Introdução
A
agricultura brasileira é propagandeada pela grande imprensa como a “locomotiva
da economia”. No círculo vicioso das commodities
e das monoculturas, existe uma propaganda exagerada em prol do agronegócio, por
parte da mídia brasileira, em grande parte por financiada pelo setor. Uma
apologia a um processo que encobre a concentração de terras, a degradação
da natureza e o comprometimento do recurso água e do alimento do brasileiro. Esta situação teve um forte embate, a partir do enredo
da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, no último Carnaval do Rio de
Janeiro, em 2017. A Escola de Samba tinha como tema uma crítica dura aos danos
provenientes do agronegócio. Tal situação, porém, gerou protestos de parte da
CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e uma série interminável de propagandas
enganosas em favor dos supostos benefícios do modelo de agricultura atual de
parte do poderoso setor do agronegócio.
Trazemos
aqui uma crítica que tem por base o balanço dos efeitos colaterais econômicos e
socioambientais resultantes da agricultura convencional, dominada por
oligopólios que controlam sementes e insumos a estas associadas, em um rol de
países produtores de matérias primas, como no caso do Brasil, deixando um
rastro de efeitos perversos socioambientais e econômicos praticamente invisibilizados.
Cresce
também a preocupação de setores da academia e de ONGs que denunciam a hegemonia
de um modelo desastroso de produção agrícola que não consegue conviver com a
diversidade biológica. Desde a chamada “Revolução Verde”, na década de 1960, muito
pouco se realizou para avaliar as consequências atuais e futuras sobre a
sustentabilidade do que resta de nossos biomas brasileiros e dos demais biomas
mundiais afetados pelo modelo dominante de produção agrícola. E alertarmos que esta
“locomotiva” pode estar se transformando em um “Titanic”, varrendo o potencial alimentício
e ecológico de milhares de plantas brasileiras negligenciadas.
A
Economia Insustentável do Agronegócio
Não
há como negar que a agricultura baseada na exportação de grãos, nem sempre para
alimentar seres humanos, representa parcela importante do PIB (Produto Interno
Bruto) do País. É verdade que a soja, o milho e
outras culturas de exportação, em forma de grandes monoculturas empresariais,
têm contribuição importante para a economia brasileira, porém, isso faz parte
de uma visão imediatista, de baixa ou nenhuma sustentabilidade em médio ou longo
prazo.
Vivemos
uma economia superficial, que não contabiliza os custos reais do esgotamento
dos recursos naturais e da geração de resíduos de agrotóxicos, sob a supremacia
do PIB, via “supersafras”. Uma guerra pela produção máxima, a todo custo, ou
seja, a busca incessante pelo produtivismo, que oculta uma economia periférica
produtora de matérias primas com quase nenhum valor agregado.
O
modelo exportador do agronegócio elimina atividades pequenas e biodiversas,
levando a um estrangulamento da matriz produtiva e da diversidade de
atividades, tornando-se refém do mercado de commodities.
Monoculturas representam altíssimo risco econômico. A história do Brasil já
teve exemplos de sobra sobre este assunto. Tivemos os ciclos das grandes
culturas coloniais, como a cana e o café, com resultados temporais e positivos
em relação a algumas camadas da população, mas com resultados perversos para a
maioria.
Internamente,
o modelo agrícola insustentável cola-se ao modelo agrário concentrador
representado pela concentração fundiária, afastando o necessário equilíbrio
social que deveria ser promovido pela reforma agrária no campo. Equidade social
é também equilíbrio socioambiental. Mas quem se interessa por isso, nestes
“novos” tempos de neoliberalismo em um país dominado por oligarquias que sofrem
de um tipo de “obesidade mórbida de capital e propriedade”?
As
monoculturas agrícolas representam o ápice de um modelo que lucra com a
sobretransformação da natureza e aniquila a diversidade, hoje reconhecida como
sociobiodiversidade. O eminente botânico e primeiro diretor do Jardim Botânico
de São Paulo, Frederico Hoehne, em 1946, já criticava as monoculturas,
principalmente em decorrência da vulnerabilidade da dependência da citricultura
em São Paulo, e dava destaque à importância das frutas nativas brasileiras.
