NOTA DO
FÓRUM GAÚCHO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS SOBRE O RELATÓRIO DO
PROGRAMA DE ANÁLISE DE RESÍDUOS DE AGROTÓXICOS EM ALIMENTOS (PARA/2013-2015)
DIVULGADO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA — ANVISA
O
Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos - PARA cumpre um
papel importante, oferecendo à população acesso à informação sobre a presença
de resíduos de agrotóxicos nos alimentos que chegam à mesa. Em 2010, por
exemplo, soubemos pelo PARA que em 37% dos alimentos não foram encontrados
resíduos de agrotóxicos. Esse número caiu para 22% em 2011, e depois voltou a
35% e 37% nas duas edições de 2012.
Com
relação ao Relatório 2013-1015, o que chama atenção é a forma de apresentação
dos dados, dando especial destaque ao indicador de risco agudo de intoxicação,
o que não condiz com a realidade, na medida em que o mais importante quando
avaliamos impactos à saúde da população que ingere estes resíduos nos alimentos
diz respeito aos efeitos crônicos. Qual o impacto de ingerirmos alimentos
contaminados de forma continuada?
Normalmente
os efeitos agudos são raros e discretos, podendo incluir náuseas, diarreia e
cefaleia até quadros mais graves, como o caso de um menino que foi a óbito após
comer couve com grandes quantidades de acefato (caso investigado pelo
Ministério da Saúde).
Portanto,
pensar que em 1,1% das amostras analisadas (conforme consta no relatório)
podemos correr o risco de intoxicação aguda não pode ser considerado um risco
aceitável e, sim, deve ser considerado um risco grave.
Estudos
têm demonstrado que a exposição crônica aos agrotóxicos está associada a
efeitos como desregulação endócrina (alteração de fertilidade, puberdade
precoce, alterações hormonais), neurotoxicidade (depressão, neuropatias
periféricas, Parkinson), teratogenicidade, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade,
alergias, câncer etc.
Além
disso, existem muitas lacunas de conhecimento quando se trata de avaliar a
exposição múltipla a agrotóxicos. A grande maioria dos modelos de avaliação de
risco e estudos toxicológicos que são usados como base para os cálculos dos
valores das IDAs (Ingestão Diária Aceitável) servem apenas para analisar a
exposição a um princípio ativo individualmente, enquanto que no mundo real as
populações estão expostas a misturas de produtos tóxicos cujos efeitos
sinérgicos são desconhecidos.
Ainda, a
incerteza torna-se maior quando verificamos que grande parte das
irregularidades apontadas nas análises dos alimentos referem-se ao uso de
agrotóxicos não autorizados para a cultura, os quais não são considerados para
avaliação do impacto na IDA.
Também
precisamos considerar que não somos expostos apenas aos resíduos de agrotóxicos
nos alimentos, mas também provenientes de outras fontes, como inseticidas
domésticos, deriva de pulverização aérea e terrestre, resíduos na água e solos
contaminados.
Entendemos
que a forma de divulgação dos dados do relatório, dando especial destaque ao
indicador de risco agudo de intoxicação, induz a opinião pública à percepção da
inexistência de risco relevante na exposição dietética a agrotóxicos. Contudo,
analisando o relatório verifica-se que 19,7% de amostras estavam irregulares,
38,3% com resíduos dentro do LMR e 42% sem resíduos detectados, dentro do
escopo de ingredientes analisados (foram analisados até 232 Ingredientes Ativos
- IA de um universo de mais de 400 IA registrados).
Outro
ponto frágil que merece destaque no relatório é que não contempla Ingredientes
Ativos de grande consumo, como o 2,4-D e o glifosato[1]
(que representa mais de 50% , não permitindo assim a conclusão anunciada de
que 99% dos alimentos analisados não apresentam perigo à saúde humana.
Por que
somente para 2017 é apontada a necessidade de realizar análises de glifosato —
considerado pelo IARC/OMS como provável cancerígeno - nos alimentos, se desde
2013 é de conhecimento público que este é o agrotóxico mais usado no país?
Além
disso, o universo de amostras em relação ao número de IA pesquisados por
cultura nos anos de 2013 a 2015 não é padronizado, impedindo uma análise
estatística adequada dos dados e, por conseguinte, conclusões seguras sobre os
mesmos.
Outra informação divulgada de que a lavagem de
alimentos e/ou a retirada da casca pode ser uma solução para retirada de
resíduos transmite a falsa ideia de proteção, pois quase a totalidade dos agrotóxicos
possui ação sistêmica, não se limitando à superfície dos vegetais.
Considerando
que o Brasil que é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, com
milhares de intoxicações, centenas de mortes e contaminações ambientais, é
imprescindível que o PARA tenha continuidade e seja aprimorado, e que os
resultados sejam divulgados em tempo oportuno para a tomada de decisão e planejamento.
Destaca-se também a necessidade de reavaliação da forma de comunicação do
risco, a fim de que a ANVISA cumpra seu papel institucional de promoção e
proteção da saúde da população.
Porto
Alegre, 2 dezembro de 2016.
Ana Paula
Carvalho de Medeiros
Coordenadora
Noedi Rodrigues
dá Silva
Coordenador-Adjunto
[1] De acordo
com os dados do Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit), dentre os dez
agrotóxicos mais consumidos no Brasil, por princípio ativo, no ano de 2013, o
glifosato aparece na primeira posição, correspondendo a 411.343.703 kg, http://dados.contraosagrotoxicos.org/dataset/3630e63b-35a3-4e78-9287-6d2e2a387b4c/resource/6d148329-91a7-4378-a60a-dacfaaf18da3/download/agrotoxicosoticasistemaunicosaudev1t.1.pdf
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