Ficou marcada nas últimas
semanas a imagem de calamidade do Brasil perante o mundo, onde as queimadas
inéditas da Amazônia, em agosto deste ano, incendiaram 30
mil km2 de florestas, o equivalente a 4,2 milhões campos
de futebol. Nós, cidadãos das cidades, temos a ideia de que é a morte de dezenas
de bilhões de árvores, mais outras bilhões de criaturas não humanas e centenas
de seres humanos (assassinatos de indígenas, campesinos e ambientalistas)?
Lembraremos que o nome deste País é originado de uma árvore, o pau-brasil? E temos
conhecimento de que Chico Mendes, que hoje representa o nome do Instituto que
protege a Biodiversidade no Brasil (ICMBio), era um seringueiro e defensor das florestas
e que foi assassinado por fazendeiros no Acre? Não, pois somos criados para ver
a natureza como objeto, provedora e afastada de nossas vidas. E esquecemos que
no planeta mais de um milhão de espécies, segundo a ONU, correm perigo
de extinção, sendo dezenas de milhares de árvores.
Mas está difícil de
esconder que o crime organizado, promovido por desmatadores impunes que lançaram
o “Dia do Fogo”,
no Pará, é um escândalo de repercussão internacional. O ministro Sérgio Moro
não iria combater o crime organizado? O que estão esperando? Obviamente, a
senha para os desmatamento e queimadas foi dada pelo chefe da nação que atiçou
as hordas de madeireiros, ruralistas, garimpeiros e grileiros, via discursos governamentais
contra a falsa “farra
das multas” e da fiscalização do Ibama, submetendo seus técnicos ao
assédio moral, digno das autoridades absolutistas dos séculos passados.
Segundo o jornalista Lúcio
Vaz, das mais de 32 bilhões de multas do Ibama, em grande parte por
desmatamento, somente 1,5% foi paga. O jornalista cita o caso da Agropecuária
Santa Bárbara Xinguara, no Pará, que de um total de 320 milhões de multas, por
desmatamento e impedimento de regeneração da mata, entre 2008 a 2017, nenhuma
das multas foi paga. O clima do Brasil e do mundo vai cobrar caro: temperaturas
mais elevadas, escassez de chuvas e de água para o abastecimento, umidade do ar
próxima de índices de desertos e problemas respiratórios, gases de efeito
estufa e mudanças climáticas extremas.
Os discursos
governamentais não poderiam ser piores, tentando negar o crime ou agindo como
advogados em defesa dos setores que encaram a floresta como empecilho denotando
a ignorância ou má fé em relação à realidade, ou seja, a floresta em pé, inclusive
em Reservas Legais (em agroflorestas, com açaí,
castanha-do-pará,
pupunha,
babaçu,
buriti,
pequi,
guaraná,
cacau,
cupuaçu,
tucumã,
seringueira
e dezenas de outras) é muito mais rentável do que transformá-la em pastagem ou
lavouras de soja. Salvem os povos indígenas, os quilombolas, os pescadores, as
quebradeiras de coco, os açaizeiros e outros povos tradicionais que defendem a
floresta, sem excluir, é claro, os cientistas, apoiados por ONGs, que pesquisam
estes recursos e tentam demonstrar o obvio: a floresta em pé é muitíssimo mais
rentável que a simplificação das monoculturas e pastagens dada pelo agronegócio
convencional e à rapina imposta à Amazônia e aos biomas brasileiros. Sem o
Fundo Amazônia e o fortalecimento do Ibama e ICMBio estaremos perdidos junto
com a floresta dizimada.
Mas a sanha imediatista e
devoradora, que encobre a síndrome de acumulação de terras e propriedades, está
sendo denunciada como nunca, inclusive por ações de crime de negligência e
responsabilidade, via Ministério Público Federal. O setor empresarial
exportador de grãos e produtos agropecuários vai sentir também no bolso o seu
apoio ao governo e ao modelo de rapina na Amazônia, através do boicote dos
países estrangeiros à exportações do país que lidera a destruição das florestas
tropicais.
Infelizmente, a
negligência não é exclusiva das autoridades federais. Aqui no Estado, além do
governo estadual e dos empresários promoverem a destruição do Código Florestal
Estadual e do Código Estadual de Meio Ambiente, em favor das atividades
econômicas convencionalmente degradadoras, em projeto de lei ainda sob sigilo
do Piratini, vimos a situação de incerteza quanto ao Viveiro do Jardim Botânico.
O Viveiro e o Jardim Botânico do Estado estão sob séria ameaça, com a extinção
da Fundação Zoobotânica, via Lei de iniciativa do governo Sartori, que resultou
na demissão de técnicos que coletavam sementes e coordenavam pesquisas com
propagação e nossas espécies de árvores nativas.
O Secretário de Meio
Ambiente e Infraestrutura da SEMAI, Arthur Lemos, vai seguir o processo de
extinção da FZB e permitir que se condene à morte o Viveiro mais rico em
espécies de plantas nativas do Rio Grande do Sul? Um setor dentro de um
Departamento desconhecido da SEMAI terá condições para levar adiante o Viveiro
e as atividades do Jardim Botânico, sem a FZB? Por que não retomam um
necessário programa estadual de produção de mudas de plantas estratégicas
ecológico-econômicas, como a araucária, a erva-mate, a juçara, o butiá, entre
outras?
