Um recente artigo
de opinião do Dr. Robert T. Walker, Professor de Estudos
Latino-Americanos e Geografia, Universidade da Flórida, intitulado "A
AMAZÔNIA NÃO ESTÁ SEGURA SOB O NOVO PRESIDENTE DO BRASIL – UM PLANO DE ESTRADAS
PODE LEVÁ-LA ALÉM DE SEU PONTO DE RUPTURA", em 23/03/2023, acende um novo
alerta sobre o futuro incerto para a Amazônia.
Lembramos que o ponto
de inflexão (não retorno) na existência da floresta amazônica
poderá estar próximo, como alertam os cientistas Thomas Lovejoy, Carlos Nobre e Paulo Artaxo. A floresta poderá estar entrando em colapso, a partir da perda
de condições inerentes, por exemplo: parte das chuvas está diminuindo na
porções oriental, sul e sudoeste, onde os desmatamentos são mais intensos, em
decorrência da diminuição da própria evapotranspiração da floresta que vem
perdendo centenas de milhares de hectares a cada ano. Parte da vegetação sofre
estresse e diminui seu crescimento e emite mais CO2, por
exemplo. Pesquisadores alertam que a composição vegetal tende a se tornar
savana. O bioma, em sua periferia, queima com mais facilidade, após os
desmatamentos. O quadro de aumento de desmatamento [1] segue mesmo ainda no início do governo Lula.
O cenário é, sim, alarmante. Isso conduz à necessidade de se
resgatar, propor e debater outros modelos para a Amazônia. Outros modelos (com sustentabilidade
socioambiental, no plural, em outro paradigma, fora do crescimento econômico
ilimitado, e para poucos, inclusive mundialmente, como defende o professor,
poeta e ativista ambiental Jorge Riechmann, da Universidade Autónoma de Madri (UAM).
Mapa mostrando a perda total de vegetação original da Floresta Amazônica (em vermelho). Cerca de 13,2% foram perdidos devido ao desmatamento e outras causas. Dados da Amazon Conservation Association e MAAP. Fonte: https://amazonia.org.br/2022/10/quao-perto-a-amazonia-esta-de-se-tornar-savana-a-resposta-pode-estar-a-leste-da-floresta/
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fires_and_Deforestation_on_the_Amazon_Frontier,_Rondonia,_Brazil_-_August_12,_2007.jpg |
Este debate necessita ser feito também
para todos biomas
brasileiros. No caso da Amazônia, como macrossistema ecológico, com seu
papel regulador do clima e da manutenção de patrimônios da sociobiodiversidade,
em contraponto à histórica forma de rapina que prezou conquistar, dominar e/ou
exterminar e transformar territórios com exuberância de natureza e de culturas
humanas diversas em "eldorados" de expropriação de riquezas,
monoculturas e áreas degradadas.
https://theconversation.com/the-amazon-is-not-safe-under-brazils-new-president-a-roads-plan-could-push-it-past-its-breaking-point-200691 |
O processo insustentável se aprofundou nos últimos quatro anos,
sob o governo Bolsonaro, e revitalizou a tomada de terras indígenas e do
Estado, via grilagem, derrubada de florestas, exploração irregular e extremada
de madeiras, garimpo e outras formas danosas de ocupação e espoliação da
natureza.
Há que se buscar outros modelos socioeconômicos que respeitem as
populações e seus territórios e que promovam uma descentralização de economias,
com vocação local, longe da lógica concentradora em grandes obras como foi a Iniciativa
de Integração de Infraestrutura
Regional Sulamericana (IIRSA), coordenada
pelo BID,
principalmente no início da primeira década deste milênio.
Diante da indução de degradação promovida por grandes obras, com destaque à Hidrelétrica de Belo Monte, que fez crescer explosivamente o desmatamento em Altamira (Pará), cabe que se questione, ao máximo, o investimento em grandes estradas, grandes hidrelétricas e outras infraestruturas que mantêm a lógica subserviente de país periférico do Cone Sul Exportador de Commodities, como destaca o ambientalista uruguaio Eduardo Gudynas. Um crescimento insustentável que se espelha na demanda do crescimento (insustentável) chinês, e espalhando-se por infraestruturas de países vizinhos do Brasil, que compartilham a existência do bioma amazônico (Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa).
