentes ao TAC, sendo o atual gestor membro do grupo técnico
de avaliação do cumprimento do mesmo;
3)
Regramento do uso da faixa de praia concernente à Zona de
Amortecimento do Parque, impedindo o acesso de veículos automotores na Praia de
Fora conforme a Ação Civil Pública (N.5001438-76.2015.4.04.7121/RS) ajuizada
pelo Ministério Público Federal em conformidade com a Licença da FEPAM –
Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler, situação que
deu resultados positivos inéditos à biodiversidade e à comunidade que é
parceira desta UC, porém trouxe resistências políticas injustificadas por parte
da prefeitura, legislativo e setores econômicos locais desconhecedores da
legislação referente às Unidades de Conservação ;
4)
Processo
avançado de georreferenciamento e
regularização fundiária, como demanda histórica da Unidade de Conservação,
atividade complexa e prioritária no atual contexto e que requer conhecimento
específico de cada propriedade e casos de sobreposição de matrículas, superando
situação de incerteza desde a década de 1970, quando do primeiro decreto de
criação desta UC;
5)
Ações
de educação ambiental inéditas desenvolvidas por meio de trilhas
interpretativas abertas à população, com apoio de ONGs, associações, monitores voluntários
da comunidade, atividade realizada em sua gestão em concordância com as
diretrizes do Plano de Manejo elaborado em 2007.
O empenho do gestor no trabalho de regularização do PEVA é amplamente
reconhecido pela comunidade de Torres preocupada com o meio ambiente e também por
parte de entidades ecologistas do Estado do Rio Grande do Sul. Entretanto seu empenho parece ter desagradado alguns setores
da política e da economia do município, especialmente aqueles ligados à
especulação imobiliária e à construção civil indiscriminada que avança sobre o
Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Port. MMA n. 9, de
23/01/2007) do Litoral Norte, curiosamente setores estes denominados por alguns
como “pilares da economia na região”
(Jornal A Folha de Torres,
13/01/2017, p. 9).
A
notícia da retirada e transferência do Biólogo Paulo Grübler da gestão do PEVA coincide
com seu empenho em cumprir a ordem judicial de regramento do acesso de veículos
automotores em um trecho de 3,5 Km da Praia de Fora, Zona de Amortecimento desta
Unidade de Conservação por meio de Ação Civil Pública (N.5001438-76.2015.4.04.7121/RS),
ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o município de Torres.
Esse processo foi objeto de agravo por parte do prefeito Carlos Souza que se
manifestou publicamente contra a decisão (Jornal A Folha de Torres , 6/01/2017, p.9 e em 13/01/2017, p. 4), recurso este
que lhe foi negado pelo juiz que analisou a causa, com base no argumento de que
sem um uso adequado (o que vinha acontecendo) não há como garantir a
inexistência de danos ambientais à fauna da região (algumas das quais ameaçadas
de extinção listadas pelo Decreto Estadual 51.797/2014) e à flora ameaçada (Decreto
Est. 52.109/2014).
A faixa de praia foi fechada por
ordem judicial no dia 16 de janeiro do ano corrente. Imediatamente, alguns
vereadores iniciaram um abaixo assinado contra a determinação do MPF, bem como
desencadearam uma campanha atribuindo o
fechamento à presença do diretor Paulo C. Grübler. O vereador Deomar Goulart (PDT) chegou a formalizar pedido de
transferência do funcionário junto à SEMA, taxando-o de “perseguidor de Torres” (Jornal A Folha de Torres, 20/01/2017, p. 9). O vereador Ernando Elias da
Silveira (Rede) declarou em plenária da Câmara: “Ainda bem que o prefeito vai
trabalhar para derrubar o decreto de Lei que criou o Parque, pois se não
agirmos, Torres irá sumir por conta desta área de amortecimento do PEVA que
pode proibir tudo na cidade” (idem, grifo nosso).
Fica difícil interpretar de que se
trata de coincidência a tentativa de
retirada e transferência do técnico gestor do PEVA, mas tal fato fortalece
a tese do incremento das tentativas de
intervenção política desses setores empresariais e políticos que,
reiteradamente, fazem oposição às conquistas e avanços na proteção da Unidade
de Conservação. Estes mesmos setores não escondem seus interesses, em
manifestações públicas a favor da retirada
do status de UC estadual, alegando interesse na “municipalização” do parque
(Jornal A Folha de Torres,
25/09/2015, p.4 e edição de 25/09/2015, matéria de capa), com lobby evidente
pró-construção de uma autoestrada em
Área de Preservação Permanente (APP) no interior do Parque (alegando ser a continuação
da Av. Interpraias).
Pelo menos desde o ano de 2015,
alguns vereadores, alinhados aos interesses econômicos, desconsiderando as
muitas dezenas de espécies ameaçadas protegidas nesta UC, têm manifestado
também interesse no rebaixamento da
categoria da UC de proteção integral para de uso sustentável, no caso uma
Área de Proteção Ambiental (APA), categoria profundamente mais branda de
Unidade de Conservação, situação que foi objeto de contestações legais da parte
do atual gestor que denunciou a “pregação
pela desconstituição da Unidade de Conservação por determinados setores sociais”
(Jornal A Folha de Torres,
25/09/2015, p. 4).
Vimos, portanto, apelar para a
SEMA-RS e para a Justiça no sentido de se estancar
a infeliz e recorrente ingerência política da administração do órgão ambiental
do Estado na área técnica, interrompendo a prática rotineira de troca de
cargos, transferências e deslocamentos dos gestores e do corpo técnico da Secretaria,
a exemplo das recentes mudanças efetuadas na Aérea de Proteção Ambiental (APA)
do Banhado Grande, no Parque Estadual do Delta de Jacuí, no Parque Estadual do
Turvo (demissão sumária do gestor em 2015, por estar de acordo com a proteção
do Parque frente ao risco da hidrelétrica de Panambi), entre outros.
Os
gestores técnicos são frequentemente realocados por interesses evidentemente
políticos e econômicos, sem nenhuma justificativa técnica que ampare tais
decisões. Isso tem
que ser interrompido, pois deixa margem ao assédio moral e político a quem
tenta desempenhar seu ofício em defesa do interesse público, nas funções de
Estado, e não a interesses meramente de governos, passageiros e pouco sensíveis
às causas do meio ambiente. Em geral, os
técnicos gestores de UCs após permanecem cerca de 1 a 2 anos no cargo, são
obrigados a se transferir, o que traz uma série de problemas de solução de
continuidade nos serviços essenciais.
Essa prática política tem
fragilizado a continuidade das políticas públicas e de gestão ambiental das
UC’s. Neste caso, o Biólogo Paulo C. Grübler é o gestor mais longevo à frente
de uma Unidade de Conservação Estadual, permanecendo desde 2009 à frente do
PEVA (7 anos no cargo de gestor). O atual gestor é reconhecido e admirado por visitantes,
estudantes, particulares, moradores locais e conservacionistas pela qualidade
de seu trabalho. Seu trabalho inédito e seu empenho público contínuo foram
determinantes para os avanços na regularização do Parque bem como na qualidade
da relação com a comunidade do entorno do PEVA.
Considerando as ameaças recentes a
sua atuação, que contraria interesses econômicos e políticos locais, várias
entidades manifestaram-se em ofício intitulado CARTA DE APOIO AO PARQUE
ESTADUAL ITAPEVA encaminhado aos(as) senhores(as) por meio do of. 01/2017, bem
como os manifestos de apoio a gestão do parque redigidos por uma série de
entidades, quais sejam: a) carta da Sociedade
Amigos do Balneário Itapeva Norte (2016); b)
CARTA DE ITAPEVA elaborada pelos Estudantes de Ciências Biológicas da
Universidade Federal do Rio Grande Do Sul (2016); c) carta elaborada pelo Coletivo Dimensão Ecológica (2016); d) carta da Organização
Não-Governamental Onda Verde (2016); e) ofício N°28/2016 da COMPHAC –
Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico de
Torres; f) ofício 019/2016 da AST – Associação
dos Surfistas de Torres; g) ofício
28/2016 do COMMAM – CONSELHO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE TORRES (documentos
em anexo). Citamos ainda as diversas manifestações de particulares em jornais
locais e mídias sociais em apoio ao trabalho do gestor Paulo Grübler.
Diante do exposto, repudiamos as
recorrentes pressões políticas exercidas para seu afastamento, apelando para o
bom senso da DUC/DEBIO, SEMA, e acompanhamento do MPF, MPE e CRBio solicitando
os seguintes esclarecimentos:
1)
Justificativa
técnica em relação à remoção de cargo de gestor do Parque Estadual de Itapeva, do
Técnico Ambiental, Biól. Paulo C. Grübler, situação que favorece o interesse
político e econômico de fragilização do PEVA;
2)
Qual
o destino que resultará da revisão do Plano de Manejo e da elaboração do Plano
de Uso Público do PEVA, ambos em andamento e coordenados pelo atual técnico gestor
e que não deveriam ter prejuízos em sua implementação?
3)
Que destino será dado às dezenas de processos
de regularização fundiária em andamento, sob a coordenação do Biólogo Paulo C.
Grübler?
4)
Qual
o destino previsto e justificativa quanto a possibilidade de remoção e
transferência do atual gestor do PEVA por parte da SEMA e que tipo de exemplo
será dado aos demais gestores de UCs quando da tomada de medidas fortes em
defesa das Unidades de Conservação ?
Ressaltamos nossa preocupação
quanto à continuidade das políticas de gestão desenvolvidas no PEVA, Unidade de
Conservação localizada em Área Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
da UNESCO e, portanto, prioritárias para a conservação mundial da
biodiversidade, repudiando os interesses político-econômicos que
recorrentemente fragilizam a gestão das Unidades de Conservação do RS.
Por
Itapeva, pela Mata Atlântica, pela Gestão Pública Técnica de Qualidade, em nome
de nossos filhos, pelo fim das ingerências político-econômicas em nossas
Unidades de Conservação, nos posicionamos por meio deste documento.
Atenciosamente
Coordenação da Apedema
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