Tornamo-nos
reféns das monoculturas da mente, como diria Vandana Shiva (2003), mas também
da produção de alimentos, uma vez que nossa dieta está baseada em pouquíssimas
espécies controladas por gigantescos oligopólios de sementes e de insumos da
agricultura industrial. A própria Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) já alertou, há mais de
uma década, para o fato de que 75% de nossas variedades de plantas cultivadas e
animais domesticados desapareceram, em nome de poucas variedades.
O
Brasil parece repetir estes erros, tomando-se em conta seu passado colonial
baseado nas monoculturas. Ao longo dos séculos passados, tivemos o auge e o
declínio dos ciclos do pau-brasil, da cana, do café e da araucária. No início
da colonização, o modelo extrativista levou muitos recursos à exaustão,
começando pela extração de pau-brasil, explorando também os povos indígenas do
litoral. Passados quatro séculos, o pau-brasil está na lista da flora ameaçada
de extinção, na categoria “em perigo”. Depois veio o ciclo devastador da cana,
destruindo com a vegetação, o solo e a água da zona da mata de estados do
Nordeste. Algo semelhante ocorreu com a devastação da Mata Atlântica, no século
XX, no sul do Brasil, com o café, que em forma de monoculturas sem limites nos
Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Da mesma forma, a madeira da
araucária, o segundo produto de exportação depois do café, alavancou o inicio
da economia de grandes cidades do Planalto da Região Sul do Brasil, como
Curitiba, Caxias e Lages, mas escasseou-se e, hoje, também a espécie está em
perigo de extinção, nas listas da flora do Brasil e de alguns Estados.
Os países da América do Sul, sendo também o caso de nosso
País, vêm, cada vez mais, tornando-se reféns da exportação de commodities, desde algumas décadas para
cá. A Economia tornou-se mais dependente da produção de matérias primas,
fenômeno denominado de reprimarização econômica, principalmente nas áreas do
agronegócio e da mineração, seguidos por semimanufaturados como celulose,
cimento e metais.
E,
quando surge o declínio inevitável, as consequências são muitas vezes
devastadoras, com mínimas chances de recuperação. Ficamos cada vez mais
vulneráveis aos grandes mercados e à economia global, estrangulando a matriz
produtiva limitados a algumas poucas commodities.
Obviamente, alguém sai ganhando com esta vulnerabilidade e seu alto risco
iminente, quando as condições climáticas e os mercados não são favoráveis. Os
bancos e as empresas de sementes e insumos agrícolas quase sempre ganham neste
processo, enquanto a tragédia torna-se previsível para a maioria mais
vulnerável dos agricultores familiares quando o clima ou os preços
internacionais não ajudam, levando ao endividamento do pequeno agricultor
inserido neste agronegócio.
No
seio do processo socioeconômico, a ação governamental vem garantindo mais de
200 bilhões de reais, nos últimos anos, para os chamados Planos Safra da
agricultura empresarial. Na realidade, estes planos correspondem a demandas de lobbies de fomento às monoculturas, com
financiamentos facilitados a juros abaixo de valor de mercado. A agricultura
familiar, que produz 2/3 dos alimentos dos brasileiros, acaba ficando com uma
parcela pequena, que não passa de 10% ou 15 % deste valor.
Outro
aspecto a destacar é que o agronegócio não necessariamente produz alimentos. A soja,
por exemplo, não se destina a alimentar seres humanos, e sim vai para a ração de
bovinos, em outros países. No que toca à quantidade de alimentos, cabe levar em
conta de que existem desperdícios consideráveis em relação ao tema. A FAO admite
que 1/3 dos alimentos produzidos no mundo é perdido ou desperdiçado durante
os processos de produção e venda, o que equivale a cerca de 1,3 bilhões de toneladas por ano. O
Brasil está entre os 10 países que mais desperdiçam comida no mundo, segundo
o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Os
benefícios à agricultura empresarial são concentrados e garantidos pela Bancada
Ruralista que impõe grande influência nos governos. Como resultado, acumula uma
dívida de mais de 900 bilhões de reais[1], correspondendo
a financiamentos e impostos não pagos por parte de empresários do setor
agrícola, dívida que dificilmente vai ser paga, mas que, na realidade, será repassada
à população brasileira.