Pastagens degradadas em área desmatada próxima a Porto Velho (RO)
No caso do asfaltamento e da revitalização da BR 319, entre Porto Velho e Manaus, a situação deve ser muito bem reestudada, do ponto de vista de impactos ambientais secundários evidentes. Ao mesmo tempo, deve-se rever e questionar qualquer financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou de qualquer banco público ou privado em atividades ou obras que sigam reproduzindo o modelo predatório de ocupação exógena e que preza o hidro-minero-agronegócio concentrador e de apropriação indébita de territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais, por parte de grandes setores econômicos acostumados à pilhagem dos bens comuns.
Fazenda com criação de gado em área desmatada ao lado da BR 319 entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM) |
Construir e desenvolver,
com base nos conhecimentos tradicionais e parcerias com inovações tecnológicas e sociais, modelos de economia
diversos e dialógicos, com as comunidades locais, povos indígenas, sindicatos,
academia, movimentos, etc.
Estamos necessitando
cobrar o não desvio do compromisso de Lula e de seu governo, quando declarou,
em diversos pronunciamentos, logo após sua posse, que a sociobiodiversidade teria seu papel fundamental, longe do que vem
acontecendo, via desmatamento e ataques aos territórios e modos de vida
diversos das comunidades tradicionais e povos indígenas na Amazônia. Rediscutir
uma bioeconomia verdadeira, não a
retórica de mercado, por meio de confederações de empresas e setores
historicamente vinculados com a economia imediatista e depredatória, mas com base na floresta em pé, nas
comunidades locais, cooperativas, e em seus componentes nativos, e nas Áreas
Prioritárias para a SocioBiodiversidade. Investir na geração de bioprodutos, por meio de pequenas
indústrias cooperativas, priorizando agroflorestas
e desenvolvimento de tecnologias sociais
que priorizem recursos naturais sustentáveis
e com valor agregado, desde plantas e seus diversos produtos: açaí,
castanha-do-Pará, guaraná, macaúba, babaçu, pupunha, cupuaçu, tucumã,
castanha-de-caju, buriti, pequi, camu-camu, seringueira, mogno, cedro, e outras
dezenas e centenas de espécies que produzem alimentos in natura, ou via
produtos agregados, ou medicamentos, cosméticos, fibras, tinturas, artesanato,
madeiras, prezando-se o turismo em meio a natureza, com produtos locais
sustentáveis.
Uma
bioeconomia local verdadeira em disputa com a atual necroeconomia concentradora
convencional.
O cientista Carlos Nobre, as lideranças indígenas e de lideranças de Reservas Extrativistas,
os centros de pesquisa e universidades estão demonstrando que um Outro Mundo é Possível, Necessário e
Urgente, mas tem que enfrentar, romper e superar a lógica concentradora,
atrelada ao paradigma do crescimento econômico a qualquer custo.
Chico Mendes deu sua vida para lutar contra a destruição reinante que vem do sul. A jornalista Eliane Brum vem alertando isso com vigor há alguns anos. O pesquisador do INPA, Philip Fearnside, também vem há décadas alertando para a destruição da Amazônia e para a perda de água com o comprometimento dos Rios Voadores. O ponto de inflexão está próximo. O ecólogo norte-americano Thomas Lovejoy, um dos maiores conhecedores da perda da biodiversidade amazônica, falecido há pouco mais de um ano, publicou com Carlos Nobre um artigo importantíssimo que alerta quanto ao ponto de não retorno da floresta amazônica, que vem secando em suas faixas periféricas orientais e do Sul para dentro.
Do lado da proteção, lutaremos pelo espaço de diálogo e construção conjunta com as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Originários, Sônia Guajajara, com os movimentos socioambientais, que lutaram por
garantir a vitória de Lula e de um outro projeto não convencionalmente predatório
para a Amazônia e para o Brasil. A pauta urgente é a cobrança das promessas do governo, e o empenho de todos(as) na disputa das pautas e das políticas públicas para os territórios da
sociobiodiversidade.