No que toca ao Viveiro
Municipal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Porto
Alegre a situação é ainda pior. Segue o abandono
de um viveiro que produzia muitas dezenas de milhares de mudas de espécies de
árvores nativas para a arborização urbana a cada ano. A situação é tão grave
que o Viveiro da SMAMS está sem luz há dois anos, e milhares de mudas perecem
sem estrutura eficiente de irrigação e sem pessoal para dar continuidade as
tarefas que vem sendo desenvolvidas há mais de meio século no viveiro público
da cidade. Um viveiro que já teve mais de 70 funcionários, tem hoje somente
quatro, a maior parte em situação de aposentadoria.
Viveiro da SMAMS, há dois anos com danos graves, como falta de luz há dois anos, segurança, interrupções de água e coberturas rompidas r temporais, sem reparação |
Existem
espécies ameaçadas de extinção que acabaram morrendo, e isso é uma situação já
alertada há mais de um ano pelos técnicos da SMAMS. As entidades ambientalistas
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), a Associação Gaúcha de Proteção
ao Ambiente Natural (Agapan), a Associação Sócio-Ambientalista - Igré e a União
pela Vida (UPV) encaminharam ação na justiça cobrando providências urgentes para
SMAMS, obtendo apoio do Ministério Público Estadual (MPE) do Rio Grande do Sul,
após a matéria do jornal ZH que tem como título “O
VIVEIRO SEM VIDA”.
A
sede do Viveiro está sendo alvo de arrombamentos e furtos de equipamentos de
tratores, rede de fiação elétrica e o que pode ser levado, já que fica
abandonado durante à noite, sem a guarda-municipal ou seguranças privados. O
banco de dados de arquivos e fotos, que correspondem há mais de meio século de
trabalhos, foi em parte destruído, bem como se interrompeu a coleta de sementes
e a produção de mudas. Perdem os plantios em praças, parques, jardins e
arborização urbana com plantas nativas, inclusive com material genético das
espécies de plantas deste município e região.
Curioso
que as coisas pioraram para a produção de mudas, justamente quando as Listas de
espécies da flora
ameaçada do RS aumentaram em 33% desde a década passada. Há
uma década e meia, dezembro de 2004, realizamos o I Encontro
de Viveiros de Plantas Nativas do Rio Grande do Sul, no Departamento
de Botânica da UFRGS, que teve como objetivos “Incluir princípios da
biodiversidade na produção de mudas de plantas nativas”, concluindo-se, já
naquela época que “Os viveiros e as
instituições de pesquisa de órgãos governamentais voltados para o estudo e a
conservação de nossa flora passam por uma profunda crise pela falta apoio, de
infraestrutura e de corpo técnico”.
Também em
maio de 2012, há quase 7 anos, durante a última Conferência Municipal de Meio
Ambiente, foi aprovada a proposta de Meta n. 23, que diz: “Desenvolver programas de fomento à produção de mudas de árvores de
espécies nativas” “Prazo: 6 meses”. E para isso aprovou-se também a
proposta de “Implementar a reestruturação da SMAM, incluindo a ampliação do seu
quadro técnico efetivo e qualificação contínua de todos os técnicos do órgão
ambiental. (Prazo: Um ano)”.
O
encerramento das atividades destes dois patrimônios representados pelo Viveiro do
JB da SEMAI e do Viveiro Municipal da SMAMS representaria uma perda irreparável
para a arborização, para a biodiversidade e a vegetação urbana de Porto Alegre
e um desserviço das administrações estaduais e municipal para o cumprimento das
Metas da Biodiversidade 2020, assinadas pelo Brasil com mais de 190 países.
O técnico mais antigo e conhecedor do acervo do Jardim Botânico, da FZB, Ari Nilson |
Assim,
torna-se, portanto, imperioso e urgente que os governos, pressionados pela
população do Estado e do município e cobrados pelo MPE, possam retomar o
cuidado com seu acervo de plantas e da produção de mudas de plantas ameaçadas, destacando-se
aquilo que os viveiros particulares não fazem: a produção de mudas de espécies
ameaçadas com base nas matrizes locais, com rastreamento e mapeamento e a busca
de eventuais espécies que possam ser incorporadas, e programas e planos de ação
e de educação ambiental, com a produção de mudas nativas de espécies de uso
estratégico como ornamentais, ameaçadas, frutíferas e de valor cultural, entre
outros, com o acompanhamento e integração com universidades, centros de
pesquisa e entidades ambientalistas.
Os
recursos suplementares poderão ser obtidos pelos Fundos Estadual e Municipal de
Meio Ambiente de Porto Alegre. São muitos milhões de reais e poderiam ser
escoados para esta atividade que consideramos essencial e legalmente é
compromisso da administração estadual e municipal.
Este
artigo de opinião vai, neste Dia da Árvore, em homenagem dos heroicos
viveiristas, que junto a pesquisadores e técnicos, dedicaram parte de sua vida a
coleta, propagação e cuidado, com muito carinho, de nossas árvores e demais
plantas, em especial tanto no viveiro Estadual, o técnico Ari Nilson, como no
Municipal, o senhor Valdemar Valenzuela.
(Artigo de opinião de Paulo Brack, que atua com estudantes da Biologia da UFRGS em projetos de Extensão do Grupo Viveiros Comunitários- GVC)
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