Paulo Brack (22/05/2019)
Neste dia 22 de maio, Dia
da Internacional da Biodiversidade, cabe lembrar o papel de destaque do Brasil,
o país campeão em diversidade de espécies e de ecossistemas, na construção da
Convenção da Diversidade Biológica (CDB), durante a Rio 92, quando nosso país sediou
a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Por
outro lado, também é fundamental que seja salientada a dura realidade atual: estamos
testemunhando a Sexta Extinção em Massa, com mais de 1 milhão de espécies
ameaçadas no mundo, segundo relatório recente de centenas de cientistas do
Painel Intergovernamental em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES),
ligado à ONU. Por outro lado, metade da superfície das terras e 2/3 dos oceanos
já estão em processo de degradação ambiental, sendo que cerca de 33% dos corais
estão desaparecendo pela acidificação dos oceanos, ligada aos gases de efeito
estufa.
No Brasil, já temos 2.113 espécies
vegetais e 1.173 espécies da fauna ameaçadas oficialmente. No Rio Grande do Sul, segundo estudos coordenados pela
Fundação Zoobotânica e por universidades e centros de pesquisa estaduais e
nacionais, são 804 espécies da flora e 280 da fauna declaradas oficialmente como
ameaçadas, e com números que tendem a aumentar, como mostram os estudos mais
atuais de monitoramento sobre a situação de nossos biomas. A Fundação
Zoobotânica do RS sempre coordenou estes estudos que deveriam ter sido
atualizados em 2018, porém é alvo de ver a sua própria extinção levada a cabo
pelo Estado.
Voltando ao cenário
mundial, da mesma forma que a biodiversidade, verificamos que os relatórios do
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) são profundamente
preocupantes quanto ao agravamento das Mudanças Climáticas. Existe uma previsão
provável que em 2019 tenhamos as temperaturas médias mais elevadas da história
humana. Além disso, constata-se o crescimento da frequência e da intensidade de
eventos climáticos extremos, como aumento das chuvas torrenciais, furacões e
secas mais prolongadas, entre outras situações que já afetam dezenas ou
centenas de milhões de pessoas, ecossistemas e outros seres vivos. Segundo o IPCC, isso está
associado a um aumento acelerado das emissões de gases do efeito estufa, e
alerta: agir agora será mais barato e eficiente do que postergar.
Vivemos à beira do
abismo, imersos nos cenários da maior crise da Biodiversidade, com a Sexta
Extinção em Massa, das Mudanças Climáticas e da degradação de meio ambiente. Entretanto, é evidente a
ausência de políticas públicas em nível mundial, nacional ou estadual que estejam
voltadas a enfrentar estes problemas e que possam redirecionar a economia para
patamares mínimos de sustentabilidade ecológica e econômica para todos. Os
relatórios da própria ONU apontam que não serão atingidas, até o ano e vem,
mais de 80% das 20 Metas da Biodiversidade 2020, que foram estabelecidas por 168
países signatários da CDB. E a economia ignora esta realidade, para não travar
os negócios convencionais, imediatistas e competitivos, que vêm trazendo
insegurança ambiental para a humanidade. O Panorama Global da Biodiversidade da
CDB, de 2015, já vinha apontando para uma nova frustração no cumprimento desses
objetivos, também chamados de Metas de Aichi, construídos em Nagoya, Japão, há quase10
anos. Estamos fracassando novamente, após o não cumprimento da maioria das
anteriores Metas da Biodiversidade 2010.