A discussão tem que
acontecer. A Política Nacional de Meio Ambiente, Lei 6.938/1981, com as
Resoluções Conama, o Artigo 225 da Constituição Federal, a Política Nacional de
Biodiversidade (Decreto 4.339/2002), e o que sobrou de bom de nossas leis, no
caso a mais importante que afeta a vegetação brasileira, a Lei de Proteção à Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012) apontam os caminhos. Cumprir a lei já é um enorme passo.
Os recursos de financiamentos de atividades na Amazônia e em todos biomas brasileiros devem conter condicionantes socioambientais claros. A torneira de financiamento às atividades que geram degradação tem que ser fechada! Isso já consta nas Metas da Biodiversidade 2020 (Metas de Aichi), da Convenção da Diversidade Biológica, que o Brasil faz parte. Destacamos aqui a Meta 3:
"Até 2020, no mais tardar, incentivos, inclusive subsídios, lesivos à biodiversidade terão sido eliminados ou reformados, ou estarão em vias de eliminação visando minimizar ou evitar impactos negativos, e incentivos positivos para a conservação e uso sustentável de biodiversidade terão sido elaborados e aplicados, consistentes e em conformidade com a Convenção e outras obrigações internacionais relevantes, levando em conta condições socioeconômicas nacionais."
Para o cumprimento das promessas e das Metas de Biodiversidade, consideramos essencial que o Ibama retome seu
papel de fiscalização e de avaliação, com autonomia, o licenciamento de atividades
que possam provocar impactos ambientais, sem o vício da costumeira ingerência governamental, econômica e política, principalmente de parte de grandes grupos econômicos e políticos fortemente articulados e associados, por conveniência, aos governos de turno.
A revitalização da BR 319, que atinge o sul do Amazonas, o estado com maior cobertura de florestas na região e no país, mas que é alvo de um crescimento campeão de desmatamento na Amazônia, deve passar pelo crivo de uma reanálise, discussão franca com a sociedade, e a procura da identificação e enquadramento e punição dos maiores responsáveis pela destruição na região.
Fundamental também torna-se rediscutir e superar a lógica concentradora e
que submete nosso país a se manter como “Barriga de Aluguel” do mundo (palavras
da Dra. Raquel Rigotto, da UFC), pois prioriza a exportação de minério de
ferro, alumínio, soja, celulose, boi e carne de áreas desmatadas, exploração e exportação ilegal ou legal de madeira
bruta, etc...
Desmontar as convencionais iniciativas da IIRSA, sob a coordenação do BID, ou iniciativas futuras que desvirtuem o compromisso do governo brasileiro, quando das eleições e sua posse, pelo meio ambiente e os povos da Amazônia, superando-se a moda da falsa "economia verde", que emerge e maquia a mesma lógica de desigualdade e concentração degradatória reinante.
À luta! O pior é o silêncio quanto às megaobras,
em especial das monstruosas hidrelétricas de Tucuruí, Balbina e Belo Monte. O cenário é de maior
emergência e não temos muito tempo a perder. Hoje, com base na mudança de paradigma e de modelo, já existem muitíssimas
alternativas ecológico-econômicas [2] genuinamente sustentáveis do ponto de vista socioambiental.
Mas, a sabotagem dos grandes setores econômicos convencionais refratários e seus tentáculos nos governos já estarão presentes. A luta é inevitável, mas vai precisar de nossa atenção,
colaboração e engajamento. O Brasil ainda não é um Titanic...
[2] MMA, 2022. Lídio Coradin et al.- Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial – Plantas para o Futuro – Região Norte. https://www.gov.br/mma/pt-br/livro-especies-nativas-da-flora-brasileira-de-valor-economico-atual-ou-potencial-2013-plantas-para-o-futuro-2013-regiao-norte.pdf/view
Nenhum comentário:
Postar um comentário