segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Crime ambiental nas restingas da Laguna dos Patos, em Arambaré, RS

Entre os dias 9 e 10 de janeiro de 2021, constatou-se grave crime ambiental de corte de vegetação e queimadas em áreas de restinga na parte norte do município de Arambaré, RS, em margens a oeste da Lagoa dos Patos, na localidade tipo do único réptil endêmico do Rio Grande do Sul, Liolaemus arambarensis (lagartixa-das-dunas), que se encontra ameaçado de extinção (na categoria “Em Perigo”, de acordo com o Decreto Estadual no 51.797/2014) e no Brasil (Portaria MMA no 444/2014).

Corte de butiá (Butia odorata), espécie ameaçada de extinção, junto com outras espécies raras e características de restingas.


Lagartixa-das-dunas, única espécies de réptil endêmico do RS.

Este réptil faz parte das espécies alvo do Plano de Ação Nacional para a Conservação de Repteis e Anfíbios Ameaçados da Região Sul do Brasil[1]. A referida área estava com acesso fechado por moirões a veículos na zona da praia, com providências da prefeitura de Arambaré até dezembro de 2020, justamente para proteger a área de ocorrência original da espécie, a partir das informações científicas e intermediação com técnicos do ICMBIO e grupo de pesquisa da UFRGS, ligados aos planos de conservação das espécies ameaçadas para a constituição de área de conservação, tendo em vista o crescimento de projetos de loteamentos previstos para a zona próxima às praias de Arambaré. 
A nova administração do município manifestou-se refratária à criação da Unidade de Conservação, sendo seguida por setores que não reconhecem as alternativas econômicas aos grandes impactos convencionais representados por loteamentos, monossilvicultura, e abertura para atividades que representam maior degradação ambiental, como circulação de automóveis como caminhonetes 4 x 4. Infelizmente, alguns gestores do RS, em especial do Pampa, desconsideram a vocação na pecuária tradicional, os aspectos de potenciais turísticos de paisagens naturais únicas que poderiam gerar, via atividades ecoturísticas rarefeitas e orientadas por órgãos ambientais, gerando renda compatível com a sustentabilidade ecológica de áreas prioritárias para a biodiversidade como esta, além de manter qualidade de vida diferenciada dos grandes centros urbanos ou áreas com forte antropização.

Mapa da localização de Arambaré, uma das quatro áreas de ocorrência da lagartixa-das-dunas no RS

Com base ao acontecido, o InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) encaminhou denúncia relativa às queimadas e cortes de vegetação, em especial de butiás (também ameaçados de extinção) no dia 18 de janeiro de 2021, à Promotoria do Ministério Público Estadual de Camaquã.

A queima da vegetação de restinga nativa associada à abertura da referida área para circulação de veículos por um grupo de “jipeiros” acabou comprometendo não só as espécies ameaçadas de extinção mas destrói vegetação protegida pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006), constituída por campos arenosos, moitas arbustivas, capões baixos, butiazais, banhados, entre outros.

As intervenções que resultaram na destruição de dunas e restingas formadas predominantemente por gramíneas esparsas, principalmente capim-limão, espécie produtora de óleos essenciais aromáticos, que também representam abrigos fundamentais para a existência da lagartixa-das-dunas, que apresenta camuflagem adaptada às areias das dunas da Laguna dos Patos.

Queimadas criminosas em restingas de Arambaré. Se fosse incêndio acidental os espaços de areia sem vegetação seriam barreiras para expansão do fogo. 

As fotos revelam graves danos evidentes ao ecossistema de restinga, por meio de interferência que implicou em queima e corte de vegetação rara e em crítico estado de conservação.  Infelizmente o Patrulhamento Ambiental da Bigada Militar (Patram), ou Comando Ambiental da Brigada Militar, contatada por bombeiros, quando dos incêndios na vegetação, não pode estar presente no local desde o dia 10 de janeiro, justificando “falta de efetivo” para fiscalizar o crime cometido.  

Queimada das restingas de Arambaré nos primeiros dias de janeiro de 2021, vegetação protegida pela Lei da Mata Atlântica

Os "esportes" representados pela circulação de veículos em restingas implicam em grande impacto à  fauna (atropelamento) e flora (destruição).

Abertura de acesso para veículos 4x4 em área prevista para conservação da localidade tipo de Liolaemus arambarensis, com impactos sobre vegetação protegida pela Lei da Mata Atlântica.

As zonas costeiras são regiões de transição ecológica que desempenham importantes funções de ligação e trocas genéticas entre os ecossistemas terrícolas e de lagunas, onde existe inclusive espécies marinhas de peixes que desovam em tipos de vegetação como juncais e sarandizais da margem da Laguna dos Patos. Muitos alevinos e organismos jovens ou imaturos destas costas vivem com influência dos ecossistemas de restingas e dunas, como insetos e outros invertebrados. Constituem-se em ambientes complexos, diversificados e de papel fundamental para a sustentação da vida da Laguna dos Patos. A elevada quantidade de nutrientes e outras condições ambientais favoráveis, como os gradientes térmicos permitem excepcionais condições de abrigo e suporte à reprodução e à alimentação inicial da maioria das espécies que habitam as lagunas e inclusive migram desde o mar. As cadeias de relações são múltiplas, desde a produção de alimento para organismos marinhos que vivem nas costas até a presença de aves migratórias que, em ciclos anuais, buscam abrigo, alimentação e descanso para viagens entre continentes do hemisfério sul e do norte.

A zona costeira interna da Laguna dos Patos, na interface entre os ecossistemas terrestres, lagunares e com alguma influência marinha, é responsável por uma ampla gama de funções ecológicas, tais como a proteção contra a erosão da margem das lagunas e habitat para espécies ameaçadas de flora e fauna. Cabe destacar como elemento novo de impacto o incremento da elevação do mar e das lagunas, situação que tende a se agravar até o final deste século, com a elevação provável de pelo menos 50 cm do nível atual, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

6 comentários:

  1. Neste dia percebi que a máquina da prefeitura entrou, abrindo e permitiu a entrada de quadriciculo e jeep para auxiliar para apagar o fogo. Tenho fotos minha e meu filho lá no meio ajudando. Digo que a matéria e equivocada em dizer que passaram nas restingas....

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo texto e suas afirmações. Lamentável a postura da atual administração de Arambare, totalmente cega, para o futuro da cidade e da Lagoa dos Patos. http://obviousmag.org/viver_a_deriva_e_sentir_que_tudo_esta_bem/2019/litoral-do-rio-grande-do-sul-e-a-sua-importancia-ecologica-mundial.html

    ResponderExcluir
  3. Obs : E foi os 4x4 que apagaram o fogo que o coroné botou !!!

    ResponderExcluir
  4. Alguns jeepeiros se deslocarao de Camaquã para ajudar a combater os focos cuja a área queimada do perto das casas

    ResponderExcluir
  5. Eu gosto de ver que quem defende aparece como anônimo nos comentarios...

    ResponderExcluir
  6. Absurdo esse crime ambiental. Só pode estar sendo provocado por quem não ama nosso bioma Pampa e Mata Atlântica e muito menos ama nossa Arambaré e região, paraíso da natureza nativa da qual podemos nos orgulhar. Creio que o poder legislativo do município tem de acompanhar essa investida contra a maior riqueza do nosso município, a beleza e os recursos naturais.

    ResponderExcluir