Na
esteira deste processo de pressões econômicas e políticas, a legislação
ambiental também foi quebrada em sua essência nos últimos anos, não só pela
bancada ruralista, mas, surpreendentemente, por deputados supostamente de
esquerda. O deputado federal Aldo Rebelo,
do PCdoB, foi apoiado pela Bancada Ruralista e relator do projeto que derrubou
a Lei Federal 4.771/1965, denominada Código Florestal, tendo sido substituída
pela Lei 12.651/2012[2],
[3],
que permitiu a anistia a desmatadores e a consolidação de práticas de
flexibilização e expansão sobre Áreas de Preservação Permanente e Reservas
Legais, favorecendo as monoculturas de exportação.
A
nova fronteira de expansão da agricultura empresarial, inimiga da
biodiversidade, tem como alvo de desafio e deslumbramento uma região do
nordeste do Brasil, que está sendo chamada de Matopiba (letras iniciais dos
Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Paraíba). A soja é, mais uma vez, o
carro chefe desta locomotiva sem freio, que poderá contar com a irrigação e as
obras de Transposição do rio São Francisco.
Impactos
socioambientais da agricultura moderna
Em
1962, a bióloga norte-americana Rachel Carson levantou algumas destas questões
fundamentais em seu livro intitulado “Silent Spring” (Primavera Silenciosa),
obra que se tornou o marco do surgimento do movimento ecologista, alertando
sobre os efeitos daninhos não previstos pela agricultura industrial,
especialmente relacionados aos agrotóxicos. O professor da Universidad Autonoma
de Madrid, o filósofo e sociólogo Jorge Riechmann (2004), dá sequência às
mesmas críticas de Carson, com as seguintes palavras (p. 176):
O
setor agroalimentar, em conjunto com o energético, faz parte dos dois setores
econômicos mais diretamente vinculados aos ecossistemas e às modificações
introduzidas nestes pela atividade humana. Nossos agrossistemas industriais
produzem graves e crescentes impactos ecológicos, entre os quais cabe contar:
desmatamento, desertificação de extensos territórios, destruição do solo
fértil, perda de biodiversidade, alteração do ciclo global do nitrogênio,
difusão de tóxicos biocidas no ambiente, sobre-exploração e contaminação de
aquíferos, sobre-exploração de águas superficiais (sem respeitar um mínimo
caudal ecológico dos rios), desperdício de água (captada comumente com grande
impacto ambiental), eutrofização de lagos e mares, enorme desperdício de
energia...
Segundo
Oward Odum “Os resultados das análises dos sistemas de produção de alimentos e
bens industriais mostram que a maioria dos sistemas são insustentáveis na
América Latina”.[4]
Também, segundo a
FAO, 25% dos
solos do planeta estão degradados, inclusive pelo uso intensivo “moderno” da
agricultura.
Quadro 1. Comparação
entre Agricultura Ecológica e Orgânica versus Agricultura Industrial Moderna
Agricultura
Ecológica e Orgânica
|
Agricultura Industrial
Moderna
|
Mantém
a diversificação da matriz produtiva.
|
Estrangula
a diversidade da matriz produtiva, em poucas culturas.
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Mantém
a pequena propriedade e a mão de obra no campo.
|
Concentra
terras e descarta profundamente a mão de obra no campo.
|
Mantém
a diversidade de sementes crioulas e de outras formas de propagação de
plantas, como rizomas, tubérculos, ramos, etc.
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Elimina
a diversidade, controlando por meio de oligopólios que realizam a venda
casada com sementes patenteadas e agrotóxicos associados a estas.
|
Mantém
a permeabilidade do solo. Com as chuvas a infiltração facilitada pela matéria
orgânica e microclima mais úmido permite a recarga dos aquíferos.
|
As máquinas pesadas compactam o solo, diminuindo a
permeabilidade, prejudicando
a recarga de aquíferos subterrâneos e diminuem a área da rizosfera das
culturas agrícolas.
|
Mantém
a umidade do ar e o ciclo da água dependente da vegetação nativa, em especial
a florestal. A vegetação florestal contribui para os rios voadores. O efeito
de orvalho decorrente da vegetação, durante à noite, repõe eventuais
condições de clima seco durante o dia
|
As gigantescas lavouras de áreas abertas eliminam a
cobertura florestal interferindo no ciclo das chuvas, diminuindo os chamados
Rios Voadores[5], que
provêm da Amazônia e são responsáveis por pelo menos 1/3 das chuvas na Região
Sul e Sudeste do Brasil e, consequentemente, reduzem os recursos hídricos
disponíveis para o abastecimento humano[6].
|
Mantém
vegetação florestal que abriga abelhas e outros insetos polinizadores.
|
Responsável pelo extermínio de enxames de abelhas, por
agrotóxicos, tendo como consequência menor diversidade de polinizadores.
|
Mantém
a saúde ambiental, pela inexistência de uso de produtos sintéticos
potencialmente tóxicos e de difícil degradação.
|
Contamina
o agricultor, a água, o ar, o solo e os alimentos, com agrotóxicos e insumos
sintéticos derivados do petróleo.
|
Mantém
a maior autonomia, por prover recursos naturais locais, com adubos orgânicos,
minerais básicos e outros insumos independentes do petróleo, com baixa
contribuição à liberação de gases de efeito estufa.
|
Dependente
quase totalmente do petróleo, recurso que está se tornando mais escasso,
liberando gases de efeito estufa.
|
De
acordo com Riechmann (2004), “a guerra contra a natureza forma parte do
funcionamento normal das sociedades industriais contemporâneas”, sendo este
potencial bélico podendo voltar-se contra nós mesmos, às vezes de forma direta
(comprometimento da água, perda de solos e de biodiversidade, contaminação
agroquímica, etc.) ou de outras maneiras, muito mais sinuosas e indiretas (os
casos de cânceres provocados por moléculas biocidas e por mecanismos de
disrupção hormonal).
Na
Amazônia, hoje, o agronegócio de grãos e as pastagens implantadas em áreas
originais de florestas representam o avanço da fronteira agrícola quase sem
limites e, no que se refere ao ciclo da água, diminuem a formação de nuvens e a
umidade atmosférica, interferindo negativamente no que hoje é chamado de “Rios
Voadores” conjunto de nuvens provindas da evapotranspiração da Amazônia, e que abastecem
de chuvas as regiões Sul e Sudeste do Brasil. O desmatamento provocado por grupos
econômicos ou famílias de médios ou grandes agricultores, que provêm do Sul do
Brasil e vão para o Norte, acaba desencadeando um efeito bumerangue negativo para
a formação de nuvens na Região Sul, a principal provedora de migrantes para o
Norte e Centro-Oeste, pois 1/3 das chuvas no Sul provém da evapotranspiração da
Amazônia.
A conversão de
nossos biomas em paisagens homogêneas de soja (figura 1), eucalipto, cana,
milho, ou pastagens artificiais, desde o Pampa até a Amazônia, utilizou-se de agrotóxicos
(figura 2), também trazendo perda massiva de abelhas e outros polinizadores. É
imensa a riqueza de insetos potencialmente polinizadores, em especial as
centenas de abelhas silvestres que contribuem para reprodução de nossas culturas.
Segundo pesquisadores da Embrapa, a ausência de insetos polinizadores, como
abelhas, provoca queda de produtividade de 40% a 100% em oito culturas
comerciais (algodão, café, soja, maracujá, caju, pêssego, melão e laranja).[7] Como
esses insetos se refugiam na vegetação nativa, a supressão ou o envenenamento
indireto por agrotóxicos estaria comprometendo a produção de mel, a economia
baseada na atividade e, indiretamente, a polinização e a produção da
agricultura brasileira.
O surgimento
cada vez maior de espécies consideradas “pragas” e “ervas daninhas”, somente
poderia ser concebido para o caso de espécies exóticas invasoras, como o pinus,
a braquiária, o capim-anoni, a rã-touro, a mosca da fruta, entre outros.
Contudo, seu surgimento provavelmente é o resultado da simplificação dos
sistemas agrícolas.