No
Brasil, a despeito de uma exemplar Constituição Federal, que em seu Art. 225
define a vedação de atividades que possam promover a extinção de espécies ou
comprometer com os processos ecológicos essenciais à vida, vimos as ações
governamentais e de setores econômicos tentando desconstruir a legislação
ambiental e promover o vale-tudo econômico. Recentemente, oito ex-ministros de
meio ambiente vieram à público denunciar os ataques ao ICMBio e ao IBAMA e os
retrocesso deliberados na área, de parte da própria cúpula do governo. Esquecemos
o papel protagonista de nosso país na Convenção da Diversidade Biológica e vemos
agora o governo federal desestruturar a pasta de meio ambiente, desejando inclusive
se desfazer de muitas das mais de 300 áreas naturais protegidas de âmbito
federal. O ecólogo norte-americano Thomas Lovejoy, recentemente, admitiu que estamos
próximos a atingir o ponto irreversível de desmatamento da Amazônia.
As
consequências deste descaso e das políticas de retrocesso, inclusive na
liberação nunca vista de agrotóxicos (mais de 190 registros neste ano, mais da
metade extremamente ou muito tóxicos, só até o dia 21 de maio de 2019) serão
desastrosas se não houver um esforço comum em resistirmos e denunciarmos ao
Ministério Público Federal que possam estacar o envenenamento decorrente de um
modelo atual de agricultura químicodependente, que faz girar com um mercado de
agrotóxicos de mais de 9 bilhões de dólares no País.
As
políticas de incentivo às práticas degradadoras do meio ambiente seguem em um
modelo de atividades econômicas disfuncionais. Destruímos inclusive com a função
nobre dos polinizadores e também que florestas, campos e outros tipos de
vegetação natural desempenham papel fundamental na recarga dos aquíferos, na
proteção do solo e na formação de nuvens essenciais às chuvas, fundamentais à agricultura
e ao abastecimento das populações humanas no campo e na cidade.
Consideramos
fundamental a retomada das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (portaria
do MMA, n. 9 de 23 de janeiro de 2007), repudiando a retirada de informações
das páginas do MMA, com políticas praticamente engavetadas pelo governo atual
que vive a reboque de um ruralismo profundamente obscurantista. O
fortalecimento de nossos órgãos ambientais, sem a permissão de ingerências
políticas, é necessário para definir onde deve ser preservado, conservado ou
permitidas atividades com capacidade de suporte e viabilidades ambientais
comprovadamente satisfatórias.
Deve-se promover atividades por comunidades
locais, incluindo a sociobiodiversidade, com usos econômicos compatíveis, de baixa
intensidade, como turismo ecológico ou rural, fruticultura de plantas nativas,
agroecologia, agroflorestas, pecuária familiar no bioma Pampa ou Campos
Sulinos, que garantam ou inclusive incrementem a diversidade perdida. Este
estímulo do uso sustentável de nossa flora ameaçada é, muitas vezes, a própria chave
para evitar o seu desaparecimento. Se utilizássemos mais os frutos e sementes
de plantas como butiá, araucária e palmeira juçara, elas sairiam destas listas.
O RS já foi o maior produtor de erva-mate do Brasil, e hoje está em terceiro ou
quarto lugar, importando este produto. Temos mais de 200 espécies de frutas
nativas do RS, e muitas delas estão sendo levadas e usadas em outros países,
como a goiabeira-serrana (pineaple-guava
ou feijoa), a cerejeira-do-rio-grande
(cherry of Rio Grande), araçá (strawberry-guava) e o butiá (jelly palm), por exemplo. Nossas abelhas
silvestres, algumas delas ameaçadas, também têm enorme benefício na polinização
e produzem mel de elevado valor, inclusive sendo exportado.
É
importante que não lembremos deste assunto somente no Dia Internacional da
Biodiversidade, mas em todos os dias do ano. O tempo é curto para as mudanças
necessárias, pois devemos reivindicar a posse de técnicos, nos órgãos
ambientais, que sejam gestores com ficha limpa, tecnicamente preparados e
comprometidos para escutar a Ciência e o Corpo técnico desses órgãos e enfrentar
urgentemente a atual desestruturação da legislação e dos próprios órgãos de
gestão e pesquisa em biodiversidade e meio ambiente. Do contrário, estaremos
cada vez mais longe de conseguirmos reverter este processo que nos levará ao
colapso sistêmico, se nada for feito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário