A extinção da FZB e outras fundações estaduais foi autorizada pela Lei nº 14.982 de 16 de janeiro de 2017. Na época, a base do governo, que incluía o PSDB que administra o Estado, foi também favorável ao término da FZB e outras fundações, a despeito de amplo movimento de resistência contra a proposta do executivo estadual, já que as instituições desempenhavam papel importantíssimo para as políticas públicas em saúde, economia, meio ambiente e recursos humanos.
Mesmo assim, no texto da Lei, o Artigo 8º garantiu que os três setores da FZB (JB, MCN e Zoo) fossem “declarados como integrantes do Patrimônio Ambiental do Estado do Rio Grande do Sul a serem preservados, sendo vedada destinação diversa”. Então, segundo esta e as demais leis e acordos internacionais afetos à biodiversidade, tratados com a expertise exclusiva por parte dos técnicos dos três setores citados, este patrimônio não pode ficar só no papel, ou seja, tem que ser funcional!
Posteriormente, o Decreto nº 53.756, de 18/10/2017 encaminharia o encerramento das atividades da FZB, determinando que as obrigações e os direitos da FZB ficassem incorporados à então Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), dentro de uma desconhecida Divisão de pesquisas e manutenção de coleções científicas, no Departamento de Biodiversidade (DBio). Quem conhece esta divisão? Ademais, o chefe da Divisão acumula agora a chefia do JB e MCN, e sendo alguém que não seja do quadro técnico concursado, vai embora quando finaliza o governo...
Contudo, o governo atual não abriu mão em dar sequência ao processo de demissão de todo o quadro da ex-Fundação, permitindo ou fomentando que os trabalhadores fossem designados, conforme a necessidade de serviço, para outras áreas da administração direta do Estado. Entenda-se aqui que os acervos vivos de plantas e animais ou de coleções do Museu ficaram ainda mais desprotegidos, após a série de aposentadorias e demissões a partir de 2016. Vários técnicos do JB e MCN foram sendo desligados definitivamente ou transferidos para a SEMA, com prejuízos graves na pesquisa e no acompanhamento, cuidados e gestão de milhares de plantas, algumas delas correspondendo a cerca de 140 espécies de plantas ameaçadas de extinção, mas agora em ex situ (fora da natureza) neste patrimônio e outras centenas de espécies ali abrigadas com exclusividade fora da natureza.
Na Justiça, o Ministério Público cobra oficialmente a manutenção das atividades que garantem a qualidade do trabalho dentro da Categoria “A” para o Jardim Botânico. Porém, a retirada de pesquisadores e do enfraquecimento do status de instituições de pesquisa (JB e MCN) vem inviabilizando a continuidade de bolsistas de iniciação científica, perdendo-se espaços para estágios, bolsas e também auxiliares fundamentais nas pesquisas em áreas que já sofrem com lacunas de pessoal envolvido com a Conservação da Biodiversidade.
O Jardim Botânico perdeu toda a estrutura interna, direção, chefias e responsáveis pelos diferentes setores, plano de carreira e reposição de pessoal em decorrência da extinção da FZB e pelas aposentadorias. Incerteza evidente e desestímulo para seguir em tarefas de coletas de sementes, inclusive de espécies ameaçadas.
O dedicado técnico Ari Nilson, com mais de quatro décadas de trabalho pelo resguardo da flora nativa nos espaços do JB, é exemplo de alguém que dedicou a maior parte de sua vida às nossas plantas, em condição de cultivos inéditos, e acumula experiência como ninguém. As sementes que ele coleta, com as equipes de técnicos do JB e MCN, vão ao viveiro, também precarizado pela ausência de pessoal e material. O berçário das mudas ficará ao deus-dará? Quem substituirá a coleta de sementes, já que outros dois técnicos se aposentaram recentemente? Se ele for embora, junto com seu colega Júlio, que conhece e cuida das mudas de espécies nativas, como ninguém, quem vai coletar as plantas nos rincões mais longínquos que sobraram frente à devastação galopante nos biomas Pampa e Mata Atlântica do Rio Grande do Sul? O Carandaí, a petúnia-vermelha, o butiá de Coatepe, a tibuchina-das-dunas, a grápia, os caraguatás-das pedras, as dezenas de espécies de cactos ameaçados, a canela-imbuia, as rainhas-do-abismo, quem vai saber encontrar estas plantas, se não o Ari Nilson?Técnico Ari Nilson, quatro décadas dedicadas às plantas do Jardim Botânico, patrimônio de conhecimento inigualável.
Ficou quase inviável a aquisição de pequenos materiais, inclusive para obter substrato para plantas. O que demorava uma ou duas semanas para ser adquirido, hoje demora meio ano ou mais. Resultado: plantas podem acabar morrendo por falta de substrato e de pessoal para cuidados especiais. Será o Pré-colapso de nosso Jardim Botânico de Porto Alegre?
Na situação da Sexta Extinção em Massa e negligenciando as Metas da Biodiversidade 2020 da ONU, é lamentável que o Estado do Rio Grande do Sul deixe a situação da manutenção das maiores coleções de plantas, como cactáceas, bromeliáceas, do Sul do Brasil em situação de incerteza, como um barco à deriva...
Necessitamos de um Plano de Recuperação do Jardim Botânico, urgentemente. A sociedade tem que saber que a instituição deve ser reestruturada, junto com o MCN e Zoo. Se o Governo atual não recuar com o processo potencial de demissão dos funcionários do JB, MCN e Zoo, iniciado por Sartori, a experiência de décadas de conhecimento de técnicos estará indo embora, já que sobra estímulo à demissão de funcionários. Sem técnicos de carreira, sem estrutura e recursos, que entravam via projetos da FZB, as condições de trabalho vão ficando inviáveis e a memória do Jardim Botânico vai-se embora, sem retorno.
Curioso que o governo do Estado queira atrair empreendedores para um Estado que enfraqueceu seu Código Estadual de Meio Ambiente e segue assistindo a morte lenta do seu Jardim Botânico. Na lógica de facilitar os negócios e deixar o Estado na inanição, podemos esperar o pior cenário, que será a inviabilidade de manter não só a categoria A, mas toda a coleção de mais de meio século de esforços de centenas de pessoas que empenharam parte de sua vida nas coleções do Jardim Botânico.
Assim, fica o recado: ou a SEMA e o Governo do Estado retomam uma Secretaria de Meio Ambiente fortalecida, longe da sombra de uma Infraestrutura convencionalmente insustentável, e cumpram o Artigo 8 da Lei que garante a manutenção dos três setores da FZB, ou mandem os empreendedores embora, pois aqui a peleia vai ser pra valer!!
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