A resistência de
plantas consideradas indesejáveis na lavoura, denominadas como “daninhas”, é
consequência do empobrecimento dos sistemas ecológicos naturais. Isso provoca o
aumento do uso de herbicidas, tornando-se um problema de solução cada vez mais
distante. A produção de apenas uma ou duas espécies de plantas anuais
tolerantes a herbicidas dificulta uma rotação necessária e a consorciação com
outras culturas, o que, na prática, dificulta o desenvolvimento de sistemas
agrícolas mais sustentáveis (Altieri, 2004). Segundo o autor, não há dúvida de
que a grande escala da homogeneização da paisagem com culturas transgênicas
incrementa os problemas ecológicos já associados às monoculturas agrícolas.
A crescente falta de
água potável está associada também à contaminação derivada de agrotóxicos ou
pela eutrofização dos corpos d’água, decorrente do excesso de nutrientes da
adubação química usada na agricultura.
Quanto
às mudanças climáticas, são dramáticos os prognósticos pessimistas por parte do
IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, em inglês), desde o ano
2007, sobre possível perda da biodiversidade brasileira. No que toca a maior parte
da Floresta Amazônica, os documentos apontam que se tornaria uma vegetação mais
seca, enquanto a Caatinga poderia virar um deserto. Da mesma forma, é prevista
a diminuição da produtividade de cultivos importantes e da criação de gado, com
consequências adversas para a segurança alimentar [8].
Inovação
agrícola para que(m)?
Na esfera da “inovação”
científica e tecnológica no caminho da supremacia do produtivismo, alienado dos
processos ecológicos, nas últimas décadas, ocorreram “contribuições” decorrentes
de centros de pesquisas aplicadas e de setores das universidades em áreas
voltadas ao setor privado e para o avanço das monoculturas agrícolas de grãos. A
própria Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) realizou
parcerias milionárias com as transnacionais Monsanto e BASF, principalmente com
a produção de sementes de soja transgênica. A denominada agricultura de
precisão, que realmente precisa quase totalmente do aporte de insumos externos
e de pacotes tecnológicos associados, tornou-se o paradigma moderno da
supremacia produtivista. Perde, por sua vez, a agrobiodiversidade e o
conhecimento e a autonomia da produção de sementes por parte do agricultor
familiar.
As pesquisas buscam a
máxima produção de grãos, sempre com base em alta carga de insumos derivados do
petróleo. Na safra 2016 - 2017, a soja foi anunciada como a alavanca da “safra
recorde”. Houve a produção 114 milhões de
toneladas[9]
deste produto, o que corresponde a cerca de 1/3 da produção mundial[10].
A soja, carro chefe deste trem, corresponde
também a cerca de 50% da produção de grãos no País. Entretanto, esta situação
ocorre somente em anos de climas favoráveis que não aqueles afetados por secas
ou chuvas intensas, situações estas que se tornam cada vez mais comuns com o
fenômeno das Mudanças Climáticas, caso que aconteceu em 2012, quando houve
perdas de bilhões de reais, devido às secas
daquele verão.
Há cerca de uma
década e meia, o Brasil incorporou o advento massivo da tecnologia dos
organismos geneticamente modificados, na falácia de “gastar menos” com
herbicidas e inseticidas, principalmente após a aprovação da Lei de
Biossegurança, Lei Federal 11.105/2005. O caminho produtivista industrial da
agricultura moderna com OGMs desconsidera a complexidade necessária dos
sistemas naturais e a sustentabilidade inerente destes sistemas diversos que
têm história de vida de milhões de anos de evolução. Entretanto, o País acabou
tornando-se o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, ultrapassando mais de
um bilhão de litros de uso destes produtos, a começar pelo herbicida glifosato,
que corresponde a um pouco mais de 50% dos agrotóxicos, com a marca mais
conhecida, o Roundup Ready.
Caminhos
para a transição agroecológica
A megaescala de
uma agricultura baseada no paradigma da uniformidade monoespecifica é inviável
e vai de encontro aos princípios de um país megadiverso como o nosso.
