Frequentemente a grande mídia e os
governos encaram os problemas ambientais de forma fragmentada, com
simplificações inadequadas, desconsiderando os dados mais relevantes quanto às
causas destes problemas, muitos deles históricos e em processo de agravamento
na atualidade. A crise hídrica (quantidade, qualidade e condições bióticas dos
ecossistemas hídricos) é talvez o problema ambiental mais importante da
atualidade. Antônio Nobre, cientista
do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), alertou há mais de seis
anos para o que poderia acontecer, ou seja, um possível colapso de
abastecimento de água, na região da grande São Paulo, se nada fosse feito para
conter os desmatamentos tanto na Amazônia como no próprio Estado de São Paulo.
O cientista divulgou a importância do tema dos chamados Rios Voadores (grandes
massas de nuvens com conteúdo de água superior a dos rios da bacia amazônica,
associadas ao ciclo da água desde as chuvas nas florestas do norte até os
corredores de umidades que alimentam chuvas nas regiões sul e sudeste do
Brasil), mas não foi escutado pelos governantes.
Também nada foi feito também desde o
relatório do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à ONU, lançado
em 2007, que já apontava a possibilidade de consequências sobre biomas
brasileiros, como a transformação da floresta amazônica em vegetação mais seca
e rarefeita, com perdas progressivas semelhantes também na Mata Atlântica e transformação
de grandes áreas da Caatinga em desertos. Simultaneamente, em 2007, o Brasil
comemorava o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e dava
tom de otimismo coma redução do tal "Risco País" (ver Capítulo: Os Comandante da Nau
Terra enlouqueceram? E nós, para onde vamos?), mas negavam a crise
climática e o futuro incerto no Brasil. Em 2012, o negacionismo da crise
ambiental no Brasil, ligado a um movimento parlamentar inédito de setor do
agronegócio, provocou um dos maiores retrocessos na legislação ambiental, a
substituição da Lei 4.771/1965, o então Código Florestal, pela Lei 12.651, que
anistiou desmatadores e flexibilizou a proteção da vegetação nativa.
Estamos, na realidade, entrando em uma
fase de crise sistêmica, em progressivo agravamento. No Brasil, a falta de água
inédita na região Sudeste e Nordeste, integrada a outras situações de eventos
climáticos extremos e perda de biodiversidade, representam indícios cada vez
mais consolidados de que as mudanças climáticas, refletidas em maior frequência
de eventos extremos, vieram para ficar. Um dos mais renomados cientistas do
clima, Carlos
Nobre, que hoje preside atualmente a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
do Ensino Superior), alertava em uma aula magna na UFRGS há poucos anos, que
estes fenômenos (secas devastadoras, chuvas torrenciais, tornados e furacões)
serão cada vez mais intensos e comuns, e o ciclo das mudanças climáticas durará
décadas ou até séculos, mesmo que se cessem as causas atuais de origem
antrópica (elevação dos gases de efeito estufa).
Outro fato que envolve umidade e
vegetação (ou a falta das duas) que ainda não foi suficientemente tratado é
aquele relacionado com a paulatina destruição de vegetação de Cerrado e
Floresta Amazônica na região central do País, com queimadas crescentes, verificando-se
um clima cada vez mais seco (índices muito baixos em umidade relativa do ar),
em sinais de atenção e alerta, respectivamente abaixo de 30% e entre 20% e 12%
de UR do ar. A baixa UR do ar pode causar
problemas cardíacos, pulmonares, trazendo incômodos com narinas e gargantas
secas. A mudança faz com a população precise tomar cuidados especiais com a
proteção da pele, por meio da ingestão maior de água, uso de vaporizador, evitando
a desidratação. A cidade de Porto Velho (RO), em pleno bioma Amazônia, que
sofre desmatamentos (para pastagem) em sua região norte do Estado é afetada por
secas e queimadas entre maio e agosto, chegando a apresentar, em 2010, umidade relativa do ar em índices de 10%, considerados valores de estado de emergência,
semelhantes aos do deserto do Saara.
Juntamente às crises hídrica e
climática, estamos testemunhando também da Sexta Extinção
em Massa da Biodiversidade, fenômeno já reportado em inúmeros trabalhos
científicos. No Brasil, sofremos também com aumento de desmatamentos na
Amazônia, e perda ou conversão crescente da cobertura natural de todos os
biomas para monoculturas e outras atividades, como grandes hidrelétricas e
outras obras, com crescimento de uso de recursos naturais e também expansão
ilimitada de regiões urbanas, uso crescente de produtos químicos sintéticos, no
bojo da ultra transformação da natureza, que gera lucros tanto na destruição
dos processos sistêmicos da vida como no caso da tentativa de
"remediar" suas consequências. Estaremos entrando em uma fase de
colapsos e pré-colapsos, numa guerra incessante e silenciosa contra a natureza,
ilustrada pela ecofeminista espanhola Yayo Herrero, e neste caso as consequências
são trágicas para os seres humanos mais vulneráveis do mundo, representados
aqui no Brasil pelos povos indígenas e comunidades tradicionais e camadas
sociais despossuídas que vivem em áreas de risco, por exemplo.
Segue em voga, como "solução"
para a crise econômico-financeira, que eclipsa as demais, o paradigma do
crescimento econômico ilimitado, em molde dos BRICS ou no molde da economia
hegemônica neoliberal que nega as causas da crise hídrica provocada pelo
desmatamento e mudanças climáticas, e aproveita as crises para gerar mais
negócios. Teremos outra Conferência do Clima em 2015, em Paris, mas tudo indica
que será mais uma vitrine das boas intenções e poucas ações como foi a Rio + 20
(20 anos após a Conferência de Meio Ambiente que ocorreu no Rio de Janeiro, em
1992).
Em nosso País, a crise política com as
mirabolantes propostas dos congressistas do atraso ameaça ainda mais o futuro
incerto da água e da biodiversidade, como aponta a WWF (Fundo Mundial para a
Vida Silvestre), em recente artigo de Jaime
Gesinsky “Projetos de lei ameaçam futuro
hídrico, climático e a biodiversidade do país”. O artigo aponta que a Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA) está planejando
a diminuição das zonas de amortecimento das Unidades de Conservação, com a
facilitação de mineração em áreas indígenas. Ademais, para engrossar o clima de
aniquilamento da legislação ambiental brasileira, o presidente do Senado, Renan Calheiros, lançou
o que chama de “Agenda
Brasil” que reúne outras tantas propostas de retrocessos, como terminar com
áreas de marinha, agilizar licenças ambientais e facilitar a mineração em áreas
protegidas, desconsiderando que já vivemos quase um vale tudo no processo
de licenciamento.
A situação ambiental se agrava, e
ninguém pode negar de sã consciência este fato. Porém o imediatismo de setores
gananciosos que se apoderaram do legislativo e do poder executivo traz a sede
voraz de seus pleitos que beiram a pilhagem e representam a apropriação de
nossos recursos naturais, principalmente para favorecer as corporações
econômicas que financiam suas campanhas eleitorais. Isso, mesmo que não seja
consolo, não é exclusividade do Brasil.
Somente teremos saída a partir de
avaliações profundas deste processo em nível mundial, das consequências
decorrente deste modelo de esgotamento da
economia hegemônica atual. E a saída também passa por uma reflexão sobre o esgotamento do modelo, que
apontem para outros paradigmas, que não o do produtivismo, da acumulação e da
competitividade, que destroem a água, o ar, o solo, a biodiversidade e a busca
por relações ecológicas harmônicas dos seres humanos, entre si, e com a
natureza.
O tempo é cada vez mais curto, mas ainda
temos o compromisso ético pela busca de uma reconexão com nossos sistemas
ecológicos, desapegados da lógica do crescimento e da escravidão financeira
atual, como nos ensina o professor de Ciência Política da Universidad Autónoma
de Madrid, Carlos Taibo. Este e outros tantos cientistas
ou pensadores, entre os quais também citamos Michael
Lowy, brasileiro radicado na França, trazem elementos simples para uma vida
coletivamente autônoma, libertária, com características locais, na procura do
bem viver, mas enfrentando e superando o sistema de acumulação sem limites e
seu modelo de esgotamento que está na raiz dos problemas atuais e sistêmicos.Carlos Taibo, professor da UAM, Espanha |
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