Infelizmente, a escassez ou ausência de incremento de estudos que contemplem a
vocação brasileira, constituída pelo diferencial de um país riquíssimo em
alternativas de uso de milhares de plantas alimentícias nativas, segue retroalimentando
o círculo vicioso de monocultivos de alto impacto ambiental, como no caso da
soja.
Apesar
de o Brasil manter a base de sua economia calcada em exportação de matérias
primas, com uso intensivo de recursos, está no rumo do esgotamento dos recursos
naturais, mesmo sendo a nação com a maior biodiversidade entre todas do Planeta.
Cerca de 15% das espécies estão presentes aqui, nossos ecossistemas são
variados e abrigam hotspot, centros de
riqueza e diversidade dos mais elevados do mundo. Esta condição privilegiada
deveria ser utilizada para reverter a perversa dependência que condena o País e
os seus países vizinhos a destruírem a natureza para gerar, via exportação,
riqueza concentrada para poucos.
Seria
fundamental que fossem realizados balanços dos efeitos colaterais da
agricultura moderna, e que os governos e os bancos financiadores da agricultura
industrial quimificada e devastadora tivessem que prestar contas de sua
responsabilidade pelo impacto irreversível sobre os recursos naturais, a
megabiodiversidade e a sustentabilidade socioambiental.
Uma
das estratégias de limite necessário às monoculturas é justamente respeitarmos
a territorialidade protetiva, por meio de um instrumento criado pelo próprio
governo, que corresponde ao Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso
e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira (APBio, 2007),
definidos pela Portaria n. 9 de 23 de janeiro de 2007, do Ministério de Meio
Ambiente. Nestas áreas (nas categorias de Extrema Importância, Muito Alta
Importância e Alta Importância) deveriam ser vedadas as práticas da agricultura
de alto impacto e conversão de uso do solo, além de se definir um Zoneamento
Ecológico-Econômico que buscasse manter ao máximo as áreas naturais e rurais
agrobiodiversas com conectividade entre os remanescentes dos biomas
brasileiros.
Os centros de
pesquisa deveriam abandonar o desenvolvimento científico e tecnológico aplicado
às monoculturas, invertendo as prioridades, colocando no foco uma agricultura
onde a diversidade seja o elemento chave. A restauração dos processos
ecológicos, por exemplo, estimula os controles biológicos e a manutenção ou
restauração da rica diversidade microbiana do solo, podendo constituir-se em
uma solução mais barata, sustentável, socialmente justa e menos arriscada que a
simples via por meio da tecnologia de sobretransformação ligada ao desenvolvimento
de OGMs e agroquímicos associados.
A
busca pela soberania alimentar deveria despir-se da atual ordem econômica
mundial, da globalização econômica, que visa a competitividade e a concentração
de capital por parte de grandes corporações e por famílias abastadas.
Precisamos buscar nossa plena Soberania
Ecológica, que mantenha a riqueza da sociobiodiversidade brasileira, as
variações de solo, clima e relevo, respeitando os caminhos e vocações
ecológicas locais, abandonando o caminho da homogeneização que destrói a
diversidade no campo.
Referências
bibliográficas
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da
agricultura sustentável. 4 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
HOEHNE,
Frederico C. Frutas indígenas. São
Paulo: Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio - Instituto de Botânica,
1946. 88 p.
NOBRE, Antônio D. O futuro climático da Amazônia: relatório de
avaliação científica. São José dos Campos: ARA: CCST-INPE: INPA, 2014
Disponível em http://www.ccst.inpe.br/wp-content/uploads/2014/11/Futuro-Climatico-da-Amazonia.pdf. Acesso em 02 de outubro
de 2017.
ODUM, Howard T. Engenharia Ecológica: uma metodologia para a
Agricultura Sustentável. Universidade da Flórida
RIECHMANN, Jorge. Hacia una agroética:
consideraciones sobre ética ecológica y actividad agropecuaria. In. Riechmann (coord.). Ética
ecológica: propuestas para una reorientación. Montevideo: Editorial Nordan
Comunidad, 2004, p.175-201.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: perspectivas da
biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia. 2003, 239 p.
Figura 1 – Plantações de soja na região do Planalto
do Rio Grande do Sul
Figura 2- Taxa de crescimento de vendas de
agrotóxicos entre 2000 e 2010
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